PREM BABA : "OITENTA POR CENTO DAS MENSAGENS QUE EU TENHO AQUI TRATAM DE ABUSO SEXUAL"

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Prem Baba: “Oitenta por cento das mensagens que eu tenho aqui tratam de abuso sexual”


O guru brasileiro, líder do movimento internacional Despertar do Amor, fala sobre estupros, feminismo, repressão sexual e sobre a masculinidade distorcida que ele acredita ser a causa da violência contra as mulheres


IVAN MARTINS
16/06/2016 - 10h47 - Atualizado 26/10/2016 15h43


Por dois dias, na semana passada, as palestras diárias do guru Sri Prem Baba, chamadas de satsang, foram sequestradas pelo tema do abuso sexual. Na primeira vez, por meio de uma carta escrita por um de seus seguidores, que contava uma tentativa de estupro contra sua namorada e pedia orientação. Na segunda, pela mensagem de uma discípula, que se queixava do comportamento libidinoso do pai em relação a ela. “Acho que estamos diante de um problema enorme”, disse o guru, perplexo, depois de ler em voz alta a segunda mensagem, exibindo um maço de cartas manuscritas. “Oitenta por cento das mensagens que eu tenho aqui tratam de abuso sexual.”
Prem Baba é um brasileiro de 50 anos, nascido em São Paulo, que foi reconhecido como líder de uma antiga linhagem de gurus da cidade de Rishikesh, no norte da Índia. De lá, e do seu centro espiritual em Alto Paraíso, no interior de Goiás, lidera um movimento internacional chamado Awaken Love (Despertar do Amor), que prega a ampliação da consciência pessoal, a prática de serviços sociais e a defesa do meio ambiente – com muita meditação, terapia e devoção. Ao redor dele se reúnem pessoas do mundo inteiro, sobretudo jovens de classe média alta, dois terços dos quais são mulheres.

Prem Baba no ashram de Alto Paraíso. Freud e Krishna sob o céu do cerrado (Foto: Divulgação)












