“TON GLEN”: A SABEDORIA TIBETANA
O Conceito Tibetano de “Ton Glen”, mais adiante explicitado, pode ser entendido como uma quarta e última etapa do ciclo da alma humana.
A 1ª etapa, é aquela conhecida como “ego”.
A alma aí se sente isolada, deixou de ter a “consciência do todo” em si, para identificar-se com a parte, com a imagem da forma orgânica onde se encontra.
Trocamos aí a “consciência orgânica de si”, própria ao animal, pela “imagem de si”, própria do homem.
E é a esta imagem “egóica” de si que chamo aqui de 1ª etapa do ciclo da alma.
A 2ª etapa é todo o trabalho de, tal um phenix, renascer das cinzas da ilusão de separação em si, ou seja, chegar à conscientização de sermos um ego e a aceitação disso.
A 3ª etapa, conseqüência natural da 2ª, concerne a conscientização de sermos um “todo”.
Esta etapa nos estimula a agirmos em conjunto, descobrindo nossa força comum.
Mas até esta 3ª etapa, sempre estamos motivados pela idéia de receber, mais do que pela idéia de “dar”, até aí ainda estamos identificados ao âmago do fundamento egóico, que é a ideia de carência.
Vivemos assim na ânsia de receber, de descobrir aquilo que ainda nos falta para sermos felizes.
Inútil repetir que esta espera jamais será satisfeita, pois todos já sabemos que, por sermos o amor, somos, como ele, o dar e não o receber ( o amor que cremos receber nada mais é que o reflexo terrestre do amor que damos).
Sobre este arquétipo da espera sem fim lembro a linda letra de “Pedro pedreiro”, de Chico, ou a ontológica peça “Esperando Godot” de Samuel Becket.
Só na 4ª etapa entendemos realmente que nossa única missão aqui, seja lá o que for que fizermos, é dar.
E dar sempre.
Chegando a este ponto, nos alinhamos literalmente com as forças cósmicas.
Entendemos então, de verdade, que “merda é estrumo”, “chumbo é ouro”, “problema é riqueza”, “doença é bênção”.
Só que, estranhamente, nós que corríamos atrás do estrumo, do ouro, da riqueza, da bênção, e sempre encontrávamos a m****, o chumbo, o problema e a doença, agora, na 4ª fase, que aceitamos recebe-los, descobrimos que eles se convertem sozinhos em seu contrário.
Nem se quer temos que fazer algo para obter esta alquimia!
Pois não é o universo que é masoquista e sim nós mesmos, que perdemos tanto tempo a descobrir esta inversão natural de espelhos, pois, lógico, um contrário sempre cria o outro.
Por isso quem busca estrumo, ouro, riqueza e bênção sempre encontra m****, chumbo, problema e doença.
Já quem aceita m****, chumbo, problema e doença teria logicamente que encontrar estrumo, ouro, riqueza, bênção.
E..
é exatamente isso que ocorre, pra quem tem esta experiência.
Não esqueçamos nunca, isto aqui é o mundo da dualidade, ou seja, regido pela lei dos contrários que se criam mutuamente e das inversões.
Aceitar e buscar a polaridade “negativa” é então o que nos conduz sistematicamente à positiva.
Todo o universo funciona assim.
Esta busca ativa e consciente do negativo, 4ª e última etapa da alma, é descrita pelos tibetanos sob o nome de “Ton Glen”, que poderia ser grosseiramente traduzido por “dar e receber”.
Como todo transcrito arcaico, é difícil por hoje em dia o Ton Glen, o Tao, a Bhagavad Gita, ou os essênios em palavras.
Suas 4 etapas correspondem aproximadamente ao que disse antes.
A 1ª poderia ser comparada à 1ª lei de F. Chopra, para quem conhece sua obra, o “distanciamento”.
Esta etapa aí é praticada sob o nome de“meditação” em várias culturas.
Dela dependem todas as demais, pois é ela que libera a nossa decisão, ou seja, nossa vontade de evoluirmos.
“Cair no ego”, tornar-se consciente de ser parte ao preço de perder a consciência de ser o todo, é o 1º passo que leva à meditação, todo sofrimento já é a premissa, o fundamento da meditação, embora nunca encaremos a questão sob essa ótica, por só vermos o ego em “negativo”.
