ESPIRITISMO,UMBANDA,PRETOS-VELHOS,DIVALDO FRANCO E JORGE HESSEN

vó maria

                                                   Preta-velha


Espiritismo, Umbanda, Pretos-velhos, Divaldo Franco e Jorge Hessen

 

MIOPIA, FUNDAMENTALISMO E ETNICISMO

ARTIGO DE JORGE CAETANO JÚNIOR E WALTENO BATISTA SANTOS
Indignação. É o que melhor define o sentimento experimentado após a leitura dos artigos intitulados “Manifestações de Fundo Umbandista no Meio Espírita” (art. nº 38/2008) e “Misticismos que Despencam a Credibilidade do Projeto Espírita no Brasil” (art. nº 62/2008), ambos publicados no site JORGEHESSEN.NET – Artigos Espíritas.
O primeiro componente dessa indignação é o sentimento de desrespeito experimentado com o que dizem aqueles que pretendem emitir juízos de valor sobre coisas que desconhecem, ou que, pelo menos, não conhecem em profundidade suficiente para lastrear uma análise crítica. Tal atitude, conhecida popularmente por leviandade, tem sido por muito tempo a fonte de aplauso e reconhecimento público a tantos e quantos aliciadores das consciências ingênuas dos incautos, por via de um discurso tão fluido, quanto vazio.
É sob esse prisma que, em princípio, interpretam-se as considerações desairosas tecidas sobre os espíritos de Pretos Velhos, no segundo artigo sob comento.
Ali, com o apoio de uma citação de Divaldo Franco, a figura do Preto Velho é tratada como um espírito ignorante de um ex-escravo desencarnado que preserva uma atitude atávica, disposto a executar qualquer tipo de tarefa, no afã de servir ao “senhor” branco.
Uma tal visão demonstra, de pronto, um total desconhecimento do que sejam os Pretos Velhos, de sua missão e função nos cânones da Corrente Astral de Umbanda. Na verdade, demonstra uma visão parcial e estereotipada do fenômeno; a visão de quem ouviu falar e tirou conclusões apressadas, com base somente na forma, sem adentrar o conteúdo. De resto, aponta, aí sim, para uma profunda ignorância sobre o que realmente seja a Umbanda.
Vale, então, prestar alguns esclarecimentos, menos por desagravo aos Pretos Velhos – que são bem maiores que isso – que para ilustrar de forma consequente e honesta a cultura religiosa desses senhores que se auto atribuem a tarefa de “retirar a ignorância”.
O homem possui uma dimensão simbólica inquestionável que se encontra na base de seu mecanismo de compreensão da estrutura do mundo e de seu papel dentro dessa estrutura.
O simbolismo permite que se condense em uma simples imagem toda uma carga de conteúdo que, por vezes, precisaria de tratados inteiros para serem devidamente verbalizados. A Espiritualidade Superior, conhecedora dessa perspectiva semiótica, sempre se serviu e ainda faz uso disso para trazer ensinamentos úteis. É por isso que o universo onírico é permeado de imagens aparentemente absurdas, mas que, devidamente interpretadas e contextualizadas, revelam verdades inconscientes. Foi também por isso que Jesus se serviu tanto das parábolas, algumas das quais soam ingênuas e até mesmo absurdas, se tomadas ao pé da letra, mas revelam sua grandiosidade, quando analisadas à luz do simbolismo.
Também é graças a esse universo simbólico que é possível ao homem guardar nas camadas mais profundas do inconsciente imagens virtuais das aquisições da humanidade; aquilo que Carl Jung denominou de inconsciente coletivo, comum a toda a espécie e que iguala e, por assim dizer, irmana todos os homens pelas aquisições culturais ancestrais.
Assim, para ficar na terminologia jungiana, o Preto Velho é um arquétipo do “velho sábio” presente em todas as civilizações, em todas as épocas.
Sucede que a Umbanda – para desagrado das mentes iluminadas dos “doutores do Espiritismo”, não é um culto afro, como se costuma acreditar – o que também não teria problema algum, se africana fosse (ou de qualquer outro lugar) desde que mantidos os preceitos crísticos.
A Umbanda tem sua base doutrinária assentada sobre o tripé humildade/simplicidade/pureza, com representação arquetípica respectivamente nas figuras do Preto Velho, do Caboclo e da Criança. Que também ilustram os três estágios da vida: infância, idade adulta e velhice. Nesse contexto, o arquétipo Preto Velho – símbolo de humildade – transcende o “velho sábio”, na medida em que, além de representar a sabedoria oriunda da vivência, representa a resignação ante as provas e a redenção pela dor, princípios pregados pelo Mestre Jesus, por palavras e pelo exemplo.
Essa abnegada, humilde e anônima sob nomes genéricos de Pai João, Pai Antônio, Vovó Cabinda, Vó Benta, etc, e iluminada legião agrega centenas de milhares de espíritos das mais diferentes origens (inclusive muitos que sequer tiveram encarnação como tal), irmanados pela vontade única de servir na seara do Mestre, de forma anônima e impessoal, praticando a caridade como preconizou Jesus.