Psicólogo de formação e pai de uma adolescente, Baba, como o chamam seus discípulos, é um homem sorridente e acolhedor, preocupado fundamentalmente com autoconhecimento e ampliação da espiritualidade, capazes, segundo ele, de transformar o mundo radicalmente, para melhor. Na sexta-feira (10), numa tarde de muita chuva no Cerrado, ele sentou-se próximo a uma janela e falou à luz de velas sobre estuprosfeminismosexualidade e sobre a distorção da masculinidade que ele acredita estar por trás dos males do planeta. No centro espiritual de Alto Paraíso, que os devotos tratam pela palavra ashram, do sânscrito, havia acabado a luz:
Como o senhor vê essa onda de indignação contra o abuso sexual?
É um fenômeno mundial. Vi acontecer na Índia, em 2012. Houve lá um amplo movimento de protesto contra um estupro coletivo num ônibus, que levou à morte de uma jovem. Pela primeira vez, um grupo de mulheres decidiu enfrentar o patriarcado milenar indiano, com apoio da mídia. Até então, não se falava sobre os estupros, era um tremendo tabu. As mulheres se sentiam amedrontadas, muito mais do que no Brasil. Se a mulher vai a uma delegacia na Índia, ela é ridicularizada. Quem está envolvido em trabalhos humanitários sabe da realidade da cultura indiana. A mulher não denuncia mesmo. Se dizem que há um ato de abuso a cada 20 minutos, deve ser a cada dez minutos, ou ainda menos.
Aumentaram os casos de abuso ou aumentaram as denúncias?
Está havendo uma explosão de casos, em diversas cidades da Índia. Participei lá de um esforço para mobilizar a sociedade, criar campanhas de conscientização contra a violência. Até então, eu achava que era um fenômeno pontual, que estava acontecendo apenas na Índia. Mas, de repente, fui surpreendido pela notícia de que as estatísticas de abuso aqui no Brasil são ainda piores, e que os estupros estavam acontecendo também nos Estados Unidos, nas universidades. Minha conclusão é que há uma epidemia global de violência sexual contra as mulheres.
O que isso significa?
Acho que é um símbolo de mudança e reação. Os homens estão se sentindo ameaçados por uma força que eles nem mesmo enxergam ou percebem. Há ao nosso redor um sistema econômico e político completamente deteriorado, e, ao mesmo tempo, está nascendo a percepção de que chegamos a esse estado crítico por conta do masculino distorcido.
O que é o “masculino distorcido”?
O masculino saudável é o poder de ação que constrói e realiza. O masculino distorcido é contaminado pelo ódio e pelo medo. Ele gera uma ação destrutiva, que machuca e corrompe. Essa violência toma a forma de estupro porque nós, humanos, estamos sentados sobre um barril de energia sexual, que não foi compreendida e nem elaborada. Vivemos milênios de repressão sexual. Hoje, percebemos que grande parte dos distúrbios da nossa sociedade tem raízes na repressão da sexualidade. Por tempo demais o sexo foi considerado sujo, errado, uma coisa feia. Mas tudo que é proibido provoca desejo. Essa contradição acaba sendo rompida com a violência que estamos vendo.
Muitos atribuem esses problemas à liberdade sexual.
Eu não. Eu acredito na liberdade sexual. Acho, na verdade, que ela é a única saída para a humanidade. Mas essa liberdade precisa ser verdadeira, aquela que nasce da espontaneidade, que está livre da culpa e do medo. Esses sentimentos ruins fazem com que a energia sexual fique reprimida ou se manifeste como violência.
Como países culturalmente tão diferentes como Brasil e Índia podem ter problemas semelhantes de repressão sexual?
O Brasil só parece ser um país sexualmente livre. Há Carnaval, praias, funk. A gente diria que não há censura da prática sexual. Mas, se as pessoas estão satisfeitas, se são livres, por que essa epidemia de violência sexual? Por que a prostituição ainda é um grande negócio entre nós, envolvendo inclusive crianças? Existe um equívoco em relação ao conceito de liberdade. As pessoas no Brasil acreditam que são sexualmente livres, mas não são. Se fossem, não haveria essas coisas.
A maior parte de seus discípulos é formada por mulheres. O senhor não notou entre elas essa onda de revolta contra o abuso sexual chegando?
A onda começou a chegar há uns três anos, devagarinho. Mas a verdade é que desde sempre eu ouço relatos de abuso. Desde que comecei a trabalhar com gente, ainda como terapeuta, isso tem estado lá. A diferença agora parece ser a quantidade. Eu tenho me perguntado se isso sempre foi assim e se apenas agora estamos tomando consciência, por causa da nova voz das mulheres, das redes sociais e da mídia. Ainda não sei a resposta, mas tendo a acreditar que a violência contra a mulher é maior agora, porque os sistemas construídos com base na distorção do masculino estão se sentindo ameaçados, e, como forma de se defender, eles atacam. É um fenômeno inconsciente. É o medo de perder o lugar, seu lugar na dominância do sistema.
O comportamento das mulheres quanto a isso mudou?
Mudou muito. Até há pouco, elas estavam amedrontadas. Tinham medo de admitir o abuso, de se colocar publicamente. Até para se lembrar dos episódios tinham dificuldades. Às vezes, é difícil para a pessoa se lembrar de que sofreu abuso. É tão dolorido que ela coloca tudo no porão do inconsciente e esquece, mas sofre as consequências. Tem dificuldade de se relacionar, tem medo da própria sexualidade, medo da vida. Precisa de um trabalho para acordar essa memória de abuso pelo pai, pelo tio, pelo avô. É um trabalho de cura de trauma que precisa ser feito, para que a pessoa possa seguir sua viagem existencial.
Como o senhor vê o feminismo?
Sinto que o feminismo foi a necessidade de um certo tempo. Ele serviu para dar voz e empoderar as mulheres. Mas nasceu de uma reação. Uma forma de se proteger é fazer guerra, combater o mal com o mal. Foi a única maneira que as mulheres encontraram para ter voz. Mas, agora, acredito que temos de encontrar outra maneira. A mulher tem de mostrar seu valor, ser respeitada e considerada através do diálogo. É verdade que ainda existe em nosso meio muita ignorância e muita estupidez em relação às mulheres. Mas eu vejo tudo isso como parte da distorção do masculino. Por trás de tudo, há crianças carentes que foram machucadas e que precisaram achar um jeito de sobreviver. O masculino distorcido também é vítima. Há vítimas dos dois lados. Por isso, o diálogo é importante.
