TODOS CONTRA O TÉDIO - FESTAS DE ADOLESCENTES ADOTAM "TÁTICA DE GUERRILHA" PARA DRIBLAR PROIBIÇÕES DA LEI(E DOS PAIS) E BOMBAR

Todos contra o tédio
As festas de adolescentes adotam "tática de guerrilha" para driblar proibições da lei (e dos pais) e bombar
Se pintar uma névoa de repente no baile, não vai achando que é gelo seco. Né não, parça! Corre que é gás lacrimogêneo. Fluxo é baile de rua, e, nessa hora, o nome se justifica: é muita gente dando pinote, fluindo por todas as vielas para escapar da Polícia Militar. A repressão aparece também em uma HP (House Party) quando o som freia de repente. A Guarda Civil e o Conselho Tutelar baixam no casarão alugado e flagram dezenas de menores passando mal em uma festa “open bar”. Vish fiiiiiiiiii.
A tática é de guerrilha para viralizar a festa e conseguir driblar pais e autoridades. A balada é divulgada com antecedência pelo Facebook. Mas os detalhes só são confirmados pelo Whatsapp nas vésperas. Mano só fica sabendo quando é aceito no grupo. É um controle, um filtro. Os horários e os locais mudam a cada fim de semana. Nas festas com ingressos, os promotores se revezam em portas de escola e catracas de metrô para a venda antecipada. Quer saber? Muitas vezes só tem a indicação da estação de onde vão partir as vans para o baile. O endereço final da HP é sigilo total.
o fluxo se refugiou nas ruas de favelas em que a polícia não entra toda hora. As viaturas fazem blitz no entorno, mas só são acionadas se tiver treta. É desse jeitão no Helipa (Heliópolis, zona sul de São Paulo) e na Marcone (Vila Maria, zona norte). Mesmo assim, o baile se alterna entre ruas diferentes do bairro a cada fim de semana. E o chicote só estrala depois da meia-noite. Outras vezes só às 2h da madrugada. Antes as ruas parecem desertas. A geral chega no último busão. Os carros de som e de bebida encostam. A chapa é quente.


Guia de festas



Tum-cha-cha-tum-cha! O funk é pesado, a letra é sacana. Tum-cha-cha-tum-cha! A cena se repete sob a luz do poste no baile de favela até com raios de laser na pista de uma bus party contratada por R$ 4.000. A adolescência não pode ser uma entediante noite entre a infância e vida adulta. A molecada quer tirar um lazer. Eles não cabem mais nos aniversários em salões de festa do prédio. Ninguém merece jogar videogame e ver Netflix o fim de semana inteiro. 
São vários rolês, vários custos, vários estados eufóricos. A juventude é uma embriaguez hormonal, um coquetel de adrenalina, testosterona e endorfina, que fica explosivo se somado a  álcool, tabaco e substâncias ilícitas. Na tradicional matinê dominical, o open bar é careta e amazônico: refrigerante de guaraná e açaí com granola. O tal vestibular da balada só permite como aditivo a cafeína, além da taurina dos energéticos, para turbinar as pulsões sub-18.
Nas HPs, o álcool transborda em hectolitros, seja disparado por pistolas de tequilokas, rolando em funis de vodca barata ou direto do gargalo. Já no fluxo, a tensão e o cheiro de maconha estão no ar. “Encosta Geral Na Disciplina, Na Moral. Sem Vacilo, Sem Tirar Moto De Giro Pra Não Colar Verme. Meninas: Trazer Amigas, Primas, Vizinhas, Inimigas, A Porra Toda. Os Brothers: Cada Um Com Seu Consumo.” Essa foi a convocação para fluxo recente em Guarulhos (SP). Ae sim.
 
As balas são mentoladas na entrada da matinê. Afinal, é noite do beijo. As boquinhas novatas se juntam quando rolam os apagões anunciados pelo DJ da casa. Já no fluxo as balas podem ser de borracha mesmo. Uma denúncia de vizinho, uma briga entre bondes, e a polícia chega pesado. Cê loko, cachorrera: a PM zoa o rolê mais que a chuva. O nome de alguns bailes já entrega o clima de guerra: Paquistão, Iraque e Hebron. Vários que rolavam até dois anos atrás acabaram. Sobraram os fluxos pequenos ou os que se abrigaram em ruas de favela, muitas controladas pela facção PCC, o Primeiro Comando da Capital. Lá quem sai da área são os vizinhos: melhor dormir em casa de parente.
Amsterdã perde para o fluxo da Marcone. Rodinhas de maconha, gente se trancando nos carros para cheirar cocaína e vários manos com a garrafinha do bico verde. Mil grau. Quem exagera no lança-perfume passa mal, com tremedeira e palpitação, encolhido na calçada. O menu de bebidas ruins para os fígados iniciantes é vasto. Tem “danoninho”, mistura de vinho químico com leite condensado. Vai um drink de catuaba com energético? E quem quer arriscar pode tentar um “tang-uh”, caipirinha com suco em pó. Os carros abrem o porta-mala e viram botecos, com a luz de LED iluminando as garrafas de uísque batizado e da vodca genérica.
O teto é o céu, a pista é o asfalto, e não há camarote entre os barracos e lajes das proximidades. Quem chega motorizado ergue garrafas de Red Label como se fossem troféus. Os carros e motos abrem espaço entre o empurra-empurra, e os pilotos se exibem, acreditando no ditado local “quem tem motor faz amor”. Bate-bocas e tretas surgem da muvuca, mas a maioria  curte gostosinho. Alguns moleques rodopiam guarda-chuvas para sinalizar onde está o bonde e para refrescar as funkeiras que requebram até o chão. O fluxo é a mais barata e, muitas vezes, a única diversão na quebrada. É noix, men.
 
