HELENA P. BLAVATSKY E O CASO COULOMB

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Helena P. Blavatsky (1831-1891) tinha muitos motivos para se preocupar.

H. P. Blavatsky e o Caso Coulomb


O intrincado Caso Coulomb e o contestado Relatório Hodgson não decidiram sobre a falsidade ou não dos fenômenos extraordinários que cercavam Helena P. Blavatsky, portanto o leitor poderá perguntar qual o motivo então de tratá-los aqui se eles não solucionam a questão. A resposta é que o assunto merece tratamento aqui, uma vez que é pouco conhecido dos leitores da língua portuguesa, devido às escassas traduções sobe o caso e, ademais, pelo curioso fato de que, mesmo assim, ele é importante como exemplo histórico de como os grupos religiosos são capazes de sobreviver, e de até crescer, graças às circunstâncias de dúvida e das situações de indefinição. Com certa frequência, alguns dos fatores que mais contribuíram para a longa sobrevivência das religiões, durante os tantos séculos da sua existência, foram a dúvida, o mistério e a incerteza, uma vez que, nestas situações, é maior, e sempre foi, o número de indivíduos que preferem acreditar do que desconfiar. Em outras palavras, existem muitos que acreditam mais no que ouvem dos outros, do que aquilo que podem testemunhar com os seus próprios olhos e analisar com seu raciocínio, de modo que, em muitos indivíduos, a predisposição para a credulidade é mais forte do que a predisposição para a desconfiança, e este traço humano ajudou na propagação e no crescimento das religiões. Se o contrário tivesse sido o predominante, as religiões sempre teriam sido instituições com poucos seguidores.
Outro motivo é a importância de mostrar os fatos e os problemas que acontecem com os grupos religiosos, os quais são ocultados pela pregação dos seus adeptos e pela apologia dos seus admiradores. A história das religiões não é só um ‘mar de rosas’, tal como encontramos nos relatos dos seus simpatizantes, de modo que Helena P. Blavatsky, uma das fundadoras da Sociedade Teósofica, enfrentou muitas controvérsias e muitas acusações de fraudes, sendo o Caso Coulomb o primeiro de grandes proporções. Enfim, apesar da indefinição, o Caso é interessante para mostrar a quantidade de sujeira que sobe à superfície quando duas partes culpadas se confrontam, através de uma artilharia de acusações mútuas.
Helena Petrovna Blavatsky (1831-1891)
            Ela é reconhecida por quase todos os esoteristas como “a mãe do esoterismo moderno”, uma das fundadores e figura central da Sociedade Teosófica, sendo talvez a mais importante personagem na revitalização do ocultismo no século XIX. Helena P. Blavatsky nasceu em Ekaterinoslav (atual Dnipropetrovsk) na Ucrânia. Sua mãe, Helena Andreyevna, foi uma conhecida novelista que morreu ainda jovem. Sua herança familiar combinava origens russa, francesa e alemã, sua avó materna, a princesa Helena Pavlovna Dolgorukov, era descendente de uma das mais antigas famílias da Rússia. Sua infância foi marcada por numerosos fenômenos anormais, os quais são denominados de psíquicos pelos espíritas e pelos esoteristas. Desde cedo ela se interessou pelo ocultismo, enfiando-se na biblioteca de livros ocultos do príncipe Pavel Dolgorukov, seu bisavô materno, que tinha sido iniciado na Maçonaria Rosacruz.
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Poucos sabem, mas H. P. Blavatsky era obesa, mal humorada, fumante, caloteira, nunca teve uma profissão e vivia cercada de acusações de fraudes.
            Ela se casou em 1849, com a idade de dezessete anos, com Nikifor Blavatsky, vice-governador da província Erivan na Armênia, que tinha sessenta anos de idade na época das bodas, porém, abandonou o seu marido na lua de mel, por não ter afeição por ele. Ela então iniciou uma série de longas viagens pelo mundo afora. Descritos em seus relatos, os quais não foram, em grande parte, confirmados e com a cronologia conflitante, estas viagens a levaram à Europa, ao Oriente Médio, à América do Norte e, possivelmente, à Índia e ao Tibete, por um período de vinte e cinco anos. Estas longas viagens, extraordinárias para uma mulher naqueles tempos, registram sua incansável busca pelo contato com sábios e mestres ocultos.
            O início de suas viagens está no Oriente Médio. Inicialmente, ela viajou para a Turquia, para a Grécia e para o Egito. Às vezes ela viajou com Albert Rawson (1828-1902), um jovem explorador norte americano, autor e artista. Em 1850, eles estudaram com Paolos Metamon, um mago copta, no Cairo. No começo de 1851, ela foi para Londres pela França, e em agosto ela encontrou pela primeira vez com seu “Mestre”. Ele supostamente lhe informou que ela deveria se preparar para uma importante tarefa que lhe exigiria a permanência de três anos de preparação no Tibete. Suas subsequentes peregrinações pelos EUA (supostamente com Rawson de novo) e pela América Latina a conduziu à Índia em 1852, mas ela não conseguiu entrar no Tibete desta vez. Em 1854, ela estava novamente nos EUA, e daí viajou pela Índia, pela Caxemira, pela Birmânia (atual Myanmar) e partes do Tibete em 1856-7. No Natal de 1858, ela regressou para sua família na Rússia, ocasião quando ela exibiu sua habilidade de realizar fenômenos psíquicos (rappings, sons de sinos, locomoção de mobílias e telepatia). No início de 1868, em Florença, ela ouviu de seu “mestre” que ela deveria se juntar a ele em Constantinopla, e daí ela viajou por terra para o Tibete.
            Seu “mestre’, conhecido como Morya, foi dito residir perto do grande e importante mosteiro de Tashi Lhunpo, em Shigatse, no Tibete, a sede do Panchen Lama (o mais importante líder da seita Geluk-pa do Budismo Tibetano depois do Dalai Lama, ou seja, o segundo na hierarquia desta majoritária corrente tibetana). Neste local, Morya e outro “mestre”, Koot Hoomi, conduziam uma escola para adeptos ao lado do mosteiro. Estes “mestres” são compreendidos pelos teósofos como sendo avançados adeptos com poderes sobre-humanos que não eram sujeitos ao mosteiro, tampouco às suas regras, mas tinham completo acesso a sua biblioteca e aos seus recursos (Goodrick-Clarke, 2008: 213).
