ABUSOS,ESTUPROS E FEMINICÍDIOS: JUSTIÇA DE SAIA,CASOS DENUNCIADOS POR PROMOTORA DE JUSTIÇA NO BRASIL
Abusos, estupros, feminicídios: setembro não foi um bom mês para as mulheres (Foto: Thinkstock)
Justiça de Saia | Abusos,
estupros, feminicídios: setembro não foi um bom mês para as mulheres
A Promotora de Justiça Gabriela Manssur* mergulha nas atrocidades
cometidas a mulheres no último mês
Ufa, chegou outubro, pois setembro definitivamente não foi o mês das mulheres. Da ejaculação nos transporte públicos aos feminicídios, para nosso desespero os crimes continuam e se intensificam. Eu poderia colocar aqui várias estatísticas, mas elas não sensibilizam mais. Preferi lembrar de alguns casos que marcaram o mês da primavera:
“Mãe questiona filha de 12 anos sobre virgindade e escuta: foi o seu marido”
“Homem é preso por matar ex a facadas após ela mudar de cidade para fugir dele”
“Homem é preso por extorquir mulheres em estupro virtual”
“Homem queima rosto da esposa com água fervendo”
“Menina é vítima de estupro coletivo e suspeito filma o crime”
“Filmei meu próprio estupro e consegui a prisão do agressor”
“Veterinário mata mulher e depois se suicida”
“Cidade de São Paulo tem quase sete casos de estupro registrados por dia”
“Bombom diz que apanhava do ex-marido”
“Homem é preso por se masturbar na frente de mãe e filha em elevador”
“´Ela veio correndo, desesperada´, diz mãe de criança de 5 anos vítima de abuso sexual em hipermercado em Porto Alegre”
Todos me tocam, claro, mas o último me surpreendeu. Sempre gostei de praticar esportes e li umas duas vezes o livro A Semente da Vitória, de Nuno Cobra, por acreditar que a disciplina e o condicionamento físico que se aprendem no esporte podem ser levados para todos os campos da vida - afinal, “mens sana in corpore sano”, não? Infelizmente não. Treinador físico que preza a saúde, acusado de abuso sexual?
Será que as pessoas têm noção do mal que esses crimes causam à saúde física e psíquica das mulheres? Estresse pós-traumático, pânico, depressão, fobia social, distúrbios do sono - sem falar na sensação de impotência, medo e vergonha. Muitas mulheres demoram anos para denunciarem um abuso e quando denunciam escutam: “mas quem estava perto?”, “alguém viu?”, “quem vai acreditar em você?”, “por que você mudou a versão?”. O pior é que nunca ninguém vê, pois são crimes que ocorrem na clandestinidade. E aquelas mulheres que conseguem romper o silêncio e buscar justiça, muitas vezes não recebem a resposta que esperam por não haver provas suficientes daquilo que elas falam, contam, narram ou “alegam”. Nesses casos, a absolvição é quase certa. E não são os aplicadores da lei que erram. É princípio básico do nosso Processo Penal: “na dúvida, absolve-se”. A palavra da mulher ainda é posta em jogo e muitas vezes não vale como único meio de prova, principalmente sobre crimes sexuais.
Estamos vivendo uma onda de conservadorismo? Na minha opinião sim, mas não é uma onda. O conservadorismo sempre existiu. Porém, agora que as pessoas dão opiniões e se expressam publicamente e a qualquer momento - principalmente por meio das redes sociais -, isso está explícito. E o conservadorismo, antes velado diante dos direitos das mulheres, está escancarado.
Ainda que tenhamos avançado em leis, tratados internacionais, programas e campanhas, se compararmos decisões judiciais de 30 anos atrás com as atuais, percebemos que a fundamentação é a mesma. As mulheres alcançaram seus direitos, mas a cabeça das pessoas não mudou. E quanto maior a autonomia da mulher, maior o conservadorismo: funciona como uma espécie de reação, de freio e resistência às nossas conquistas.
Tudo que foi exposto acima chamou minha atenção para mais um questão: qual é o limite dos nossos direitos, em especial a tão defendida liberdade de expressão?
