Livre
Arbítrio
Swami
Dayananda Saraswati
Pergunta:
- Swamiji, tenho dificuldades em
reconhecer que existe livre arbítrio.
Como é o livre arbítrio?
Swamiji:
- Existe livre arbítrio. Livre arbítrio
é o poder de escolha sobre as ações.
Um ser humano é uma entidade
auto-consciente, aparentemente separada, que pode
escolher suas ações. Um ser humano
pode escolher agir, não agir ou agir de um modo
diferente. Sempre que há escolha, há
livrearbítrio. Um animal, por exemplo, não tem livre
arbítrio. Suas ações são programadas
pelos seus instintos. Tampouco uma árvore
pau-brasil tem a livre escolha de
tornar-se um carvalho. Mas, para o ser humano, existe
sempre algum tipo de escolha. Um homem
pode até tornar-se mulher hoje em dia!
Existe escolha humana - livre
arbítrio.
Não compreendo o que o senhor quer
dizer com escolha. Parece ter que existir uma harmonia entre
o que você deseja e o que você conhece.
Existem sempre fatores envolvidos que têm que ser pesados.
Isso é livre arbítrio.
Mas um computador pode fazer isso
também...
Sim, um computador pode fazer isso se
foi programado para fazer escolhas. Mas o computador não pode fazer escolhas
por si mesmo sem um programa. A "escolha" do computador foi colocada
nele através de um programa.
A "vontade" do computador é a
vontade do programador. Da mesma maneira, a vontade de um animal é
"pré-determinada" pelos seus
instintos.
Eu simplesmente não sei o que existe de
livre na vontade humana. Se sei que sorvete vai me dar dor de barriga, onde
está a escolha?!
Ainda assim você pode escolher comê-lo!
Você acha que a pessoa que fica com dor de estômago não comerá mais sorvete?
Ele comerá e terá uma lógica: "eu acho que desta vez não me dará dor de
estômago; e, mesmo se der, valerá
a pena". Veja a pessoa que bebe
demais. Existe uma estória de um médico que desejava provar a um grande
beberrão que o álcool lhe fazia muito mal. O médico trouxe um copo de bebida e
deixou cair dentro dele uma minhoca viva.
A minhoca imediatamente morreu. Então o
médico disse: "você vê como bebida alcoólica faz mal? Viu com a minhoca
morreu rapidamente?". E o beberrão respondeu: "Sim, eu sei. É por
isso que eu bebo. Não quero vermes". Isso é livre arbítrio. Você não
poderá ganhar quando alguém como esse está determinado a exercer sua livre
escolha. A lógica inclinar-se-á para dar cobertura à sua escolha.
Algumas vezes haverá condições
limitantes que parecerão restringir o campo de escolha, mas para o ser humano
existe sempre um campo, uma escolha para suas ações, palavras e pensamentos. A
escolha desaparece somente quando se está lidando com fatos e não com ações.
Fatos são da alçada do conhecimento. Sempre que a questão é conhecimento, não
existe escolha. Dois mais dois são quatro. Esse fato não está aberto para
escolha. Não se pode escolher que dois mais dois sejam três ou cinco. Mas,
quando a questão é ação, ou comportamento, então existe escolha.
Em alguns momentos, talvez, poderia
existir tanto abuso do livre arbítrio da parte do agente humano imediato quanto
algum karma envolvido da parte da vítima do abuso. Mas, em geral, nós não
consideramos assim. Não vemos o karma funcionando dessa maneira.
Todo o livre arbítrio é somente em
termos de esforço, ação ou comportamento. Pode-se escolher situar-se numa
posição para conhecer ou em outra para não conhecer. Isso é escolha na ação.
Mas uma vez em posição de conhecer
- com o pramána, o meio de conhecimento
operativo, e o objeto de conhecimento à disposição - não existe escolha do que
é conhecido. Se estou cochilando em minha cadeira com os olhos fechados e
alguém chega até mim e diz:
"abra seus olhos e veja o que eu
tenho", e então segura uma casquinha de sorvete de morango em frente de
mim, quando abro os olhos não posso escolher ver uma rosa vermelha ao invés da
casquinha. Não importa o que eu escolha, meus olhos, auxiliados pela minha
mente, dizem: "casquinha". Isso é conhecimento.
Quando os fatores necessários para o
conhecimento estão juntos, não posso escolher o que conhecer, ou o que não
conhecer, ou conhecer de maneira diferente. Uma vez que o assunto é
conhecimento, não existe espaço para a escolha. Não devemos nos confundir
quanto a isso. É inevitável. Não existe escolha em relação à ação ou ao
esforço. Isso é livre arbítrio.
Swamiji, gostaria de fazer mais uma
pergunta sobre livre arbítrio. Consideremos que existam duas estradas. Uma
pessoa escolhe uma estrada e sofre um acidente naquela estrada. O acidente
seria devido ao karma ou ao livre arbítrio?
Existem várias possibilidades. Uma
delas é a de que o acidente foi devido ao karma. Karma, nesse sentido,
significa
o destino da pessoa sendo determinado
pelos frutos das ações passadas, feitas ou nesta vida ou em outra vida.
Geralmente, dizemos que se a causa imediata do acidente é algum fenômeno
natural, como um terremoto ou enchente, então foi karma o fato de a pessoa
estar ali naquele momento. Mas também existem acidentes cuja causa imediata é
um simples abuso do livre arbítrio. Por exemplo, você pode estar dirigindo com
cuidado e outra pessoa dirigindo negligentemente, mas você é quem bate e se
machuca no acidente que acontece. Esse acidente é provavelmente devido ao abuso
do livre arbítrio por parte do outro motorista, e não ao seu karma.
Tanto homicídio quanto suicídio são
abusos do livre arbítrio. Eles não devem ser atribuídos ao karma, mas à vontade
usada erradamente. O mandamento vêdico é: "himsan na kuryat". Não
cause dano. Esse é um mandamento aplicado a danos relacionados com o seu
próprio corpo, bem como aos corpos de outras pessoas. Se não existisse livre
arbítrio, mandamentos como esse não teriam propósito. Todos os valores, ética e
dharma dependem da existência do livre arbítrio. Se nós fôssemos autômatos
pré-programados, não haveria necessidade de se falar sobre valores ou normas.
As leis de todos os Estados tem como base o reconhecimento de que existe livre
arbítrio. De outra maneira, como alguém poderia ser considerado responsável
pelos seus atos?
Perguntas, comentários, referências
http://www.vidyamandir.org.br/texto-dayananda-8
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