Mãe e rainha
Por Liane Alves
Seu olhar é muito doce. Seu coração, fonte inesgotável de amor e compaixão. No colo dela, é possível encontrar o mais acolhedor dos abraços. Para ela, podemos contar a falta mais grave ou, ainda, pedir a graça mais difícil. De acordo com a tradição católica, ela é a mulher que nos ajuda a ter força e coragem nos momentos especialmente dolorosos da vida. Bela e radiosa como uma rainha, Maria, a mãe de Jesus, é representada em centenas de relatos que a transformam em muitas Nossas Senhoras. E nós vamos contar algumas dessas histórias aqui.
O amor devocional à Virgem Maria durante os séculos deu a ela quase 300 nomes diferentes: Nossa Senhora das Graças, das Dores, dos Anjos, das Estrelas, da Luz, do Perpétuo Socorro, do Coração de Ouro, de Fátima, de Lourdes, do Carmo, de Medjugorje… Mas Maria é sempre uma só e única, a jovem mulher da Palestina que nasceu há mais de 2 mil anos atrás. Segundo o cristianismo, ela é a mãe que viu seu filho pregar o amor e morrer numa cruz.
Nossa Senhora ganha denominações diferentes conforme o lugar onde são registradas as aparições, geralmente diante de crianças ou de gente humilde, como índios e mestiços, servos e escravos, pastores, agricultores, pescadores… Os excluídos, os pobres e os que têm o coração cheio de fé são aqueles que merecem a presença dela. Nesses casos, a jovem mulher aparece translúcida e cheia de luz pairando no ar, com vestes brancas ou com detalhes em azul, muitas vezes circundada por raios dourados e estrelas. Ela pede por oração constante, jejum e sacrifício para que haja paz entre os homens. E Maria oferece o coração dela, puro e imaculado, para aliviar as dores e sofrimentos dos devotos.
“A devoção a Nossa Senhora, com os mais variados títulos, jamais acabará. Ainda hoje acontecem aparições da Virgem Maria em várias partes do mundo”, lembra o padre Antonio Lucio, autor do livro Um mês com Nossa Senhora (One month with Our Lady), com trechos da Bíblia e dos Evangelhos para cada dia, além de várias meditações e orações dedicadas à ela. O sacerdote está entusiasmado com o frescor da fé atual pela mãe de Jesus. “Basta alguém participar de uma procissão ou novenário de Nossa Senhora e constatará a multidão de pessoas que, ainda hoje, contam com a sua intercessão materna em suas vidas”, diz ele. “Tem um adágio popular que afirma: ‘Peça à mãe, que o filho atende’. Os nossos pedidos são feitos à Maria, que os leva ao filho dela, Jesus. É Ele que faz chegar nossas preces ao coração de Deus”, conclui o sacerdote.
Como um cristal
Algumas vezes, a aparição de Maria é antecedida e anunciada por anjos. É assim que a jovem pastora Lúcia descreve a aparição de um ser angélico nos arredores de Fátima, em Portugal, em 1917. Lúcia estava com 10 anos e na companhia dos primos Francisco, de 9 anos, e Jacinta, de apenas 7. “Começamos a ver, a distância, acima das árvores que se espalhavam a leste, uma luz mais branca do que a neve sob a forma de um homem jovem muito transparente e brilhante, como um cristal exposto ao sol. Quando ele se aproximou, nós pudemos ver o seu rosto. Ficamos perplexos e absortos.” E Lúcia continua a contar como foi o estranho encontro. “Ele nos deixou numa atmosfera sobrenatural tão intensa que por um bom tempo não nos demos conta de nossa própria existência.” O anjo os ensinou a rezar e a seguir instruções dele por quase oito meses. Só após esse período é que os pastores viram a figura que iria mudar para sempre suas vidas. Lúcia fala do que eles presenciaram: “Uma senhora vestida de branco, brilhando mais forte do que o sol, soltando raios de luz clara e intensa, como uma taça de cristal cheia de água pura atravessada pelo sol”.
A mesma transparência e fulgor é descrita em outros relatos. Assim o garoto Maxim Giraud, que a viu na pequena cidade de La Salette, na França, escreveu sobre ela. “Nada em suas roupas pertencia a esse mundo. Tudo era feito de luz, mas de uma luminosidade diferente de todas as outras.” A imagem era translúcida, e ele podia ver através dela durante a aparição. Bernadette, a moça que viu a Virgem Maria acima de uma gruta em Lourdes, na França, também descreve a estranha luz emanada pela imagem de Maria. Assim a autora Bridge Curram se refere à visão de Bernadette no livro dela Milagres e Aparições de Nossa Senhora, baseado no depoimento da jovem francesa feito no século 19. “Na entrada da gruta estava uma menina vestida com um vestido branco simples amarrado por uma faixa azul. Em cada pé descalço havia uma rosa amarela, e sua cabeça estava coberta com um véu. Os braços estavam estendidos, como para que abraçar Bernadette, e do pulso dela pendia um rosário”. A jovem irradiava uma luz que Bernadette descrevia como a mais brilhante que qualquer outra que ela já vira, mas que não feria olhos dela e nem a desorientava. A menina, um pouco mais jovem do que a própria Bernadette, com 15 anos na época, anunciou-se como a Imaculada Conceição.
