NÃO aos estereótipos de gênero: criar filhos fora da caixa
Essa semana li matérias em que associei pontos comuns num olhar social sobre família e sexualidade humana. Gostaria de deixar a reflexão e esclarecer porquê comparei os casos.
Foto: Helena e Anderson com seu filho Gregório
Acima a foto da primeira família, o casal de transgêneros Anderson e Helena que tiveram um bebê, um tipo de relação que causa curiosidade e diversos preconceitos segundo o relato deles na matéria ao jornal Zero Hora, a exemplo de um senhor que comentou no ônibus para Anderson “como pode uma machorra grávida?!”. Sim, ele ficou grávido! Ambos nasceram com um sexo biológico, mas ao crescerem sentiram-se como sendo do sexo oposto, assumiram e ainda encontraram um amor que vive a mesma realidade. Então, o nascimento de Gregório fortaleceu esse laço familiar, gravidez que nunca confundiu a percepção sexual de Anderson, “Eu gerei o Gregório, mas sou o pai. A mãe é a Helena. Vamos explicar isso para ele quando crescer.”. E assim, eles têm identidades bem resolvidas e vivem felizes em família, mas normalmente tem de explicar as pessoas como são, por isso até se surpreenderam positivamente com o tratamento gentil e sem questionamentos que tiveram no Hospital Fêmina de Porto Alegre no parto de Gregório: “Nossos funcionários são capacitados para acolher bem, seja qual for o gênero. Com novas constituições do conceito de FAMÍLIA, a sociedade tem de estar preparada, e o hospital também”, disse Silvana Flores a assessora do Hospital.
A outra família na foto acima, os pais Lisa e Martin, são uns dos pioneiros na Grã-Bretanha que evitam métodos parentais tradicionais na criação do seu filho Max. Na reportagem ao Jornal Ciência, Lisa diz que não quer criar seu filho em uma “caixa”, ou seja, seguindo pré-determinações de comportamentos de gêneros femininos e masculinos, que a sociedade impõe limitando personalidades e gerando discriminações sexistas. Eles adotam uma postura considerada radical, eu diria revolucionária, que traz o questionamento fundamental entre sexualidade e apropriação de gênero a cores, brinquedos e roupas que comumente vemos em lojas infantis e na educação de famílias tradicionais.
O pai Martin brinca com seu filho de boneca e de carrinhos, eles deixam ele ser quem ele quiser, explorar as possibilidades de ser criança, vestir-se como preferir e não se preocupam com olhares e comentários preconceituosos, “eu sei que algumas pessoas vão pensar que ele vai ser gay, mas e daí se ele quiser? Não importa se ele é homossexual, bissexual, transexual ou assexuado(…) Eu vou deixar os meus filhos decidirem por si mesmos o que eles querem ser“, afirmando que o método parental de educação não influencia na sexualidade de uma criança. Concordo com tal pensamento, pois acredito que a pessoa vai formando uma identidade sexual conforme cresce, ao longo da vida vai se reconhecendo como mulher ou homem e as vezes isso não é coerente com o sexo biológico. É natural, parte da diversidade sexual humana que a imposição social cisnormativa distorce, oprimindo muitos homossexuais e transgêneros, por exemplo. Nesse contexto há diversos mitos de pais gays, como “Os filhos serão gays!”, “Eles precisam da figura de um pai e de uma mãe”, “As crianças terão problemas psicológicos por causa do preconceito!”, “Essas crianças correm risco de sofrer abusos sexuais!” (leitura da Super Interessante que vale a pena).
Fotos: Max brincando
Lisa acredita que essa neutralidade na criação de Max o tornará um homem melhor, desconstruindo estereótipos de gêneros que naturalizam, por exemplo, a ideia de que homens são agressivos e sexualmente ativos como um fundamento genético, orgânico. Conceito nocivo formado por uma mentalidade social machista amplamente repassada as crianças e jovens. Noção que está intimamente ligada a cultura do estupro, assunto que ao pesquisar, “Lisa chegou à conclusão de que os estereótipos de gênero eram os grandes culpados pela agressão sexual.” Por isso, a mãe acredita que Max vivenciando tudo que é convencionado como feminino e masculino irá fundamentar melhor seus ideais de vida, “será salvo de uma existência misógina e ganhará uma compreensão mais profunda sobre as mulheres.”
Ambas as histórias demonstram a pluralidade de composições familiares, que na verdade sempre existiram, mas atualmente ganham maior visibilidade, as pessoas são mais livres, embora ainda haja violência contra o que é controverso às críticas conservadoras. Essas além de serem homofóbicas e machistas esquecem que também são formas de família, por exemplo, crianças criadas por avós, tios, pais adotivos, inclusive casais de gays e lésbicas, que igualmente ao raro casal transgênero citado acima, sofrem infinitos questionamentos e discriminações crueis. Famílias constituídas com pais e mães homoafetivos frequentemente têm a vida invadida por opiniões de estranhos, assim como a atriz Ana Karolina Lannes que teve de superar inúmeros comentários sobre seus pais gays.
