JUNG E A PSICOLOGIA ANALÍTICA - CONCEITOS BÁSICOS PARA SUA COMPREENSÃO

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JUNG E A PSICOLOGIA ANALÍTICA: UM RECORTE HISTÓRICO E TEÓRICO

 2018 José Cleber Leandro Duarte Psicólogo Clínico (CRP:02-21146). Estudioso em Psicologia Analítica, Ciências e Filosofia das religiões. E-mail de contato: cleberpsicologia1992@gmail.com RESUMO Adentrando nas literaturas que se debruçam com o Inconsciente e o significa, defrontar-se com Carl Gustav Jung, por elas, não é surpresa. O grande autor trouxe para os ramos das ciências médicas e humanas uma gama de esclarecimentos sobre a natureza da psique humana. Seu percurso com Bleuler, Freud, Einstein, Pauli entre outros, não o fez estagnar-se nas grandes teorias destes. Jung preferiu escutar as verdades especuladas por suas experiências e as trouxe com brilhantismo para o panorama cientifico. Através da revisão de literatura, este artigo tem o objetivo de discernir um recorte histórico e teórico que fundamentaram a Psicologia Analítica. A Psicologia Analítica é considerada uma abordagem peculiar, caracterizada por trabalhar o possível encontro com o arquétipo central: o Self. O processo de individuação é um doloroso resgate de grande valia, o maior sentido a se encontrar, a maior riqueza da alma. Palavras-chave: Psicologia, inconsciente coletivo, religião

INTRODUÇÃO 

Carl Gustav Jung (1875-1961) encorpou e concretizou sua Psicologia, primeiramente chamada de Psicologia dos Complexos, doravante Psicologia Analítica, a partir de suas experiências pessoais e de pesquisas empíricas. Até o fim de sua carreira o psiquiatra suíço afirmou ser um cientista, um empirista e não um teórico, metafísico, filósofo, ou como adjetivado, um místico (LACHAMAN, 2012). Os estudos tangentes à psicologia profunda, no qual Jung se dedicou trouxe novas ideias e conhecimentos para o campo científico. O intuito de ajudar o homem frente ao seu vazio existencial, foi a causa das neuroses psicopatológicas. O pai da Psicologia Analítica debruçou-se em estudos para além ordens já estabelecidas pela ciência e psicanálise. Sua psicologia além de expor uma teoria diretamente ligada a personalidade, toca diretamente em temas instigantes e muitas vezes mal compreendido (STEIN, 2006). Jung discerniu o fenômeno da sincronicidade, no qual fez uma interlocução de saberes com o físico Wolfgang Pauli1 e a física quântica. Produziu textos com intermédio do pai da parapsicologia Joseph Banks Rhine2 . A esteira erudita de Jung abriu caminhos e explicações para amiúdes temas como: psicopatologia, Individuação, vidas após morte, religiosidade, espiritualidade e seu doutorado teve como cerne o tema da mediunidade, experiência de quase morte entre tantos outros (ARGOLLO, 2006). Jung não abriu mão de sua erudição na linguagem de seus livros, não obstante, concluído suas obras, se preocupou em que as pessoas entendessem realmente sua psicologia (JUNG, 2008). Sua teoria foi produzida numa linguagem religiosa, no qual cabe a ressalva da denotação Religare, que significa: ligar-se a si mesmo. Para Jung é uma condição ancestral inerente. Embora a psicologia científica tradicional, da sua época, ainda arraigada com sua episteme tivera ignorado algumas concepções da sua teoria, em 1960 seus livros começaram a serem traduzidos e explanados, atualmente estão pulverizados e sendo estudados por profissionais de diversas áreas para além do campo científico. 

JUNG FOI DISCÍPULO DELE MESMO 

Na compilação e prefácio escrito por sua biógrafa Aniela Jaffé (2001) junto a ele, ambos descrevem parte de sua biografia mais significativa em sua vida, onde publicara o livro: Memórias, Sonhos e Reflexões, expondo um capítulo exclusivo sobre sua ralação com o pai da psicanálise: Freud. O mencionado livro contém escritos factuais trazidos pelo próprio Jung sobre o seu defrontamento com a teoria psicanalista e suas objeções à teoria psicanalítica. Jung debruçou-se aos vinte e cinco anos com a primeira obra do Freud A Interpretação dos Sonhos e não a compreendera bem devido a sua falta de estudos e experiências subjacentes, deixando o livro de lado. Passados aproximadamente três anos, o (re)encontro com a obra freudiana fascinou Jung, a gama de novas ideias trazidas pela psicanálise, sobre o Inconsciente, fez com ele procurasse pelo autor pessoalmente (JUNG, 2001). O primeiro encontro com Freud ocorrera em 1907. Freud e Jung mantiveram um diálogo de treze horas quase ininterruptamente. Apesar de muitas analogias de ideias, com o passar do tempo, Jung não se satisfez com a limitação da teoria em relação a sexualidade; ele não a descartava, porém, não se estagnou na concepção sexual e em muitas vezes evitava questionar o Freud sobre outras concepções, por medo de perder a amizade, na qual emergiu uma transferência paterna (JUNG, 2001). Jung atestara no livro supracitado que Freud foi prisioneiro de uma “noção biológica mesquinha” (JUNG, 2001, p. 139). Ele não aceitava o ponto de vista de Freud, a sexualidade, para Jung, não era uma explicação nevrálgica. Em 1909 ambos principiaram de duradoras viagens objetivados a participação de conferências internacionais, mesmo assim entre o período de 1909 à 1912, Jung apresentara implicitamente, nessas conferencias, suas ideias que fugiam do ponto de vista Freudiano, o que causava choques emocionais para o Freud. Há relatos de desmaios do Freud com as atitudes adversidades de Jung para com a psicanálise. Segundo Jung (2001) a monotonia do Freud era notória, sobre um discurso persuasivo de sua teoria psicossexual. O pai da Psicanálise chegou ao ponto de lhe pedir para fazer de sua teoria um dogma. Interpretado por Jung, como uma vontade de poder pessoal. Diz Jung, que ficou impressionado com essa conduta: “Esse choque feriu o cerne de nossa amizade. Eu sabia que jamais poderia concordar com essa posição” (JUNG, 2001, p. 136). Neste período foi publicado o texto O Sacrifício no livro Símbolos de Transformação, onde Jung expõe sua concepção sobre o fenômeno do incesto, apresentado numa retina simbólica, e que em casos muito raros efetua uma interferência pessoal na vida sujeito. Esse texto é o cerne do distanciamento entre eles. Vale ressalvar que Jung não criou sua teoria com o intuito de se contrapor a Freud, ele apenas expos seu ponto de vista, através de suas pesquisas, pois a psicanálise não foi a única fonte de seus estudos (JUNG, 2001).

Jung também deu importância a sexualidade, porém, diferente de Freud, ele não se limitou na causa biológica. Freud define a libido sexual como única fonte de energia psíquica. Jung atestou que apesar de existir uma forte influência dessa pulsão sexual, existem outros tipos de pulsões, por exemplo, a fome (STEIN, 2006). Jung apud Mednicoff (2008) reflete que é chegado uma idade que a libido sexual deixa de imperar na vida psíquica, outras pulsões passam a influenciar fortemente a psique; exemplo: a vontade do autoconhecimento. Em 1928 foi publicado um ensaio chamado Energia Psíquica, discernindo uma concepção própria de forma detalhada sobre a energia psíquica. Para Jung apud Maroni (1998) cada ciência ou cada ponto ideológico, por mais objetiva que seja, é fruto da captação perceptível de um subjetividade. Toda psicologia é oriunda de um discurso subjetivo. Jung afirma ser impossível encontrar uma única verdade sobre a psicologia humana. É possível apenas extrair expressões verdadeiras, ou melhor, confissões detalhadas do que é observável. “Múltiplas são as expressões verdadeiras nas searas da psicologia porque múltiplas são as subjetividades” (MARONI, 1998, p. 18). Tenho plena consciência dos méritos Freud, e não tenho intenção alguma de diminui-lo. Sei, inclusive, que o que ele diz se adapta a um grande número de pessoas, e é possível afirmar que tais pessoas tem exatamente o tipo de psicologia que ele descreve. Adler, cujo o ponto de vista era completamente diverso, também tem um grande número de seguidores, e estou convencido que muitos têm uma psicologia Adleriana. Também tenho os meus, tão numerosos quanto os de Freud, pessoas que, presumivelmente, tem a minha psicologia. [...] Mas espero que Freud e Adler façam o mesmo, e confessem que suas ideias representem pontos de vistas subjetivos. Desde que admitamos nosso preconceito estaremos realmente contribuindo para uma psicologia objetiva. (MARONI apud JUNG, 1998, p. 9). O INCONSCIENTE COLETIVO E OS ARQUÉTIPOS. Nichols (2007) atesta a grandeza do eminente Guru, ao descobrir e explorar o inconsciente coletivo, formular uma teoria dos arquétipos, investigar e discriminar a dinâmica de um Inconsciente no comportamento do homem. Este Inconsciente Coletivo possui propriedades que não alcançam o limiar de nossa consciência, nele estão herdadas as experiências arcaicas dos nossos antepassados (JUNG, 2008). Os arquétipos são tendências herdadas que assemelhamo-nos aos nossos ancestrais, são representações em forma de imagens dos nossos instintos. Eles estão inseridos no poscênio dos nossos pensamentos; “são unidades básicas do inconsciente coletivo e funcionam como instintos psíquicos que nos predispõem vivenciar o mundo de certas maneiras universais” (CLONINGER, 1999, p. 87). 