As mensagens de Maria, em Lourdes, continuaram por mais alguns meses e extraordinários milagres foram registrados desde então, a maior parte de cura de doenças por meio da água que brota da gruta (que hoje pode ser pedida pela internet). O vilarejo do sul da França onde se deu a aparição recebe mais de 6 milhões de visitantes por ano. Suas ruas são coalhadas de doentes, conduzidos por voluntários vindos de todas as partes do planeta. “Quando se anda pelos campos da região em direção ao Pic du Midi, a montanha mais alta de lá, ainda é possível sentir a energia mariana original do lugar: muito doce e amorosa. Eu não senti essa luz dourada e jubilosa em Lourdes. Mas eu senti claramente essa força de amor e luz nos arredores da cidade”, revela a professora aposentada Alba Maria Souza.
Como uma antiga princesa asteca
Maria pode se apresentar como uma menina ou uma mulher. Nem sempre os traços dela são de uma mulher branca. A Virgem de Guadalupe, por exemplo, apareceu ao índio Juan Diego com a pele morena, rodeada de uma luz dourada e com um vestido vermelho e o manto verde-azulado. Bridget Curran, baseada em relatos registrados na época, descreve dessa maneira a aparição da Virgem diante de Juan Diego, um dos primeiros índios do México a se converterem ao cristianismo: “Embora o sol não tivesse nascido completamente e fosse ainda madrugada, raios dourados emanavam do corpo da moça. Era como se uma forte luz brilhasse por detrás dela, e esse clarão conseguia iluminar tudo ao redor da Virgem. As rochas cinzentas, a grama ressecada e os cactos ganharam cores quase translúcidas. A beleza e nobreza da menina fizeram Juan lembrar de uma antiga princesa asteca”.
De pele mais escura também era, por exemplo, Nossa Senhora das Estrelas (Nossa Senhora de Pontmain), vista por filhos de agricultores numa pequena aldeia na Normandia (França), em 1872, numa imagem que pairava acima do celeiro. O manto dela era azul-escuro recoberto de estrelas, a coroa dourada, e Maria se comunicava por meio de faixas brancas escritas com frases que as crianças repetiam letra a letra – elas não sabiam o sentido final da mensagem, pois eram quase analfabetas.
Nesse universo intrigante de fé, cura e milagres, o mínimo que se pode dizer é que algo realmente deve ter acontecido durante esses encontros misteriosos. Bernadette Soubirous, por exemplo, a jovem francesa que viu a Virgem em Lourdes, tem o corpo em perfeito estado até hoje, 150 anos após sua morte. Ela pode ser vista em um caixão de vidro na igreja principal da cidade de Nevers, na França. A noviça Catherine Laboreux foi outra que manteve o corpo intacto. Ela presenciou aparições de Nossa Senhora das Graças numa pequena capela em Paris, capital francesa, e o corpo dela ainda pode ser visto atualmente na Igreja de Nossa Senhora da Medalha Milagrosa. Não há explicação científica possível até hoje para esses fenômenos.
Em quadros e imagens milagrosas
Maria ganha igualmente novos nomes com base nas imagens esculpidas achadas em circunstâncias misteriosas em vários lugares do mundo. A Nossa Senhora de Aparecida, por exemplo, é a imagem de uma Nossa Senhora da Assunção, provavelmente de origem portuguesa, que veio dentro da rede que foi lançada por três pescadores no rio Paraíba, em 1717, no Brasil. Na primeira rede veio o corpo de madeira da imagem, e depois, para espanto dos pescadores, numa segunda lançada de rede, a cabeça. A imagem estava enegrecida por estar mergulhada no lodo do leito do rio. Depois disso, rapidamente milagres começaram a ser atribuídos à santa e, em 1741, foi construída uma igreja em sua homenagem. Alguns séćulos depois, foi erguida a Basílica, que funciona até hoje em Aparecida, no interior do Estado de São Paulo.
