A INFLUÊNCIA DA FENOMENOLOGIA NA GESTALT-TERAPIA


A Influência da Fenomenologia na Gestalt-Terapia



O que é a fenomenologia ?


Para compreendermos qualquer ciência é necessário ir até a sua base, ou seja, até a sua epistemologia. A epistemologia concentra os fundamentos de como um conhecimento começa a ser pensado, é caracterizado o seu método de investigação e o seu surgimento como um constructo científico. Para entendermos como a Gestalt-Terapia funciona é necessário compreender também a sua epistemologia, que se concentra no Existencialismo e na Fenomenologia. No presente texto iremos elucidar as influências da fenomenologia na Gestalt-Terapia e a importância dessa para a construção do seu método investigativo clínico.

A fenomenologia de Husserl, compreende o real como co-imaginário da consciência transcendental, como o fenômeno se apresenta para a consciência, reintroduzindo o sensível (as sensações) a partir da redução fenomenológica. A redução fenomenológica nada mais é do que a investigação minuciosa e articulada de como um dado fenômeno se apresenta para um sujeito em um espaço e em um tempo preciso, sendo necessário fazer um recorte já que cada fenômeno é único e a consciência o apreende de formas diferentes a partir de influências do espaço-tempo que vivencia. A consciência, para Husserl, é vista como dotada de intencionalidade. O sujeito percebe a partir de sua consciência aquilo que tenciona observar e integrar à sua experiência. É transcendental por não se prender a detalhes técnicos de sentimentos, sensações e imagens. O conteúdo empírico não é reduzido a partir de nenhuma propriedade da neurofisiologia humana e os fenômenos são observados como se revelam para a consciência do sujeito.
A visão de Husserl é dedicada a uma crítica ao positivismo que dominava o contexto em que o filósofo vivenciava. Tudo era milimetricamente calculado na filosofia na tentativa de controlar e prever o fenômeno. Husserl entendia que os fenômenos não podem ser controlados e previstos, mas por outro lado podem ser capturados pela nossa consciência a partir da nossa intencionalidade e das nossas formas sensoriais e assim termos uma experiência enriquecedora e autêntica. "A postura de que a realidade fala por si, na forma de leis, obscurece o discurso racionalista que habita suas profundezas. O cientista fala do ser como se este fosse constituído pelas próprias fórmulas e esquemas que o cientista fala, comportando propriedades e leis que podem ser estudadas por si próprias." Diz, Cataldo (2012).
Me permito a ainda citar Cataldo quando fala: 
"Husserl está interessado no pensamento mais original, no fenômeno puro, na consciência pura (a vivencia pura, essa, que não pode ser estudada a partir de nenhuma teorização). Os fenômenos puros, na sua originalidade, devem ser apresentados como dados (no sentido de dar-se, de modos de mostração), em conformidade com o sentido de cada intelecção (e não dados como verdades ocultas ao aparente). Vê a consciência como vivência, como simples presença do fenômeno imanente."
(CATALDO, 2012.)
Fica claro que Husserl critica um excesso de senso de controle tido pelos filósofos da época que queriam controlar e prever todos os fenômenos. É dado que a consciência é particular de cada sujeito e irá integrar a sua vivência, não podendo assim ter uma influência externa determinante para a sua experiência.

Qual a importância da fenomenologia para a Gestalt-Terapia ?

