BUTÃO : NÓS QUEREMOS O QUE ELES TEM.ELES QUEREM O QUE NÓS TEMOS ? - IZABEL TELES

BUTÃO

por Izabel Telles, fotos Angela Cassiano
Setembro/Outubro 2012

Nós queremos o que eles tem. Eles querem o que nos temos?

Conhecer o Butão requer treino físico e mental.
Encravado entre o Nepal, a India e a China com quem faz fronteiras este país governado pela quinta geração de reis mantem intacta a paisagem do que a gente poderia imaginar ser o paraíso na terra antes do evento Adão e Eva. Ou das evil forces como os butaneses costumam chamar a tudo aquilo que perturba a paz, a agricultura e a felicidade.
Guru Rinpoche, perseguido no Tibet trouxe a união e a religião budista ao país e voou até o pico de uma alta montanha em Paro montado num tigre onde fundou um templo quase inacansável para nós humanos, mas facilmente visitado pelo povo local acostumado a subir e descer imensas altitudes sem perder a fé e o fôlego.

Há quatro anos, mais ou menos o mundo começou a ouvir falar no Butão sacudidos por uma promessa do rei Sua Magestade Rei Jigme Kheser Namgyel Wangchuck: a Gross National Happiness (GNH) – http://www.grossnationalhappiness.com – mas desde 1974 alguns turistas já visitavam o local, especialmente vindos do norte da Europa e dos países vizinhos.
Na verdade, segundo contam os guias que o governo coloca aos nossos serviços 24 horas por dia, a ideia foi do pai do atual rei, mas é este, empossado há alguns anos que, talvez graças a sua educação formal e intelectual por longos anos na Inglaterra, tenha encontrado canais para executar a ideia de seu pai.


Mas o que é a felicidade?


Para os butaneses é ter um pedaço de terra (todos os habitantes do Butão tem direito a ter o seu sangrilá particular coberto de arroz, verduras, legumes, especiarias, e o que mais lá couber); educação sem custo algum até o mais alto nível de especialização; saúde a todos os níveis por conta do governo; impostos no patamar mais baixo possível de ser praticado pela administração central do parlamento.

E como medir se eles são mesmo felizes tendo estas vantagens sobre o planeta terra?
Este é o próximo desafio para o governo real. Para isso foi fundado o Centro de Estudos Butanês que está trabalhando incansavelmente na busca de indexs para medir a tal da felicidade – produto que eles tem para exportar a todo o Universo.
Pesquisas estão sendo montadas com perguntas para a população responder. Tais como:

– Quanto tempo você dorme?
– Quanto tempo você reza por dia?
– Você tem boas relações com os seus vizinhos?

E mais uma montanha de questões que vão classificar, consoante os seus resultados, o distrito mais feliz e assim por diante.
As respostas destas pesquisas poderá indiretamente dar muita força ao budismo – que eles classificam mais como um modo de viver do que propriamente uma religião. Setenta por cento da população é composta por budistas e trinta por cento elegeram a pratica do induismo como sua vertente religiosa.


E assim os deuses indianos convivem felizes ao lado dos lamas, monges, gurus numa harmonia  enlaçada por milhares de bandeirinhas coloridas colocadas ao longo das estradas, dos passos, das vilas, dos dzongs. Sinos, arco e flechas, mantras, malas, incensos, flores, frutas, homens, mulheres, crianças, tudo girando em torno dos afazares diários orquestrados pela força da natureza, pelos rios azuis que descem dos himalaias alizando as pedras de todos os tamanhos. Sem fim!
Tudo parece ter parado no século 17. Os trajes, os rostos, os cortes de cabelo, o hábito de mascar uma semente duríssima que tinge os dentes e a boca de roxo ou vermelho dando a impressão de que estão sangrando o tempo todo. E é esta visão que vai exigir de nós selvagens ocidentais força e estrutura para olhar sem invadir, sem julgar, sem criticar, sem deixar nossos padrões inundarem os nossos olhos para classificar, carimbar e concluir. Ninguém pode concluir nada no Butão porque ninguém que vem de fora é butanês. Só quem está nestas terras a muitos milênios poderá decifrar os códigos deste lugar silencioso e cheio de mistérios e olhares codificados.
E assim estamos no século 17 esperando que o tempo escorra lentamente por uma ampulheta de bronze quando o toque de um celular nos desperta e nos remete ao downtown de Pequim, Toquio, Nova Iorque ou Sao Paulo. 54 % da população do Butão tem entre 15 e 30 anos. E todos tem celular. Ou parece ter. Portanto, todos tem acesso a internet, ouvem música inglesa (a preferida da turma) e sonham com um AllStar muito colorido quase sem amarrar jogado nos pés sem beira, nem beira. Num país onde os homens são obrigados a vestir quimonos, meias escuras e sapatos de couro ( que podem ser pretos ou marrons) a juventude começa a mostrar sua rebeldia mudando esta regra de felicidade. Mesmo que para isso seja preciso usar o cabelo do Neimar, a franja de algum roqueiro, o gel de algum astro indiano da boliwood. Indiferentes a isso os gigantes da telefonia celular vão postando antenas entre pinheiros e pedras nas montanhas altas e sólidas onde, segundo dizem, vivem os deuses. Querem lá saber com quem os deuses falam? Querem mesmo é fazer que os butaneses não parem de falar. E ponto.
Nos mosteiros os celulares tem um uso mais discreto: surgem de dentro dos xales bordeaux piscando as luzes dos sms recebidos enviados. E surgem no meio dos cantos, dos mantras, das orações, das chuvas de arroz do chá de manteiga quente. Pergunto a um monge sentado em posição de lótus justamente em frente a uma imagem da Tara Verde falando ao celular:
– Até o senhor monge?
Ele sorri compassivo para a minha pergunta sem mover uma célula. O guia intervem:
– Ele esta falando com a Tara Verde madame!
São bem humorados estes butaneses!