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Vista parcial do mosteiro Tashi Lhunpo, no Tibete, nos arredores do qual H. P. Blavatsky informou viverem os mestres Morya e Koot Hoomi, porém ninguém os conhecia.
Então, com base nestes detalhes é que aparece a primeira suspeita sobre a existência destes “mestres”. O gigantesco e importante mosteiro de Tashi Lhunpo é muito conhecido no Tibete (atualmente está aberto até para a visitação pública), no entanto, ninguém até agora, quer seja um monge, um lama, um explorador ou um visitante foi capaz de confirmar a existência destes “mestres” nos arredores daquele complexo, sobretudo os que viveram daquela época. Por exemplo, L. Austine Waddell, contemporâneo de H. P. Blavatsky, que visitou o Tibete muitas vezes (o seu livro foi publicado em 1885), que conviveu com os lamas, que aprendeu a língua tibetana e que visitou alguns mosteiros disse em seu livro Tibetan Buddhism (Budismo Tibetano): “Nem os lamas conhecem alguma coisa sobre estes médiuns – os Mahātmas (Koot Hoomi, etc.) – que os teósofos colocam no Tibete e atribuem um importante lugar no misticismo tibetano…” (Waddell, 1972: 129). Este autor informa mais adiante neste mesmo livro que o mosteiro de Tashi Lhunpo abrigava cerca de 3.800 monges naquela época (idem: 272), portanto é impossível que os monges e os lamas não conhecessem estes “mestres”, que frequentavam a biblioteca e as instalações do mosteiro, também que não conhecessem a tal escola para adeptos nos seus arredores. Daí que não é difícil então de ser levado a pensar que a permanência de H. P. Blavatsky no Tibete, para treinamento espiritual com os Mahātmas (Grandes Almas), é uma ficção (Murdoch, 1984: 07). Outro episódio fictício de sua vida pode ter sido o relato de que Blavatsky lutou, vestida com trajes masculinos, na batalha de Mentana, Itália (idem: 07)
H. P. Blavatsky relatou que foi aceita como uma discípula e recebeu os ensinamentos que tanto buscava. Ela foi introduzida na sagrada literatura do Budismo Tibetano, lhe foi mostrado os tesouros do mosteiro e, por fim, foi preparada para ser a missionária dos “mestres’ para o Ocidente. Ela supostamente permaneceu neste reduto dos Himalaias, preparando-se para a sua obra, do fim de 1868 até o fim de 1870. Em seguida, ela fundou uma sociedade para o estudo do espiritismo, La Société Spirite, no Cairo, no fim de 1871, a qual teve vida curta. Blavatsky era conhecida no Cairo por realizar fenômenos sobrenaturais, então Emma Cutting, quem depois do seu casamento seria conhecida como Emma Coulomb, delatora do intrincado e controvertido Caso Coulomb, foi visitá-la para conhecer os seus poderes extraordinários. Emma Coulomb relatou assim o seu encontro com H. P. Blavatsky no Cairo: “Eu encontrei um quarto cheio de pessoas, todas vivas, e usando a mais insultante linguagem contra a fundadora da Sociedade, dizendo que ela (Blavatsky) tinha pego o dinheiro delas e as tinha deixado somente com isso, apontando para o espaço entre a parede e o pano, onde diversas peças de barbante ainda estavam dependuradas, as quais seriam para puxar, através do teto, uma comprida luva estofada com algodão, a qual deveria representar a mão e o braço materializados de um espírito. Eu fui embora deixando a multidão tão vermelha (de raiva) quanto o fogo, pronta para nocauteá-la quando ela voltasse” (Coulomb, 1885: 04-5).
O surpreendente é que, mesmo depois de testemunhar este caso de fraude, Emma Coulomb voltou a procurar Madame Blavatsky no Cairo, se tornaram amigas e até emprestou dinheiro para ela, empréstimo que nunca foi pago por Blavatsky, um dos motivos que levou E. Coulomb a despejar uma avalanche de delações contra Blavatsky no futuro, quando era sua governanta em Madras (Chennai), Índia, no período de 1880 a 1884, tal como veremos mais adiante. Por outro lado, a escritora e teósofa Beatrice Hastings relatou uma versão diferente deste episódio em seu livro, em quatro volumes, em defesa de H. P. Blavatsky; “… na ausência de Madame Blavatsky, alguns médiuns, que ela tinha encarregado, organizaram uma sessão fraudulenta e foram surpreendidos, a Sociedade então chegou a um fim” (Hastings, 1937, vol. II: 07). J. Murdoch registrou que uma vez Blavatsky afirmou que o episódio do Cairo “poderia ser rasgado do livro da sua vida” (Murdoch, 1984: 07).
Para concluir, fora dos relatos no estilo hagiográfico por autores teosóficos e por admiradores, os quais projetavam nela a imagem de uma alta iniciada, escolhida pelos grandes Mestres para ser o canal de instrução para toda a humanidade, Helena P. Blavatsky era retratada, por outros contemporâneos, como sendo obesa, fumante compulsiva, sem graduação universitária, sem profissão (ela sempre sobreviveu da generosidade dos outros), mal-humorada, bem como os céticos e os seus opositores lhe acusavam da autoria de fenômenos fraudulentos.
A Fundação da Sociedade Teosófica
            A vida pública mais bem documentada de Blavatsky começou com sua chegada nos EUA em 1873. Ela iniciou sua carreira esotérica no movimento espírita, o qual era extremamente difundido naquele país. No outono de 1874, ela encontrou seu futuro co-fundador da Sociedade Teósofica, coronel Henry Steel Olcott (1832-1907), um militar e advogado, com grande interesse no Espiritismo, na fazenda Eddy, em Chittenden, Vermont, EUA, onde ele estava escrevendo para jornais de Nova York sobre sessões que materializavam espíritos. Blavatsky publicou artigos sobre Espiritismo e se tornou ativamente envolvida no movimento espírita, se comunicando com um espírito chamado “John King” e defendendo publicamente os médiuns desacreditados. Ela pensava que o Espiritismo era um útil contraponto inicial para o materialismo.