Como cidadã, ultimamente, diante de debates acirrados que se instalaram sobre decisões judiciais e casos polêmicos, passei a me sentir reprimida e deixei de me manifestar muito vezes. Defendo sim que nossas ações e decisões tenham que estar em compasso com o que acontece no mundo, sob pena de vivermos em núcleos isolados e invioláveis, como azeitonas em conserva. Mas agora me sinto intimidada para falar sobre determinado assunto e de me indignar sobre determinadas decisões judiciais, pois muitas vezes me deparo com discursos de ódio e de intolerância apoiados na liberdade de expressão. E esse nunca foi o meu objetivo.
Todos nós perdemos com isso: calou parte da minha voz, da sua e de muita gente. Não podemos mais falar nada, principalmente quando o foco é diversidade, gênero e mulheres. Se nos posicionamos a favor do aborto, somos antirreligiosas; se nos posicionamos contra o machismo, somos feminazes e mal-amadas; se nos posicionamos a favor do feminismo, somos de esquerda e temos que concordar, consequentemente, com que uma criança toque o órgão sexual masculino em uma exposição de arte. E ai se falarmos o contrário. O exercício de um direito deve ser livre, claro, desde que não impeça o exercício do direito de outra pessoa - em privilégio ao princípio máximo da nossa Constituição Federal a dignidade da pessoa humana: os meus, os seus, os nossos Direitos. Como disse Oliver Wendell Holmes Jr., jurista americano da Suprema Corte dos EUA: “O direito de eu movimentar meu punho termina quando começa seu queixo”.
Não quero iniciar o mês de outubro com pessimismo. Sejamos esperançosas, afinal na Arábia Saudita foi liberado o direito das mulheres dirigirem. Não desanimo, pois quando falo e escrevo sobre tudo isso, meus olhos brilham em pensar em quantas mulheres tiveram coragem, quantas mulheres gritaram, denunciaram, exigiram e conseguiram seus direitos, sua própria liberdade.
Sim, setembro se foi, mas tem algo que ficou guardado na minha mente e coração: o dia 19, aniversário de 9 anos do meu filho, que ele me fez um pedido: “Mãe, eu gostaria muito de conhecer a Maria da Penha”. Essa sim é a verdadeira semente da vitória.
*Maria Gabriela Prado Manssur, Promotora de Justiça, participa do Grupo de Atuação Especial de Enfrentamento à Violência Doméstica e da Diretoria da Mulher da Associação Paulista do Ministério Público (Ministério Público do Estado de São Paulo)
Fonte:https://revistamarieclaire.globo.com/Blogs/Justica-de-Saia/noticia/2017/10/abusos-estupros-feminicidios-setembro-nao-foi-um-bom-mes-para-mulheres.html
Justiça de Saia: O que a
justiça não vê, as mulheres sentem
No texto de estreia de Gabriela Manssur, a Promotora de
Justiça comenta os casos de feminicídios e estupros que ocorreram nos últimos
dias
Recebi uma mensagem me convocando para um apagão feminino no Facebook. Aderi claro, mas sinto que esse apagão já está acontecendo há praticamente um mês: o apagão dos direitos das mulheres.
Primeiro o caso do feminicídio da Mayara Amaral, que foi brutalmente assassinada. Num primeiro momento, o agressor tentou dissimular sua conduta feminicida para um crime de latrocínio, mas mudou a versão e confessou: “Matei num estado de fúria”.
Depois, quatro outros feminicídios: mulheres de todas as idades e classes sociais, mortas pela condição do gênero feminino, mostraram ao que todas nós estamos sujeitas. Crimes cometidos dentro de suas casas, na frente dos filhos, com requintes de crueldade: crimes de ódio contra as mulheres.
Mas não parou por ai: tivemos o estupro cometido contra a jornalista Clara Averbuck em um Uber, em que ela, como vítima, preferiu não procurar a Justiça.
E, por fim, o que causou mais indignação, foi o estupro (sim, estupro) de uma mulher em um transporte público - um homem ejaculou sobre ela. E, pasmem, no mesmo dia em que o Tribunal de Justiça lançou a campanha “Juntos podemos parar o abuso sexual nos transportes”.