fenomenologia não constitui apenas a epistemologia da Gestalt-Terapia, como também integra a sua prática clínica. Quanto ao método de investigação derivado da fenomenologia as pesquisas pela Gestalt-Terapia terão uma abordagem de compreender como a experiência se mostra para o sujeito. Isso fica evidente em pesquisas exploratórias que perguntam: "Como é vivenciar esse contexto para você?" "Como você se sente?".
Dessa forma, nenhum dado é inferido. Todos os dados são coletados e calcados a partir da experiência do sujeito que participa da pesquisa, facilitando o trabalho investigativo por parte do pesquisador.
Na clínica a fenomenologia se apresenta derivando conceitos básicos. Como o de contatoself e awareness.
contato é uma ação que se estabelece com a função de satisfação de uma ou mais necessidadesPressupõe também uma troca fluída entre organismos e elementos que estão em campo. Todo contato é criativo e dinâmico e parte de uma experiência subjetiva do sujeito. Essa é a principal influência da fenomenologia.
Parafraseando o artigo intitulado "Gestalt-Terapia: fenomenologia na prática clínica" de Ulisses CataldoA definição para o self encontrada na obra de PerlsHefferline e Goodman (1951) é a de que o self é "o sistema complexo de contatos necessário ao ajustamento criativo" (p. 179). Ao definir o self como um sistema de contatos que tem a função de contatar o presente, Perls, Hefferline e Goodman (1951) não o entendem como uma entidade psicofísica, mas sim como um processo, como algo que se dá através de uma relação, como um acontecimento na fronteira de contato. O self, para estes autores, é uma dinâmica de trocas energéticas entre o organismo e o meio, de modo a permitir, por um lado, a conservação de algumas formas de organização anteriores (junto às quais me experimento como aquilo que permanece) e, por outro, a destruição de formas antigas e assimilação de formas novas (o que permite que me experimente como algo integrado ao ambiente). Dessa forma, fica claro que o self é uma estrutura psicodinâmica e fluída que realiza trocas constantes com o ambiente que o rodeia; mesmo estando integrado ao mesmo. A influência da fenomenologia fica clara quanto a participação do sujeito em sua experiência e sua função de integrar a experiência ao seu Ser no mundo.
Awarenesscomo escreve o casal Müller-Granzotto (2007), é processo de orientação que se renova a cada instante. É uma unidade, uma fixação. Dá-sa partir de um sentir (entendido como espontaneidade), como abertura para a nossa "história impessoal". Um estado de consciência do seu organismo de forma integral, abrangendo pensamentos, sensações, sentimentos, noção corporal, dentre outras sensações. A Awareness oportuniza a espontaneidade no momento em que se estabelece o contato. Aqui a fenomenologia se reverbera por resgatar o conceito de "intuição operativa" em Husserl que era uma forma ainda rudimentar de descrever a espontaneidade.
A partir desse texto, é possível notorizar as influências da fenomenologia na prática da Gestalt-Terapia no campo da teoria, pesquisa e prática. A fenomenologia é uma base filosófica que pode render várias discussões para o público " psi " independente de abordagem, por ser um método investigativo que leva em conta a experiência particular do sujeito tende a ser muito enriquecedor em todos os âmbitos utilizados.

Referências:

GINGER, S. & GINGER, A. Gestalt: uma terapia do contato. Tradução deSonia de Souza Rangel. São Paulo, Summuns, 1995.
HUSSERL, E. A filosofia como ciência de rigor. Tradução de AlbinBeauCoimbra: Atlântida, 1965.
_________. 1929. Conferências de Paris. Tradução de Antonio Fidalgo e Artur Morão. Lisboa: Ed. 70, 1992.
MÜLLER-GRANZOTTO, M. J. & MÜLLER-GRANZOTTO R. L. Self e temporalidade. Revista IGT na Rede. Vol1 .n1, p.1-18. Jan 2004.
__________. Fenomenologia e Gestalt-terapia. São Paulo, Summus, 2007a.
__________.Estilo Gestáltico de intervenção clínica nos ajustamentos neuróticos. Revista IGT na rede. Vol.4. n.7, p.167-189.2007b.
__________. Clínica dos ajustamentos psicóticos: uma proposta a partir da Gestalt-terapia. Revista IGT na Rede. Vol. 5, n.8, p. 3-25. 2008.
__________. 2009. "A clínica gestáltica da aflição e os ajustamentos ético políticos".Centro de Documentação da Gestalt-terapia Brasileira. URL: http://www.igt.psc.br/ojs2/index.php/cengtb/article/view/194/506
PERLS, F.1973. A abordagem gestáltica e Testemunha ocular da terapiaTradução de José Sanz. 2ed. Rio de Janeiro: Zahar, 1985.
_______. Gestalt-terapiaexplicada. Tradução de George Schlesinger. São Paulo: Summus, 1977.
F; HEFFERLINE, R; GOODMAN, P. 1951 Gesltalt-terapiaTradução de Fernando Rosa Ribeiro. 2ed. São Paulo: Summuns, 1997
POLSTER, E. & POLSTER, M.1979. Gestalt-terapia Integrada. São Paulo: Summus, 2001.
RIBEIRO, J. P. O ciclo do contato: temas básicos na abordagem gestáltica.4ed. São Paulo: Summus, 2007.
RODRIGUES, H. E.1999. Introdução à Gestalt-tearpia: conversando sobre os fundamentos da abordagem gestáltica. 3ed. Petrópolis, RJ: Vozes, 2000.
CATALDO, UlissesHeckmaier de Paula – Gestalt-terapia: fenomenologia na prática clínica. Revista IGT na Rede, v. 10, nº 18, 2013, p.187 - 222. Disponível em: <http://www.igt.psc.br/ojs> Acesso em: 01 de Outubro de 2018. ISSN: 1807-2526 

Comentários