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Os fundadores da Sociedade Teosófica: Helena P. Blavatsky e o coronel Henry S. Olcott
           A Sociedade Teosófica foi fundada na cidade de Nova York em 1875, por dezesseis indivíduos que tinham fortes interesses no Espiritismo e no Ocultismo. Os fundadores foram Helena P. Blavatsky e o coronel Henry S. Olcott, este último seu primeiro presidente. J. Murdoch aponta que a principal característica de H. S. Olcott era a sua “voraz credulidade” (Murdoch, 1894: 05) e que uma vez Blavatsky se referiu a ele como um “bebê crescido, que não sabia diferenciar a sua cabeça dos seus calcanhares” (idem: 09). Coronel Olcott escreveu um fantasioso livro, com base em suas experiências com o Espiritismo, denominado People from the Other World (Pessoas do Outro Mundo), publicado em 1875, cujo delírio especulativo chega ao ponto de até investigar o peso e o tamanho dos espíritos. Por exemplo, segundo ele, o espírito de Honto, após quatro pesagens, alcançou o peso médio de 67,5 libras (30,6kg), enquanto que o espírito de Katie Brine, após três pesagens, resultou no peso médio de 62 libras (28,1kg). Quanto ao tamanho, o espírito de Honto mediu 5 pés e 5 polegadas (1,65m), enquanto que o espírito de Havana mediu de 4 pés e 10,5 polegadas (1,48m) a 4 pés e 8 polegadas (1,42m). Já o tamanho do espírito de Mrs Compton era de 5 pés e 4 polegadas, ou seja, 1,62m (ver: Olcott, 1875: 487).
            O apartamento de Blavatsky na 46 Irving Place, em Nova York, tornou-se o ponto de encontro de pessoas interessadas no Ocultismo. Entretanto, foi durante esta época que Blavatsky começou a diminuir a sua atenção pelo Espiritismo e passou a dirigir seu interesse para as religiões orientais (Budismo e Hinduísmo) e para as tradições esotéricas do Ocidente (Cabala, Rosacruz, Maçonaria, etc.). Em função deste forte interesse pelas tradições orientais, bem como pela repetida proclamação de Blavatsky de que a fonte da sabedoria espiritual se localizava no Oriente, a sede da Sociedade, em março de 1879, se transferiu para Bombaim (atual Mumbai), permanecendo lá até o final de 1882, ocasião em que foi então transferida para Madras (atual Chennai), onde permanece até hoje, em uma imensa área no bairro de Adyar (naquela época um subúrbio da cidade), com suas gigantescas instalações.
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Vista parcial da sede mundial da Sociedade Teosófica em Chennai (antiga Madras), Índia.
         Apesar da doutrina teosófica ser formada de uma miscelânea de ideias conservadoras reunidas de diversas religiões e tradições esotéricas, cuja consolidação acontece em razão do conservadorismo e do apego ao passado, ela se diferenciou por uma novidade diante das outras culturas religiosas até então, qual seja, a da introdução do conceito de evolução. Tanto da ideia de evolução espiritual do indivíduo, como da evolução das raças, bem como da evolução dos mundos e dos continentes. A ideia da evolução era emergente na época, século XIX.
  Os Mahātmas (Grandes Almas)
            Mais precisamente, a doutrina da Sociedade Teosófica não tem sua origem com H. P. Blavatsky, tal como os seus inimigos propagavam, senão com as revelações de grandes seres denominados pelos teósofos de Mahātmas (literalmente: Grandes Almas), os quais encontraram nela um canal para a propagação da “Verdade”. De acordo com a versão teósofica, estes são seres que ultrapassaram o nível da evolução humana e, em razão do progresso espiritual e dos seus elevados poderes alcançados após sucessivas iniciações, trabalham em prol da evolução da humanidade. Dos Mahātmas em contato com a Sociedade, os mais atuantes foram mestre Morya e mestre Koot Hoomi. Às vezes, eles eram também chamados de Adeptos, de Irmãos ou de Anciões. A Sociedade era tão dependente destes Mahātmas que, uma vez, um teósofo declarou: “Se os Irmãos são um mito, a Sociedade para mim é uma fantasia”. Com o tempo, a existência destes Mahātmas se transformou no assunto mais duvidoso pelos céticos e pelos oponentes da Teosofia.
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Pintura reproduzindo o mestre Koot Hoomi; suas cartas eram suspeitas de serem fraudes.
          Segundo os relatos teosóficos, eles eram contatados através de aparições físicas para alguns poucos membros adiantados da Sociedade, ou através de cartas que se precipitavam ou apareciam misteriosamente para alguns membros, bem como as respostas chegavam através de um armário de madeira, conhecido como “Santuário” (algo que nos lembra o Oráculo Grego), o qual se localizava no “Quarto Secreto”, ao lado do quarto de H. P. Blavatsky, na sede de Madras, ou ainda através de viagem astral por membros treinados para tal façanha. Estas precipitações misteriosas e as respostas de cartas que aconteciam através do “Santuário” foram alguns dos eventos delatados como fraudes por Emma Coulomb e alvos das investigações da Society for Psychical Research (Sociedade para Pesquisa Psíquica) de Londres, que resultaram no Relatório Hodgson.
            Outras suspeitas sobre a existência de Koot Hoomi Lal Sing estão nas discordâncias sobre a sua terra natal. A. P. Sinnett, um importante teósofo que manteve correspondência com este mestre durante alguns anos, informou que ele era nativo do Punjab, uma região no norte da Índia. Já no livro Isis sem Véu, de H. P. Blavatsky, ele é mencionado como um nativo da Caxemira, norte de Índia, e ainda em outra fonte, ele é citado como um Kutchi (Murdoch, 1894: 23). A controvérsia é flagrante. Também, a suspeita recai sobre os fatos de que o nome Koot Hoomi é absolutamente inexistente na língua Punjabi da região do Punjab, na língua Kashmiri da Caxemira e na língua tibetana. Ademais, o nome é também inexistente na língua sânscrita. Enquanto que o último nome, Sing, poderá ser o mesmo nome empregado como Singh, na língua Punjabi, um termo derivado do Sânscrito Sinha (Leão), em quase todos os nomes dos seguidores da tradição Sikh.