Mas o que mais nos surpreende, além da gravidade dos casos, é a forma como os direitos das mulheres vêm sendo encarados. Crimes de menor potencial ofensivo? Pode ser pra justiça, mas não para nós, mulheres.
A discussão que se estabelece no caso do ônibus é: qual o crime cometido? Se para alguns é contravenção penal, em que há a possibilidade de aplicação de penas alternativas, sem sequer dar início a um processo penal para apuração de culpa, para outros, é crime de estupro. Os que defendem o fato como ato obsceno e importunação ofensiva ao pudor se baseiam na literalidade da lei e entendem que não há violência ou grave ameaça à vítima.
Pois bem, vamos nos imaginar na situação: você está sentada num ônibus ou num metrô, indo ou voltando do trabalho, e um homem para na sua frente, começa a se masturbar em público, e, repentinamente, sem que você tenha possibilidade de reagir, de se defender, ejacula no seu pescoço. Você acredita que isso não tem violência? Acredita que esse fato não está revestido de ameaça à sua dignidade, à sua saúde e aos seus direitos humanos? Nesses casos, a justiça não pode ser cega. O crime não é de menor potencial ofensivo: ele ofende a todas nós.
Há, também, a discussão sobre a falta de um crime especifico para esse tipo de conduta na nossa legislação. Isso é fato e eu concordo. Mas enquanto essa lei não chega, não podemos entender que o fato se reveste de pequeno potencial ofensivo, pois seria muito “injusto” e “pesado” enquadra-lo como estupro. Para um, a pena mínima é de 3 meses, para outro, a pena mínima é de 6 anos, ou, se considerado estupro de vulnerável, de 8 anos.
Mas não se pode admitir que a espera de um tipo penal próprio, tal fato seja enquadrado no crime menos grave. Estamos garantindo o direito do agressor, em prejuízo dos direitos das mulheres.
E em relação a possibilidade de o agressor cometer o fato e, horas depois de ser preso, sair pela porta da frente, onde eu, você e todas as mulheres passamos todos os dias? Como aceitar? Inclusive sem se ater aos antecedentes criminais desse homem, que já tinha passagens por crimes da mesma natureza.
Há 15 dias, pela mesma porta da frente, saiu o autor de um dos feminicídios que citei acima após ter sido preso em flagrante por dar um tiro na cara da sua ex-companheira, na frente da sua filha de 14 anos. Mas quem iria sustentar e cuidar das crianças, já que a mãe morreu? Houve recurso, o Tribunal de Justiça reformou a decisão, ele foi preso novamente, mas poderíamos não ter tido essa sorte.
Se esses fatos não colocam em risco a sociedade, não colocam em risco as mulheres, que, diga-se de passagem, estão sendo esquecidas na sua dignidade ena sua honra, não temos mais nada a fazer, senão um apagão.
Afinal, numa verdadeira onda de retrocessos e ameaças ao estado democrático de direitos, a impressão é de que só os homens têm honra. Ontem em uma audiência, ouvi de um advogado que a mulher apanhou porque o homem, seu cliente, estava defendendo a sua honra: “Ele é homem, ele foi traído”.
E as mulheres, onde ficam nessa história? Uma vez ouvi de uma militante feminista que a dor da violência contra a mulher aumenta quando caminha de mãos dadas com a injustiça. Mas também ouvi da mãe de uma vítima de estupro coletivo que era a justiça que iria devolver a dignidade para a sua filha e que ela iria lutar por isso. E lutou. E a justiça foi feita.
Precisamos de leis, de tipos penais próprios? Sim, precisamos. Mas antes de tudo precisamos que os aplicadores da lei estejam preparados para aplicá-las: noções de gênero, conhecimento sobre a Lei Maria da Penha e direitos das mulheres devem ser exigidas nos concursos públicos, além da capacitação periódica nesses temas.
O que nos resta? Pedir para que a justiça acenda as luzes, defenda nossos direitos e tire a venda dos olhos, pois merecemos respeito, nós temos dignidade. E se ela nos foi roubada, por favor, nos devolva, pois o que a justiça não vê, as mulheres sentem.
Justiça de Saia: Cartão
vermelho para o machismo
Já é de conhecimento público e notório que um vídeo de um
grupo de torcedores brasileiros constrangendo uma mulher na Rússia viralizou.
