NIETZSCHE,UM PENSADOR EUGENISTA,REACIONÁRIO,MISÓGENO E RACISTA ?

Nietzsche, um pensador misógino?
No retrato, Nietzsche ao lado de sua mãe, Franziska Oehler (Arte Andreia Freire / Reprodução)

Nietzsche, um pensador misógino?



Por Scarlett Marton

“Todas elas me amam”, escreve Nietzsche no Ecce Homo. E, logo, acrescenta: “com exceção das mulherzinhas vitimadas, as ‘emancipadas’, as incapazes de terem filhos”. Entendendo que as mulheres que buscam a própria independência são vítimas por não poderem procriar, ele revela nessa passagem seu conservadorismo. Na verdade, são vários os momentos de sua obra em que deixa claro o lugar que as mulheres deveriam ocupar na ordem social e os papéis que teriam de desempenhar. O lar seria o seu domínio de atividades; acompanhar o marido e cuidar dos filhos, as suas tarefas. Enquanto as mulheres são feitas para servir, dependendo daqueles a quem servem, os homens julgam fundamental manter a autonomia. Eles revelam assim uma condição superior, que lhes permite se dedicarem a grandes tarefas. Por isso mesmo, é com precaução que devem considerar o matrimônio. Na medida em que se trata de um contrato que lhes impõe obrigações, só poderiam aceitá-lo se contribuísse para o próprio desenvolvimento intelectual. Em Humano, demasiado Humano, Nietzsche esclarece as condições que lhe parecem necessárias para que um casamento seja bem-sucedido. Em primeiro lugar, ele teria de se fazer sempre por conveniência, jamais por amor, mesmo porque são as mulheres que idealizam esse sentimento. Depois, seria mais conveniente que os cônjuges não morassem juntos, pois o excesso de intimidade poderia prejudicar a união matrimonial. Além disso, para que essa união fosse duradoura, deveria ser entendida como uma boa conversa, de sorte que a sexualidade.

Dossiê | Nietzsche revelador
Neste dossiê, o leitor confere como Nietzsche pode prestar um serviço involuntário à crítica da democracia liberal (Arte Andreia Freire)


Dossiê | Nietzsche revelador


Por Silvio Rosa Filho

Este dossiê convida o leitor a bem distinguir o ponto de vista das opiniões e o dos pensamentos. Ensina pois que, em se tratando de Friedrich Nietzsche (1844-1900), o melhor mesmo é nos voltarmos para o pensador da transvaloração de todos os valores, do além-do-homem, da vontade de potência, do eterno retorno do mesmo e do amor-fati, buscando conhecer como é que afinal essas noções-chave operam no interior de temas e problemas contemporâneos, a despeito e para muito além do que tais noções teriam de “chocantes”, “preconceituosas” ou, simplesmente, “indefensáveis”.
Ao nos tornarmos cientes dos parâmetros com que Nietzsche avalia e critica movimentos como os da emancipação feminina, da moderna abolição dos escravos, da dominação política ou da erradicação dos “fracos”, “incapazes”, “doentes” – estamos em melhores condições não apenas para perceber o teor fortemente dissonante dessa avaliação e dessa crítica perante a sensibilidade moderna, mas ainda para atinarmos com o seu alcance revelador: elas desmascaram, por exemplo, o caráter contraditório dos fundamentos morais que sustentam os “desejos igualitários”, as “políticas democráticas”, os “projetos eugenistas”.
Assim, bem longe de contornar dificuldades, esconder evidências ou edulcorar ambiguidades, Scarlett MartonIvo da Silva Jr., André Itaparica e Wilson Antonio Frezzatti Jr., não se furtaram à tarefa de expor os nódulos de sentido e os fundamentos filosóficos do polêmico conservadorismo de Nietzsche. Das “mulheres bem-amadas”, passando pela escravidão como “cruel condição de toda cultura” e chegando à distinção entre seleção natural e “seleção cultural”, veremos, nesse claro e minucioso trabalho de especialistas, que eles não deixam de tomar suas próprias e respectivas posições.
Em boa companhia, portanto,  o autor de Assim falava Zaratustra pode prestar, ademais, um serviço involuntário à crítica da democracia liberal: em nome da proliferação da dissidência, valorizando a luta, o combate, o conflito e a disputa, Nietzsche dá mesmo a pensar no sentido e no valor de uma democracia efetivamente radical.