Para Jung (2008) assim como as aves tem uma tendência instintiva para produzirem seus ninhos e formigas organizarem suas colônias, o homem também possui tendências inatas, que o Freud denominou como resíduos arcaicos, sem dar tanta importância. E também afirma “Os arquétipos criam mitos, religiões, e filosofias que influenciam e caracterizam nações e épocas inteiras” (JUNG; et al, 2008, p. 98). Um exemplo interessante ligado às estruturas arquetípicas é que, para ele, as religiões, todas elas, são fenômenos espontâneos da natureza humana provenientes dos arquétipos. Segundo Jung apud Xavier (2006) as ideias religiosas não dependem apenas da fé e sua cultura. Os arquétipos interferem fortemente nesse fenômeno. Este seria o motivo pelo qual pesquisas antropológicas comprovem amiúdes difusões homologas entre suas simbologias. Jung apresentou provas, extraídas do seu trabalho entre os chamados “loucos” e as centenas de pessoas “neuróticas” que lhe pediam uma resposta para os seus problemas, de que a maior pare das formas de insanidade e desorientação mental eram causadas por um estreitamento da consciência e de que, quanto mais estreita e mais racionalmente focalizada fosse a consciência do homem, tanto maior seria o perigo de hostilização de forças universais do inconsciente coletivo, a tal ponto que elas se levantariam assim por dizer, em rebelião e esmagariam os últimos vestígios de uma consciência penosamente adquirida pelo homem (NICHOLS, p. 15, 2007). Jung (2000) comprova a existência dos arquétipos no Inconsciente Coletivo a partir das imagens dos nossos sonhos, nelas eclodem diversos componentes espontâneos, sem nenhuma influência ou propósito consciente. Os conteúdos oníricos são materiais escassos, frutos deste inconsciente mencionado. Os arquétipos são estruturas originalmente puras, sujeitas a mudanças funcionais expressadas na conduta humana de acordo com a cultura. É possível encontrar amiúdes materiais arquetípicos disponíveis. Além dos sonhos, pode ser encontrado nas fantasias da tenra infância (com mais transparência), nos delírios psiquiátricos e fantasias advindas dos estados de transe ou sobre a estimulação da imaginação ativa (JUNG, 2000). Os conteúdos do Inconsciente Coletivo são constituídos estruturalmente por arquétipos. Os arquétipos são estruturas filogenéticas herdadas dos nossos antepassados. Assim como o existe uma anatomia preestabelecida do corpo humano, existe também uma forma estrutural, ou seja, um substrato da psique. Diferente do Inconsciente Coletivo, existe também o Inconsciente Pessoal. Este campo obnubilado engaveta todos os nossos conteúdos e experiências traumáticas (JUNG, 2000). “À medida que vamos arquivando cada vez mais experiências no nosso Inconsciente Pessoal, começamos a agrupá-las no que Jung chamava de complexos” (SCHULTZ; SCHULTZ, 2002, p. 95).

A formação dos complexos é constituída através da trajetória de vida de cada pessoa. É o resultado do agrupamento de sensações, emoções, lembranças, percepções e desejos diante uma determinada contingencia. Pode-se dizer tacitamente que os complexos são palavras carregadas de afeto, pois, através de uma palavra específica, é possível desencadear um tipo de reação específica. Uma palavra pode energizar algum complexo adormecido, e no centro de todo complexo habita um arquétipo que está sendo constelado (JUNG, 2008). Apesar dos complexos serem da ordem do Inconsciente Pessoal ou até mesmo Coletivo, eles podem tornarem-se consciente, e nem todos eles são de natureza negativa. Jung trouxe uma gama de informações sobre a dinâmica de alguns arquétipos responsáveis pelo desenvolvimento da personalidade humana. “A totalidade da personalidade, segundo Jung, é constituída de várias instâncias, a saber: Persona, sombra, animus e anima” (DALGALARRONDO, 2008, p. 260). Segundo Mednicoff (2008) os complexos são motores da nossa psique. Eles são núcleos distintos que impulsionam nossa vida psíquica e sem a existências deles não haveria Personalidades, ou seja, organização sociocultural. No centro da nossa consciência, há um complexo central denominado Ego (eu) iluminado por outros diversos complexos universais. O Ego é um complexo responsável pela apreensão consciente de dados sobre o homem acha O Ego é mediador um mediador que passa por constantes atualizações, essas atualizações apropriam o Ego de máscaras sócias, muito importantes. Jung denominou o arquétipo Persona como arquétipo da adaptação. A nossa personalidade atualiza-se de várias formas através as contingencias, propiciando a possibilidade de vida congruente aos olhos sociais. Este arquétipo exerce um papel primordial para garantir sobrevivência em sociedade. O ideal é que possamos adquirir ao longo do tempo grandes quantidades de máscaras, exemplo; é natural que um juiz seja rígido ao analisar casos em seu trabalho, mas quando em casa, este sujeito (juiz), tende a ser flexível com seus familiares, há então a Persona do indivíduo profissional e familiar (entre outras tantas) (STEIN, 2006). O arquétipo da Sombra é conhecido como um lado obscurecido do homem, uma parte na qual não se tem total conhecimento e é preferível suprimir. A sombra propicia uma função imunológica para psique, ela distingue o que é Eu e o que é não-Eu, ou seja, o que é bom e mau. Os sentimentos que são rejeitados pelo Ego e jogados na sombra são contribuintes para o poder oculto da natureza obscura humana. Este é o motivo pelo qual são se consegue olhar diretamente para ela, metaforicamente falando. O arquétipo da Sombra é de natureza caótica e eternamente perigosa, este nosso lado bestial, quando não bem trabalhado, permanece em estado originalmente selvagem.

A noção da figura do diabo, a divindade sombria, é de proveniência arquetípica projetadas nos símbolos sobre diversas culturas. Sem o envolvimento diabólico nos problemas cruciais do bem e do mal, não teríamos consciência do ego, não teríamos civilização e tampouco teríamos a oportunidade de transcender o ego através da auto compreensão. Como animais, estaríamos aprisionados para sempre dentro das fórmulas rígidas do comportamento automático (NICHOLS, 2007, p. 263). O arquétipo Animus e Anima, quando expressos, tornam-se estruturas coletivas representadas socialmente pelo masculino e feminino. Ambos são arquétipos responsáveis pela condução e domínio do inconsciente coletivo, sendo assim, arquétipos que imperam em termo de profundidade e complexidade, mais profundo que o arquétipo da Sombra. Assim como o arquétipo da Sombra, ambos funcionam como uma personalidade dentro da psiquê, que transcende os arquétipos Ego e Persona. O Animus e Anima governam as relações do polo interior do homem, e são responsáveis por caracterizar socialmente o Ego como Homem ou Mulher. Quando, no polo externo da personalidade, é homem, o polo interno é regido pela Anima. Quando o polo externo da personalidade é mulher, o polo interno é regido pelo Animus. A anima significa “alma” em latim, e animus significa “espírito”. De um ponto de vista, não há realmente muita diferença no significado entre esses dois termos latinos. Se pensarmos na alma (anima) como algo que abandona o corpo na morte, como os gregos romanos supunham, é equivalente dizer-se que o espírito (animus) partiu. O espirito é muitas vezes como um sopro ou ar, e captar o derradeiro sopro da vida quando ela abandona o corpo de uma pessoa é captar-lhe a alma. Assim, os termos espírito e alma são quase permutáveis. Além disso as palavras se referem ao mundo interior das pessoas, ao anímico e ao espiritual (STEIN, 2006, p. 122-123.) Jung denominou de Self (Si mesmo) a totalidade de todos os arquétipos. O Self é o arquétipo central e organizador do aparelho psíquico, responsável por abranger a Inconsciente Coletivo, todos os arquétipos e complexos. Este arquétipo também é conhecido como a Imago Dei (imagem de Deus); sendo representado por mandalas ou também por uma serpente primigênia entrelaçada em si mesma numa condição urobórica3 .