Cerca de 12 milhões de pessoas todos os anos visitam a cidade de Aparecida. No subsolo do santuário nacional atual, inaugurado em 1980, pode ser vista a impressionante sala de milagres atribuídos a Virgem com objetos que testemunham seu auxílio. Num canto, está um pequeno cartão onde um jovem cadete da Aeronáutica agradece a Nossa Senhora por ela “ter dado asas para ele”. Em outro, um policial conta como ele escapou de balas certeiras pela intervenção divina de Maria. Há também dezenas de bonecas e brinquedos que lembram o nascimento ou cura de crianças, muletas abandonadas por paraplégicos, mãos, cabeças e pés feitos de cera, e milhares de fotos que recobrem tetos e paredes como agradecimento pela ajuda de Maria. Nas missas, o fervor não é diferente. A artista plástica e jornalista Leticia Almeida, por exemplo, longe de igrejas e da religião há anos, não conseguiu evitar chorar durante a missa de domingo ao meio-dia no Santuário de Aparecida. “Depois do sermão, o padre nos convidou a recitar a Ave-Maria. Eu fechei os olhos e, com as mãos abertas em direção ao céu, eu rezei junto das milhares de pessoas que estavam ali ao meu lado. Era impossível não sentir a intensa vibração daquele momento. Rezar e escutar o coro das pessoas reverberando na basílica é algo muito forte. Eu não senti paz, nem calma, mas uma força gigantesca. Era como se um feixe de luz ou um vento atravessasse meu tronco a toda velocidade. Foi muito, muito forte. Eu chorei.”
Dezenas de outros testemunhos também agradecem outra poderosa Nossa Senhora (Our Lady who untie knots), Nossa Senhora Destadora de Nós, inspirada na imagem de um quadro barroco pintado por volta de 1700, em Augsbourg, na Alemanha. Em Campinas, São Paulo (Brasil), a imagem da Nossa Senhora com fitas brancas saindo das mãos dela inspira milhares de devotos, como a médica Suzel Bourgerie e o aviador Denis Bourgerie, que escreveram sobre ela aqui no Brasil. No livro deles, vários depoimentos explicam como as dificuldades de muitas pessoas foram desfeitas pela senhora retratada no quadro. “Maria foi dada como um canal de misericórdia, para que, por meio dela, continuamente desçam graças dos céus em favor dos homens. Por isso não há nó que Nossa Senhora não possa desfazer”, escreveram os autores.
Dois ícones famosos, o da Nossa Senhora do Perpétuo Socorro e o da de Czestochowa, a Nossa Senhora Negra da Polônia, também têm a fama de serem milagrosos. Diz a tradição que o ícone polonês foi pintado pelo evangelhista São Lucas em cima de uma mesa feita por Jesus, quando ele era apenas um aprendiz na carpintaria de seu pai adotivo. Conta a lenda que São Lucas, um médico, pintou a iamgem enquanto escutava Maria falar sobre o filho dela. Diz-se ainda que, durante a Idade Média, o próprio ícone escolheu o lugar para ficar: numa viagem em direção a outra cidade para ser melhor protegido, os cavalos que o conduziam, numa carruagem, se recusaram a seguir adiante. E assim o ícone passou a ser venerado onde os animais pararam, perto da aldeia medieval de Czestochowa, entre a Polônia e a Croácia, às margens do rio Warta. A ela são atribuídas vitórias surpreendentes em batalhas e amparo seguro durante períodos de fome e guerras. Hoje, Jasna Gória, ou Monte Luz, local onde fica o ícone, é um dos santuários mais visitados do mundo.
Dezenas de outras imagens de Nossa Senhora tornaram-se célebres, em especial, aquelas que choram, como a Nossa Senhora de Akita, no Japão, uma denominação recente, cujas lágrimas brotavam da madeira onde foi esculpida. Essas imagens surpreendentes foram gravadas por uma rede nacional de televisão japonesa, em 1979. Também se atribui ao ícone de Nossa Senhora da Transilvânia, na Romênia, a capacidade de verter lágrimas, como aconteceu em 1632, quando a Virgem chorou por 21 dias.
Descoberta num monte de lixo
Uma das histórias mais interessantes e modernas sobre imagens aconteceu na década de 1950 no Brasil, em São Paulo. Ela é narrada no livroNossa Senhora de Todos os Nomes, do frei Darlei Zanon. O relato mostra como a devoção a Virgem Maria pode nascer de forma natural por meio de uma imagem que lembre as qualidades da mãe de Jesus. Foi pensando nisso que a bondosa irmã Alice Marie Senise decidiu restaurar uma escultura de Nossa Senhora em mármore achada num monte de lixo perto de um cemitério. A estátua não tinha autor conhecido, mas era bonita. Cuidadosa, a irmã mandou pintá-la e acrescentar perto do coração de Maria as três virtudes teologais: a fé, em forma de cruz, a esperança, em forma de âncora, e o amor, em forma de coração, todos recortados em latão dourado. Nas décadas subsequentes, as alunas do Colégio Notre Dame, onde ela lecionava, aprenderam a ter essa Virgem Maria como modelo de fé. E eu, a jornalista que hoje assina este artigo, era uma delas. Não sei se a essa imagem dessa Nossa Senhora (Our Lady of Trust) foi atribuído algum milagre, eu creio que ainda não, mas eu soube que o Papa João Paulo II encantou-se por ela quando visitou o Brasil, e que uma réplica dela abençoa os seminaristas do Seminário Maior de Roma. Com certeza Irmã Alice Marie iria adorar essa homenagem.