Gross National Happiness


Mas o que afinal isso quer dizer?
Literalmente seria a taxa que mede o produto interno do país cuja soma vai dar na felicidade. Ou seja, é este o maior valor que o país produz e tem para exportar: ou seja através de lições para o mundo ou de experimentações via turismo gerando a população mais empregos, mais serviços, mais faturamento com estas atividades que o mundo vai tender a buscar lá.
Segundo o jornalista Gopilal Acharya um indu-butanes formado na suíça em economia e pós-graduado em jornalismo, o GNH é sustentado por 4 pilares:
– Preservação da cultura e tradição
– Liberdade religiosa, conservação da língua, dos costumes , do folclore , dos esportes nacionais (archerie, dardos, discos de pedras), preservação da memória oral e das histórias contadas pelos mais velhos nas aldeias (há vários livros sobre estas histórias).
– Respeito a monarquia, reverencia os reis e rainhas e suas tradições.

Conservação da natureza
– Manter 60% do território coberto por florestas (está na constituição). Não exportar recursos destas florestas, como a madeira, por exemplo. Manter o reflorestamento como meta irrevogável.
– Banir do território qualquer indústria poluente.
– Construir rodovias de forma a preservar o solo.
– É proibido ter um segundo carro sendo que uma vez por semana os veículos são proibidos de circular em todo o país.
– Bons governantes construindo um bom governo
– O governo é eleito pelo povo em eleições livres e democráticas
– Luta constante e firme contra a corrupção e a burocracia.

– Fortalecer o setor judiciário
– Ouvir o povo pelos canais formais tais como os lideres comunitários
– Promover discussões publicas
– Descentralização do poder
– One stop shop – onde a população tem todo o apoio num so lugar. Tipo o nosso Poupa Tempo.
– Imprensa livre

Desenvolvimento econômico sustentável


– Praticar os três pilares anteriores mais:
– Não explorar a natureza até a sua exaustão
– Regras para o crescimento e desenvolvimento do setor privado

– Empregos e remuneração decentes para todos os cidadãos
– Melhorar o negócio da agricultura
– Balancear os diferentes aspectos da vida oferecendo ao ser humano equilíbrio suficiente para ele viver feliz.
– Gerenciar a entrada da informação internacional  via TV a cabo, internet
– Proibir bebida. O tabaco já é proibido desde 2008
– Leis duras, tolerância zero. Controlar o vandalismo, o uso de drogas farmacêuticas, assaltos e roubos.
– Melhorar a rede de estradas. Hoje para se percorrer 65 km pode-se demorar 4 horas.


Depois de dez dias viajando de norte a sul, de leste a oeste neste pequeno país minha conclusão é que ainda é cedo para ir ao Butão; as estruturas para receber os viajantes ainda são precarias e a única estrada que liga o país é uma verdadeira temeridade: caminhões truculentos dividem o pequeno espaço de mão dupla com alguns trechos asfaltados com vacas, 4×4 cada vez maiores e mais modernos, ônibus, motoniveladoras, estrangeiros de bicicletas, vendedores de leite, ovos, milho verde, momos, pimentas, queijos. Mas daqui há alguns anos pode ser tarde demais: a invasão de informação do ocidente vai envenenando pouco a pouco a inocência do século 17 enchendo a alma dos jovens de desejos e sonhos totalmente descartáveis. Mas isso só nós sabemos porque vamos entrando em 2013 já fartos de modernices e computadores cada vez mais avançados. Temos para exportar violência, tristeza, decepção, depressão e descrença. Nosso sistema econômico esta falido e a beira de um caos total. Trocamos nossos deuses por outros valores e estamos cada vez mais sozinhos, embora afogados em montanhas de skipes, celulares, sms, facebooks, nets e antenas cada vez mais potentes. Mas não temos o direito de contar isso para eles. Os butaneses vão ter que viver na própria pele o preço de querer sair do paraiso. O evento Adão e Eva vai lá chegar com suas evil forces. Que o Guru Rinpoche possa voltar com seu tigre alado para unir novamente os corações destes seres e espantar para sempre o mal trazendo de volta ao paraiso a fartura, a generosidade, a compaixão e a tal da felicidade! Aí sim é a hora de ir para o Butão!


Fonte:https://izabeltelles.wordpress.com/artigos-2/

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