O desenvolvimento do Self é impossível sem a mediação Ego, a ampliação do Ego é um processo que propicia autoconhecimento, um caminho para o processo de Individuação, a integridade do ser. Através das observações e estudos sobre as diversas religiões ocidentais e orientais que Jung passou a descrever a Psicologia Analítica. Sua luta pessoal pela individuação e dedicação a estudos profundos da natureza humana, aponta que o Self é o alvo da vida, é nossa parte que o homem tanto luta para alcançar (MEDNICOFF, 2008). A NUMINOSIDADE Para Otto (2014) a Numinosidade é um estado espiritual idiossincrático impossível de significação. Não há linguagem que conceitue a experiência numinosa. O inefável não produz significado, apenas efeito. Os ampliação do ego, quando o Inconsciente erige à consciência, produz a experiência numinosa. Numa entrevista para televisão inglesa, quando perguntado se Jung acreditava em Deus, sua resposta foi curta e direta: “I don´t believe, i know” (Eu não acredito, eu sei!). O que levaria um psiquiatra afirmar tamanha ousadia, em dizer que sabe Deus? Segundo Xavier (2006) o conceito Deus, para Jung, está fincado ao Inconsciente coletivo projetado em suas diversas formas de projeções. Independente ou não de um ser divino, a imagem de Deus existe na psique Humana, a imagem de Deus é o arquétipo Self (XAVIER, 2006). Jung (2012, p. 18) apresenta “fatos que evidenciam a existência de uma função religiosa no Inconsciente”. É importante lembrar que, a religião é, sem dúvidas, uma das expressões mais antigas e universais da alma humana (ELIADE, 2010). A religião não se delimita apenas no contexto institucional, mas como um fenômeno imanente a condição humana. O homem vive inconscientemente, ou consciente, uma busca de si mesmo. A religião, a cultura, a simbologia, a arte e poesia são elementos mediadores que funcionam como pontes que comunicam religiosamente o homem e o Inconsciente (JUNG ,2008). CONSIDERAÇÕES FINAIS A filosofia, antropologia, física, medicina, psicologia, psicanálise, teologia, arqueologia entre outros saberes foram os fundamentos para a Psicologia Profunda. Na clínica, a Psicologia Analítica é considerada uma abordagem peculiar, caracterizada por trabalhar o possível encontro com o Self, o processo de individuação é um doloroso resgate de grande valia, o maior sentido a se encontrar, a maior riqueza da alma humana.

Deus, para a Psicologia Analítica, é uma estrutura filogenética que habita no Inconsciente Coletivo, que independe do criador ontológico. Jung se posicionou cientificamente ao se debruçar sobre as religiões e seus rituais, as divindades, não como forma de crença, superstição ou coisa do gênero. Seu interesse e estudo desvelou alguns mistérios da exuberante natureza do Inconsciente coletivo. Religare a religião, ou melhor, agir religiosamente é uma atitude séria que exige do homem autoconhecimento, dedicação e esforço atitudes encontradas no processo analítico.


1 Físico Austríaco, trouxe contribuições para física quântica e teoria do relativismo. 
2  Botânico Estadunidense, Fundador da investigação científica parapsicológica.
3 Representa uma serpente enrolada em si mesmo engolindo sua própria calda. Segundo BOFF (2008) Podem haver diversas representatividades para a Imago Dei, isso vai de acordo com cada cultura, porém a denotação é a mesma ideia de integração, individuação e totalidade.

REFERÊNCIAS 

ARGOLO, D. M. Jung e a Mediunidade. Fundação Lar Harmonia. Salvador, 2004. CLONINGER, S. C. Teorias da Personalidade. Martins Fontes: São Paulo, 1999. DALGALARRONDO, P. Psicopatologia e Semiologia dos Transtornos Mentais. Ed. 2°. Artemed: Porto Alegre, 2008. ELIADE, M. História Das Crenças E Das Ideias Religiosas; Idade Da Pedra Aos Mitérios De Elêusis. Vol I. Zahar: Rio de Janeiro, 2010. JAFFÉ, A. Memórias, Sonhos e Reflexões; Compilação e Prefácio de Aniela Jaffé. Ed. 21° Nova Fronteira: Rio de Janeiro, 2001. JUNG, C. G. O Homem e seus Símbolos. Ed. 5°. Nova Fronteira: Rio de Janeiro, 2008. ______. O Eu e o Inconsciente. Ed. 21. Vozes: Petrópolis, 2008. ______. Os Arquétipo e o Inconsciente coletivo. Ed. 21.Vozes: Petrópolis, 2000. ______. Psicologia e Religião. Ed. 10. Vozes: Petrópolis, 2012. JUNG, E. Aminus e Anima. Cultrix: São Paulo, 2016. LACHAMAN, G. Jung O Místico. Cultrix: São Paulo, 2012. MARONI, A. Jung O Poeta da Alma. Ed. 2°. Summus: São Paulo, 1998. MEDNICOFF, E. O Dossiê de Jung. Ed. Universo dos Livros: São Paulo ,2008. NICHOLS, S. Jung e O Tarô; Uma Jornada Arquetípica. Cultrix: São Paulo, 2007. OTTO, R. O Sagrado. Vozes: Petrópolis, 2014. SCHULTZ, D. P. SCHULTZ, S. E. Teorias da Personalidade. Ed. Cengage Learning: EUA, 2002. STEIN, M. O Mapa Da Alma. Ed. 5°. Cultrix. São Paulo, 2006.

XAVIER, M. O Conceito de Religiosidade em C. G. v. 37, n. 2, pp. 183-189, maio/ago. 2006. Disponível_em :http://revistaseletronicas.pucrs.br/revistapsico/ojs/index.php/revistapsico/article/view/1433/ 1126 Acesso em: 20 de junho, 2018.

Fonte:http://www.psicologia.pt/artigos/textos/A1233.pdf

A PSICOLOGIA ANALÍTICA DE CARL GUSTAV JUNG: APONTAMENTOS DE AULA 

Luís Marcelo Alves Ramos RESUMO O texto traz o conteúdo de uma aula sobre Teorias da Personalidade com foco nos fundamentos da Psicologia Analítica do psicólogo e psiquiatra suíço Carl Gustav Jung (1875-1961), cuja obra vem apresentando significativas contribuições para a Psicologia Educacional, Organizacional e Clínica. PALAVRAS-CHAVE Psicologia analítica; Teorias da personalidade THE ANALYTICAL PSYCHOLOGY OF CARL GUSTAV JUNG: NOTES OF LESSON ABSTRACT The text brings the content of a lesson on Theories of Personality focused in the fundamentals of the Analytical Psychology of the Swiss psychologist and psychiatrist Carl Gustav Jung (1875-1961), whose work has been presenting significant contributions for Educational, Organizational and Clinical Psychology. KEYWORDS Analytical psychology; Theories of personality 

GÊNESE DA PSICOLOGIA ANALÍTICA 

Fundada no início do século XX pelo psicólogo e psiquiatra suíço Carl Gustav Jung (1875-1961). O termo Psicologia Analítica passou a ser utilizado oficialmente por Jung em 1913, porém, suas bases foram geradas em anos anteriores. Jung foi um dos mais proeminentes discípulos de Freud, exercendo a Psicanálise de 1909 a 1913, ano em que rompeu com Freud e fundou a Psicologia Analítica. Após a morte de Jung em 1961 a Psicologia Analítica continuou a receber contribuições dos neo-junguianos. 

CONCEITO Escola de Psicologia fundada pelo psicólogo e psiquiatra suíço Carl Gustav Jung, detentora de uma teoria sobre a estrutura e o funcionamento do psiquismo humano (psique) e, também, uma categoria de psicoterapia. 

PRINCIPAIS FUNDAMENTOS A psique (psiquismo humano) é formada por: consciente, inconsciente pessoal e inconsciente coletivo. O eixo central da Psicologia Analítica é o Processo de Individuação: tendência instintiva e teleológica de o ser humano, através de processos de autoregulação, desenvolver suas potencialidades inatas em direção à realização da totalidade psíquica (autodesenvolvimento, autorealização e autoconhecimento). O Processo de Individuação ocorre através do fluxo dialético (permuta e transformação) da energia psíquica (libido) que corre entre o consciente, o inconsciente pessoal e o inconsciente coletivo.

