Viaje para a Ásia: a Sabedoria do Budismo
Viajar para um lugar é conhecer a sua cultura e o seu modo de vida. Na Ásia, em termos religiosos, a cultura foi e ainda é dominada por duas grandes religiões: o Islamismo e o Budismo. Assim, se você pretende viajar para essas bandas, vale muito a pena saber um tiquinho sobre o Islamismo e o Budismo para você aproveitar mais a viagem e saber o quê está fotografando ou o porquê um monte de gente usando laranja está passando perto de você. Além disso, você poderá tirar uma onda com seus parentes e amigos na sessão de fotos do retorno da viagem! hehehe…
O Islamismo não é tão diferente do Cristianismo e do Judaísmo, e já foi objeto de um post anterior, o qual recomendamos muito a leitura, caso você esteja planejando uma viagem para o incrível Mundo Muçulmano (clique aqui). Já o Budismo é uma religião inteiramente diferente e domina boa parte da Ásia.
O budista acredita que a vida, como regra, é sofrimento, e que vivemos numa cadeia infinita de reencarnações. Ou seja, sofremos nesta vida, sofreremos na próxima, e naquela que tivermos depois da próxima, para todo o sempre. É uma tristeza sem fim. Óh céus… Mas há uma saída para essa sofrência toda!
O budismo seria uma receita para escapar do ciclo de reencarnações (samsara, em sânscrito) e sofrimentos eternos. Tal libertação se dá por meio do exercício do desapego, pois é o apego é que nos faz sofrer e nos mantém preso ao ciclo de encarnações.
Viaje com a gente pelos ensinamentos do Budismo, e descubra os tesouros que a cultura do Oriente guarda e como eles podem tornar a sua viagem e a até a sua vida mais rica!
Budismo e as Grandes Religiões Orientais
Sidarta Gautama, o Buda, nasceu no Século VI a.C., em uma família nobre da Índia antiga, em um período de grande florescimento religioso. São os ensinamentos do Buda que constituem o ponto de partida ao que hoje chamamos de Budismo.
Por toda parte, sábios andarilhos (chamados de sannyasis ou bhikshus) dedicavam a sua vida ao estudo e ao ensino, a fim de descobrir a verdade sobre o mundo e sobre si mesmos, a qual estaria escondida inclusive dos deuses. Qual é a origem do universo? Quem sou eu? Qual é o sentido da minha vida?
Até hoje, se viajar para a Índia, você encontrará esses nobres vagabundos, principalmente em lugares de maior significado religioso. E são as intuições, inspirações e entendimentos desses sábios que vão dar origem, lá no Século VI a.C., às três grandes religiões da Índia antiga: o Hinduísmo (clique aqui, e aqui também), o Jainismo (clique aqui) e o Budismo.
Essas três religiões têm em comum inúmeras crenças, que as tornam muito diferentes das religiões abraâmicas (que acreditam que Abraão é um profeta de deus, Cristianismo, Judaísmo e Islamismo), entre as quais a ideia de karma e de reencarnação.
As religiões indianas compartilham a ideia de que todo ser vivo não vive apenas uma vida, mas retorna a este mundo de novo e de novo, num processo contínuo e interminável de mortes e renascimentos. Aqui no Ocidente, muitas vezes, a ideia de reencarnação é retratada de forma atrativa, pela possibilidade de, na próxima vida, aproveitarmos alguma coisa que não tivemos a oportunidade nesta vida, por qualquer razão. Mas, na Índia antiga, o ciclo de reencarnações (samsara, em sânscrito) era tido como um fardo. Uma das principais preocupações dos sábios indianos era precisamente como escapar desse fardo, ou ao menos diminuir o seu peso.
Entende-se, nessa tradição, que é possível obter uma próxima encarnação mais favorável por meio de boas ações (karma, em sânscrito). Inversamente, más ações conduzem a uma próxima encarnação menos favorável. As reencarnações podem se dar em seis reinos diferentes: deus, semideus, ser humano, fantasma, animal ou espírito no Inferno. Se praticar boas ações, você subirá na cadeia dos reinos, e se se comportar mal, cairá. Imagina só vir como uma barata ou um verminho ou os borós que servem de isca para pai pescar… punk, né? Então, esforce-se para ser um(a) bom (a) menino (a).
Todavia, tal ascenção e queda são impermanentes, e até mesmo os deuses estão submetidos à lei do karma e ao ciclo de reencarnações. Parada bem democrática, né? Assim, se um deus se comportar mal, ele poderá, no futuro, renascer como um mísero verme. Certamente, a ideia de divindade para as religiões indianas é muito distinta daquela das religiões abraâmicas.