O esquema é o seguinte: um grupo de adolescentes se junta a um adulto, que fica encarregado de alugar uma mansão ou um galpão e comprar as bebidas. A pivetada entra com o carisma, a rede de contato e o trabalho de promoter da festa. Até o ano passado, o lucro era de R$ 15 mil por noitada. Mas a concorrência entre os bailes e a crise econômica do país obrigaram a fusão desses empreendedores da balada ilegal. O lucro caiu para, no máximo, R$ 10 mil, divididos agora entre mais “famosinhos do Facebook” e seus sócios “de maior”. Assim funcionam as House Parties. 
A HP é o terror dos pais de adolescentes. Muitos nem sabem que os filhos vão nessas festas nada caseiras. Acham que os pimpolhos estão seguros em alguma casa de amigo. Os pais que descobrem o local se assombram com o que veem do lado de fora, para onde são expulsos os PTzões, quem deu “perda total”, cambaleando e vomitando. As HPs bombaram graças às redes sociais, mas as denúncias de pais e vizinhos embaçaram para o lado delas.
Na estratégia para sobreviver, essas baladas sofrem mutação. Uma delas é a Pool Party. Em sítios alugados, a balada na piscina atrai porque acontece de dia, com pouca roupa e em local menos vigiado pelas autoridades. No flyer e no ingresso da festa, não tem endereço, só o nome da estação de metrô de onde saem as vans. Esses eventos são cheios de regras, a maioria para evitar brigas, superlotação e ações legais para os organizadores. Mas o álcool é liberado para a molecada - algumas avisam para levar documento porque a bebida é para “maiores de 14 anos”. Será que os tequileros, com suas pistolas etílicas, pedem o RG antes de disparar seus jatos entorpecentes? A função da juventude é escandalizar e atualizar os velhos em suas poltronas. É de lei. E com as HPs, é fácil.

Meia-noite. O bonde do fluxo nem encostou, mas outro tipo de baladeiro já voltou para o conforto de seu lar. As matinês vão, no máximo, até as 23h. No lugar do álcool, outro subproduto da cana impera por lá: o açúcar. Refrigerante, sorvete, pirulito e açaí à vontade garantem a energia para a pista. Já o som e o figurino são os mesmos dos outros rolês. As novinhas estão uniformizadas com shortinho jeans de cintura alta e tops colados e cavados. Os moleques se vestem de bermuda, camiseta, boné e tênis, mais preocupados em ostentar os logos das marcas.
A música é a dos funkeiros infanto-juvenis, com suas letras do mais puro humor escatológico típico da idade, cheia de palavrões e descrições pornôs. As meninas dançam em rodinha. Os meninos rondam a pista em caravana. Dois deles sobem no palco, levantam as camisetas e começam a rebolar ao ritmo do pancadão. Vários blackouts são programados durante a matinê para estimular a pegação. “A gente vem mesmo pra ficar com os meninos e beijar muito.” Quem fala é Jéssica Galdino, 14.
Os pais levam e trazem. Muitos esperam na outra calçada até os rebentos atravessarem as longas filas e entrarem. Os mais cautelosos até visitam a balada - são os únicos adultos com permissão para isso, fora os funcionários. A adolescência é uma invenção do século passado, com limites que variaram ao longo do tempo. É época de mudanças, descobertas, proibições, complexos e dilemas. Pela lei,  pode-se trabalhar e votar,  mas não pode entrar em festas noturnas, beber álcool e dirigir carros. O adolescente transita entre as condições de inimputável e “relativamente incapaz”. Para os pais vigilantes, eles estão em um período de liberdade vigiada, quando não de cárcere privado. É osso!