Provavelmente alguns kardexiítas defensores da “pulcritude” da doutrina sentir-se-ão desolados, quando descobrirem que muitos dos espíritos que eles rotulam de “venerandos”, ao deixarem as casas kardecistas, dirigem-se serenos às tendas e aos terreiros de Umbanda, para ali envergarem por algumas horas a pulcra e digna vestimenta de Preto Velho. É que, a despeito do que pensam e desejam os puristas, Deus não criou a luz apenas para suas ribaltas pessoais.
Mais um fato:
Que os espíritos não tem cor pode ser um fato, mas tem menos ainda uma profissão.
Relembremos que todos possuem sim suas identidades relacionadas aos seus adiantamentos, às vidas que os tornaram o que são na ascensão evolutiva. Afinal de contas, o Pai Eterno garantiu-lhes as encarnações para o progresso – cada uma com seus desafios e roupagens – e lhes permite que façam uso desta bagagem adquirida, de forma inteligente, responsável e amorosa. Não fosse isso, atavismos também seriam as referências ao Rabi da Galiléia, ao querido doutor Bezerra de Meneses, doutor Michel, doutor Fritz e tantos outros ilustres Doutores que assistem em diversas Casas de trabalho evangélico.
Fica patente que o incômodo destes pseudo-sábios não é o fato dos bons espíritos darem referências de si. O que mexe com os corações enodoados pela empáfia, tampouco é se o trabalho é caritativo, Evangélico e Cristão – mesmo por que eles não se dão o trabalho de investigar com a cientificidade própria que o Kardecismo propõe.
O que lhes tira o sono é a possibilidade de que alguém que se apresente como de origem social inferior possa externar elevados padrões morais.
Aliado a isso, “caritativamente” cabe chamar atenção de alguns irmãos Kardecistas para que repensem seus procedimentos e conceitos, ou apenas releiam com atenção tudo o que Kardec e o Mestre Jesus disseram. Pois, a propósito de manter imaculado o que os espíritos amigos ditaram a Kardec, propalam opiniões personalistas e “interpretações xiíticas” eivadas de ignorância e de vaidade. Longe da cientificidade do empirismo espiritualista, do qual o querido Kardec foi pioneiro. São a ressonância do discurso oco embasado no “ouvi falar” ou no “não vi, não entendo, não conheço, não fui, não pesquisei, mas, de antemão, sou contra”. Todavia, travestem-se de seus sofismas, qual tivessem a autoridade moral de um Chico Xavier, de um Buda ou de um Francisco de Assis.
Dizem-se caridosos, mas num discurso de um certo senhor, que muitos o tem como o “sucessor” do amantíssimo Chico Xavier, sobreveio o termo “choraminguentos”, em referência aos irmãos que, nos seus tormentos, buscam nas diversas Casas Espirituais socorro e alento.
Deixamos então o desafio a encontrarem qualquer termo pejorativo utilizado por Jesus, por Kardec, ou por Chico Xavier em referência a quem quer que lhes buscasse auxílio, por menos esclarecidos que se encontrassem ou por mais mundanas que fossem suas demandas.
Imaginam um mundo espiritual pasteurizado, quando repreendem ou tentam doutrinar os espíritos pela roupagem em que se apresentam, independente de quem seja e do socorro que venha executar. Estes maiorais desconsideram e querem apagar milhões de anos de experiência e vivências, em alguns poucos segundos de retórica hipnótica: “A partir de agora, você é ‘só um espírito’, não sabe nada, nunca teve ofício, nunca viveu em lugar nenhum, suas referências e sua terapêutica só podem ser a que EU referendar. Tens a permissão de ser apenas o que EU autorizo que sejas” – esquecem-se de dizer que o que determinam vem de seus “supremos poderes” outorgados pela vaidade e pelo orgulho.
Em contrapartida, milhões de brasileiros e estrangeiros, independente dos níveis de formação, inclusive os de mentes simples, compreendem de forma intuitiva e natural a missão e a mensagem dos Pretos Velhos. Por isso, enxergar nessas entidades espíritos ignorantes e atávicos só pode decorrer – ressalvada a hipótese de má-fé – de uma profunda miopia intelectual.
O segundo componente desta indignação é a constatação da existência de uma ortodoxia que, além de não estéril, produz frutos impregnados de um veneno letal que já vitimou milhões ao longo da história: a intolerância.
Causa repulsa ainda maior o fato de que essa intolerância traveste-se da falsa magnanimidade dos que simulam o respeito a todas as correntes religiosas. Pois tacham impiedosamente de ignorantes aqueles que não exercitam seu purismo doutrinário e suavizam a agressão, aconselhando a interpretação de “ignorância” por sua acepção mais “agradável”. Curiosamente não conseguem perceber, entre as acepções que eles mesmos sugerem, algumas que se lhes aplicariam com absoluta propriedade, como soberba, presunção e pretensão.