Todavia, o prêmio maior seria sem dúvida escapar por completo do ciclo de mortes e encarnações, alcançar o estado de não-reencarnação, e é nesse ponto que vão se concentrar os ensinamentos do Budismo.
O Despertar do Budismo
Sidarta, o Buda, passou a maior parte de sua juventude no castelo de seu pai, protegido dos horrores do mundo. Todavia, eventualmente aconteceu o inevitável: Sidarta conheceu os males da doença, da morte e da velhice. Diante disso, decidiu deixar tudo para trás, todo o conforto e a riqueza, e inclusive a sua esposa e filha. Então, ele se tornou um andarilho, com o objetivo de descobrir a verdade sobre a vida e a morte, e o sentido de todo o sofrimento do mundo – audacioso, né? O importante é ter foco…
Depois de muitas aventuras, sentado de baixo de uma árvore, Sidarta finalmente alcançou o Despertar (bodhi, em sânscrito), e tornou-se o Buda, que significa o Iluminado, em sânscrito. Ele tinha entendido as causas do sofrimento e soprou elas para longe, alcançando o nirvana. O nirvana envolve um estado de liberdade e calma que estão ausente na vida ordinária, e é obtido em vida, e não apenas com a morte, quando o iluminado abandona para sempre o ciclo de morte e renascimento. É o que se chama de parinirvana (total extinção).
Assim, o nirvana não é um estado de prazer interminável, como acontece com a ideia de paraíso nas tradições judaicas, cristãs e muçulmanas. O estado é um estado de não ser, em que o EU não mais existe, e, portanto, não pode mais sentir prazer ou sofrimento. Então, se você quer ser budista, esqueça esse negócio de virgens no paraíso, comer sem engordar, etc e tal.
A Caminho do Nirvana
Para o Budismo tradicional, quando o Buda morreu, ele desapareceu da existência, e, dessa forma, ele não pode influenciar o destino dos seus seguidores ou mesmo operar milagres. Ou seja, não dá para rezar para o Buda. Não é que ele não esteja aí para os problemas do mundo, ele simplesmente não está mais. O Buda não é o Deus das religiões abraâmicas. O que não impede as pessoas mais simples nos países budistas de buscarem a ajuda do Buda para resolver os problemas, grandes e pequenos, do seu dia-a-dia, como ocorre em todas as religiões do mundo, que servem de alento e conforto para inevitabilidade da vida.
Mas o Buda não guardou para si o caminho para iluminação, e sim compartilhou com o mundo um amplo conjunto de sábios ensinamentos, aos quais se dá o nome de dharma. E no coração da doutrina do Buda,estão as “Quatro Verdades Nobres”, a pedra fundamental do Budismo, que serve de ponto inicial para a distinção deste em relação às demais religiões indianas.
A Primeira Verdade do Budismo é a “Realidade do Sofrimento” (dukha, em sânscrito). O Buda iniciou o seu primeiro sermão com a seguinte e poderosa afirmação: “Tudo é Sofrimento”. Mesmo os momentos prazerosos da vida causam sofrimento, pois são impermanentes, não duram para sempre, e, quando vão embora, deixam para traz o sofrimento de sua cessação. Aliás, sofremos mesmo durante os momentos de felicidade, pois sabemos que eles chegarão ao fim. Sofremos porque vivemos uma situação prazerosa, que não é mais tão prazeroso quanto já foi.
A Segunda Verdade do Budismo é a “Realidade da Origem do Sofrimento” (samudaya, em sânscrito). É o desejo, o apego que nos conduz ao sofrimento e à permanência dentro do ciclo de morte e renascimento. Isso inclui não só o desejo por coisas ou por sentimento, mas também o desejo por ser/existir.
Para o Budismo, tudo é impermanente, e a ideia de um EU estável e permanente é uma ilusão. Somos não apenas um mas uma pluralidade de processos simultâneos, a correnteza de um rio que se transforma a todo momento. Essa correnteza transborda de uma vida para outra, sempre e sempre até o infinito. É o apego ao EU que nos causa os maiores sofrimentos, pois é em razão dele que sentimos medo da doença, a velhice e a morte.
A Terceira Verdade do Budismo é a “Realidade da Cessação do Sofrimento” (nirodha, em sânscrito). A cessação do sofrimento somente pode ser obtida por meio da renúncia ao desejo e ao apego a tudo, às coisas, à família, a si mesmo e até mesmo aos ensinamentos do Buda. Somente assim é possível alcançar a liberdade, a independência e o nirvana.