Foto: Ana Karolina Lannes e seus dois pais
Enfim, todos esses são exemplos para além de família “padrão comercial de margarina”, heteronormativa, evidenciando que o importante na educação de uma criança é a estabilidade emocional: afeto, diálogo, ensinar limites e respeito aos outros e sobretudo dar liberdade de autoexpressão a meninos e meninas sem limites sexistas bipartindo a vida em azul e rosa, “coisa de macho, coisa de mocinha”. Conceitos retrógrados, que certamente podem ser amenizados com educações imparciais como a de Max, exemplo citado acima, em que seus pais Lisa e Martin diversificam sua educação, possibilitando ele ser autêntico independente de estereótipos de gênero.
Gênero e sexualidade: real e complexo
Definições de gêneros e a sexualidade humana
Vamos entender a sexualidade humana por uma ótica social?! Começando da etimologia da palavra GÊNERO: conceito que engloba todas as características básicas que possuem um determinado grupo ou classe de seres ou coisas, segundo o dicionário. É bom lembrar dessa visão generalista quando pensarmos em igualdade (de direitos) entre gêneros. Umas da referências para desenvolver esse tema foi o texto sobre o livro Gender Trouble (1990) de Judith Butler, que marcou a teoria feminista contemporânea e os estudos gays e lésbicos, reformulando a concepção do gênero como categoria. Nesse sentido o feminismo traz um questionamento fundamental sobre o que é ser mulher e por isso, o que é ser homem também deve ser pensado. Pensamento aprofundado por Judith Butler que está,
“questionando a própria categoria gênero como ‘interpretação cultural do sexo’. E mais: afirma, categoricamente “gênero não está para a cultura assim como o sexo está para a natureza”. Desta forma, a autora focaliza o sexo como resultado ‘discursivo/cultural’, e questiona a constituição do sexo como “pré-discursivo” e, portanto, anterior à cultura.” Butler citada por Joana Maria Pedro (2005).
Ou seja, Butler diz o óbvio que muitos não percebem, somos uma construção cultural, nossa descrição de gênero se dá pela cultura, que por si é sempre mutável e questionável, assim como os gêneros devem ser. Essa visão amplificada situa o gênero humano quanto a SEXUALIDADE de forma diferente do que o imaginário na sociedade cisnormativa tem imposto por longas gerações – gêneros em caixinhas limitantes. Saia da caixa e questione para além do condicionamento social!
O machismo e o sistema patriarcal familiar fortaleceu tais ideias equivocadas que reduzem a existência humana em apenas duas opções de gênero, homem e mulher heterossexuais, oprimindo as minorias sociais, homossexuais e transexuais. Mesmo ainda existindo discriminação, em muitos países as famílias podem ser livres, bem como o amor e o casamento,, liberdade que mostra a diversidade cultural que existe e requer do senso comum repensar a noção de família como instituição. Tal visão precisa mudar pois é distorcida em grande parte sob preceitos da religião e do machismo histórico, que exercem o centro da opressão sobre minorias sociais de gêneros como mulheres e a comunidade LGBT (lésbicas, gays, bissexuais, travestis, transexuais e transgêneros).
Campanha Giogio Armani para o dia dos namorado (2010)
Além disso, papeis sociais sempre criam estigmas representativos desse amplo universo comportamental, reduzido por discriminação e marginalização em sociedade, ferindo os direitos e a dignidade humana. Exemplo disso são estilos de roupas, cabelos e costumes pessoais, gostos, que não tem necessariamente a ver com a sexualidade, ou então toda mulher que não se depila e usa xadrez seria lésbica e todo homem que cuida da aparência e entende de moda seria gay.
Também, há uma tendência nociva do senso comum conservador de pensar que ser ou parecer gay torna uma pessoa sem caráter e valores. É fácil de entender isso, minha criação e círculos de amizades têm essa mentalidade, não por maldade, e sim, por questões culturais que precisam mudar, assim como diversos outros que reproduzem machismo, homofobia e transfobia como se fosse algo natural. A sexualidade que existe entre homens e mulheres é mais complexa do que a sociedade cisnormativa (divide pessoas em apenas dois gêneros, homem ou mulher) sabe, o que é melhor entendida e estudada por quem sente na pele a discriminação ou por quem tem empatia. Por isso, é interessante conhecer alguns termos e significados sobre esse tema tão presente em nossas vidas: Sexualidade na realidade social
Lembrando que ninguém “vira” mulher ou vira homem, o que acontece é redesignação sexual, em que a pessoa se descobre/reconhece como sendo feminina ou masculina e isso não é coerente com o sexo biológico que nasceu, nomeados de transgêneros ou transexuais. Muito desse auto-conhecimento tardio na vida ocorre devido a imposições machistas de uma sociedade que repudia gays e transexuais, na qual convivemos até hoje presenciando diversos casos de violência. Por isso “sair do armário” é uma expressão opressiva e que está cada vez mais em desuso em razão da crescente conscientização mundial de que todas as escolhas de amar devem ser respeitadas e socialmente aceitas. Ou seja, quem não consegue ver essa complexidade humana com naturalidade é no mínimo obrigado a aceitar em sociedade os demais cidadãos e suas formas de amar, com o apoio do Estado na legalização do casamento gay e criação de leis que resguardem os direitos dessas minorias.