O Ton Glen chamaria essa fase 1 de “disponibilidade interior”, poderíamos chamá-la também de “silencio interior”, “escuta de si”, etc.
A 2ª etapa do Ton Glen poderia ser comparada com a aceitação de ser um ego.
Mas o interessante desta prática – e é por isso que insisto nela aqui – é que:
O Ton Glen nos coloca na ótica de sermos não ego, mas o que recebe.
Explicando melhor:
Nesta 2ª etapa do Ton Glen, uma vez que nos preparamos interiormente para receber e integrar o que antes fugíamos dele, a 1ª coisa que acolheremos é o nosso próprio ego, nossos defeitos, raivas, medos, tristezas, orgulho, arrogância, covardia, mentiras, etc.
Ou seja: em vez de lutar contra isso, negá-lo, ou querer ser outra coisa que isto, nós aceitamos ser isto, acolhemos isto em nosso seio.
O Ton Glen nos convida a aspirar, literalmente, mentalmente, toda característica nossa que negávamos ou fugíamos dela.
A conseqüência lógica disso, é que aceitando compreender o ego, aspirando-o ao mais profundo de nós mesmos, nos tornamos naturalmente maior que ele, logo, passamos a existir além de suas fronteiras.
Uma vez que isso seja um fato, o Ton Glen nos sugere de passarmos à 3ª etapa, fazendo o mesmo pelas pessoas que nos são mais intimas.
Nossas fronteiras transcendem assim, literalmente, nossos limites pessoais, desde que começamos a “aspirar”, literalmente, os erros e misérias dos entes mais próximos em direção ao nosso seio, ao que temos de mais íntimo e pessoal.
Esta “aspiração”, tanto dos próprios erros como dos erros dos demais, corresponde ao “perdão” em linguagem cristã.
A vantagem de utilizar o Ton Glen, para quem o entende da maneira como aqui o explico, é que não é necessário “intelectualizar” a idéia de “perdão”.
Aqui não há um “perdão” a ser obtido, nem para si, nem para quem quer que seja, trata-se simplesmente de levar a ideia de aceitação até a decisão de aspirar literalmente o erro, sabendo que ele transformará, uma vez voluntária e conscientemente integrado a nós, em seu contrário, ou seja, em um “acerto”, ou “milagre”.
Enquanto não estivermos plenamente conscientes deste fato, nossa consciência desta 3ª etapa se limitará a criar riquezas juntos.
Mas o Ton Glen nos leva diretamente, nesta versão dele que aqui exponho, ao âmago da questão, pois já não se trata mais aqui de se polarizar na direção do positivo, mas sim diretamente na direção do mais positivo, que é o negativo conscientizado como fonte do positivo.
Esta foi a postura de Jesus e de todos os grandes homens que atuaram voltados ao sofrimento.
Mas esta atitude é dificílima de ser entendida.
Pois como o ego é masoquista, ele não sabe ver no sofrimento uma causa, ele só o vê como efeito.
Ele vai assim buscar a “causa” da dor e nada encontrará nela, a não ser o famoso apego búdico ao “prazer”.
E como ele não sabe renunciar ao apego ao prazer para deixar de sofrer, já que essa renúncia já é um sofrimento em si, ele se perde, ele não sabe ver na aceitação do sofrimento a causa do prazer.
Mas quem já “aspirou”, toda a sua dor, quem já a aceitou, quem já aceitou os erros dos entes mais próximos, este já está pronto a entender figuras como o Cristo, que, mais que aceitar, “aspiraram” para dentro deles toda a dor da humanidade.
Esse ato, que parece “corajoso” e “nobre” nada mais é que um mais que natural alinhamento cósmico, no qual nós nos direcionamos na mesma polaridade do universo, pois ele sabe sim alquimizar o sofrimento em gozo.
Repito:
Nós não temos que “saber” alquimizar nada, só temos que nos polarizar neste sentido, nos alinhando na direção da força cósmica, aspirando, como ele, o que há de “negativo” em termos de “falta”, “morte”, ou “destruição”.
A conversão se realiza sozinha.
Austro Queiroz
http://estaremsi.com.br/ton-glen-a-sabedoria-tibetana/
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