Tal tarefa é enormemente difícil, como se pode imaginar. Apenas depois de inúmeras reencarnações, e muito karma acumulado, alcançaremos uma encarnação favorável para alcançarmos o nirvana. Mesmo o Buda teve que percorrer um grande número de encarnações, antes de alcançar a iluminação, e essas outras vidas são objeto de muitas histórias no budismo.
A Quarta Verdade do Budismo é a “Realidade do Caminho para a Cessação do Sofrimento” (magga, em sânscrito). O caminho que leva à cessação do sofrimento passa por oito diretrizes, chamados conjuntamente de “Nobre Óctuplo Caminho”: entendimento correto, pensamento correto, linguagem correta, ação correta, modo de vida correto, esforço correto, atenção plena correta, concentração correta.
Podemos reduzir essas oito diretrizes a apenas três: conduta moral (sila, em sânscrito); concentração mental (samadihi, em sânscrito), para focar e clarear a mente, principalmente por meio da meditação; e sabedoria (pañña, em sânscrito), ou o entendimento do não-EU.
Para os budistas leigos, conduta moral significa: não matar; não furtar; não mentir; não abusar do sexo; e não consumir substâncias intoxicantes. Tais obrigações não tem valor em si mesmas, mas são importantes no processo de aprendizagem acerca da natureza ilusória do EU. Já para os monges, há cinco obrigações adicionais, incluindo a proibição de comer depois do meio dia, de não dormir em camas macias e de não manejar dinheiro, todas com o mesmo objetivo indicado.
Veja que, no final, o objetivo do Budismo não é transformar o devoto em um psicopata indiferente a tudo, mas, na negação do EU, encontrar-se com o mundo, pois não haveria diferença entre o si e o mundo. Não há, no budismo, uma negação do mundo, mas sim a aceitação da sua impermanência, e, nessa medida, não haveria motivo para sofrimento.
Leigos e Monges no Coração do Budismo
Já que tocamos no assunto, a distinção entre monge e leigo é um das mais fundamentais no Mundo Budista.
Uma das expressões fundamentais da fé budista é o chamado “Triplo Refúgio”: “Eu me refugio no Buda. Eu me refugio no Dharma (conjunto de ensinamentos do Budismo). Eu me refugio na Samgha (comunidade dos devotos budistas)”.
Na comunidade budista (samgha, em sânscrito), os leigos e os monges desempenham papéis distintos e complementares.
Os leigos não pretendem alcançar o nirvana na sua encarnação atual, mas apenas em um dos seus próximos retornos a este mundo, em que tenha condições mais favoráveis para tanto. Com esse fim, realizam boas ações, para assegurar uma encarnação futura mais favorável. Entre essas boas ações, destaca-se apoiar os monges e freiras, que, por terem abandonado a vida mundana, dependem da comunidade dos leigos para o seu sustento diário.
Dito de outra forma, a comunidade dos leigos assegura as condições materiais para que os monges e as freiras tentem alcançar o nirvana já nesta vida. Ao ajudar os monges e as freiras, os leigos estão trabalhando para uma encarnação futura mais favorável, em que eles mesmos poderão alcançar o nirvana, o objetivo final de todos os budistas. Dessa forma, para os membros leigos da comunidade budista, a generosidade é a principal virtude.
Com o desaparecimento do Buda, o Dharma e a Samgha são os principais pilares do Budismo.
Na origem, o Budismo não trazia qualquer mitologia, ou qualquer ideia sobre deus ou a origem do universo. O Buda estava preocupado exclusivamente com o pensamento humano, e não com questões metafísicas. O lado metafísico e místico do budismo foi acrescentado séculos depois, principalmente a partir da suposta descoberta de ensinamentos secretos do Buda.
O Budismo na sua Viagem
Viajar é também descobrir tesouros de sabedoria, formas diferentes de ver e viver o mundo, que sempre enriquecem a nossa própria vivência do mundo.
Vivemos em uma cultura que coloca a valorização do EU como o caminho para a felicidade. Temos que ter e ser muitas coisas.
Já o budismo sustenta que a felicidade e a libertação está na negação do EU e no desapego das coisas do mundo. Tal objetivo é impossível para a maioria de nós, mas certamente a sabedoria do budismo nos ensina a importância de uma vida mais simples, na qual damos valor apenas às coisas realmente importantes. Essa é uma lição que, na minha opinião, vale muito à pena aprender.
Mas este post explorou apenas a pontinha do iceberg do Mundo Budista, que é enormemente rico e variado, indo do místico tantra ao silencioso zen, e tudo isso será assunto de futuras conversas aqui no Borboleteando por Aí. Não perca!
Fonte:https://www.borboleteandoporai.com/viaje-para-asia-sabedoria-budismo/
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