UM OLHAR DA ANTROPOSOFIA SOBRE A CRIAÇÃO E EDUCAÇÃO DE NOSSOS FILHOS


criança brincando

Um olhar da antroposofia sobre a criação e educação de nossos filhos

Com Audrey Pellegrini*


Educadora e psicopedagoga ampliada pela Antroposofia. Aconselhadora Biográfica

Audrey, em poucas palavras, o que é a Antroposofia (para aqueles que não conhecem)

A Antroposofia, do grego “conhecimento do ser humano”, foi trazida por Rudolf Steiner, no início do século XX. É uma ciência espiritual que amplia nosso olhar acerca do desenvolvimento do ser humano obtido pelo método científico convencional.
Tem como objetivo principal agir diretamente na vida, é um movimento dedicado à solução de problemas da vida prática. Steiner defendia duas ideias: “Eu tenho que ser a transformação que eu quero ver no mundo” e “Educar seres humanos para que sejam livres.”
Temos várias áreas de atuação dentro da Antroposofia: medicina, pedagogia Waldorf, terapia artística, aconselhamento biográfico, agricultura biodinâmica, eurritmia, administração de empresas, pedagogia curativa, extra-lesson, entre outras.
O que muda na visão de um profissional, seja ele médico ou educador, quando opta por uma formação ampliada pela Antroposofia?

Esse profissional passará a compreender o ser humano como um ser único, pleno em seu desenvolvimento, de corpo, alma e espírito.
Ao olhar uma doença, o médico não irá tratar apenas a doença mas também o paciente; ele irá analisar todos os exames, ouvir as queixas, estar atento aos sintomas como um médico tradicional faria mas também irá analisar a vitalidade desse paciente, seus ritmos, sua história de vida e o contexto que lhe envolve.
Já o educador, baseado nos mesmos princípios, irá trazer a educação para a criança de uma forma que ela seja respeitada em seu ritmo e receba o que estiver preparada para receber, de acordo com sua idade, proporcionando assim um desenvolvimento pleno e saudável.

O contato com a natureza e a liberdade são premissas importantes na visão de Rudolf Steiner. Por que?

Steiner relaciona a constituição do ser humano com os reinos e os elementos da Natureza. O Corpo Físico tem relação com o Reino Vegetal e o Elemento Terra; o Corpo Etérico tem relação com o Elemento Água; o Corpo Astral tem relação com o Reino Animal e o Elemento Ar e o EU tem relação com o Reino Humano e o Elemento Fogo.
Uma de suas premissas era educar seres humanos para que fossem livres e essa é nossa grande missão, exercer nossa liberdade aqui na Terra.

Porque a primeira infância (primeiro setênio) é uma fase tão importante para a criança? Qual o papel da educação nessa fase?

É na primeira infância, ou seja, no primeiro setênio, dos 0 aos 7 anos, que a criança aprende que o “mundo é bom”. Quando dizemos isso, estamos querendo dizer que durante esse período ela tem que sentir que é amada, que pode confiar nas pessoas, que não está só e abandonada.
E como fazemos isso através da educação? Damos a ela um bom “ninho”, ela precisa da mãe (ou figura que exerce a função materna), de calor, alegria, rotina, ritmo, estrutura, bons exemplos a serem imitados, amor incondicional. Tudo isso faz com que ela saiba que existe bondade do mundo. Temos de garantir o brincar para desenvolver a criatividade; apresentar histórias que provoquem alegrias e risos, como os contos de fadas.
A qualidade do ninho nos diz se o mundo é bom ou não – se esse ninho tiver uma boa qualidade, a criança acredita que é boa e merece a bondade do mundo. Isso mais tarde transforma-se na capacidade de reconhecer e agradecer.

Qual a importância e o papel do brincar nesta fase?

Ao brincar a criança desenvolve habilidades que serão utilizadas no momento das aprendizagens formais e por toda sua vida. Ela desenvolve a autoestima, a criatividade, a orientação espaço-temporal, desenvolve a noção de si e a partir daí a noção do outro treinando habilidades para a convivência social, aprende a se concentrar e a resolver problemas. Como muito bem disse Joan Can, educadora infantil, “As crianças tem sua infância apenas uma vez. Tire a infância delas e a terão perdido para sempre.”