 Esse fluxo de energia, através de processos de autoregulação, sempre visa a homeostase psíquica (equilíbrio psicológico). O conceito junguiano de libido difere do freudiano: para Jung a libido compreende não só a energia sexual, mas, também, energias associadas ao instinto de sobrevivência, à motivação, às relações afetivas, desejos de autorealização, autoconhecimento, vivências espirituais e, enfim, ao Processo de Individuação. Apesar de o Processo de Individuação ser o tema principal da obra junguiana, seu estudo mais conhecido trata dos tipos psicológicos - tipos de personalidade. 

ESTRUTURA DA PSIQUE A Psique está estruturada em três elementos: consciente, inconsciente pessoal e inconsciente coletivo. • Consciente - Sistema do aparelho psíquico que mantém contato com o mundo interior (processos psíquicos, internos) e exterior (meio ambiente e social) do sujeito. - Na consciência destaca-se os fenômenos de percepção intrínseca e extrínseca, senso de identidade, atenção, raciocínio e memória, entre outras funções cognitivas e emocionais. - As pessoas são conscientes apenas de uma pequena parte de sua vida psíquica. - O consciente tem como centro organizador o Eu. Tanto o Eu como o Consciente como um todo surge do Self (localizado no Inconsciente coletivo). 

• Inconsciente pessoal - É a camada mais superficial do inconsciente, cuja fronteira com o consciente é bastante imprecisa. - Nele permanecem os conteúdos inconscientes derivados da vida do indivíduo - sua formação é, portanto, a posteriori ao nascimento. Esses conteúdos são formados por percepções subliminares e combinações de idéias com energia psíquica insuficiente para irromperem na consciência, experiências de vida “esquecidas” pela memória consciente, recordações dolorosas se serem relembradas, repressões sexuais, desejos reprimidos, qualidades da personalidade - positivas e negativas - desconhecidas pelo Eu e, principalmente, grupos de representações carregados de forte carga emocional e incompatíveis com a atitude consciente (complexos, cujas bases são os arquétipos - localizados no Inconsciente coletivo). - Geralmente esses conteúdos não possuem energia psíquica suficiente para permanecerem no campo da consciência, entretanto, podem adquirir a energia necessária para emergir na consciência na forma de lembranças, sonhos, fantasias, devaneios e comportamentos. Quando irrompem na consciência podem possuir um significativo grau de autonomia, chegando até a tomar sua posse temporária.

• Inconsciente coletivo - É a camada mais profunda do inconsciente e a base da psique. - É constituído pelos arquétipos : núcleos instintivos passados de forma psicobiológica de geração a geração, trazendo padrões de comportamento herdados desde o surgimento da humanidade e mesmo antes dela, no período em que o homem ainda era animal - a gênese do Inconsciente coletivo é, portanto, a priori ao nascimento. - Os arquétipos constituem a base dos complexos situados no Inconsciente pessoal.

 Os arquétipos são inúmeros, incontáveis, entretanto, Jung identificou alguns que estão em permanente contato com o Eu. São eles a persona, a sombra, a anima, o animus e o self. - O Self - também denominado de si mesmo - é o centro organizador não só do Inconsciente (pessoal e coletivo), mas, também, de toda a psique. É do Self que surge a consciência e o Eu. - Jung chamou a camada mais profunda do Inconsciente coletivo de Psicóide : a ela estão associados fenômenos “extra-racionais” tais como sonhos e visões premonitórios, sincronicidades (“coincidências significativas” em torno de pessoas e objetos) e telecinésia.  

ESTRUTURA DA PSIQUE

a)Consciente (Eu)

Inconsciente pessoal (complexos)


b)Consciente (Eu)

Inconsciente pessoal (complexos)

Inconsciente coletivo (Self) (arquétipos) 


c)Consciente (Eu) 

Inconsciente pessoal (complexos)


ARQUÉTIPOS PERSONA, SOMBRA, ANIMA, ANIMUS E SELF 

Persona O termo persona origina-se do teatro grego antigo e significa máscara. Arquétipo associado ao comportamento de contato com o mundo exterior necessário à adaptação do indivíduo às exigências do meio social onde vive. Corresponde à identidade e desempenho de papéis socialmente atribuídos a uma pessoa. Também está intimamente relacionada a conveniências pessoais. A persona corresponde a uma significativa parcela do comportamento do sujeito enquanto personagem coletiva. A alma, em oposição à persona, corresponde ao comportamento do sujeito enquanto personagem individual, sua real personalidade. Uma pessoa pode ter um determinado comportamento em sociedade (persona) e, outro, completamente oposto, em casa (alma). Convém esclarecer que nem todo comportamento social é manifestação da persona, também pode ser uma expressão da alma. A persona possui dois aspectos: positivo e negativo. O aspecto positivo está associado à adaptação do sujeito ao seu meio social. O aspecto negativo surge quando o Eu se identifica com a persona, fazendo com que a pessoa se distancie e desconheça sua real personalidade, a alma. Muitas vezes é difícil para um observador externo identificar numa pessoa o que é sua persona e o que é sua alma. 

Ao se manifestar geralmente de modo inconsciente - sem que o Eu não tenha consciência de sua existência - a persona revela seu significativo grau de autonomia na psique. Quando tornada consciente - assimilada pelo Eu - a persona traz benefícios ao autoconhecimento e à melhoria das relações interpessoais. Sombra Arquétipo associado às virtudes e defeitos de caráter que o indivíduo desconhece existir em si mesmo. Uma pessoa tende a projetar sua sombra nos outros e negá-la em si mesma. A persona possui dois aspectos: positivo e negativo. O aspecto positivo está associado às virtudes que o indivíduo desconhece existir em sim mesmo. O aspecto negativo está associado aos defeitos de caráter que o indivíduo desconhece existir em si mesmo. A sombra também pode se manifestar de forma coletiva, tanto nos seus aspectos positivos como negativos. Ao se manifestar geralmente de modo inconsciente - sem que o Eu não tenha consciência de sua existência - a sombra revela seu significativo grau de autonomia na psique. Quando tornada consciente - assimilada pelo Eu - a sombra traz benefícios ao autoconhecimento e à melhoria das relações interpessoais. Anima e animus A anima corresponde ao princípio feminino presente na psique do homem. O animus corresponde ao princípio masculino presente na psique da mulher.

 Anima Arquétipo associado à personificação da natureza feminina no inconsciente masculino. Manifesta-se no comportamento masculino através de expressões emocionais. Projeta-se em figuras femininas: mãe, irmã, namorada, esposa, amante, mulher desejada, mulheres admiradas (nos sentidos eróticos, heróicos, intelectuais e espirituais). A anima condensa todas as experiências que o homem vivenciou no seu encontro com a mulher durante milênios e é a partir desse imenso material inconsciente que é modelada a imagem de mulher que o homem procura. A anima possui dois aspectos: positivo e negativo. O aspecto positivo está associado àquilo que a anima, uma vez tornada consciente - assimilada pelo Eu -, pode trazer ao homem no sentido de conhecer suas próprias emoções e melhorar suas relações afetivas. Ainda, mesmo que inconsciente, possibilita ao homem a capacidade de amar, a receptividade ao irracional, a sensibilidade à arte e à natureza, a intuição profética e o acesso ao inconsciente e, em conseqüência, à busca espiritual. O aspecto negativo está associado ao fato de que, quando inconsciente - desconhecida pelo Eu -, a anima expressa-se em manifestações emocionais infantis e primitivas, domina o homem, tornando-o subjugado por figuras femininas, fazendo com que ele possa incorrer em paixões cegas e desilusões amorosas, dependência da mulher, mudanças bruscas de humor, explosões emocionais, ciúme, caprichos, ansiedade, melancolia, depressão e mesmo (tentativas de) suicídio. Ao se manifestar geralmente de modo inconsciente - sem que o Eu não tenha consciência de sua existência - a anima revela seu significativo grau de autonomia na psique do homem. Quando tornada consciente - assimilada pelo Eu - a anima traz benefícios ao autoconhecimento e à melhoria das relações interpessoais.

Animus Arquétipo associado à personificação da natureza masculina no inconsciente feminino. Manifesta-se no comportamento feminino através de expressões judicativas e reflexivas. Projeta-se em figuras masculinas: pai, irmão, namorado, esposo, amante, homem desejado, homens admirados (nos sentidos eróticos, heróicos, intelectuais e espirituais). O animus condensa todas as experiências que a mulher vivenciou no seu encontro com o homem durante milênios e é a partir desse imenso material inconsciente que é modelada a imagem de homem que a mulher procura. O animus possui dois aspectos: positivo e negativo. O aspecto positivo está associado àquilo que o animus, uma vez tornado consciente - assimilado pelo Eu -, pode trazer à mulher no sentido de conhecer seus próprios pensamentos e melhorar suas relações afetivas. Ainda, mesmo que inconsciente, possibilita à mulher o gosto pelo conhecimento da natureza dos fenômenos e o acesso ao inconsciente e, em conseqüência, a busca espiritual. O aspecto negativo está associado ao fato de que, quando inconsciente - desconhecida pelo Eu -, o animus expressa-se em manifestações judicativas e reflexivas infantis e primitivas, domina a mulher, tornando-a subjugada por figuras masculinas, fazendo com que ela possa incorrer em paixões cegas, dependência do homem, juízos irrefletidos, preconceitos infundados, certezas não fundamentadas, teimosias, afetos de vingança e frieza emocional. Ao se manifestar geralmente de modo inconsciente - sem que o Eu não tenha consciência de sua existência - o animus revela seu significativo grau de autonomia na psique da mulher. Quando tornado consciente - assimilada pelo Eu - o animus traz benefícios ao autoconhecimento e à melhoria das relações interpessoais.