O arquétipo da grande mãe
Mães divinas cheias de compaixão podem estar presentes em outras religiões. A deusa Ísis com o filho Hórus no colo, por exemplo, pode ter servido de modelo para as representações da Madona com seu filho, segundo alguns especialistas em mitologia, como o americano Joseph Campbell. Kuan Yin, na China, também é conhecida como uma mãe sagrada compassiva, “aquela que ouve os lamentos do mundo”. Para o psicanalista Carl Gustav Jung, isso acontece porque a humanidade compartilha um mesmo inconsciente, que é coletivo, onde estão guardados símbolos que são comuns a todos os povos, os arquétipos. “O arquétipo da Grande Mãe pode emergir do inconsciente em forma de visão mística, nas imagens de um sonho, dentro das histórias de um mito ou até mesmo por ressonância com algo que acontece na vida comum e faz brotar do inconsciente a energia arquetípica”, diz Efraim Boccalandro, doutor em psicologia analítica pela PUC de São Paulo. Ele se refere a uma realidade que é interna e externa ao mesmo tempo.
Portanto, mitologias ou religiões podem apresentar símbolos e grandes ideias compartilhados por toda humanidade vindos do inconsciente coletivo, de acordo com Jung. Ideias como a noção de Deus, que se acha presente em muitos lugares do mundo, por exemplo. Para Campbell, todas as realidades contadas pelos mitos são comuns a todos nós porque acontecem dentro do nosso próprio coração. “O nascimento virginal representa o nascimento da compaixão no coração do homem espiritual que nasce do homem animal. Você renasce espiritualmente quando a sua parte animal morre e você retorna à vida como uma forma humana da compaixão”, diz Campbell no livro O Poder do Mito. Isto é, o coração compassivo de Nossa Senhora deve estimular o nascimento de nossa própria compaixão. Nossa Senhora não é apenas a mãe bondosa que nos acolhe, é também um modelo para nós. “Todos os símbolos da mitologia se referem basicamente a nós mesmos”, escreveu o antropólogo e mitólogo americano.
Dentro da tradição católica, porém, uma realidade muito especial é atribuída à Maria: ela é Mãe de Jesus Cristo, que é o próprio Deus que desceu à Terra. Por isso, ela nasceu numa condição espiritual especial (sem o pecado original, sem a mancha que a humanidade herdou por causa da desobediência de Adão e Eva) e permaneceu virgem até morrer, mesmo tendo dado à luz a um filho concebido pelo Espírito Santo, o terceiro aspecto de Deus. Segundo os Evangelhos, Maria também não morreu de morte natural, mas subiu aos céus elevada pelos anjos. Em outras palavras, na fé católica, Nossa Senhora não é apenas uma mãe compassiva ou um modelo de virtude, mas uma rainha celestial que está numa condição diversa do restante da humanidade. Maria foi a mulher escolhida para viver dentro de si mistérios muito além da compreensão humana.
UMA PRECE PARA NOSSA SENHORA
Escrita pelo monge trapista Thomas Merton
Escrita pelo monge trapista Thomas Merton
MÃE ACOLHEDORA
“Maria sempre Virgem, Mãe de Deus nosso Salvador, eu me entrego inteiramente à tua amorosa intercessão e cuidados, porque tu és minha Mãe e eu sou teu querido filho, cheio de problemas, conflitos, erros, confusão e com tendência para o pecado.
Minha vida toda deve mudar, mas como não posso fazer nada para mudá-la por conta própria, eu a entrego com todas as necessidades e preocupações para ti. Apresente-me de mãos puras para teu Filho Divino. Reza que eu possa aceitar de bom grado tudo que for preciso para despojar-me de mim mesmo e tornar-me Seu verdadeiro discípulo, esquecendo a mim mesmo e amando Seu Reino, Sua verdade e todos aqueles que Ele veio a salvar pela Sua Santa Cruz. Amém.”
Fonte: http://redlotus-spiritualtravels.com/weblizar_portfolio/mae-rainha/ |
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