Dentro da primeira infância, o período dos 3 anos é um marco. Por que?

Quando a criança faz 3 anos, ela já adquiriu a capacidade de andar, falar e pensar. As forças do Corpo Etérico que até então estavam inteiramente ligadas ao Corpo Físico começam a se libertar a partir da cabeça, tornando-se disponível para a memória e uma certa inteligência. As imagens que invadem a criança ficam gravadas na memória e temos a primeira consciência do EU.
A criança percebeu que é uma individualidade, que não faz parte do todo, não se chama mais pelo próprio nome e começa a utilizar a palavra EU e é nesse momento que ela aprende a dizer NÃO.
Chamamos da idade da birra!!!

Segundo a ideia de que a criança aprende por experimentação (por exemplo), os pais devem estar sempre atentos as suas atitudes, gestos e falas. Porém muitas vezes os pais estão tão envolvidos e “viciados” em determinados comportamentos que nem se dão conta. Como podem trabalhar essa “mudança de padrões”?

Mudar padrões é sempre muito complicado e é preciso uma grande força de vontade pois a correria do dia a dia nos “engole”. O mais importante é que os pais comprometam-se com a educação de seus filhos, que entendam que são os educadores e que as crianças ainda não tem condições de ter grandes responsabilidades, saber que a saúde e o desenvolvimento de seu filho estão diretamente ligados ao exemplo, ao carinho, ao amor, ao limite que ele recebe. Tendo consciência disso, a vontade em mudar esses padrões impostos, a maioria das vezes pela sociedade, fica mais forte. E dessa forma, será possível, dando um passo de cada vez, tornarem-se livres desses padrões para educar seus filhos de acordo com o que realmente acreditam.

Segundo a Antroposofia, para a construção do corpo físico de forma equilibrada, a criança deveria ter vivências permeadas por situações e circunstâncias que a levassem a perceber que o mundo é bom. Isso significa poupá-la de alguma realidades como por exemplo lidar com a existência de moradores de rua (que passam fome e necessidades?) Como lidar com essa orientação de forma prática?

Na primeira infância, ou primeiro setênio como chamamos na Antroposofia, que vai dos 0 aos 7 anos, estamos trabalhando no desenvolvimento do nosso Corpo Físico. Quem atua sobre esse Corpo Físico, é o que chamamos de Corpo Etérico ou Vital, que Steiner relaciona com o Reino Vegetal e com o elemento água, cuja função é regeneração, manutenção da vida, memória. Nele ficam impregnados todos os estímulos e impressões sensoriais a que a criança é exposta.
Nesse período a criança não tem um “filtro” para selecionar o que ela absorve. Conforme as impressões que “entram” na criança e ficam impregnadas no Corpo Etérico, teremos uma influência direta na perda da vitalidade e isso afetará a formação saudável desse Corpo Físico, nos trazendo algumas consequências pelo resto da vida, inclusive em forma de doenças. Por essa razão devemos tomar cuidado com o que ela entra em contato, em especial quando é trazido pela televisão.
Nesse período não devemos mentir para as crianças mas também não precisamos antecipar as duras realidades do mundo. Caso a criança veja um morador de rua, um pedinte e pergunte sobre isso, a orientação é que o adulto responda da forma mais objetiva e simples possível, evitando transmitir preconceitos e crenças.

Segundo a pedagogia Waldorf, a criança estará apta a aprender ler e escrever após concluído o primeiro setênio. Por que?
O Corpo Etérico é o responsável por formar o Corpo Físico durante todo o primeiro setênio. O final desse processo é marcado pelo início da troca dos dentes.
Quando esse processo se inicia, a atuação Corpo Etérico sobre o Corpo Físico diminui, fazendo com que as forças formativas, que até então estavam “presas” à essa função, sejam liberadas e direcionadas para atuarem de outra forma, deixando a criança pronta para a alfabetização.
A partir daí, a criança estará apta para aprender a ler e escrever sem prejudicar sua vitalidade e sem interferir negativamente na nova atuação do Corpo Etérico.

