AMANTES ETERNOS, UM FILME SOBRE COMO A ARTE SUPERA A EXISTÊNCIA HUMANA
Quando vi o trailer de ‘Amantes eternos’ (Only lovers left alive), do diretor Jim Jarmusch (Flores partidas, Estranhos no paraíso), no começo do ano passado, fiquei esperando ansiosamente pela estreia no cinema. Primeiro, porque adoro histórias de vampiros (Crepúsculo não conta), desde ‘Once Bitten’, comédia dos anos 80, e ‘Entrevista com o vampiro’. Sou encantada por esses seres misteriosos e sedutores, que têm a sorte de testemunhar a história do mundo por séculos. Depois, porque adorei atmosfera obscura e soturna mostrada no trailler. E, por último, mas não menos importante, porque a Tilda Swinton é maravilhosa e aparece belíssima no longa.
Quando assisti, não me decepcionei. Pelo contrário, me apaixonei e entrou para a minha lista de filmes preferidos da vida. A fotografia é linda, o figurino é maravilhoso, os cenários são belos, a trilha sonora é uma delícia e os dois atores principais transmitem incorporam perfeitamente a emoção blasée e toda a admiração e tédio com que um ser que já viveu centenas de anos deve olhar para o mundo.
Adam (Tom Hiddleston) e Eve (Tilda Swinton) formam um casal de vampiros cultos e românticos (olha que lindo!). Eve vive em Tanger, no Marrocos, é apaixonada por literatura e tem uma coleção de livros antigos em várias línguas. Adam, vive numa Detroit em decadência, tem o dom da música, compõe, toca e coleciona instrumentos antigos. Apesar de o clima de mistério em torno do músico atrair alguns fãs, ele prefere permanecer recluso.
Como você pode ter vivido tanto tempo e continuar sem entender?
Por causa da experiência, cultura e conhecimento acumulados durante tanto tempo de existência, Adam olha o mundo com um certo tédio e com desprezo aos reles mortais, chamados por ele de zumbis. Adam despreza os humanos mas valoriza enormemente a cultura e a tecnologia criadas por eles e não compreende como eles próprios valorizam isso e não conseguem evoluir mesmo tendo criado tanto.
Apesar de desiludido, introspectivo e deprimido, prestes a se suicidar, o personagem tem um humor irônico sutil. “Ela é muito talentosa, por isso nunca fará sucesso”, diz, ao assistir a uma cantora se apresentando num bar em Tanger. Hiddleston consegue transmitir esse clima melancólico, mas, ao mesmo tempo, uma grande emoção na forma como olha para seus instrumentos antigos, reconhecendo a importância de cada detalhe, do material de que são feitos à forma como são construídos.
Eve possui uma aura um pouco mais leve. Não chega a ser otimista, mas é mais conformada com a condição humana. Ela parece compreender melhor a diferença que faz olhar a história do mundo pelas lentes da vivência de algumas décadas ou de alguns séculos. Além disso, faz o contraponto à personalidade desesperançosa de Adam, pois acredita que a vida vale a pena justamente por existirem tantas coisas belas.
No fim das contas, o que os dois querem é viver em paz, sem serem incomodados e sem incomodar – o que se reflete na decisão que tomam de só se alimentarem com sangue comprado em bancos de hospitais.
Os outros personagens mostrados, pra falar a verdade, fizeram pouca diferença. A irmã mais nova de Eve, Eva, inserida para criar algum conflito na trama e para representar a superficialidade, a irresponsabilidade e o desprezo das novas gerações mais novas pela cultura tradicional, acaba sendo irritante e irrelevante. Muito estereotipada pro meu gosto (até um grupo de adolescentes barulhentos se sentar do meu lado na Starbucks enquanto eu estava escrevendo esse texto!). O outro, o velho vampiro Christopher Marlowe (John Hurt), é um dramaturgo e poeta que realmente viveu na mesma época de Shakespeare e, no filme, ajuda Eve a abastecer seu estoque de alimento.
Pra mim, Amantes Eternos não é, na verdade, um filme sobre vampiros ou sobre o amor romântico eterno, mas uma declaração de amor à arte, que embute uma crítica à decadência cultural da sociedade, desencadeada pelo esquecimento e desvalorização da cultura e da tecnologia desenvolvida pela humanidade ao longo dos séculos conforme novas gerações vão surgindo. É um convite para ampliarmos nossa perspectiva temporal, olharmos para traz e percebermos toda a beleza do caminho que nos trouxe até onde estamos hoje.
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