Sizígia: anima e animus Devido à diferente natureza dos dois gêneros, a relação entre homens e mulheres é uma relação de oposição e, ao mesmo tempo, de complementaridade não só fisiológica, mas, também, psicológica. A tomada de consciência - pelo Eu -, da anima pelo homem e do animus pela mulher, propicia a melhoria das relações interpessoais e afetivas entre os gêneros. Essa sizígia já era bem conhecida pelo taoísmo - uma antiga filosofia chinesa - expressando-se na idéia / símbolo do Tai Chi (“princípio do princípio) que compreende a oposição e complementaridade entre os princípios Yin (feminino, branco) e Yang (masculino, negro). Self É o núcleo organizador não só do Inconsciente (pessoal e coletivo), mas, também, de toda a psique. É o arquétipo que leva o homem à busca pela individuação - e não individualismo -, o autoconhecimento, pela integração com os demais homens e com a natureza, pela vivência espiritual e o sentido da vida e da morte. Essa busca é denominada por Jung de Processo de Individuação, sendo este o tema central da Psicologia Analítica. Possui dois aspectos: positivo e negativo. O aspecto positivo está associado à (possibilidade de) efetivação do Processo de Individuação.

 O aspecto negativo está associado ao fato de que o Self pode subjugar o Eu, criando doutrinadores e fanáticos religiosos. Quando tornado consciente - assimilado pelo Eu - o Self traz benefícios ao autoconhecimento e à melhoria das relações interpessoais. Processo de Individuação É a busca do ser humano pela individuação - e não individualismo -, pelo autoconhecimento, pela integração com os demais homens e com a natureza, pela vivência espiritual e pelo sentido da vida e da morte. Essa busca é instintiva e herdada de nossos ancestrais, desde o início da humanidade. Os sinais dessa busca estão expressos nas manifestações artísticas dos homens primitivos e seu registro percorre toda a história da civilização. A efetivação do Processo de Individuação implica na integração entre o Eu e o Self, entre consciente e inconsciente. Esse mecanismo psíquico de integração dos opostos no Processo de Individuação foi denominado por Jung de Função Transcendente. O próprio Jung esclareceu que a Função Transcendente não é um processo metafísico, mas uma função teleológica instintivamente herdada. Apesar de o Processo de Individuação possuir uma natureza teleológica, sua realização é possibilidade e não certeza. Essa possibilidade está estreitamente relacionada por um lado à Função Transcendente - no sentido da prontidão do Eu e do Self para desencadear e dar curso ao Processo de Individuação - e, por outro lado, a realidades exteriores que podem facilitar ou dificultar - e mesmo impedir - a realização desse processo, tais como certas patologias psicológicas e orgânicas e determinados contextos ambientais e sociais. 

O Processo de Individuação não implica em individualismo (egocentrismo e egoísmo), muito pelo contrário, significa individuação, isto é, o indivíduo tornar-se consciente de si mesmo na relação com os outros, melhorando as relações intra e interpessoais. O Processo de Individuação está relacionado ao confronto do Eu com os complexos presentes no Inconsciente Pessoal, principalmente os relacionados a determinados arquétipos do Inconsciente Coletivo (persona, sombra, anima / animus e self ) no sentido de tornar esses aspectos conscientes, integrando, assim, consciente e inconsciente (Função Transcendente). A ativação do Processo de Individuação está intimamente relacionado à influência dos mitos na psique uma vez que os mitos servem de referenciais para o indivíduo seguir seu Processo de Individuação. É nesse sentido que Jung destacou o papel dos conteúdos religiosos - portadores de mitos - como elemento importante para o desenvolvimento da Função Transcendente e, em conseqüência, para a realização do Processo de Individuação. Muitas vezes experiências de sincronicidades (“coincidências significativas” em torno de pessoas e objetos) estão associadas ao Processo de Individuação. O sentido espiritual experimentado na vivência do Processo de Individuação é classificado por Jung como um fenômeno numinoso (de numinosidade, termo utilizado pelo teólogo e filósofo alemão Rudolf Otto (1869-1927) para designar a experiência do sagrado). Embora a busca pela realização do Processo de Individuação seja um instinto herdado - uma vontade herdada -, portanto, comum a toda humanidade, independente de gênero, idade, etnia, posição social, política e cultural e credo religioso que uma pessoa possa ter, a maior parte das pessoas não a vivencia e uma significativa parcela inicia seu processo de confronto e integração com o inconsciente (Função Transcendente) a partir da meia idade.
A Função transcendente para ser efetiva não pode ter apenas caráter cognitivo (assimilação racional do Processo de Individuação), mas, sobretudo, emocional (assimilação afetiva desse processo). Uma pessoa que conhece os fundamentos teóricos da Psicologia Analítica não necessariamente vivencia seu Processo de Individuação, ao passo que um leigo pode muito bem vivenciá-lo a partir de suas experiências afetivas e sem, contudo, ter conhecimento algum dessa teoria. 

REFERÊNCIAS 

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WILHELM, R. A sabedoria do I Ching: mutação e permanência. 2.ed. São Paulo: pensamento, 1991. ______. I Ching: o livro das mutações. 20. ed. São Paulo: Pensamento, 2002. 

© ETD – Educação Temática Digital, Campinas, v.6, n.2, p.192-205, jun. 2005 – ISSN:1676-2592. 

Fonte:https://www.researchgate.net/publication/44201293_A_psicologia_analitica_de_Carl_Gustav_Jung_apontamentos_de_aulaThe_analytical_psychology_of_Carl_Gustav_Jung_notes_of_lesson