Na fila de entrada da matinê LGBT não tem pai na espera. Os meninos também não querem aparecer na foto ou dar nome na entrevista. A maioria não saiu do armário e não quer fazer isso em uma reportagem. Uma drag queen que se apresenta ali passa e brinca: “Seu pai sabe que você está aqui, menino?
Como em algumas matinês héteros, os adultos também entram e ganham pulseira para poder consumir bebidas alcoólicas. Os menores, de 14 a 17 anos, tem entrada VIP até as 17h. Os maiores pagam R$ 10 pela entrada. O cenário é o Largo do Arouche, tradicional reduto gay em São Paulo. A balada é a Freedom Club.
Dentro, há alguns trintões e quarentões que ficam de canto, cerveja em punho. Lobos solitários, eles não avançam nos grupos de jovens. Mas, quando um menino passa perto, eles tentam chamar atenção, puxando o braço, pegando na bunda ou assoprando. Alguns tentam atrair o jovem oferecendo bebida, mas os funcionários ficam de olho e dão bronca. 

Vai vendo: em 2013, um passeio de shopping gerou grande mobilização policial, ações judiciais, assédio de partidos políticos e até uma reunião ministerial. O barato foi louco. Os rolezinhos viraram tema nacional em um ano marcado pela mobilização nas ruas. Seria um protesto dos jovens de periferia contra a sociedade de consumo? Nada disso. Eles só queriam se divertir. Os rolês existiam antes e continuaram. O shopping Tucuruvi (zona norte paulistana) foi palco de um em março último.
Tanto os jovens quanto a administração do shopping souberam pelo Facebook do encontro. Um pelotão de seguranças pedia RG na entrada. Só entrava quem estava com os pais ou tinha ingressos para o cinema. Os barrados se aglomeravam e discutiam com os seguranças. Mas alguns grupos conseguiram entrar e perambular pelos corredores. Poucos conseguiram paquerar, como era a intenção. Já nos parques, o clima é mais tranquilo, mais favorável.  
No Ibirapuera, tem dois tipos de rolezinho por fim de semana. Na movimentada marquise, os grupos se reúnem à luz do dia para dançar funk a todo volume, fumar narguilé, tomar uma e ficar com alguém. Já na área apelidada como bananal, o rolê é bem mais escondido e começa depois que o sol sai fora. A mata densa e a escuridão garantem uma espécie de “dark room municipal”. O barulho dos grilos é interrompido pelos gritos que mais parecem saídos de feira livre: “gayyyy”, “lésbicaaaa”, “héteroooo” e “biiiii”. Sem ver nada, cada um anuncia sua preferência. Os seguranças privados repreendem verbalmente os mais afoitos. A Guarda Civil joga luz do giroflex e toca sirene para atrapalhar aquela intimidade coletiva. Casais instantâneos saem de um bambuzal ajeitando as roupas. Às vezes, juntos. Outras, separados.

“Eles querem vender a mercadoria deles. Não vão pedir RG pra ninguém”. Amanda sabe o segredo de onde achar álcool sem fiscalização: os isopores dos vendedores ambulantes. Ela tem 18 anos, mas desde os 15 frequenta a noite na rua Augusta, região boêmia de São Paulo. Outra dica para pular de fase nesse game é usar RG falso nas casas noturnas. “Eu ficava me cagando na fila, mas sempre entrei. Pegava o documento de alguma amiga mais velha e metia as caras.”
O tédio adolescente também é um nicho para o mercado. E copiar manias norte-americanas é uma receita de sucesso. Um exemplo são os serviços de Bus Party. Por preços que variam de R$ 2.000 a R$ 4.000, se contrata festas de três horas, com direito a DJ, iluminação, petiscos e bebidas (sem álcool). As empresas confirmam que 50% dos aluguéis são para clientes de 10 a 15 anos, com muitos bailes de debutantes rolando nesse buffet juvenil sobre rodas. Com o busão a 10 km/h, a meninada vê pela janela a vida noturna nos bares e calçadas que os esperam no futuro. Depois, desembarcam de volta para seus pais. Suave na nave!

Outra opção importada são as festas em limousine. Mas o público alvo são as meninas até 15 anos de classe média e alta. Em sua idealização da vida adulta, o carro espichado é a carruagem da princesa. O aluguel por duas horas custa R$ 1.250 no fim de semana. É uma ostentação maior que empinar uma Hornet ou cantar pneu de um Camaro no fluxo.
Entre festas proibidas, comportadas e importadas, os adolescentes se jogam nas diversões noturnas e fantasiam as vantagens da vida adulta, como se não houvesse amanhã. Mas o amanhã chega, e logo eles vão se despedir desse tipo de festa e da juventude. Bora lá.

Colaboraram nesta edição:
Uma equipe de jovens jornalistas, formada por Camila Izidio (21 anos), Thais Marques (18 anos) e Vinícius Cordeiro (22 anos), que entrou nas festas para contar o que rola e que foi comandada pelas editoras Amanda Rahra, Nina Weingrill e Simone Cunha, da agência de notícias e escola de jornalismo Énois. Também agradecemos à organização da matinê Enjoy; aos responsáveis da festa em ônibus Sensation Bus; além das fotos da Folhapress

Fonte: http://tab.uol.com.br/festa-jovem/#tematico-10











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