AS MISTERIOSAS DANÇAS DOS MONGES RODOPIANTES

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AS MISTERIOSAS DANÇAS DOS MONGES RODOPIANTES

A cidade de Istambul – antiga Constantinopla – é uma urbe absolutamente extraordinária não só pela sua história (que se perde na noite dos séculos) mas também pela localização geográfica e, sobretudo, pelos seus aspectos culturais. Por tal e pela sua energia, simpatia das gentes, gastronomia e cosmopolitismo, o turismo é intenso e os monumentos – sobretudo os luxuosos palácios – estão quase sempre a abarrotar. Algumas ruas exibem extensas plantações de coloridas tulipas e outras ficam cheias de gente que não se percebe de onde vem e nem para onde vai… em qualquer hora do dia ou, mesmo, da noite. Os seus cafés, em alguns momentos, lembram os de Paris ou Nova Iorque e as suas colinas, de alguns ângulos, a velha Olissipo. O Bósforo não cheira a Tejo mas não era por acaso que Calouste Gulbenkian, na década de 50, subia de carro até Montes Claros para se deleitar com a margem esquerda do rio como se vislumbrasse a sua Üsküdar natal.
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Em Istambul convivem – em perfeita harmonia – o clássico com o contemporâneo e a tradição com a modernidade. Com um charme muito especial e, até, um halo de mistério. Talvez por isso uma das ofertas turísticas da cidade é um invulgar espectáculo apenas disponível no último fim-de-semana de cada mês no mosteiro de Mevlevi (situado justamente num dos estremos da mais emblemática e concorrida rua da cidade, a Istiklal Caddesi) ou, diariamente, numa estação de comboios, a Sirkeci Istasyon. Neste caso, exactamente naquela em que chega e parte o mítico comboio que dá pelo nome de Expresso do Oriente – o “comboio de Reis e o rei dos comboios – e que, entre 1889 e 1977, ligava  directamente Paris a Istambul.
O supracitado mosteiro alberga um pequeno museu da seita Sufi Mevlevi, conhecida como dos dervixes rodopiantes. Apesar do sufismo ter sido banido em 1924, por Ataturk – o pai da república turca – aquele manteve-se aberto e ainda hoje mostra ao público o seu magnífico salão do século XVIII, com uma bela “pista de dança” octogonal com piso em madeira.  A “sema” (dança ritual) é apresentada por um grupo de religiosos que mantêm vivos 800 anos de tradição já considerada “Património Intangível da Humanidade”.
A música é indolente, sem grandes variações rítmicas e nela sobressai uma voz masculina que debita textos religiosos do Corão glorificando o profeta Maomé, um flauta vertical, um pandeiro, uma guitarra e uma espécie de lira que se toca deitada nos joelhos do instrumentista. A chamada música Mevlevi é considerada o pináculo da música clássica da Turquia. Os seus longos trechos apresentam estruturas complexas e mantêm um caracter ritualista.
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O sufismo é o ramo místico do Islão, normalmente associado à pobreza e à negação dos bens terrenos. Por tal os seus membros usavam roupas muito despojadas e de lã áspera junto à pele aspirando a experiências individuais do divino através da meditação e da dança. Não se constituindo como espectáculo, os rituais meditativos envolviam recitações, música e dança para transportar o praticante a uma comunhão directa com Alá.
Para além do grupo de monges do mosteiro de Mevlevi, há, pelo menos mais três grupos em permanência na cidade (dois deles alternam na antiga sala de espera da gare) que asseguram as necessidades e a oferta turística.
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O seu espectáculo é curto – dura pouco mais de meia hora – e inicia-se com uma introdução musical. Os cinco elementos do grupo dançante entram com ar reverencial e silencioso e colocam-se em linha antes de começar, simplesmente, a rodopiar. Basicamente vão se deslocando no espaço de olhos semi-cerrados – que aparentam estar fechados – mantendo um certo padrão em relação uns aos outros, para não chocarem entre si. Com as cabeças meio inclinadas, cobertas por chapéus altos, colete e saias de godés brancas muito rodadas, com calças por baixo, e um cinturão negro a cingir a cintura, os homens que giram ininterruptamente durante minutos deixam a assistência em suspenso. Numa espécie de transe rodam com os braços abertos ao lado do corpo na linha dos ombros sobre uma superfície de mármore onde repousam apenas, como adereços, umas peles com velos de lã de carneiro branco sem que se perceba claramente a sua função. Por vezes param, como se utilizassem umas curtas pausas para recuperar o folego – enquanto cruzam os braços sobre o peito e colocam as mãos nos ombros e, com deferência, inclinam-se para frente num cumprimento ocasional – antes de recomeçarem a próxima secção de volteio que dura cerca de dez minutos. No epílogo e acentuando o ritual, cobrem os corpos suados com a mesma capa negra com que entraram e saem em fila silenciosamente de olhos fechados, exactamente com a mesma atitude meditativa e pausada com que entraram…
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Provavelmente seguindo a ancestral tradição da separação de sexos no quotidiano das sociedades otomanas, estas danças – vedadas ao sexo feminino – assumem-se no presente como uma experiência algo exótica e única, protagonizada por elementos que, não tendo qualquer filiação religiosa, começam por se exercitar por vontade própria sem qualquer vínculo a escola de dança ou a mosteiro. Esse é hoje o grande mistério de um espectáculo que exige uma técnica de movimento específica e que, no passado, era decorrente apenas de estados de alma elevados e intensos que se estabeleciam na intimidade de uma determinada instituição religiosa.

Fonte:http://www.revistadadanca.com/?p=1739

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