Jung e os conceitos básicos da Psicologia Analítica

por *Vanilde Gerolim Portillo 

 
Psicologia Analítica foi o nome escolhido por JUNG para abarcar todo o seu sistema teórico. É uma obra ampla e tem raízes profundas. Abordaremos, aqui, portanto, apenas os conceitos que ajudarão a elucidar este trabalho.
O que nos chama a atenção, ao contatarmos a obra de Jung, é que os termos ou nomes adotados por ele, para discriminar seus conceitos, têm perfeita conexão com o fato ou com o aspecto analisado em si. Não são termos inventados ao acaso e que nada significam, mas sim termos que carregam e explicam o seu próprio conteúdo.
Jung foi sujeito de suas próprias experiências no que se refere à investigação do inconsciente.  Tudo o que ocorria com ele, incluindo os sonhos, fantasias, intuições, etc., que para a maioria das pessoas passaria despercebido, era para Jung uma fonte de pesquisa e análise.  Homem extremamente intuitivo, sempre se interessou pelos fenômenos psíquicos.
Foi médico e psiquiatra; nasceu na cidade de Keswill, na Suíça em 26/07/1875 e viveu até 06/06/1961.
Conviveu com Bleuler, Adler, Freud e outros grandes nomes da psiquiatria.  Fora da área médica, Jung manteve contatos e trocou idéias com grandes gênios como Einstein, Pauli, e outros.  Estudou profundamente os grandes filósofos como Schopenhauer, Nitzsche e  Kant.
Foi buscar lastro para suas idéias na Alquimia, na Mitologia, nos povos primitivos da Ásia, África e Índios Pueblos da América do Norte.  Visitou, entre tantos lugares,  a Índia em busca de respostas para suas dúvidas mais íntimas.
Filho de religiosos, seu pai era pastor luterano, desde cedo teve contato com a idéia de um Deus e bem cedo começou o questionamento sobre a origem e a finalidade da vida humana, perguntas para as quais não obteve resposta através de seu pai, nem tão pouco nos livros religiosos e escritos da época.
Jung aproximou-se da filosofia e religiões orientais, conheceu e estudou o I Ching e encontrou ressonância nos simbolismos destas culturas na compreensão do desenvolvimento humano. Introduziu uma nova maneira de praticar a psicologia clínica, uma nova visão de mundo e do homem.  Salientava, sempre que tinha oportunidade, que o homem deveria ser visto por inteiro, ou seja, como um todo; pertencente a uma comunidade, num determinado momento, não poderia, portanto, ser visto, dissociado do seu contexto social, cultural e universal.
Quando Jung manteve contato com a obra de Freud, ficou tão entusiasmado com o trabalho deste outro gênio que não tardou em conhecê-lo.
A admiração foi mútua, Freud também gostou do jovem Suíço e logo fez dele um dos difusores de suas idéias. O “casamento”, porém,  durou pouco.
Jung mostrava-se inquieto com algumas posições de Freud a respeito, principalmente, da teoria da libido.  Freud, por sua vez, não admitia ver a sua teoria por outro ângulo, não dava abertura para outras interpretações diferentes das dele.
Jung não aceitava as insistências de Freud, de que as causas dos conflitos psíquicos envolveriam algum trauma sempre de natureza sexual.  Freud, por outro lado, não admitia o interesse de Jung pelos fenômenos espirituais como fontes válidas de estudo em si.
O rompimento entre os dois causou profundas mágoas para ambos os lados. Mágoas que, até hoje, notam-se entre os seguidores de ambos.  Não é raro deparamos com críticas sobre um ou outro nos jornais, ou obras literárias ironizando um dos dois.
O rompimento de Jung com Freud, entretanto, acaba por trazer ao mundo um grande benefício.  Jung teve que alçar vôo sozinho em busca de respostas para si mesmo e, de certa forma, para provar que suas idéias eram válidas e as de Freud tinham valores parciais, mergulhou no mais profundo de sua alma, conectou-se com seu inconsciente e buscou lá inspiração e coragem parar mudar a face da psicologia.
O ponto crucial do desentendimento entre os dois gênios foi ponto de partida para Jung.  Enquanto a teoria de Freud busca as causas, a de Jung busca a direção, a finalidade.  Enquanto para Freud a libido é somente sexual, para Jung a libido é toda a energia psíquica.  Nise da Silveira, descreve libido da seguinte maneira: “Libido é apetite, é instinto permanente de vida que se manifesta pela fome, sede, sexualidade, agressividade, necessidades e interesses diversos. Tudo isso está compreendido no conceito de libido. A idéia Junguiana de libido aproxima-se bastante da concepção de vontade, segundo Schopenhauer. Entretanto Jung não chegou a essa formulação através dos caminhos da reflexão filosófica. Foi a ela conduzido pela observação empírica, no seu trabalho de médico psiquiatra.
Uma das maiores preocupações de Jung era a de sempre manter um “pé” na ciência, buscava sempre comprovar suas idéias, pois além de confrontar-se com as idéias do principal nome de então, Freud, tinha que se confrontar com a existente e crescente racionalidade da época.
O ser humano nasce inconsciente e traz com ele muitos conteúdos herdados dos ancestrais.  Assim, o inconsciente existe “antes”, é pré-existente ao consciente.  Segundo Nise da Silveira, “Pode-se representar a psique como um vasto oceano (inconsciente) no qual emerge pequena ilha (consciente).”
Para Jung, o inconsciente não é estático e rígido formado pelos conteúdos que são reprimidos pelo ego. Ao contrário, o inconsciente é dinâmico, produz conteúdos, reagrupa os já existentes e trabalha numa relação compensatória e complementar com o consciente.  No inconsciente encontram-se, em movimento, conteúdos pessoais, adquiridos durante a vida e mais as produções do próprio inconsciente. Jung classificou o inconsciente em Inconsciente Pessoal (ou Individual) e Inconsciente Coletivo.  O  Inconsciente Pessoal ou Individual é aquela camada mais superficial de conteúdos, cujo marco divisório com o consciente não é tão rígido.  É uma camada de conteúdos que se acha contígua ao consciente.  Estes conteúdos subjazem no inconsciente por não possuírem carga energética suficiente para emergir na consciência.  Correspondem àqueles aspectos que em algum momento do desenvolvimento da personalidade não foram compatíveis com as tendências da consciência e foram, portanto reprimidas.  Também estão, no inconsciente pessoal, percepções subliminares, ou seja, aquelas que foram captadas pelos nossos sentidos de forma subliminar, que nem nos demos conta de termos contato com o fato em si.  Conteúdos da memória que não necessitam estar presentes constantemente na consciência estão presentes no inconsciente pessoal. Todos estes conteúdos formam no Inconsciente Pessoal um grande banco de dados que poderão surgir na consciência a qualquer momento.
Outros importantes conteúdos estão no inconsciente pessoal; são os complexos.  Os complexos são conteúdos de extrema importância para a vida psíquica e estaremos abordando-os no decorrer do trabalho. 
A grande descoberta de Jung foi o Inconsciente Coletivo. Segundo ele, o inconsciente coletivo é a camada mais profunda da psique e constitui-se dos materiais que foram herdados da humanidade.  É nesta camada que existem os traços funcionais como se fosses imagens virtuais, comuns a todos os seres humanas e prontas para serem concretizadas através das experiências reais.  É nessa camada do inconsciente que todos os humanos são iguais. A existência do inconsciente coletivo não depende de experiências individuais, como é o caso do inconsciente pessoal, porém, seu conteúdo precisa das experiências reais para expressar-se, já que são predisposições latentes.
Jung chamou de arquétipos a estes traços funcionais do inconsciente coletivo.  Salienta  ele: “ Existem tantos arquétipos quantas as situações típicas da vida. Uma repetição infinita gravou estas experiências em nossa constituição psíquica, não sob a forma de imagens saturadas de conteúdo, mas a princípio somente como formas sem conteúdo que representavam apenas a possibilidade de um certo tipo de percepção e de ação.”
Os arquétipos não são observáveis em si, só podemos percebê-los através das imagens que ele proporciona. Continua Jung: “ “Imagens” expressam não só a forma da atividade a ser exercida, mas também, simultaneamente, a situação típica no qual se desencadeia a atividade. Tais imagens são “imagens primordiais”, uma vez que são peculiares à espécie, e se alguma vez foram “criadas”, a sua criação coincide no mínimo com o início da espécie. O típico humano do homem é a forma especificamente humana de suas atividades. O típico específico já está contido no germe. A idéia de que ele não é herdado, mas criado de novo em cada ser humano, seria tão absurda quanto a concepção primitiva de que o Sol que nasce pela manhã é diferente daquele que se pôs na véspera.”
Jung salienta que o mérito da observação de que os arquétipos existem não pertence a ele e sim a PLATÃO, com seu pensamento “de que a idéia é preexistente e supra-ordenada aos fenômenos em geral.” Outros pensadores como ADOLF Bastian, evidenciam a ocorrência de certas “idéias primordiais...” e outros, mais tarde, como DÜRKHEIM, HUBERT e MAUSS “que falam de “categorias” próprias da fantasia” e ainda Hermam USENER que reconhece “a pré-formação inconsciente na figura de um pensamento inconsciente”
A contribuição de Jung se dá, entretanto, nas provas obtidas por ele, que os arquétipos existem e aparecem sem influência de captação externa.  De acordo com Jung esta constatação “significa nada menos do que a presença, em cada psique, de disposições vivas inconscientes, e, nem por isso menos ativas, de formas ou idéias em sentido platônico que instintivamente pré-formam e influenciam seu pensar, sentir e agir.”