Silvio Rosa Filho é professor do departamento de Filosia da Unifesp
Fonte:https://revistacult.uol.com.br/home/dossie-nietzsche-revelador/

Escravidão, trabalho e ócio em Nietzsche
Lou Salomé, Paul Ree e Nietzsche, 1882 (Arte Andreia Freire/Reprodução)

Escravidão, trabalho e ócio em Nietzsche


 A Conferência de Berlim, também chamada de Conferência do Congo, bem indica a centralidade do continente africano para os europeus na segunda metade do século 19, pois este poderia fornecer matérias primas e compradores para a indústria europeia em expansão. Para além da partilha territorial entre as potências ocidentais que a Conferência procura regrar, a dominação da África era revestida com um nobre discurso civilizatório, que propunha inclusive rever o estatuto da escravidão. A Guerra de Secessão, no Sul dos Estados Unidos, o decreto pelo fim da servidão na Rússia e muitas outras ações em diversos outros países europeus intensificam posições contra a escravatura. Contemporâneo a esses acontecimentos, Nietzsche, dentre muitos, aliás, caminha na direção oposta. Desde os seus primeiros escritos, o filósofo julga ver desdobramentos nefastos provocados pelo término da escravidão. O caso americano é exemplar. Provocou, com a guerra civil, uma profunda alteração na organização social daquele país ao abolir a escravidão, legando ao homem livre um trabalho que consumia por completo o seu tempo, outrora dedicado ao espírito. Já no caso alemão, à diferença do que ocorreu na América do Norte ou na Rússia, é o desaparecimento de restos sociais do Antigo Regime, devido à acelerada marcha capitalista em pleno curso após a vitória na guerra franco-prussiana, que coloca a cultura em perigo ao acabar com os privilégios sociais necessários ao cultivo do espírito, que propiciavam o ócio necessário a um segmento preciso da sociedade.

Da crítica da democracia liberal à defesa da democracia agonística
Nietzsche em 1861, em ilustração de Pájak (Arte Andreia Freire/Reprodução)


Da crítica da democracia liberal à defesa da democracia agonística


Por André Itaparica


A combinação dos substantivos “Nietzsche” e “política” ainda é vista por muitos como explosiva e perigosa, e os motivos para essa opinião não são nenhum mistério. Afinal, além da infeliz apropriação do pensamento de Nietzsche pelo nazismo, as posições políticas de Nietzsche destoam fortemente da sensibilidade moderna ocidental. O que pensar de um filósofo que considerava a Revolução Francesa um desastre para a civilização; o socialismo, a antessala da tirania; o liberalismo, uma escola do mais baixo plebeísmo inglês? E, sobretudo, alguém que considerava a democracia uma forma de nivelamento e aviltamento do homem? A esse respeito, Nietzsche afirma, sem a menor cerimônia, que o movimento democrático é uma forma “decadente” de organização política, que representa a “diminuição”, “mediocrização” e “deterioração do valor” do homem. Essas palavras chocam. Elas devem chocar. E seu propósito era justamente chocar. Nietzsche era de fato um crítico dos ideais políticos modernos, e quanto a isso não se deve edulcorar suas palavras; a estridência dos termos usados, contudo, possuía objetivos estratégicos e retóricos precisos. Vendo no filósofo a má consciência de seu tempo, o extemporâneo que é contra sua época em nome de épocas futuras, Nietzsche, ao questionar nossas convicções mais arraigadas, acaba nos revelando problemas muitas vezes insuspeitos. Para compreender a motivação da crítica de Nietzsche à democracia, devemos observar duas coisas.

Sentenças, aforismos e fragmentos póstumos de Nietzsche
Nietzsche em Basel, 1876 (Arte Andreia Freire / Reprodução)


Sentenças, aforismos e fragmentos póstumos de Nietzsche


Por Clademir Araldi


Conservador? De fato, após o cristianismo ter exigido que o indivíduo se alvoroçasse como juiz sobre tudo e todos, a megalomania tornou-se quase dever para ele: é preciso fazer valer direitos eternos contra tudo o que é temporal e condicionado! Que importa o Estado! Que importa a sociedade! Que importam as leis históricas! Que importa a fisiologia! Aqui fala um além do vir-a-ser, algo imutável em toda a História, aqui fala algo de imortal, algo de divino, uma alma! Um outro conceito cristão, não menos maluco, foi transmitido ainda mais profundamente na carne da modernidade: o conceito de igualdade das almas perante Deus. Ele é o protótipo de todas as teorias dos direitos iguais: ensinou-se a humanidade a derivar religiosamente o princípio da igualdade; a partir disso, constitui-se mais tarde uma moral: e, que milagre, o homem acabou por leva-lo a sério, a assumi-lo praticamente!, quer dizer, politicamente, democraticamente, 
de modo socialista, pessimista-indignado... Fragmento Póstumo 15 da primavera de 1888 Antifeminista? Enfim: a mulher! Essa metade da humanidade é fraca, tipicamente doente, instável, inconstante – a mulher precisa da força, para se apegar a ela, – e uma religião da fraqueza, que glorifica como algo divino a fraqueza, o amor, a humildade... Ou, melhor dito, ela enfraquece os fortes, – quando tem êxito, ela domina e prepondera sobre os fortes... A mulher sempre conspirou juntamente com os tipos da décadence, com os sacerdotes contra os “poderosos”, contra os “fortes”.

Fonte:https://revistacult.uol.com.br/home/fragmentos-postumos-de-nietzsche/




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