(Thinkstock)
“A sociedade
é contraditória: consome e rejeita o pornô”, diz socióloga
11 de fevereiro de 2016
“Por que uma garota como você decidiu
estudar o mundo da pornografia?” foi uma pergunta que a socióloga Chauntelle Tibbals ouviu diversas vezes
enquanto produzia sua tese de doutorado. O preconceito, não só no meio
acadêmico, a impulsionou ainda mais a investigar como a sociedade enxerga e
consome entretenimento adulto. Em vez de apenas se debruçar sobre artigos e
trabalhos sobre o assunto, Chauntelle quis conversar com as pessoas envolvidas
nessas indústria polêmica e bilionária - entrevistou atores e atrizes pornôs,
diretores, produtores etc. E observou centenas de cenas em sets de filmagem, em
vídeos e nos portais eróticos da internet.
Depois de dez anos, já Ph.D. em gênero
e sexualidade, ela publicou o livro “Exposure – A sociologist explores sex, society and adult
entertainment” (em
tradução livre: “Escândalo - uma socióloga explora sexo, sociedade e
entrenimento adulto”). Nele traz os bastidores da pornografia, questiona dados
e pesquisas, debate esterótipos e convida a uma reflexão mais abrangente.
Embora sua especialização cause certo receio de que sua narrativa técnica e
tediosa, Chauntelle surpreende com uma linguagem fácil e passagens
inusitadamente divertidas.
- Em seu livro, você diz que no geral as pessoas têm visões negativas a
respeito da pornografia - que ela é prejudicial, machista etc. Antes da sua
pesquisa, você também pensava dessa forma? O que mudou sua opinião?
CHAUNTELLE – Com certeza pensava assim.
Quando era jovem, essa era a única narrativa divulgada sobre pornografia, com
algumas raras exceções. O que começou a mudar minha opinião foi estudar sobre a
indústria como uma comunidade e realmente conversar com quem está nela. Percebi
que, embora pornô não seja para todo mundo (como consumidor ou profissional),
existem múltiplas formas de olhar para as coisas. Quanto mais investigava, via
erros gritantes em muitos trabalhos sobre o assunto. Parece que a visão
negativa de algumas pessoas acerca da indústria pornográfica corresponde com a
falta de metodologia em suas pesquisas e artigos. É interessante como a relação
de amor e ódio em relação ao pornô é global - ao mesmo tempo em que a sociedade
o consume, também o rejeita.
A socióloga Chauntelle Tibbals passou dez anos
estudando o universo da pornografia (Divulgação / Arquivo pessoal)
- Existem muitas cenas violentas na pornografia: tapas, engasgamento,
submissão… E a conclusão de alguns pesquisadores é de que esses comportamentos
sexuais influenciam as pessoas, fazendo com que se tornem mais violentas no
sexo de verdade, na vida real. Você concorda?
CHAUNTELLE – Não existem estudos
rigorosos que provem uma conexão direta entre assistir violência sexual e
consequentemente praticá-la. Um dos problemas de afirmar isso é o que se
considera violência. Sexo violento CONSENSUAL não é violência, mesmo que pareça
mais intenso do que a maioria dos espectadores achem confortável de assistir ou
aplicar em suas vidas. Essas diferentes noções apontam para a variabilidade de
expressões sexuais humanas. Mas desde que o consentimento seja estabelecido e
mantido, não existe um jeito universal e “correto” de transar.
- Fico preocupada sempre que palestro sobre sexualidade para adolescentes.
Estudantes entre 13 e 17 anos admitem assistir pornografia e não têm outra referência
sobre sexo. Perguntam coisas como: “Meu pênis tem 13 cm, é muito menor do que o
da maioria! Consigo satisfazer uma garota?” ou “Por que as mulheres gostam que
os homens ejaculem em seus rostos?” ou “Nunca tive um orgasmo como das atrizes
pornô – tenho algum problema de saúde?”. Não acha perigoso que a pornografia se
torne professora desses jovens e lhes cause angústia?