Alguns arquétipos foram amplamente enfatizados por Jung, pois permeiam o desenvolvimento da personalidade e invariavelmente estão bem próximo de nós, no nosso dia-a-dia e são mobilizados, pela psique, tão logo surja uma situação típica.  Falaremos sobre cada um deles a seguir, a exceção do Arquétipo materno que será abordado no capítulo III.
Com o desenvolvimento da consciência, o ser humano, que é gregário por natureza, necessita desenvolver algumas características básicas para a adaptação social em contraste com seus instintos animalescos.  É a persona o arquétipo desta adaptação.
O nome vem da antiga máscara usada no teatro grego para representar esse ou aquele papel numa peça e tem, para Jung, o mesmo sentido, ou seja; persona é a máscara ou fachada aparente do indivíduo exibida de maneira a facilitar a comunicação com o seu mundo externo, com a sociedade onde vive e de acordo com os papéis dele exigidos.  O objetivo principal é o de ser aceito pelo grupo social a que pertence. 
A persona é muito importante, na medida em que dependemos dela em nossos relacionamentos diários, no trabalho, na roda de amigos ou na convivência com o nosso grupo.
Como qualquer outro componente psíquico, a persona possui um lado benéfico e outro maléfico.  Em seus aspectos benéficos, a persona auxilia a convivência em sociedade, extremamente importante em nossos atuais dias. Também transmite uma certa sensação de segurança, na medida em que cada um desempenha exatamente o papel dele esperado, da melhor forma possível.  Assim, espera-se de um médico que se comporte como tal, que atenda o paciente e que o cure dos males que o atingem. De um bombeiro, que seja solícito e enfrente, sem grandes medos os incêndios, e assim por diante.
No sentido nefasto da persona, há o perigo de o indivíduo identificar-se com o papel por ele desempenhado fazendo com que a pessoa se distancie de sua própria natureza.  Um médico, por exemplo, não é médico o tempo todo. Em casa é o pai, o marido, o filho e assim outras máscaras ele estará utilizando.  Aqueles que são possuídos por sua persona, tornam-se pessoas difíceis de conviver, são rígidos em sua persona e exigem dos demais que se comportem igual a ele.
A persona serve também como proteção contra nossas características internas as quais achamos que nos desabonam e, portanto, queremos esconder.
Como a psique possui uma dinâmica de compensação energética entre os seus conteúdos, podemos entender que, em uma super valorização da persona, haverá, internamente, uma forte tendência à compensação através de outros arquétipos, são eles:  sombra e anima/animus.
Sendo a persona a face externa da psique, a face interna, a formar o equilíbrio são os arquétipos da anima e animus.  O arquétipo da anima, constitui o lado feminino no homem, e o arquétipo do animus constitui o lado masculino na psique da mulher.  Ambos os sexos possuem aspectos do sexo oposto, não só biologicamente, através dos hormônios e genes, como também, psicologicamente através de sentimentos e atitudes.
O homem traz consigo, como herança, a imagem de mulher. Não a imagem de uma ou de outra mulher especificamente, mas sim uma imagem arquetípica, ou seja, formada ao longo da existência humana e sedimentada através das experiências masculinas com o sexo oposto.
Cada mulher, por sua vez, desenvolveu seu arquétipo de animus através das experiências com o homem durante toda a evolução da humanidade.
Embora, anima e animus desempenhem função semelhante no homem e na mulher, não são, entretanto, o oposto exato. Segundo Humbert, “Anima e animus não são simétricos, têm seus efeitos próprios: possessão pelos humores para a anima inconsciente, pelas opiniões para o animus inconsciente.”
A anima, quando em estado inconsciente pode fazer com que o homem, numa possessão extrema, tenha comportamento tipicamente feminino, como alterações repentinas de humor, falta de controle emocional.
Em seu aspecto positivo a anima, quando reconhecida e integrada à consciência, servirá como guia e despertará, no homem o desejo de união e de vínculo com o feminino e com a vida.  A anima será a “mensageira do inconsciente” tal como o deus Hermes da mitologia Grega.
A valorização social do comportamento viril no homem, desde criança, e o desencorajamento do comportamento mais agressivo nas mulheres, poderá provocar uma anima ou animus subdesenvolvidos e potencialmente carregados de energia, atuando no inconsciente.
Um animus atuando totalmente inconsciente poderá se manifestar de maneira também negativa, provocando alterações no comportamento e sentimentos da mulher.  Segundo Jung: “em sua primeira forma inconsciente o animus é uma instância que engendra opiniões espontâneas, não premeditadas; exerce influência dominante sobre a vida emocional da mulher.”
O animus e a anima devidamente reconhecidos e integrados ao ego, contribuirão para a maturidade do psiquismo. Jung salienta que o trabalho de integração da anima é tarefa difícil. Diz ele: “Se o confronto com a sombra é obra do aprendiz, o confronto com a anima é obra-prima. A relação com a anima é outro teste de coragem, uma prova de fogo para as forças espirituais e morais do homem. Jamais devemos esquecer que, em se tratando da anima, estamos lidando com realidades psíquicas, as quais até então nunca foram apropriadas pelo homem, uma vez que se mantinham foram de seu âmbito psíquico, sob a forma de projeções.”
Anima e animus são responsáveis pelas qualidades das relações com pessoas do sexo oposto.  Enquanto inconscientes, o contato com estes arquétipos são feitos em forma de projeções.
O homem, quando se apaixona por uma mulher, está projetando a imagem da mulher que ele tem internalizada.  É fato que a pessoa que recebe a projeção é portadora, como dizia Jung, de um “gancho” que a aceita perfeitamente.  O ato de apaixonar-se e decepcionar-se, nada mais é do que projeção e retirada da projeção do objeto externo.  Geralmente o que se ouve é que a pessoa amada deixou de ser aquela por quem ele se apaixonou, quando na verdade ela nunca foi, só serviu como suporte da projeção de seus próprios conteúdos internos.
Para o homem a mãe é o primeiro “gancho” a receber a  projeção da anima, ainda quando menino, o que se dá inconscientemente.  Depois, com o crescimento e sua saída do ninho, o filho vai, aos poucos, retirando esta projeção e lançando-a a outras mulheres que continua sendo um processo inconsciente.  A qualidade, do relacionamento mãe-filho, será essencial e determinará a qualidade dos próximos relacionamentos, com outras mulheres. Salienta Jung:  “Para o filho, a anima oculta-se no poder dominador da mãe e a ligação sentimental com ela dura às vezes a vida inteira, prejudicando gravemente o destino do homem ou, inversamente, animando a sua coragem para os atos mais arrojados.”
Outros aspectos do relacionamento mãe-filho serão analisados no capítulo subseqüente.
Jung define projeção da seguinte forma: “ a projeção é um processo inconsciente automático, através do qual um conteúdo inconsciente para o sujeito é transferido para um objeto, fazendo com que este conteúdo pareça pertencer ao objeto.  A projeção cessa no momento em que se torna consciente, isto é, ao ser constatado que o conteúdo pertence ao sujeito.”
 Enquanto a anima ou animus, projeta-se no sexo oposto, determinando a qualidade das relações entre os sexos, a sombra influirá nas relações com pessoas do mesmo sexo.
A sombra apresenta-se como o mais poderoso de todos os arquétipos, já que é a fonte de tudo o que existe de melhor e de pior no ser humano.  Como todo e qualquer elemento psíquico, a sombra possui aspectos positivos e negativos para o desenvolvimento da personalidade.
Se a persona é desenvolvida com o objetivo de facilitar a convivência do homem na sociedade onde vive, onde, então, se apresentarão aqueles conteúdos não compatíveis com esta adaptação?  A sombra é o arquétipo receptáculo dos aspectos que foram suprimidos no desenvolvimento da persona, e mais que isto, ela contém conteúdos que nem chegaram a passar pelo crivo do consciente. Estes conteúdos podem, potencialmente, emergir a qualquer momento na consciência, se considerados do ponto de vista energético.
Quanto mais unilateral se torna o consciente; tanto mais a persona é banhada de purpurina e mais acentuados são os elementos que compõem a sombra.  Importante salientar, no entanto, que a sombra não é o lado oposto da consciência, mas representa o que falta a cada personalidade consciente.
Um dos maiores trabalhos no processo de individuação, que consiste no desenvolvimento da personalidade total,  é sem dúvida a integração da sombra na consciência.  Uma vez reconhecida, a sombra, como parte de si mesmo, o ser humano irá fazê-lo constantemente, pois os conteúdos sombrios não se esgotam, porque sempre que houver processo de escolha, consciente, haverá também, o lado que ficou negligenciado ou não escolhido, aquele que poderia ter sido vivido e não foi.  Neste sentido, a sombra estará sempre ao lado do indivíduo e focaliza o resultado de suas escolhas.
Normalmente, reconhecer a sombra implica em “arrumar encrenca” e colocar em questionamento toda a consciência de si: os hábitos, crenças, valores, afetividade, etc. É um mergulho no desconhecido, é ficar sem chão, é perder o apoio.
Sendo o confronto com a sombra um dos primeiros aspectos do processo de individuação, é necessário um ego bem estruturado para reconhecer que tudo aquilo que projetamos nos outros, principalmente as coisas que menos gostamos, são nossas e de mais ninguém.
A sombra não possui, porém, somente aspectos negativos e rejeitados. Possui também aspectos que impulsionam o ser humano para a criatividade e busca de soluções, quando os recursos conscientes se esgotaram. Por sorte, a sombra é insistente e não se sente acuada com a repressão exercida pela consciência. Sempre arranja um jeito de se manifestar, a inspiração é uma destas maneiras. Uma vida sem a presença da sombra torna-se sem brilho e sem criatividade. 