            Outra suspeita está ainda no seguinte. Koot Hoomi, segundo A. P. Sinnett, foi educado na Inglaterra, porém o estilo do seu inglês nas cartas está repleto de americanismos. Por exemplo, ele escrevia ‘skepticism’ no estilo norte americano, ao invés de ‘scepticism’ no estilo britânico. Uma vez H. P. Blavatsky explicou para A. P. Sinnett de que não se tratava de um americanismo, mas sim do saber filológico do mestre (Murdoch, 1894: 24). Sobre o estilo do inglês das cartas de Koot Hoomi, o jornal indiano The Bombay Gazette, de 24.09.1881, expressou a sua opinião: “Ainda que o sábio (Koot Hoomi) tem infelizmente somente se revelado para os seus admiradores em uma série de cartas, cujo estilo vulgar e inflado nos faz arrepiar, com a possibilidade, se o ocultismo estiver destinado a se tornar a religião mundial. A nova revelação, até agora, não chega a ser nada mais do que uma série de artigos de fundo de um jornal americano de terceira categoria” (idem: 24).
            Ainda outro caso muito suspeito foi a reprodução literal de uma palestra proferida pelo professor norte americano, Mr. Kiddle, em agosto de 1880 e publicada no mesmo mês na revista Banner of Light, em uma das cartas de Koot Hoomi para seu discípulo A. P. Sinnett, a qual foi publicada no livro The Occult World, em junho de 1881, de autoria de A. P. Sinnett. Ao ler o livro acima, o professor Kiddle expressou a sua surpresa: “Eu fiquei muito surpreso de encontrar em uma das cartas apresentadas ao senhor Sinnett como tendo sido transmitida a ele por Koot Hoomi na maneira misteriosa descrita, uma passagem retirada quase que literalmente de uma palestra sobre Espiritismo que proferi em Lake Pleasant, em agosto de 1880, e publicada no mesmo mês pela Banner of Light. (…). Como então, ela (a minha palestra) pode aparecer na misteriosa carta de Koot Hoomi? (Murdoch, 1894: 24 e Hodgson, 1885: 206). Depois que esta nota do professor Kiddle foi feita pública, Koot Hoomi forneceu a seguinte justificativa para a reprodução literal da palestra do prof. Kiddle: “Eu estava fisicamente muito cansado em função de uma cavalgada de 48 horas consecutivas e (fisicamente ainda) meio sonolento”. John Murdoch debochou desta justificativa de Koot Hoomi da seguinte mane
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O teósofo Damodar K. Mavalankar, apontado pelo Relatório Hodgson como o verdadeiro autor das fraudulentas cartas dos Mahatmas.
Koot Hoomi pode vir em seu corpo astral do Tibete para Bombaim, como é que este pobre homem pode ser obrigado a permanecer 48 horas consecutivas sobre a sela de um cavalo? (Murdoch, 1894: 25)
           Diante destas suspeitas e de tantas outras, alguns membros descontentes, bem como alguns religiosos oponentes e a imprensa da época começaram a desconfiar e, ao mesmo tempo, a divulgar a hipótese de que os verdadeiros autores das cartas dos Mahātmas eram a própria H. P. Blavatsky e seu discípulo Damodar K. Mavalankar, portanto os ‘Mestres’ eram personagens fictícios, produto de uma fraude. O Relatório Hodgson, de 1885, da Society for Psychical Research de Londres, também chegou a esta mesma conclusão, entretanto, os argumentos, as provas e o método empregado na pesquisa de Richard Hodgson, erudito da St.John’s College, Cambridge, autor do relatório, receberam muitos contra-argumentos dos teósofos, o que resultou em uma longa discussão, até o exame crítico do Relatório, por outro membro da Society for Psychical Research, Vernon Harrison, cerca de cem anos depois (Harrison, 1986). A discussão se estendeu tanto que a autora Breatrice Hastings escreveu uma extensa obra, em quatro volumes, em defesa de H. P. Blavatsky, sendo o segundo volume dedicado exclusivamente à contestação das acusações de Madame Coulomb (ver: Hastings, 1937, vol. II e Coulomb, 1885).
            Outra forte suspeita é quanto à imensa sabedoria atribuída aos Mahātmas pelos teósofos, os quais assistiram Blavatsky na preparação dos seus escritos. Ela também era reconhecida como dotada de uma sabedoria invejável. Entretanto, quando seus textos são observados com atenção e com crítica é possível descobrir frequentes erros bem objetivos e primários, tal como confundir um livro com outro. Por exemplo, na edição de 1877 do livro Isis Unveiled (Isis Desvelada), volume II, H. P. Blavatsky afirma o seguinte: “No Hari-purana, no Bagaved Gitta, como também em diversos outros livros, o deus Vishnu é mostrado como tendo assumido a forma de um peixe com a cabeça humana, a fim de recuperar os Vedas, perdidos durante o Dilúvio. Tendo capacitado Viswamitra a se proteger com toda a sua tribo na arca, Vishnu, tendo compaixão da fraca e ignorante humanidade, permaneceu com eles por algum tempo” (ver: Blavatsky, 1877: vol. II, 257). Primeiro, o Bhagavad Gītā (भगवद् गीता) é o livro mais popular do Hinduísmo, portanto até mesmo um principiante indiano não trocaria a grafia de Bhagavad Gītā por Bagaved Gitta. Segundo, não existe capitulo com o título de Hari-purana no Bhagavad Gītā, terceiro, não existe relato de Dilúvio no Bhagavad Gītā, o que aconteceu foi que Blavatsky confundiu o Gītā com o Bhāgavata Purāna (भागवत पुराण), onde o relato do Dilúvio aparece no tomo VIII, capítulo 24 (Tagare, 1987: part. III, 1116-24; ver também: Murdoch, 1894: 29) e, por fim, não existe arca no Dilúvio do Bhāgavata Purāna, tal como o modelo bíblico, o que Vishnu criou, a fim de salvar algumas pessoas, foi um gigantesco torrão de terra que flutuou sobre as águas, tal como um barco, de modo que alguns tradutores traduzem por “barco de terra” (I.03.15 – ver: Tagare, 1987: part I, 26). Enfim, confundir o Bhagavad Gītā com o Bhāgavata Purāna, duas obras hindus tão conhecidas, é tão absurdo como alguém que trata da Bíblia relatando que o Dilúvio de Noé acontece nos Atos dos Apóstolos no Novo Testamento.