Agora somos nós que precisamos virar este jogo
Machismo brasileiro na Rússia (Foto: Reprodução)
Chegou junho e a cada quatro anos, junto com a pipoca e o quentão, outra festa vem para alegrar nosso coração: a Copa do Mundo. Não tem como não se emocionar com o clima de união que as partidas trazem.
Mas nesse ano, a competição nem bem começou e o Brasil já está perdendo. Desta vez, o 7 x 1 foi fora de campo: um grupo de quatro brasileiros se filmou enquanto induzia em erro uma moça russa, que não sabia o que estava falando, a pular e gritar palavras de baixo calão em português, fazendo tamanha chacota com o órgão sexual feminino. Como se não bastasse enganá-la de maneira vexatória, os mesmos brasileiros ainda tornaram os fatos públicos: postaram o vídeo em redes sociais e a expuseram, literalmente, para o mundo inteiro ver. Um dos vídeos (sim, um deles, pois existem outros circulando por ai), tem mais de um milhão de visualizações.
A vida, assim como o futebol, é regida por regras. E neste caso a regra é clara: violência contra a mulher NUNCA é brincadeira dos homens, tampouco exagero das mulheres. É crime. Não há nada que justifique uma agressão como aquela. “Mas Gabi, eles não bateram na moça.... O que ela estava fazendo lá no meio de um monte de macho?”
Há quatro anos desenvolvo o projeto Tempo de Despertartentando desconstruir o machismo e ressocializar os agressores de mulheres, e um dos maiores desafios é fazer com que os homens entendam que a violência contra a mulher não é só física. A Lei Maria da Penha, vigente desde 2006, prevê ainda a violência sexual, psicológica, patrimonial e moral. E o que está sendo divulgado nas redes sociais com repercussão mundial é uma violência muito grave contra aquela moça russa que não sabemos o nome, mas conhecemos o rosto e a cor da pele.
A brincadeira, a piada, a briga de casal, o ciúmes exagerado, o controle, o sentimento de posse e a não aceitação do “não” são exemplos de comportamentos masculinos naturalizados e que muitas vezes camuflam a violência contra as mulheres: ofende, humilha, discrimina, machuca, isola, estupra, mata. Não é mimimi, é violação de direitos, é crime. E esse episódio mostrou para o mundo que estamos muito conscientes de tudo isso.
Um amigo me mostrou o vídeo no domingo pela manhã, no dia em que todos os brasileiros se reuniram para assistir à estreia do Brasil na Copa. Ele tinha acabado de receber as imagens num grupo de WhatsApp, formado exclusivamente por homens. Grupo de pais da escola? Dos amigos do clube? Do time de futebol? Amigos de infância? Da turma da faculdade? Do trabalho? Um desses. Ou todos esses. Eu perguntei o que esses homens estavam falando sobre o vídeo: “não tem nada demais”, “estão rindo muito”. E continuei a perguntar: mas ninguém se indignou? “Ninguém, é normal”. A única coisa que sei é que muitos deles repassaram o vídeo como se fosse o toque de bola mais perfeito da Copa. Só que não.
Quando vi as imagens congelei, fiquei envergonhada, com pena da moça. Pensei que poderia ser minha filha ou a de qualquer um dos homens daqueles grupos de WhatsApp. Mas nenhum deles pensou nisso. Ninguém pensou que aquela mulher russa ganhou uma nova identidade: a moça da vagina rosa. E que assim será conhecida por muito tempo: quando for mãe, esposa, empresária, executiva, política, ou seja lá o que ela quiser ser.
É torcedores, tarde demais. No mundo da internet, caiu na rede é peixe: o efeito é desastroso. Mesmo que haja decisões judiciais determinando a retirada de uma imagem do ar, elas não são suficientes para que tudo desapareça. Sempre tem alguém que salvou. Acabei de dar um Google: o vídeo está lá.
Nisso o Brasil perde de WO: ainda não há nenhuma legislação específica sobre violência contra a mulher na internet que criminaliza a pornografia de revanche, o registro não autorizado da intimidade sexual, a divulgação e compartilhamento dessas imagens. Nesse sentido, há um projeto de lei no Congresso Nacional (PLC n. 18/2017), mas nada ainda foi aprovado. Quem sabe com esses fatos alguma providência seja tomada.