Estas características, filhas gêmeas do orgulho e da vaidade, encontram-se entre os mais encarniçados inimigos das verdades evangélicas que os “puristas” afirmam defender, e estão certamente muito mais identificadas com o joio que o Cristo anteviu em sua seara, do que a simplicidade de formas, que eles tanto condenam, mas que o Mestre pregou e praticou como ninguém mais.
Sempre consideramos que todo discurso muito eloquente na defesa de princípios formais esconde uma absoluta falta de capacidade de reflexão. Se assim não fosse, aqueles que criticam o linguajar simbólico dos Pretos Velhos, por julgarem-no extemporâneo, voltariam primeiramente os olhos sobre o vocabulário típico de alguns consagrados oradores espíritas. Nestes enxergariam muito mais extemporaneidade no rococó dos termos rebuscados e inúteis, muitas vezes para disfarçar, sob o excesso de forma, uma lamentável escassez de conteúdo, ou, na pior das hipóteses, adornando o argumento sofismático daqueles que alardeiam caridade e humildade, mas exsudam orgulho, arrogância e vaidade.
O que alegra é perceber que milhões de almas necessitadas vem recebendo alento e motivação nos terreiros espalhados pelo país, enquanto os doutores do templo, fundamentalistas kardexiitas, se esforçam em elitizar o Espiritismo e academizar o Evangelho. Que continuem com sua profissão de fé: enquanto eles verborragem, a caravana da Umbanda passa.
Finalmente, o terceiro elemento desta indignação vem de uma passagem do segundo artigo em comento, onde o articulista sugere que, ante a manifestação de um Preto Velho em uma casa espírita, o doutrinador deve se dirigir à entidade – tratando-a como ignorante e necessitada – e dizer-lhe que ele “pode até ser bom”, mas que não pode apresentar-se como Preto Velho, já que ele pode reassumir a forma de outras encarnações.
A sugestão de tal performance está justificada pela necessidade de o espírito abandonar sua condição de escravo, mas essa justificativa maquia a verdadeira intenção: a de o espírito abandonar sua condição de negro que é a que de fato incomoda.
Hipócritas! Se tivessem um mínimo de capacidade de reflexão, aliada a um mínimo de conhecimento histórico, lembrariam que Jesus nasceu no seio de uma nação subjugada e sua condição social ante o Império Romano era pouco diferente da de um escravo. Observa-se que eles não tem qualquer problema quanto a isso, pois os registros históricos dão conta de um Jesus branco, ou, quando muito, moreno.
Na senda do que afirmamos, e para que não pairem dúvidas, vale transcrever parte do segundo artigo onde esses “arautos da divina luz” deixam transparecer em suas próprias palavras o teor do “cristianismo” que disseminam:
“É urgente romper a malha dessa teia do misticismo inoportuno que arranha a imagem do Projeto Espírita no Brasil. O Centro Espírita não é reduto de escravos (senzala) em que espíritos ataviados utilizam os “cavalos” e indicam, aos choraminguentos e eternos pedintes, o caminho das facilidades materiais na volúpia de suas próprias conveniências pessoais.” (grifo deste autor)
Só não conseguimos precisar se o caráter filosófico (se é que existe) de tal visão remonta a Kardec ou a Nietzche.
Curiosa a preocupação demonstrada por eles quanto a arranhões à imagem do projeto espírita no Brasil. A nosso ver essa preocupação pode ser mais bem demonstrada sob as indagações de quanta dor o projeto espírita tem sido capaz de mitigar, quanto alento o projeto espírita tem sido capaz de distribuir, quanta fraternidade o projeto espírita tem sido capaz de inspirar, quanto amor o projeto espírita tem sido capaz de despertar, quanta paz o projeto espírita tem sido capaz de promover, o quanto convergente com o que o Mestre Jesus disse: “Reconhercer-se-ão os verdadeiros Cristãos pelas suas obras”.
De resto e de nossa parte – umbandista que somos, mas acima de tudo buscando seguir o Querido Mestre Jesus – reconhecemos em todos os espíritas sinceros, companheiros de jornada na construção de um mundo mais humano e, por isso, tanto quanto nos esforçamos na construção do trabalho umbandista, torcemos sinceramente pelo sucesso do Verdadeiro Projeto Kardecista no Brasil e no mundo; pelo sucesso de um Espiritismo plural, multiétnico, multicultural, e singularmente Cristão e que assim também sejam os projetos Católico, Protestante, Budista e outros mais.
Quanto à preocupação dos kardexiitas com o fracasso no Brasil de seu projeto purista, eugênico e asséptico, tememos tratar-se, essa sim, de uma preocupação absolutamente extemporânea: o tipo de projeto que eles defendem já fracassou totalmente no fim do século XVIII com a Inquisição e em 1945, na Alemanha.
Que o referencial do Mestre Jesus possa final e verdadeiramente servir de Norte a esses irmãos e que eles possam amadurecer em suas responsabilidades fraternas.
Salve Deus!
Assinam a presente:
Jorge Caetano Júnior
Walteno Batista Santos.

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