O Reencontro de Emma Coulomb e H. P. Blavatsky
            Emma Cutting (Coulomb) relatou que, quando ela conheceu H. P. Blavatsky no Cairo, ela ainda não era casada, portanto casando-se no ano seguinte com Alexis Coulomb, daí tornando-se Emma Coulomb, também conhecida como Madame Coulomb. Logo após o casamento, o casal perdeu toda a sua fortuna, então eles deixaram o Egito e se mudaram para a Índia, chegando em Calcutá em 1874. Em seguida, o casal se mudou para o Sri Lanka, onde tentou levar em frende o negócio de um hotel, o qual não deu certo e então o casal se afundou em uma grande dificuldade financeira. Entretanto, em uma ocasião, ao ler o jornal Ceylon Times, o casal encontrou a notícia de que H. P. Blavatsky tinha chegado em Bombaim (Mumbai) e fundado a Sociedade Teosófica. Emma Coulomb não perdeu tempo e, logo em seguida, escreveu para Blavatsky pedindo que ela lhe enviasse o pagamento do empréstimo feito no Cairo. H. P. Balvatsky lhe respondeu dizendo que não tinha condição de lhe pagar no momento, porém convidou o casal para vir a Bombaim e se juntar à Sociedade Teosófica. Por estar na miséria, portanto em estado de grande necessidade, o casal deixou o Sri Lanka e chegou em Bombaim em março de 1880, ocasião em que Emma Coulomb foi recebida com muito afeto por Blavatsky. Logo após a chegada, a líder da Sociedade contratou Emma Coulomb como governanta e seu marido como um faz-tudo (bibliotecário, carpinteiro, pedreiro, jardineiro, etc.) da sede da Sociedade Teosófica de Bombaim. Quando da transferência da sede para Madras em 1882, o casal também se transferiu e permaneceu exercendo as mesmas funções até setembro de 1884, quando foram expulsos da sede por um conselho de teósofos, após uma série de desentendimentos com os membros deste conselho, formado para administrar provisoriamente a sede de Madras enquanto H. P. Blavatsky e o coronel H. S. Olcott permaneciam na Europa (Coulomb, 1885: 04-8).
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Ao invés de pagar o empréstimo para Emma Coulomb, H. P. Blavatsky a convidou para residir na sede da ST e depois a contratou como governanta. A dívida nunca foi paga.
Na versão de Beatrice Hastings “Madame Coulomb era ciumenta, vaidosa e incrivelmente ambiciosa, e ela logo demonstrou o seu caráter. Em julho de 1881, ela dissimuladamente caluniou Madame Blavatsky e tentou, sem sucesso, vender segredos ao jornal Bombay Guardian” (Hasting, 1937: vol. II, 08; para conhecer a versão desta história do ponto de vista dos teósofos, ver: Hastings, 1937: vol. II, 07-9). Também, que ela era uma “estranha criatura semelhante a uma bruxa” (Ryan, 1975: 105), ou seja, os teósofos a amaldiçoaram de todas as maneiras, transformando-a na inimiga número um.
Já para os oponentes da Sociedade Teosófica, esta tentativa de vender segredos significou que, desde cedo, Madame Coulomb já sabia que os fenômenos extraordinários que aconteciam em torno de Helena Blavatsky eram truques, bem como ela já auxiliava na preparação dos mesmos.
O Caso Coulomb
            Emma Coulomb serviu como governanta nas sedes da Sociedade Teosófica de Bombaim e de Madras de março de 1880 até setembro de 1884. Durante este período, ela se transformou em uma das pessoas de confiança de H. P. Blavatsky. No entanto, a relação piorou quando, logo antes de partir para a Europa em 20 de fevereiro de 1884, Blavatsky ficou sabendo que E. Coulomb estava prestes a conseguir uma doação de duas mil rúpias de um rico membro da Sociedade Teósofica, o senhor Hurrisinjee Rupsinjee, a fim de construir um pensionato em Ooty, com isso deixar o trabalho de governanta na sede da ST, daí decidiu interferir impedindo a doação (Coulomb, 1885: 74s). Ao saber da interferência de Blavatsky, E. Coulomb ficou furiosa e então decidiu abrir a boca. Com a ida de H. P. Blavatsky e do coronel Olcott para a Europa, a sede de Madras ficou sob a administração de um Conselho, daí o clima estava pronto para as hostilidades.
Consequentemente, uma série de conflitos sucederam. Emma Coulomb passou a reclamar que tinha emprestado dinheiro para Blavatsky e que esta nunca lhe pagou, bem como a denunciar que seu marido estava desmanchando um buraco na parede feito atrás do Santuário (o tal armário de madeira onde eram colocadas as cartas para a obtenção de respostas dos Mestres) e outras alterações para ocultar os mecanismos de truques elaborados por H. P. Blavatsky, pois esta última achou mais seguro desmanchar estes artifícios antes da sua partida, uma vez que, na sua ausência, alguém poderia tentar remover o Santuário e descobrir o tal buraco. Este orifício no fundo do santuário, por onde passavam as cartas fraudulentas em resposta, recebia o codinome de Luna Melanconica, nas cartas enviadas por H. P. Blavatsky para Emma Coulomb. Em uma das cartas para E. Coulomb, M. Blavatsky disse claramente: “…mas, eu não quero que, na minha ausência, a Luna Melanconica do armário seja examinada…” (Coulomb, 1885: 61-2).
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Richard Hodgson (1855-1905), o autor do Relatório Hodgson em 1885.