Atualmente muitas crianças vem sendo diagnosticadas com DDA e hiperatividade. Na sua opinião, a que se deve esses diagnósticos em massa? As crianças estão mesmo doentes ou há uma incapacidade das instituições de ensino (por conta de seus modelos engessados e padronizados de ensino)?

Hoje em dia as crianças não tem mais espaço físico e nem tempo para brincar. Os brinquedos prontos, que praticamente brincam sozinhos, a falta de tempo e disponibilidade dos pais, as agendas cheias de compromissos e a corrida para que elas aprendam o quanto antes sobre tudo que as cercam, as deixam desvitalizadas e estressadas.
Cada vez mais vemos crianças serem diagnosticadas com DDA, Hiperatividade, Depressão e outras doenças que antes só ocorriam em adultos. Tudo isso é consequência dessa antecipação do desenvolvimento infantil e a falta de respeito ao ritmo de cada fase desse desenvolvimento.
Ao mesmo tempo em que as crianças estão estressadas, os pais e as instituições não sabem o que fazer. O caminho mais fácil acaba sendo diagnosticá-las e medicá-las ao invés repensar o modelo de educação que estamos vivendo.


As escolas não deveriam respeitar os ritmos de aprendizagem de cada criança?

Muito mais do que respeitar o ritmo de aprendizagem das crianças, as escolas deveriam proporcionar atividades adequadas para cada fase.
No primeiro setênio, estimular o brincar, contar histórias, explorar os movimentos corporais básicos como engatinhar, andar, saltar, correr, sem antecipar e nem pular nenhuma fase.
No segundo setênio, dos 7 aos 14 anos, o professor tem o papel de ser uma autoridade amada, despertando na criança o desejo de aprender. Deve também observar o temperamento de cada criança e tratá-las individualmente, estimulá-las de acordo com seu ritmo e seu tempo.
E no terceiro setênio, 14 a 21 anos, precisamos de mestres que possam orientá-los e trazer para fora o que existe dentro deles, fazer nascer uma personalidade livre, disposta a posicionar-se frente ao mundo.
Infelizmente as escolas não estão preparadas para isso, não há tempo hábil pois a cobrança da sociedade e dos pais não permite tal “luxo”.

A educação vem mudando. As crianças buscam por conhecimento de formas variadas. O modo com a informação é consumida hoje, mudou. Você acha que as escolas tradicionais estão preparadas?

Acredito que nem as escolas e nem os pais estão preparados para as crianças de hoje. Há um estímulo exagerado na busca do conhecimento e estamos estressando nossas crianças com esse ritmo alucinado, nessa corrida sem sentido para que elas cresçam logo e se “dêem bem na vida”. Isso faz com que essas crianças tentem corresponder a essas expectativas e busquem então esse conhecimento de formas variadas e em qualquer lugar, expondo-se a riscos desnecessários.
A escola e os pais exigem…a criança corresponde!

Você conhece o movimento Unschooling? Aprender por interesse, em seu próprio ritmo, livre de métodos e por meio de mentores dedicados. Acha que pode ser uma saída para crianças que não se adaptam ao formato de ensino padrão?

Sinceramente não acredito que essa seja a saída. Acredito que as crianças não têm condições de responsabilizarem-se por esse aprendizado. Acredito que é essencial que pai e mãe sejam mentores dedicados na educação de seus filhos e exemplos de vida.
Já em relação à educação formal, acredito que deva ser feita por mentores dedicados/professores, que estudaram todo o desenvolvimento da criança e sabem exatamente o que ela precisa para crescer de forma saudável, consciente, atuante, no ritmo certo.
Acredito que no ambiente escolar a criança aprende a lidar com as diferenças, respeitar os colegas, se colocar mediante situações diversas, sociabilizar, ou seja, exercitar o que aprendeu em casa, tornando-se um cidadão capaz de sair-se bem em qualquer situação.


Como os distúrbios de aprendizagem são encarados pela Antroposofia?

A Antroposofia encara os distúrbios de aprendizagem como uma dificuldade de encarnação, ou seja, quando o EU não consegue tomar posse do próprio corpo, deixando desequilibrados os Corpos Físico, Etérico e Astral.