Em março desse ano tivemos um importante avanço, a Lei 13.642/18 (Lei Lola Aronovitch), que autoriza a Polícia Federal a investigar os crimes de misoginia e de ódio contra a mulher na internet.
Mas, falando do caso concreto, dos fatos cometidos pelos brasileiros na Rússia, o que a PolÍcia Federal irá investigar? Como se dará eventual punição? O que pode acontecer?
Os brasileiros podem ser processados na Rússia (condenados ou absolvidos) e cumprirem a pena por lá. Porém, se antes disso eles voltarem para o Brasil, por aqui serão processados criminalmente(princípio da extraterritorialidade da lei penal e da não-extradição de nacional): aplica-se a lei brasileira aos crimes cometidos por brasileiros no exterior, desde que eles tenham retornado para o Brasil. Em outras palavras, nosso país não “devolve” o réu brasileiro para o país em que ele cometeu o crime, mas obriga-se, internacionalmente, a processá-lo e puni-lo.
Se já houver um processo criminal iniciado na Rússia, por uma cooperação internacional entre os países, esse processo é traduzido e encaminhado para o Brasil para a continuação das investigações, processo criminal e eventual punição, de acordo com a legislação brasileira. E tendo ou não iniciada investigação ou processo na Rússia, o Ministério Público Brasileiro também poderá dar início às investigações. Houve, no caso concreto, violação aos direitos humanos das mulheres.
Nesse aspecto, em que pesem as críticas à legislação russa no tocante à violência doméstica e à ausência de legislação específica no Brasil para os crimes contra as mulheres por meio da internet, ambos os países são Estados-membros da ONU, ONU Mulheres e signatários da Cedaw (Convenção sobre a eliminação de todas as formas de discriminação contra as mulheres): se comprometeram internacionalmente a erradicar, prevenir, combater e punir todas as formas de preconceito, discriminação e violência contra meninas e mulheres.
E qual o crime cometido, do ponto de vista da legislação penal brasileira (meu entendimento, respeitando opiniões em sentido contrário)?
Li, reli, consultei jurisprudências, conversei com colegas, especialistas e após patinar entre a possibilidade de enquadrar a conduta em uma contravenção penal de importunação ofensiva ao pudor ou o crime de constrangimento ilegal, cheguei a conclusão de que se trata de um crime de injúria racial praticada por meio que alcançou um maior número de pessoas (aumenta-se a pena).
Com efeito, o grupo de homens está ofendendo a dignidade de uma pessoa (nesse caso, a mulher russa que aparece nas imagens) colocando a honra subjetiva dessa mulher em cheque, expondo a sua intimidade, causando-lhe sentimento de vergonha, indignação e injustiça. E, para praticar essa ofensa, o grupo se valeu de elementos referentes à etnia (eslavo oriental), origem (Europa Oriental) e cor da pele, causando-lhe humilhação pública, discriminação e preconceito, ainda que mascarado por aparente piada ou brincadeira.
Mas vai além. Os brasileiros se esquecem que ao ofender a honra de uma mulher russa, praticando esse tipo de conduta fora do nosso país, em época de copa, em que os holofotes do mundo estão voltados para nós, ofendem a honra de todas as brasileiras, nossa honra nacional, a nossa pátria amada, Brasil. Para mim, que busco defender as mulheres todos os dias e amo futebol, de todos os nossos vexames, sem dúvida, este é o nosso pior 7x1.
Resta saber agora, qual será o desfecho jurídico do caso.
Segundo notícias veiculadas ontem na internet, a jurista russa Alyona Popova fez uma denúncia para as autoridades russas e escreveu uma petição contra os atos machistas cometidos pelos torcedores brasileiros, por violência e humilhação pública, à honra e à dignidade de outra pessoa.