No relato de E. Coulomb, o desfazimento do buraco não ficou pronto antes da partida de Blavatsky, então Alexis Coulomb continuou o trabalho após a partida da líder da Sociedade, oportunidade na qual o casal Coulomb teve para denunciar, aos membros do Conselho, as fraudes sobre as cartas dos Mestres. Entretanto, segundo Beatrice Hastings, como a má língua de Emma Coulomb já era muito conhecida, inicialmente ninguém acreditou (Hastings, 1937: vol. II, 08). Também é curioso observa aqui que, em razão da sua imagem de vilã entre os teósofos, Emma. Coulomb é sempre retratada como a autora de uma conspiração contra H. P. Blavatsky e contra a Sociedade Teosófica, nos capítulos sobre o Caso Coulomb, nos livros sobre a história do Movimento Teosófico por autores confessionais (ver por exemplo: Ryan, 1975: 105s). Enfim, cada partidário defende o seu partido.
Sendo assim, na versão dos teósofos, a obra do buraco na parece, por Alexis Coulomb, foi parte de um plano ardiloso para incriminar H. P. Blavatsky e a Sociedade Teósofica, isto é, parte do plano de vingança do casal Coulomb, enquanto o quarto de H. P. Blavatsky, ao lado do Quarto Secreto, onde ficava o Santuário, estava vazio durante sua permanência na Europa. Depois de muitos desentendimentos com os membros do tal Conselho, de muita resistência e de até um caso de agressão física, o casal Coulomb finalmente desocupou os seus aposentos e deixou a sede de Madras em setembro de 1884.
Quanto ao destino do Santuário, o Relatório Hodgson registrou que o mesmo foi destruído logo após o escândalo, por ter sido muito profanado (Hodgson, 1885: 224).
As Cartas de H. P. Blavatsky
            Antes mesmo de deixar a sede da ST, Emma Coulomb já tinha iniciado o seu plano de vingança. Ela procurou a The Madras Christian College e delatou uma longa série de fraudes envolvendo os extraordinários fenômenos realizados por H. P. Blavatsky, cujos membros da ST acreditavam ser possíveis graças aos altos graus de iniciação da líder teosófica. As revelações aconteceram primeiro através da publicação de um bombástico artigo denominado The Collapse of Koot Hoomi (O Colapso de Koot Hoomi) de autoria do reverendo George Patterson, na revista The Madras Christian College Magazine, em setembro de 1884. Em seguida, E. Coulomb escreveu um também bombástico panfleto com o título de Some Account of my Intercourse with Madame Blavatsky from 1872 to 1884: with a Number of Additional Letters and Full Explanation of the Marvellous Theosophical Fenomena (Alguns Relatos de Minha Relação com Madame Blavatsky de 1872 a 1884: com um Número de Cartas Adicionais e uma Completa Explicação dos Maravilhosos Fenômenos Teosóficos), com mais de cem páginas, detalhando muitos casos de fraudes, dos quais ela testemunhou ou até mesmo auxiliou diretamente na efetivação dos truques (edição indiana 1884, edição inglesa 1885). A fim de provar a veracidade das suas delações, ela entregou para os editores da Madras Christian College Magazine um maço com cerca de setenta cartas, escritas com a suposta caligrafia de H. P. Blavatsky, das quais dezenove contendo orientações para E. Coulomb produzir ou lhe auxiliar na realização de fenômenos fraudulentos. Emma Coulomb fez inúmeras acusações, porém muitas apenas com base apenas em testemunho verbal, portanto para ser mais crível as únicas provas materiais que ela tinha eram estas cartas escritas por Blavatsky. John Murdoch registrou que, logo após o conhecimento público das cartas, Helena Blavatsky contestou afirmando que as cartas reunidas por E. Coulomb eram falsificações de sua caligrafia, no entanto “quando desafiada a provar isto em um tribunal de justiça, ela prudentemente recusou” (Murdoch, 1894: 16). Se estas cartas reproduziam mesmo a caligrafia de Blavatsky ou eram uma falsificação caligráfica do marido de E. Coulomb, Alexis Coulomb, a questão ainda permanece uma dúvida.
            Por outro lado, Beatrice Hastings relatou uma versão diferente destes episódios. Segundo ela, antes de E. Coulomb deixar a sede da ST, ela tentou chantagear os membros do Conselho, exigindo-lhes a importância de três mil rúpias, mas não conseguiu o dinheiro. Então, em agosto de 1884, portanto mesmo antes de deixar a sede de Madras em setembro, ela vendeu as cartas para o editor da Madras Christian College Magazine, o reverendo George Patterson (Hastings, 1937: vol. II, 09).
            O Relatório Hodgson concluiu que as cartas dos mestres eram, na verdade, fraudulentamente escritas por H. P. Blavatsky. Então, a fim de obter mais certeza, Richard Hodgson solicitou os exames de caligrafia por Mr. Netherclift e por Mr. Sims, este último do Museu Britânico, ambos chegaram a mesma conclusão: a caligrafia das cartas era de H. P. Blavatsky (Hodgson, 1885: 283s). Entretanto, Vernon Harrison, ao examinar o Relatório Hodgson cem anos depois, contestou a confiabilidade destes exames, uma vez que não foram tecnicamente bem realizados e, também, ninguém que examinou era especialista em falsificação de caligrafia. Em sua contestação, ele explica detalhadamente como um exame de falsificação de caligrafia deve ser feito para se chegar a uma conclusão segura (Harrison, 1986).