Assim, vai caindo por terra a visão simplista e antiga de que só existe homem e mulher (cisgêneros), em uma dicotomia que exclui o restante da população como pessoas anormais e doentes. Deus e o capeta são geralmente argumentos para justificar tal homofobia, mas Deus coitado tem mais o que fazer em vez de cuidar de todas nossas particularidades. Aliás, assuntos pessoais que atingem o coletivo, obviamente, por viver em sociedade. Por isso, importa quando alguém diz “não tenho nada contra gay, desde que não se agarrem na minha frente”, discurso hipócrita altamente preconceituoso, importa quando pais e mães descobrem o sexo do bebê e logo organiza o chá de bebê todo rosa ou todo azul e ainda comentam “vai ser uma princesa” ou “vai ser macho”, importa pessoas religiosas e machistas tratam travestis e gays com asco e violência. Cada um tem sua história de vida, não devemos julgar o valor de uma pessoa por opção sexual, roupas, corpo ou conta bancária, mesmo em uma sociedade que a nudez e o amor livre parecem escandalizar mais do que homicídios, estupros, corrupção, roubos e outras maldades e falhas de caráter .
Por isso, é importante buscar o entendimento do outro, das diferenças no entorno em que vivemos, com empatia e respeito. Isso também implica em pensar numa sororidade não seletiva como cita Butler, “se, nós próprias, nos restringimos a estritas definições do que “é” uma mulher, invariavelmente excluímos muitas mulheres que não são conformes a tais definições. O que é preciso é estabelecer um feminismo mais inclusivo, e reconhecer as trans-mulheres que vieram incluir-se na categoria e a tornaram complexa.” E ainda, “na relação com os outros descobrimos sempre alguma coisa sobre quem somos, e isso significa que estamos descentrados no momento da auto-descoberta”, demonstrando o poder de entender a si por meio do outro também.
Diversidade sexual e energias feminino/masculino
A diversidade de gênero e identidade sempre existiu na sexualidade humana, porém não era exposta e compreendida como hoje, causando muito sofrimento nas pessoas por não saber quem eram. Ratificando essa ideia, o texto sobre Butler afirma “a história da ciência demonstra que nunca houve uma simples definições de sexo ou mesmo uma simples maneira de estabelecer as diferenças entre os sexos. Isso foi contestado durante muito tempo. Não significa que não existam diferenças materiais que podemos encontrar, mas há sempre excepções, especialmente quando se trata de indivíduos intersexuais.”
E sobretudo, entendo o feminino e masculino como duas energias opostas e complementares formadoras da personalidade e da sexualidade humana. Energias as quais muitas vezes são incoerentes com o sexo biológico, o que explica por exemplo, quando vemos uma mulher que não é delicada, nem emotiva, tampouco gosta da cor rosa ou é vaidosa. Também explica quando conhecemos um homem com grande sensibilidade estética e artística, que é vaidoso e adora a cor rosa. São qualidades que nada falam sobre a sexualidade de ambos, é a velha história que define mulheres como sexo frágil, princesas vaidosas e com instinto materno e homens como seres musculosos que não choram e têm hábitos de ogro.
Tais características de repente definem feminino e masculino, entretanto do jeito que são comumente empregadas representam apenas estereótipos e papeis sociais que limitam e pré-julgam as pessoas. No livro de Judith Butler, isso converge com sua “radical crítica genealógica, no sentido de Foucault, da noção de gênero, mostrando como este se constrói socialmente, pelo discurso.” E com isso ela introduz no 1º capítulo a “noção de performatividade, uma concepção do gênero enquanto algo que se constrói através de uma série de atos imitativos(…)”, efeito social da heteronormatividade que nos impõe há séculos performances ditatoriais sobre o que é preciso para ser um homem ou uma mulher. Diferença ensinada como “natural”, “responsável pela dominação masculina como matriz de toda a violência; tem também o efeito de mostrar toda a identidade como uma dialética. A subversão da identidade é aquilo que a drag queen realiza.” Portanto, nem sempre a pessoa que se sente feminina nasce com sexo biológico feminino e vice-versa, e isso pode vir a definir atitude e personalidade, mas não sexualidade, eis a grande quebra de tabu!
Fonte:http://benditabf.com.br/tag/generos/
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