CHAUNTELLE – É absolutamente
prejudicial e inapropriado que jovens e adultos usem o pornô como uma
ferramenta de educação sexual. A maioria do material pornográfico serve para
satisfazer as fantasias e entreter – como qualquer outro filme por aí. A
intenção não é, e nunca foi, funcionar como uma ferramenta educacional. O
problema não é o pornô em si, mas seu mau uso. E essa questão diz muito sobre
problemas socioculturais: a pouca educação sexual oferecida, questões
familiares, estigma e tabu que tornam impossível discutir abertamente sobre
sexo de uma forma que não causa vergonha etc. Então quem está em busca de
respostas sobre o assunto acaba acessando a pornografia. É um ciclo complexo e,
infelizmente, parece estar piorando.
- O mundo real influencia a forma como os filmes pornôs são feitos ou a
pornografia influencia o mundo real?
CHAUNTELLE – Ambos. A pornografia
recorre ao mercado e à cultura para criar seu conteúdo, assim como a sociedade
responde às imagens e temas expostos na pornografia. É uma relação sinergética.
Pornô é parte da sociedade, não uma bolha isolada. É feito por pessoas que têm
vidas comuns - são amigos, vizinhos, parentes etc - e consumido por pessoas
igualmente comuns. Por isso o entretenimento adulto é um reflexo interessante
do que nós somos como sociedade.
O livro “Exposure”, lançado em 2015, explora a
relação entre sexo, sociedade e pornografia (Divulgação / Greenleaf Book Group
Press)
- Como a pornografia pode ser saudável e útil para esquentar a vida sexual
dos casais ou mesmo desenvolver nossas fantasias individuais?
CHAUNTELLE – Pornô não é para todo
mundo, mas para muitas pessoas. Elas se divertem com ele. Dá acesso ao sexo que
talvez não tenham condições de ter de outra forma e pode ajudar a se conectar
melhor com quem se deseja na vida real.
- Você diria que o pornô, no geral, é produzido para satisfazer as
fantasias sexuais masculinas? Muitas mulheres não ficam excitadas com o que
assistem – tanto é que diretoras como Erika Lust estão ficando famosas por
fazer filmes para elas…
CHAUNTELLE – É difícil dizer que com
algum grau de precisão para quem o pornô é feito. Existe uma variedade enorme
de gêneros – e mesmo diferenças dentro de cada um. Nem todos os filmes BDSM são
iguais etc. E existe uma variedade enorme de gostos e preferências sexuais.
Algumas mulheres realmente curtem assistir produções hardcore, alguns homens curtem
as narrativas românticas e artísticas de diretoras como Erika Lust.
Infelizmente, nossa falta de familiaridade com toda a amplitude de conteúdo
pornô contribuem para o “entendimento” popular sobre o que é pornografia e para
quem ela é feita. Além disso, o alto grau de vergonha e estigmatização sexual
continua a existir em nossa sociedade, um fenômeno que encoraja as pessoas a,
por exemplo, assistir filmes piratas em sites como RedTube e similares. Esses
endereços virtuais trazem apenas uma parte do que a pornografia é.
- Quantos filmes pornôs você assistiu para a sua pesquisa? Alguma coisa te
choca ou faz com que você se sinta desconfortável?
CHAUNTELLE – Não consigo estimar essa
quantidade. Ao longo de dez anos, assisti filmes, cenas, conteúdo na internet e
ao vivo. Diria que “bem mais do que a média geral das pessoas”.
Profissionalmente falando, não há muita coisa que ainda me surpreenda. Alguns
tipos de pornô não funcionam pra mim, mas é só uma questão de gosto pessoal
mesmo – não que haja algo de errado com eles.
- Você gosta de assistir pornô? Quero dizer, não como uma socióloga que
estudo o assunto.
CHAUNTELLE – Gosto mais de alguns
conteúdos/diretores do que outros. Mas, depois de tantos anos de estudo e
conhecendo tantas pessoas envolvidas nesta indústria, o que eu vejo é menos
para estimulação sexual e mais para o trabalho. Posso avaliar e criticar os
filmes, mas o receio/desejo diminui à medida que você estuda e sabe o que
acontece por detrás das cenas.
*Nathalia Ziemkiewicz, autora desta coluna, é jornalista pós-graduada em
educação sexual e idealizadora do blog Pimentaria.
Fonte:https://br.vidaestilo.yahoo.com/post/13909156
0455/a-sociedade-é-contraditória-consome-e-rejeita-o
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