Diante da carta de uma fiel que contou que o pai tinha com ela uma relação luxuriosa – embora não física –, o senhor respondeu que ela precisava perdoar o pai. Por quê?
Porque eu preciso dar a ela o caminho da cura verdadeira. Confrontar o pai ou se afastar dele, botando a raiva para fora, é uma forma de tratar o trauma, como eu disse a ela. Mas eu sei que isso não resolve o problema. Ela continuará carregando a conta aberta com esse pai. Continuará carregando a ausência do masculino dentro dela. Só conseguirá se harmonizar quando reparar essa relação. E a relação só é reparada com perdão e com o amor. Para chegar a eles, obviamente, há um caminho. Primeiro, ela tem de descarregar a raiva, botar para fora as lágrimas e os protestos não enunciados. Isso tudo precisa sair antes de o perdão entrar verdadeiramente.
Em seus ensinamentos, o senhor enfatiza a autorresponsabilidade e o fim da vitimização. Nos casos de abuso sexual, essa proposição é delicada.
Deixe-me explicá-la. A experiência humana tem muitas dimensões. Numa determinada dimensão, a mulher que sofreu abuso é vítima da estupidez e da ignorância, e elas precisam ser corrigidas e punidas. Precisamos de leis claras, protetoras. Mas essa é apenas uma dimensão da existência, a existência social que nos cerca. Numa dimensão mais profunda, que eu chamo de espiritual, não existe coincidências. Alguém disse certa vez que não cai uma folha da árvore ao acaso. Eu cheguei à conclusão de que isso é verdadeiro. Tudo o que acontece tem um porquê, no nível da alma. Por que a pessoa está naquele lugar, naquele momento, onde acontece determinada situação? Acredito que existem forças inconscientes levando a pessoa para aquele lugar, para aquele momento, porque ela não teve chance de elaborar as suas forças inconscientes. Enquanto ela não tomar consciência dos impulsos cegos que a guiam, vai chamar essas situações de destino. Mas eu entendo que o destino é construído, por meio de pensamentos, palavras e ações. Repito, porém, que essa é uma questão espiritual, muito profunda e complexa. No plano social, imediato, temos de cuidar das vítimas e aplicar a lei contra os agressores.
Como se trata a vítima da violência sexual?
A gente acolhe. Dá a ela o máximo de suporte. É preciso também punir a pessoa que comete violência sexual, porque é crime. Ao mesmo tempo, lembro que estamos apenas tratando os sintomas. Não estamos tratando a causa. Se olharmos para as causas, há vítimas dos dois lados. Os dois são vítimas da falta de consciência. Por isso, insisto sempre que autoconhecimento é o único remédio para o ser humano. O autoconhecimento precisa acontecer em larga escala, precisa se tornar política pública. Se fosse possível, o autoconhecimento deveria ser distribuído como cloro, na água. Ele faz com que as pessoas se tornem responsáveis por si mesmas. A autorresponsabilidade é a pedra fundamental que sustenta o templo da consciência. Ela possibilita a expansão da experiência humana, possibilita a evolução.
Como as vítimas de abuso sexual podem se reconstruir internamente?
É complexo. Não há uma receita, mas existem princípios fundamentais. O primeiro é acolher a dor sem cair no vitimismo. É quase um paradoxo, mas não é. A pessoa foi machucada e está doendo. Afinal, ela recebeu uma rajada de ódio e crueldade. Eu chamo isso de desamor, e dói demais não ser amado. Mas é preciso lidar com essa frustração. Ela tem de acolher a tristeza. Aos poucos, vai entender que essa é também uma das dimensões do humano nesta terra, infelizmente. Este mundo tem luz e tem sombra. Ela vai se sentir parte do barco chamado humanidade. Vai aprender como se transformar, como superar a guerra dentro dela, que atrai violência de fora. A violência, afinal, também está dentro de nós. Devagarinho, se tratando, ela pode inclusive se tornar um canal de ajuda para outros que estão na mesma situação. Um canal para dar suporte e acolhimento a quem está passando por aquilo por que ela passou um dia. É um processo difícil, que começa com o acolhimento da tristeza, sem cair na armadilha de querer se vingar e guerrear. As pessoas costumam cair nessa armadilha, mas uma hora precisam avançar para além disso.
Qual o papel dos homens nesse processo?
É acolher. Nesta semana, durante o satsang [a palestra diária do guru] li a carta de um rapaz cuja namorada tinha sofrido abuso sexual no banheiro da faculdade e estava muito fragilizada. Ele tinha acabado de chegar aqui, vindo de longe, mas eu disse a ele: “Você precisa voltar e estar com ela. Ela só consegue confiar em você neste momento”. Dependendo do impacto da experiência, dependendo do trauma, a mulher não consegue confiar em homem nenhum. Durante um bom tempo, vai ter dificuldade em se relacionar com homens. Vai enxergar ameaças em toda parte. Mas, se ela conseguir ter uma ponte com alguém, se houver um masculino que ela consiga ver como confiável, pode ajudar muito.
As garotas dizem que muitas vezes, quando chegam em casa se queixando de alguma forma de abuso, escutam que a vida é assim, que os homens são assim mesmo, que elas deveriam se conformar. O que fazer?
Essa questão é mais ampla. Não é só o abuso sexual que a família não entende. São muitas as passagens em que a pessoa se sente completamente sozinha, isolada, sem ter quem a ampare e entenda. Faltam diálogo e amizade dentro das famílias, infelizmente. Cada um está perdido em seu mundo, ocupado com suas questões. Há um egoísmo muito enraizado na maioria das pessoas. Falta espaço para a empatia, mesmo entre pais e filhos. Minha sugestão é tentar o diálogo sempre que as pessoas dentro de casa tentem ser amigas umas das outras, que busquem a aproximação. Isso ajuda a superar a enorme solidão presente na vida humana.
O senhor acha que está havendo um crescimento da espiritualidade no mundo?
Eu percebo isso. Quando digo que o masculino distorcido se sente ameaçado e se defende, é por causa do crescimento de um aspecto específico da consciência, que é a amorosidade. É um aspecto do feminino. A espiritualidade vem pelo feminino. Vem pela aceitação, pela confiança e pelo acolhimento, que são características femininas. Sinto que está havendo uma expansão da consciência espiritual, e que ela é um resgate do feminino.
Fonte:http://epoca.globo.com/colunas-e-blogs/ivan-martins/noticia/2016/06/prem-baba-liberdade-sexual-e-unica-saida.html

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