A tecnologia é mesmo um vilão do desenvolvimento e do processo de aprendizagem ou pode ser incorporada de modo positivo?

A tecnologia é uma ferramenta delicada dentro de todo esse processo. Não a vejo nem como vilão nem como salvadora do mundo.
O grande problema é a forma como ela é utilizada. Hoje somos escravos dessa tecnologia, é só olharmos à nossa volta. Dou um exemplo bem simples. Você quer comprar um suco, um pão de queijo ou algo assim e o sistema caiu, simplesmente você não consegue. E estamos levando essa “escravidão” cada vez mais cedo para nossas crianças.
Quando a tecnologia é utilizada muito cedo, torna-se um vilão no processo de aprendizagem. Se incorporada no momento certo e na dose certa, poderá ser uma ferramenta positiva nesse processo.

Quais são as melhores maneiras de pais e educadores colaborarem para o desenvolvimento das crianças?

A melhor maneira de isso acontecer é estarem disponíveis e atentos para essas crianças: elas precisam de ritmo, de limite, precisam ter a oportunidade de ouvir histórias que estimulem sua criatividade, precisam brincar ao ar livre, ter contato com a Natureza, ter uma alimentação saudável e bons exemplos a serem seguidos.
As crianças precisam sentir segurança no adulto que educa, precisam confiar que está trilhando o caminho certo. Se o adulto joga para ela responsabilidades que não está pronta para assumir, como por exemplo, decidir a escola que quer estudar, decidir o que quer comer, ela sente que o adulto é inseguro e tornar-se-á uma criança insegura.

Que conselho você daria para pais que receberam diagnósticos de distúrbios de aprendizagem dos seus filhos?

Eu diria para que esses pais procurassem ajuda de profissionais habilitados para que ajudem, não só a criança mas também a família e a escola. Diria para que tentem evitar rotular a criança, dizendo que ela é lenta, burra ou que tem má vontade; que acolham as orientações dos profissionais e não sintam-se culpados pois a culpa gera um movimento de compensação que tende a ser prejudicial para a criança.
É também muito importante que lembrem que cada criança é única, tem seu ritmo e que devem evitar as comparações.
Estejam presentes e atentos aos seus filhos e comprometam-se com a educação deles!


E aos educadores? O que deve observar um educador, como deve lidar, que conduta deve seguir quando percebe que uma determinada criança precisa de um outro ritmo ou outros estímulos para aprender?

Toda criança para aprender, tem que ter um vínculo positivo com a pessoa que ensina. Portanto, esse educador tem que exercer o papel de autoridade amada dentro da sala de aula. Dessa forma, despertará o desejo de aprender em cada um de seus alunos.
Cada pessoa aprende de uma forma e por isso as diferentes estratégias de ensino são bem vindas. Para isso, esse professor tem que conhecer bem cada um de seus alunos e propor diferentes estratégias para ensinar um mesmo conteúdo podendo assim alcançar a todos. Se mesmo assim ele perceber que alguma criança está com dificuldades, deve posicionar a família sobre o que está acontecendo e orientar essa família a buscar uma ajuda especializada.
O educador deve estar aberto tanto para conversar com esse profissional que ajudará a criança quanto para suas orientações, formando assim uma parceria, envolvendo também a família, com o objetivo único de ajudar a criança em questão para que supere suas dificuldades.
*****
*Com olhar ampliado pela Medicina Antroposófica e Aconselhadora Biográfica, tem formação em Educação Física e Pós Graduação em Psicopedagogia.
Profissional da área de Saúde há mais de 20 anos, atuou com crianças e adolescentes no trabalho de desenvolvimento físico. Atualmente em São Paulo, ministra palestras sobre o Desenvolvimento Infantil, atende em consultório como Psicopedagoga, Aconselhadora Biográfica, faz Orientação para Pais e Coordena grupos de estudos.
Fundadora da empresa FEE – Falando em Educação www.falandoemeducacao.com.br

Fonte:http://eduquesemmedo.com.br/2015/02/23/um-olhar-da-antroposofia-sobre-a-criacao-e-educacao-de-nossos-filhos/

criança brincando

Comentários