Os Fenômenos Fraudulentos
            Tal como mencionamos acima, uma das comprovações da existência dos Mahātmas era através de aparições para alguns poucos membros avançados da Sociedade Teosófica. Entretanto, estas aparições aconteciam sempre, para a suspeita de muitos, de maneira fugaz, em locais de penumbra, ou à noite, ou à distância, quando a visibilidade era precária. E. Coulomb relatou em seu panfleto como os truques destas aparições eram feitos. Primeiro ela revelou como a máscara, construída por ela e por Madame Blavatsky, foi feita para ter a aparência de um mestre. “Em um dos seus dias de bom humor, ela (Blavatsky) me chamou e me disse: ‘veja se você consegue fazer uma cabeça do tamanho da cabeça de uma pessoa e colocá-la sobre aquele divã’, apontando para um sofá no seu quarto, e meramente colocou um lençol em torno dele, o que teria um efeito mágico com o clarão da lua. Ela cortou o molde do rosto que eu deveria fazer, o qual eu ainda tenho, sobre este eu cortei os exatos contornos do Mestre, mas, para minha vergonha, eu devo dizer que, afinal de contas, meu problema de cortar, costurar e estofar não deu muito certo. Madame disse que ela (a máscara) parecia um velho judeu. (…) Madame, com um gracioso toque aqui e ali de seu pincel de pintura, deu a ela uma aparência melhor. Mas isto era somente a cabeça, sem o busto, e não poderia ser usada muito bem, então eu fiz uma jaqueta e entre os panos eu coloquei estofados para fazer os ombros e o peito, os braços eram somente até o cotovelo, porque quando a coisa era utilizada, nós achamos que os braços compridos obstruiriam o caminho daquele que tivesse de carregá-la. Quando esta beleza ficou pronta, transformou Madame em outra pessoa” (Coulomb, 1885: 31 e Murdoch, 1894: 22).
            Nas cartas enviadas por Madame Blavatsky para E. Coulomb, esta máscara recebia o codinome Christofolo. Da maneira que informou E. Coulomb, parece que, dentre os mestres, esta máscara era utilizada para simular a aparição do mestre Koot Hoomi, pois em um trecho do seu panfleto ela diz: “… Christofolo, aliás Koot-Hoomi…” (Coulomb, 1885: 61 e 53). Emma Coulomb mostrou esta máscara para um auditório durante uma demonstração no Old College Hall, em Madras, logo após a sua saída da Sociedade Teosófica (Murdoch, 1894: 22). Richard Hodgson, autor do Relatório Hodgson, também afirmou que, quando entrevistou E. Coulomb, durante a sua investigação em Madras, viu a máscara e concluiu que, em circunstâncias de penumbra ou à distância, ela convenceria qualquer um de que poderia ser uma pessoa de verdade.
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H. P. Blavatsky vivia cercada de acusações de fraudes, o Caso Coulomb e o Relatório Hodgson foram os golpes mais fortes.
            Emma Coulomb relatou em seu panfleto algumas das simulações de aparição, com o uso do Christofolo, nas quais ela auxiliou: “…Madame pediu para Koot Hoomi ser mostrado no bangalô do coronel (Olcott). Baboula, o empregado da Madame, pegou o Christofolo, todo embrulhado em um xale, e com o sr. Coulomb (marido de Emma Coulomb) percorreram toda e extensão ao lado da piscina até o fim do pasto, retornando em uma linha reta de volta até o terraço do bangalô do coronel, onde ele foi erguido e abaixado para dar uma aparência etérea. Eu fui até a Madame para dizer que tudo estava pronto e a encontrei na janela, na companhia do senhor e da senhora Sinnett olhando através de um binóculo de teatro…”. Algumas tentativas às vezes falhavam, veja a seguinte: “Outro dia, ela pediu que o Mahatma fosse levado para a ilha no meio do rio oposto ao bangalô principal. Foi impossível atender ao seu pedido desta vez, porque a maré estava alta e a luz da lua tão clara quanto o dia, de maneira que o empregado, que deveria carregar a trouxa, não poderia cruzar o rio, consequentemente a aparição não aconteceu, para a grande irritação da Madame, porque ela tinha convidado o senhor e a senhora Sinnett para subir e ver a aparição” (Coulomb, 1885: 53).
            Com as delações de E. Coulomb, os membros da ST revidaram em seguida, de modo que as acusações se tornaram mútuas. Por exemplo, da mesma maneira que E. Coulomb acusou Blavatsky de ser fraudulenta, Beatrice Hastings relatou que E. Coulomb também tentava se passar por vidente, certamente aproveitando-se dos rumores populares de que os teósofos eram capazes de realizar fenômenos extraordinários. Portanto, em uma ocasião, ela “conseguiu um empréstimo de cem rúpias de alguém, revelando-lhe que ela tinha visto clarividentemente um tesouro enterrado na casa de uma pessoa miseravelmente pobre, mesmo após conseguir mais empréstimo de 25 rúpias de uma pessoa pobre, ela não conseguiu encontrar o tesouro e nunca pagou o empréstimo” (Hasting, 1937: vol. II, 11). Quanto à acusação de fraude nas cartas com a caligrafia de Blavatsky, os teósofos sustentam que elas foram produzidas fraudulentamente por E. Coulomb e seu marido, durante os meses entre a formal expulsão do casal em maio de 1884 pelo Conselho e a sua efetiva retirada das dependências da sede da ST em setembro de 1884 (idem: 11).
            Outra tentativa de truque fracassada aconteceu durante o período quando a sede ainda funcionava em Bombaim. H. P. Blavatsky estava em outra cidade e desejou fazer uma demonstração de seus poderes excepcionais para alguns teósofos e amigos, principalmente para o capitão Maitland. A tentativa foi a seguinte, um cigarro (lembremos que Blavatsky era uma fumante, hábito muito incomum para uma senhora daquela época) enrolado com um fio de cabelo de Blavatsky (enviado antecipadamente pelo correio por esta última para E. Coulomb) deveria aparecer no brasão sob a estátua do Príncipe de Gales, em frente ao hotel Watson, em Bombaim. O cunhado do capitão Maitland, o delegado John Hay Grant foi acordado de madrugada com um urgente telegrama, pedindo-lhe que fosse até a tal estátua a fim de encontrar o tal cigarro enrolado no cabelo. Ele foi até lá e não encontrou nada. Como prova documental, E. Coulomb reproduziu em seu panfleto a carta que lhe foi enviada por Blavatsky comentado o fracasso: “… O último (o delegado de polícia) foi até lá no momento que recebeu (o telegrama) – nada encontrado. Isto é uma falha mortal, mas eu não acredito nisto, pois eu vi (o cigarro e a estátua) claramente às três da madrugada. Eu lamento por isto, pois o capitão Maitland é um teósofo e gastou dinheiro com isso (referindo-se ao telegrama enviado ao seu cunhado, o delegado J. H. Grant, em Bombaim) …”.