Quando, para a nossa adaptação social, desenvolvemos a persona, somos obrigados a descartar vários aspectos que não condizem com a atitude da consciência naquele momento.  Estes aspectos poderão ser úteis em outra época de nossas vidas, poderão voltar, uma vez que não serão mais prejudiciais à nossa adaptação e poderão mudar o rumo de nossa história.
A sombra, quando trabalha em harmonia com o ego, deixa a vida mais colorida e rica.
Jung mergulhava em seu próprio inconsciente e trazia à luz, aspectos que o ajudavam a entender o seu mundo e de seus pacientes.  Muitas vezes observou, nos sonhos e fantasias dos pacientes e nas suas próprias fantasias, que os temas eram recorrentes, cujas diferenças ficavam a cargo das experiências individuais de cada um, mas o cerne do tema era o mesmo.  Ao estudar mitologia entendeu que o mito é uma projeção do inconsciente coletivo e refez a história de muitos deuses e heróis da mitologia através de uma visão psicológica.  Viu no mito uma forma de expressão do inconsciente e passou a utilizá-los no entendimento de suas própria fantasias e sonhos, como também de seus pacientes.
A grande busca de Jung consistia em conhecer a si mesmo e o significado da vida.  Em suas pesquisas, percebeu que a psique trilha um único objetivo, que é o encontro com seu próprio centro, a unicidade, é o retorno do ego às suas origens.  Deu então a esse objetivo da vida psíquica o nome de Individuação, que não é repentino, mas sim, se apresenta como um processo.
A motivação para a individuação é inata, porém o processo, em si, só se dá no confronto do consciente com o inconsciente, o que resulta num amadurecimento dos componentes da personalidade e na união destes numa síntese, como também na realização de um indivíduo único e inteiro.
O processo de individuação é o eixo da psicologia Junguiana.  É através dele que a pessoa vai se conhecendo, retirando suas máscaras, retirando as projeções lançadas anteriormente no mundo externo e integrando-as a si mesmo.  Não se trata de um processo fácil e simples, nem tampouco ocorre linearmente.  É um processo doloroso, difícil e ocorre em um movimento circunvolutório direcionado a um novo centro psíquico, o Self.
O Self é o centro de toda a personalidade.  Dele emana todo o potencial energético de que a psique dispõe. É o ordenador dos processos psíquicos. Conforme Hall observa “O Self é o principal arquétipo do inconsciente coletivo, assim como o sol é o centro do sistema solar. O Self é o arquétipo da ordem, da organização e da unificação; atrai a si e harmoniza os demais arquétipos e suas atuações nos complexos e na consciência, une a personalidade, conferindo-lhe um senso de “unidade” e firmeza.”
O objetivo de toda personalidade é chegar ao autoconhecimento que é conhecer o próprio Self. Jung conceituou o Self da seguinte forma:  “O Self representa o objetivo do homem inteiro, a saber, a realização de sua totalidade e de sua individualidade, com ou contra sua vontade. A dinâmica desse processo é o instinto, que vigia para que tudo o que pertence a uma vida individual figure ali, exatamente, com ou sem a concordância do sujeito, quer tenha consciência do que acontece, quer não.”
Jung buscou na Alquimia o respaldo para, de certo modo, validar sua teoria da individuação.  Percebeu que o aspecto simbólico da alquimia representa o processo de individuação, onde o alquimista busca, através de etapas, encontrar o ouro. Não se trata, entretanto, do ouro enquanto metal precioso, porém de sua simbologia enquanto preciosidade, numinosidade.
Jung reconhece que a individuação, embora seja um impulso inato, só é possível quando da participação do ego, formando o eixo ego-Self, um depende do outro.  O ego é a maneira que a consciência tem de tomar conhecimento do Self e sem este conhecimento não haverá integração de conteúdos inconscientes, nem tão pouco individuação como uma “expansão da consciência”.
Enquanto Jung trabalhava no hospital de Burgholzli, em 1900, organizou um laboratório experimental de psicopatologia com o objetivo de investigar reações psíquicas, através de um teste desenvolvido por ele; “Teste de Associação de Palavras”.  Os resultados deste teste levaram Jung a formular, mais tarde, a teoria dos complexos.
Para Jung os complexos são os caminhos que nos permite chegar ao inconsciente.  “A via regia que nos leva ao inconsciente, entretanto, não são os sonhos, como ele [Freud] pensava, mas os complexos, responsáveis pelos sonhos e sintomas.”
Portadores de uma carga energética substancial, os complexos têm como núcleo o arquétipo e, em torno deste núcleo vão se concentrando idéias ou pensamentos cheios de afetividade.  Estruturam-se como entidades autônomas quando uma parte da psique for cindida por causa de um trauma, um choque emocional ou um conflito moral.  Quando totalmente inconscientes atuam livremente e podem tomar o ego.  Geralmente, aquelas situações em que ocorrem alterações da consciência e também comportamentais, sem motivo aparente, são manifestações da possessão do complexo sobre o ego.
Jung salienta que pode se dizer dos complexos em termos científicos, o seguinte; “...o complexo emocionalmente carregado é a imagem de uma determinada situação psíquica com uma carga emocional intensa que se mostra, assim, incompatível com a habitual disposição ou atitude da consciência. Essa imagem é dotada de certa coesão interna, possui sua própria totalidade e dispõe, ainda, de um grau relativamente alto de autonomia. Isto é, está muito pouco sujeita às disposições da consciência e, por isso, comporta-se na esfera da consciência como um corpus alienum (corpo alheio) cheio de vida...”
Os complexos não são em si negativos, seus efeitos, no entanto, poderão ser.  Porém como são nós de energia que possibilitam a movimentação da psique acabam por se tornarem grandes aliados que impulsionam o ser humano para o desenvolvimento psíquico. Podemos superar um complexo vivendo-o intensamente e compreendendo o papel que exercem nos padrões de comportamento e nas reações emocionais.  No seu sentido positivo, os complexos poderão ser uma fonte de inspiração para futuras realizações.  Von Franz descreve os complexos da seguinte maneira:  “Os complexos são os motores da psique. São como diferentes núcleos, que impulsionam e vitalizam a psique. Se não tivéssemos complexos, estaríamos mortos.”
Não existe um número fechado de complexos sobre os quais poderíamos discorrer, porém existem aqueles que, pela sua constelação mais freqüente, são mais fáceis de serem analisados, como o complexo materno, o complexo paterno, o complexo de poder, o complexo de inferioridade, o de superioridade, etc.
Para Jung, o Ego é um complexo; o “complexo do ego”.  Diz ele, sobre o Ego: “É um dado complexo formado primeiramente por uma percepção geral de nosso corpo e existência e, a seguir, pelos registros de nossa memória. Todos temos uma certa idéia de já termos existido, quer dizer, de nossa vida em épocas passadas; todos acumulamos uma longa série de recordações. Esses dois fatores são os principais componentes do ego, que nos possibilitam considerá-lo como um complexo de fatos psíquicos.”
O complexo do ego, entretanto, é diferente dos outros complexos, porque se impõe como centro da consciência e atrai para si os demais conteúdos conscientes, visa também, mais do que outro complexo, a totalidade.
Embora a psique seja composta de estruturas bastante diversas, muitas vezes se opondo umas às outras, existe entre elas uma forte interação que poderão se dar de três formas.  Uma estrutura pode compensar a fraqueza da outra, um componente pode se contrapor a outro, e duas ou mais estruturas podem se unir formando uma síntese.  A compensação pode se dar, por exemplo, entre o ego e a anima de um homem, assim como o ego e o animus de uma mulher.  O ego normal do homem é masculino enquanto a anima é feminina e na mulher sendo o ego feminino o animus é masculino.  Assim, uma masculinidade exacerbada num homem pode estar mostrando um inconsciente frágil, delicado e sensível, neste caso o inconsciente atua de maneira compensatória proporcionando uma espécie de equilíbrio entre os elementos contrastantes, evitando uma desintegração da psique.
As tensões oriundas dos conflitos entre as instâncias da psique são inevitáveis e imprescindíveis, pois, são elas que constituem a própria essência da vida.   Os conflitos existem porque existem oposições em qualquer parte da personalidade e o ego deve atender às exigências externas da sociedade e as exigências internas do inconsciente coletivo.  Jung achava que sempre era possível haver uma união dos contrários e com isso surgir um terceiro elemento da síntese dos dois numa função que ele chamou de função transcendente. Segundo Hall,   “Essa função é dotada da capacidade de unir todas as tendências contrárias da personalidade e de trabalhar para que se atinja a meta da totalidade.”
Os conceitos apresentados neste capítulo constituem os princípios básicos da Psicologia Analítica na qual me oriento para a execução deste trabalho.  A teoria Junguiana da personalidade humana é muito mais ampla do que o aqui exposto e vale a pena ser estudada mais profundamente, entretanto, os conteúdos aqui considerados são suficientes para o desenvolvimento do trabalho.


*Vanilde Gerolim Portillo - Psicóloga Clínica - Pós-Graduada e Especialista Junguiana.

Fonte:http://www.portaldomarketing.com.br/Artigos/Jung_e_a_psicologia_analitica.htm

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