Ainda que demoremos a ter notícias sobre a punição dos torcedores, acredito que ela já ocorreu: a “punição virtual”. Esse tipo de conduta é altamente reprovável socialmente e não será aceita. Quem duvidar, que assuma os riscos e arque com as consequências. E tenho certeza que serviu de recado para muita gente. Após a repercussão do caso, testemunhei um machista de carteirinha apagando um post do seu Instagram, em que ele reproduzia o vídeo e fazia brincadeiras com as mulheres. O post sumiu. Golaço!
Mais uma vez as mulheres usaram as redes sociais para soltar o grito de liberdade. Fizemos eco. Fizemos a nossa Justiça. “Querida moça russa, não queremos saber a cor da sua pele, mas sim o seu nome. Nossas sinceras desculpas”.
Viramos o jogo, mostramos que não estamos no banco de reserva e que o nosso lugar é onde nós quisermos. Cartão vermelho para os machistas. Queremos o Brasil campeão e as mulheres livres de violência.
Fonte:https://revistamarieclaire.globo.com/Blogs/Justica-de-Saia/noticia/2018/06/justica-de-saia-cartao-vermelho-para-o-machismo.html
Justiça de saia | #MeToo:
O que temos para falar sobre os assédios em Hollywood
"A violência sexual paralisa!", diz Gabriela
Manssur sobre as denúncias tardias feitas por atrizes e modelos internacionais
contra Harvey Weinstein
Atrizes de Hollywood contra Harvey Weinstein (Foto: Getty Images)
Difícil não falar sobre assédio sexual depois dos últimos acontecimentos - pior é que já vimos esse filme antes. Não foi de Oscar, mas, para nós brasileiras, o efeito foi tão chocante quanto: José Mayer, o galã da Globo, assediador sexual (ele mesmo confessou o crime). Na época uma onda de apoio às mulheres fez nascer o movimento #mexeucomumamexeucomtodas e surgiram vários outros casos envolvendo assédio sexual.
Em Los Angeles não foi diferente. Foi graças a uma voz e à pressão dos grupos feministas que Weinstein, conhecido como Mágico de Oz de Hollywood, perdeu o reinado do castelo que foi construído sobre um monte de areia: mentiras, assédios, ameaçadas e estupros.
Estes fatos me deixaram estarrecida. Não sei se é porque eu, desde pequena, adorava assistir ao Oscar (ver as produções cinematográficas, o making off, as músicas, os discursos, a moda, as lindas e queridas atrizes de Hollywood - Angelina Jolie, Ashley Judd, Cara Delevingne, Gwyneth Paltrow, Rosanna Arquette, Mira Sorvino: todas vítimas de Weinstein). Ou se por eu mesma ter feito um pré-julgamento: por que elas não denunciaram antes?
Porque a violência sexual paralisa!
Você já se afogou alguma vez na vida ou teve aquela sensação de pular na piscina e entrar água no seu nariz, ficando alguns segundos sem respirar? É assim que acontece no abuso sexual: parece que está se afogando: não dá pra reagir, falta força, falta fôlego, falta voz. Pode parecer que não foi nada, mas é grave, aperta o coração e acaba com sua autoestima. Você nunca mais vai esquecer.
E no momento em que você consegue respirar, é como se ressuscitasse de uma morte súbita. Você vai retomando a consciência sem saber ao certo o que aconteceu. Aos poucos vai assimilando e entrando no ciclo dos efeitos colaterais de um abuso sexual: a paralisia, o silêncio, depois a culpa, a dor, a vergonha, o medo, a raiva e a sede de justiça.
Talvez tenha sido o término desse ciclo que fez com que Angelina Jolie soltasse a voz. Ela fez por ela e por muitas mulheres. Tenho acompanhado os depoimentos e já chegam a quase cinquenta atrizes e modelos, mulheres famosas que sofreram algum tipo de abuso sexual por parte de Harvey Weinstein.
Trazendo os fatos para a realidade brasileira, a maioria desses relatos já não seriam mais julgados: para se processar assédio sexual ou estupro de maiores e 18 anos no Brasil, há a necessidade da expressa manifestação de vontade da vítima “eu quero processar o agressor” no prazo de 6 meses da data dos fatos. Só que seis meses é um prazo muito pequeno para a mulher assimilar esses efeitos colaterais. Muitas vezes é tarde demais.