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O símbolo da Sociedade Teosófica
            Emma Coulomb explicou o motivo da falha. “Este fiasco do cigarro na estátua do Príncipe de Gales, em frente ao hotel Watson, em Bombaim, é facilmente explicado. O delegado de polícia, o sr. Grant, cunhado do capitão Maitland, não encontrou o cigarro sob o chifre do unicórnio, uma vez que o telegrama de seu cunhado tinha dito que ele encontraria, pela simples razão que a pessoa (E. Coulomb) que deveria colocá-lo lá nunca foi sequer perto do local, e nunca tentou uma coisa idiota como esta de ser vista escalando até o chifre do unicórnio, correndo o risco de ser levada para um hospício, por ter apresentado um cigarro a sua alteza, o Príncipe de Gales, e de fazer o chifre do unicórnio um suporte de cigarro. Depois que o fiasco ficou conhecido publicamente, eu fui obrigada a dizer que a chuva deveria ter levado o cigarro embora” (Coulomb, 1885: 16). Concluindo, mais uma vez este é um exemplo de que, visto que os truques de Blavatsky sempre dependiam do auxílio de seus comparsas, então quando o comparsa, na outra ponta, não realizava a sua tarefa, o truque falhava.
Obviamente, este episódio foi duramente contestado pela defensora de H. P. Blavatsky, Beatrice Hastings, alegando que este evento, incluído no panfleto de E. Coulomb, é mais uma falsificação, uma vez que “o capitão Maitland escreveu para o Madras Mail dizendo que ele, e somente ele, tinha escolhido o local uns poucos minutos antes, no Sábado à noite, diante de uma multidão de testemunhas” (Hastings, 1937: 39). Portanto, não haveria tempo suficiente para que E. Coulomb, que estava em outra cidade (Bombaim), fosse informada sobre o local, por telegrama ou por carta, e de preparar o truque na outra ponta da tramoia. Segundo B. Hastings, outra indicação de falsificação nas cartas aparece em um trecho de uma carta de Blavatsky para E. Coulomb onde é dito: “… para o Maharajah de Lahore ou Benares” (Coulomb, 1885: 14 e Hastings, 1937: 40). Beatrice Hastings comenta que não existia Maharajah de Lahore naquela época e, sobretudo, que H. P. Blavatsky não poderia, de maneira alguma, ter dúvida se o Maharajah era de Lahore ou de Benares.
Considerações Finais
            Os teósofos contestadores das delações de Emma Coulomb fizeram um esforço para transmitir a ideia, para o público, de que ela, apesar de ser governanta e permanecer dentro da sede da ST, na verdade não sabia, bem como não compreendia nada do que estava acontecendo, ou seja, ela somente sabia daqueles fatos que eram mais comentados ou noticiados nas revistas e jornais teosóficos, pois os discípulos mais próximos de H. P. Blavatsky não lhe passavam confidências (Hasting, 1937: 23). Isto precisou ser feito, pois, do contrário, o público entenderia que E. Coulomb, na verdade, conhecia muito mais da intimidade de H. P. Blavatsky, de maneira que sabia de muitos segredos, muitos deles da extrema confiança de Blavatsky, que mesmo os discípulos mais próximos não sabiam, tal como o fato de os fenômenos extraordinários e de as cartas dos Mestre serem todos truques. Pois se aceitassem a ideia de que ela sabia de muito mais fatos secretos do que eles, os teósofos, em geral, teriam de admitir que foram enganados, portanto todos eles se passaram por trouxas. Enfim, a arma dos defensores teósofos foi fazer de Emma Coulomb uma pessoa insignificante e alheia aos acontecimentos no interior da Sociedade Teosófica, e que a intenção dela foi executar um plano de conspiração para se vingar.
            Tal como o leitor foi capaz de perceber, o Caso Coulomb não tem um veredito final, uma vez que o caso nunca foi encaminhado à Justiça para uma investigação imparcial e, consequentemente, uma decisão neutra, de modo que permaneceu como um bombardeio mútuo de acusações e de contestações, onde não é possível se certificar quem está falando a verdade ou mentindo. As provas materiais mais concretas para solucionar o caso, ou seja, as cartas com a caligrafia de H. P. Blavatsky, nunca foram entregues para uma perícia técnica e científica de sua autenticidade por especialistas, portanto não temos um laudo grafotécnico por um perito em falsificações. Segundo a informação de Vernon Harrison, estas cartas depois foram compradas do Madras College Magazine por um membro dissidente da Sociedade Teosófica, que se desentendeu com Blavatsky, então ele publicou uma matéria criticando a líder da Sociedade em um jornal londrino. Blavatsky o processou, venceu a causa, mas a sentença judicial saiu depois da sua morte em 1891. Agora, o intrigante é que este membro dissidente comprou as cartas mas não as utilizou no processo judicial em sua defesa. Segundo V. Harrison, atualmente, estas cartas estão desaparecidas (Harrison, 1997).
            Sendo assim, este Caso Coulomb foi, afinal de contas, uma grande perda de oportunidade para esclarecer se os fenômenos extraordinários em torno de H. P. Blavatsky e as respostas das cartas dos Mahātmas, através do “Santuário”, eram mesmo fatos milagrosos ou, ao contrário, truques executados por Blavatsky com o auxílio de seus comparsas, se a caligrafia de Blavatsky nas cartas tivesse sido periciada por um órgão competente, ou se é uma falsificação pelo casal Coulomb, pois o que está escrito lá é claramente incriminador.
            Enfim, a Sociedade Teosófica sobreviveu bem a este caso e até cresceu depois da morte de H. P. Blavatsky em 1891, entretanto um golpe bem mais forte viria a acontecer algumas décadas mais tarde, o qual atingiu com muita mais força o edifício teosófico, qual seja, o Caso Krishnamurti.
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Fonte:https://observadorcriticodasreligioes.wordpress.com/2016/03/09/h-p-blavatsky-e-o-caso-coulomb/

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