Porém, o lado positivo é que quando uma mulher conta publicamente uma violência sofrida, ela se livra de um peso, ela divide a dor e o trauma, ela dá força para outras mulheres, como se ela pegasse em suas mãos e falasse: “ei, você não está sozinha, você não teve culpa, vamos juntas”. A gente não precisa sofrer sozinha, não é verdade?
E esse canário acaba formando uma espécie de consciente coletivo que é muito mais forte do que qualquer castelo hollywoodiano e muito mais simbólico do que qualquer estatueta do Oscar: é a força das mulheres que não são vítimas, mas sim sobreviventes. Talvez seja essa uma das maiores contribuições do feminismo. Mas sobre esse assunto, me debruçarei num próximo artigo.
Muitas mulheres, às vezes, nem sabem que estão sofrendo assédio sexual, não têm informações necessárias de como denunciar (para quem? Quando? Quem viu? Quem ouviu?). Fica a palavra da mulher, não raras vezes mais nova e em uma relação empregatícia de subordinação, contra a de um homem mais rico, mais poderoso, mais influente, praticamente inatingível. Fica a vergonha, o medo de represália, de perder o emprego, de prejudicar a tão almejada carreira profissional, como se fizesse parte do jogo.
Já recebi vários pedidos de ajuda e as histórias se repetem. Mas, aos poucos, muitas de nós estamos percebendo que ninguém precisa passar pelo teste do sofá para ter sucesso profissional: nem as artistas de Hollywood, nem as da Globo, nem eu, nem você: nós somos competentes.
As empresas, sindicatos, associações de classe, coletivos, escolas, universidades e instituições públicas estão se mobilizando e se capacitando para auxiliar essas mulheres, além de receber essas denúncias de assédio sexual. Fiquei muito feliz na semana passada quando soube que uma estagiaria que havia me pedido socorro, conseguiu enfrentar o medo e vergonha e denunciou para o RH da empresa o assédio que vinha sofrendo de seu chefe por mais de 4 meses. Ele foi mandado embora, está sendo processado e ela está sob proteção judicial.
A voz ganhou eco - e as que ainda não falaram, estão se arrependendo. Em algum momento da vida, elas vão falar. Jane Fonda disse que desconfiava do comportamento de Weinstein e que se arrependeu de não ter falado nada na época. Disse que, a partir de agora, nada mais passará. Reese Witherspoon também falou. Quem mais?
Me too. Eu teria uma (ou algumas) histórias pessoais para contar, mas decidi não estar no papel principal, escolhi abrir portas e dar voz para outras mulheres por meio do meu trabalho. Ajudando-as, eu me resgato diariamente. Por isso que agradeço todos os dias da minha vida às mulheres que me antecederam e que lutaram pelos nossos Direitos. E é esse legado que eu quero deixar para as meninas e mulheres das próximas gerações.
Harvey Weinstein (Foto: Getty Images)
Fonte:https://revistamarieclaire.globo.com/Blogs/Justica-de-Saia/noticia/2017/10/justica-de-saia-metoo-o-que-temos-para-falar-sobre-os-assedios-em-hollywood.html
Justiça de Saia:
Igualdade na lei e nos fatos
Em sua coluna, a promotora Gabriela Manssur publica manifesto
do Movimento Nacional de Mulheres do Ministério Público sobre
representatividade feminina
Manifesto aborda a participação proporcional de mulheres em cargos de decisão (Foto: Unsplash)
o mês em que a Lei Maria da Penha completa 12 anos e que a cúpula do Poder Judiciário está inteiramente composta por mulheres, inclusive com a posse de Rosa Weber em 14 de agosto de 2018 como Presidente do Tribunal Superior Eleitoral, o Movimento Nacional de Mulheres do MP, formado por 500 Promotoras e Procuradoras, encaminha hoje às chefias das Procuradorias Gerais, Associações e Escolas Superiores, ofício assinado por centenas de integrantes do Ministério Público brasileiro, de seus mais diversos ramos e de todos os Estados, solicitando participação proporcional de mulheres em eventos institucionais, cursos, palestras, encontros, Congressos e Seminários.
Essa manifestação vem como apoio à RECOMENDAÇÃO minutada pelo Conselho Nacional do Ministério Público que, ao verificar serem as mulheres 40 por cento do total de integrantes da instituição, entende ser necessária maior representatividade feminina, inclusive em cargos de decisão. Nas palavras do Conselheiro Luciano Mariz Maia, do Conselho Superior do MPF, vice-PGR:
“O CNMP apresentou um estudo em que os números falam por si. Fatores social e culturalmente construídos servem de impedimentos para que, no dia a dia, as mulheres possam estar em posições em que suas capacidades, competências e habilidades sejam colocadas a serviço de toda a sociedade. Estimular a presença das mulheres em posições de direção e decisão traz imensos incentivos para as instituições. Ser inclusiva e perceber-se inclusiva fará com que a instituição atue também em direção a suas atividades finalísticas, levando em conta a agenda das demandas das mulheres. A igualdade na lei ainda não veio acompanhada na igualdade nos fatos. E barreiras atitudinais continuam sendo o impedimento maior. Superemos barreiras. Avancemos na igualdade. Celebremos a afirmação da dignidade da mulher, em todas as suas dimensões de atuação. Um dos pontos básicos que distingue o machismo do feminismo, é que aquele luta pela manutenção da ideia de superioridade, este confia na igualdade.”
Juntamente com a criação do Movimento Nacional de Mulheres do Ministéeio Público, no início de 2018, foram realizadas diversas ações visando ao enfrentamento da desigualdade de gênero institucional, dentre as quais se destacam: o lançamento da campanha contra assédio sexual no trabalho pelo MPSP, em 12 de julho de 2018; a I Reunião das Mulheres do MPBA em julho de 2018; a I Conferência Nacional das Procuradoras da República, que aprovou propostas de promoção de equidade de gênero no MPF, em 18 de junho 2018; a apresentação, pelo CNMP dos dados relativos à desigualdade de gênero no Ministério Público, em 21 de junho de 2018 com o Projeto Cenários; o I Encontro de Mulheres do MP nos Estados do Espirito Santo, Bahia, Pará, São Paulo, Rio Grande do Norte, Paraíba; a Criação da Comissão Nacional de Mulheres na Conamp; o Grupo de Estudos Interinstitucional sobre Igualdade de Gênero do Paraná; o evento Liderança Feminina no MPT no início do mês, entre outros.
No próximo dia 20/8, o STF sediará o Seminário Elas por Elas: Mulher no Poder Estatal e na Sociedade e no dia 22/8 Magistradas de todo Brasil realizam o evento Justiça, Gênero e Arte. No final de setembro ocorrerá em Minas Gerais o II Encontro do Movimento Nacional do Ministério Público, em que se aguarda a presença da Procuradora Geral da República, Raquel Dodge.
Os movimentos sociais de mulheres já reconhecem a necessidade de mudanças nos quadros das Instituições Públicas e clamam por representatividade feminina. Segundo Jacira Melo, formada em filosofia política e diretora do Instituto Patrícia Galvão: “A história nos revela que sempre haverá pessoas desatualizadas com o rumo promissor da história. Assim, é preciso reiterar o sentido civilizatório da Agenda de Desenvolvimento Sustentável, adotado pelas Nações Unidas, que recomenda ações de defesa da garantia de participação plena das mulheres para a igualdade de oportunidades na vida política, econômica e pública. E também para enfrentar o racismo estrutural. As ações afirmativas, quando contextualizadas, revelam que a realidade é o exato oposto do discurso: não se trata de mérito, mas de privilégios para afastar mulheres e negros de espaços de poder.”
O cenário atual e as ações em prol da igualdade de gênero nas Instituições do sistema de Justiça demonstram que o Movimento Nacional de Mulheres do Ministerio Público veio para ficar. Nos dizeres da Subprocuradora-geral da República, Ela Wiecko Volkmer de Castilho: “Reações contra o crescente movimento por equidade de gênero revelam medo de mudança e conformidade com um modelo de sociedades que exclui as mulheres da esfera pública.”
Movimento Nacional de Mulheres do Ministério Público
Fonte:https://revistamarieclaire.globo.com/Blogs/Justica-de-Saia/noticia/2018/08/justica-de-saia-igualdade-na-lei-e-nos-fatos.html
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