O DESERTO TEXANO E A ARTE : MARFA ATRAI MENTES CRIATIVAS DO MUNDO TODO

Marfa, Texas (Foto: Nick Simonite)
Quando você vive em Nova York, desenvolve os desejos mais estranhos: passar o dia coberto de terra, dormir em trailers Airstream e beber cerveja vendo estrelas. Nos metrôs lotados, sonhava em andar de bicicleta em uma cidade com apenas um semáforo. Uma noite, digitei “Marfa” no campo de busca do Twitter. “O que está acontecendo em pleno deserto que gera tanto buzz?”, pensei. Pipocou um tweet sobre o Design Build Adventure Camp – comandado por Jack Sanders, o projeto reúne apaixonados por design durante uma semana (o próximo será entre 4 e 9 de junho) sob o implacável sol de verão do Texas.
Marfa, Texas (Foto: Divulgação)
Depois de meses estudando na Parsons The New School For Design, eu precisava usar minhas mãos para fazer design, não apenas falar sobre. O clima pacato de Marfa e o programa do DBA Camp, que aposta na interação entre desenho, pessoas, materiais, clima, música e comida, foram antídotos perfeitos para a minha realidade excessivamente cerebral e urbana de Nova York.

Claro que uma viagem a Marfa pode parecer uma peregrinação de arte contemporânea. Há, por exemplo, a parada obrigatória na Route 60 para ver a Prada Marfa, uma instalação feita pelo dinamarquês Michael Elmgreen e pelo norueguês Ingar Dragset. O duo, cujo trabalho bem-humorado é famoso por explorar a relação entre arte, arquitetura e design, a chama de “pop architectural land art project”, pois nunca será restaurada e um dia sumirá na paisagem.

O aeroporto mais próximo de Marfa, em El Paso, está a três horas de distância. Logo percebi que a estrada é uma metáfora: você não chega facilmente à pequena cidade, e parte do que a torna um destino cobiçado é a própria jornada. Não deixe, portanto, as dificuldades físicas desanimá-lo. Aceite-as. “Ir” a Marfa é tão mágico como “estar” em Marfa.

Diz a lenda que Donald Judd gostava disso. Após alugar casas de veraneio na região, o artista finalmente mudou-se de Nova York para Marfa em 1971. O lugar era perfeito para ele para criar suas obras em grande escala e o inspirou a abrir um museu no qual trabalhos ganham vida sob os amplos céus azuis e a luz afiada do Texas. Judd comprou 16 edifícios decadentes pela cidade. Desde a morte do artista, em 1994, duas instituições trabalham para manter seu legado, a Chinati Foundation – que abriga também criações de Dan Flavin, Roni Horn e John Chamberlain – e a Judd Foundation. Reserve os seus tours em ambas as fundações com antecedência, pois eles lotam. Décadas depois da “ocupação” de Judd, a promessa por espaços baratos ainda atrai artistas contemporâneos. É o caso de Sam Shonzeit, que cresceu na Mercer Street e disse recentemente à NewYork Times Magazine que Marfa lembra o Soho na década de 1970.

Todos os participantes do DBA Camp ficaram no já lendário El Cosmico, um hotel composto por trailers Airstream e tendas. Pode não soar luxuoso, mas há algo de decadence avec elegance em tomar banho nos chuveiros ao ar livre e voltar ao quarto com os cabelos completamente secos pelo calor do deserto. Tanto o El Cosmico quanto o Thunderbird são hotéis de Liz Lambert, a hotelier mais badalada do Texas, especializada em transformar propriedades abandonadas em templos hipster.

O almoço diário era no Food Shark, versão texana do café de Seinfeld que oferece um equilíbrio ideal entre pratos tradicionais e especiais do dia. É, na verdade, um caminhão de entrega, de 1974, estacionado no meio da cidade, com mobília de Donald Judd. Atenção: às sextas e sábados, a partir das 21h30, a trupe do Food Shark serve sanduíches dentro do Museum of Electronic Wonders, mas é preciso encomendá-los antes. E quando as noites parecerem tranquilas demais, vale parar no Padres Marfa, localizado em uma antiga casa mortuária, para beber cerveja e ouvir uma banda local ao vivo. Também é gostoso jantar no Cochineal, um restaurante com decoração marfa-chic – um mix entre materiais simples, como metal corrugado, e superfícies vermelhas.

A experiência no DBA Campfoi tão intensa que ainda me resta uma longa to do list para quando eu voltar: visitar o Ballroom Marfa, centro de arte instalado em um antigo salão de dança; fazer compras em lojas de móveis, tecidos e artesanatos, como a Garza Marfa, a Freda e a Wrong Marfa; e conhecer a dupla do Cast + Crew, que dá a desenhos modernos de Eames e Bertoia, por exemplo, um novo visual bem-humorado e charmoso. E ainda dormir no luxuoso El Paisano, tomar um smoothie no Squeeze Marfa e conhecer as galerias Exhibitions 2d e Galleri Urbane, que representam artistas de todo o Texas. Talvez me organizar para viajar na mesma época do novo Marfa Film Festival, de 2 a 6 de julho. Vou voltar. E, talvez, construir minha própria casa sob o sol do deserto.

Sétima arte em Marfa:

 Assim Caminha a Humanidade (1956), de George Stevens: Elizabeth Taylor, Rock Hudson, James Dean e Dennis Hopper passaram dois meses na cidade para filmá-lo.
Sangue Negro (2007), de Paul Thomas Anderson: uma adaptação do livro Oil!, de Upton Sinclair.
Onde os Fracos Não Têm Vez (2007), dos irmãos Ethan e Joel Coen: uma releitura da obra de Cormac McCarthy, No Country for Old Men. Moradores da cidade atuaram ao lado de Javier Bardem.
Marfa Girl (2012), de Larry Clark: já um clássico, comAdam Mediano e Drake Burnette.
Far Marfa (2013), de Cory Van Dyke: o diretor foi também responsável pelo texto.

Onde encontrar:

Ballroom Marfa
Cast + Crew
Chinati Foundation
Design Build Adventure Camp
El Cosmico
El Paisano
Exhibitions 2d
Food Shark
Freda
Galleri Urbane
Garza Marfa
Judd Foundation
Marfa Film Festival
Padres Marfa
Squeeze Marfa
Thunderbird Marfa
Wrong Marfa

* Matéria publicada em Casa Vogue #344 (assinantes têm acesso à edição digital da revista)
 

Marfa, Texas (Foto: Divulgação)
 
Marfa, Texas (Foto: Adriana Kertzer)
 
Marfa, Texas (Foto: Stephen Flavin/cortesia Chinati Foundation)
 
Marfa, Texas (Foto: Tammy Takenaka)
 
Marfa, Texas (Foto: Nick Simonite)
 
Marfa, Texas (Foto: Casey Dunn/Divulgação)
 
Marfa, Texas (Foto: Divulgação)
 
Marfa, Texas (Foto: Mauritius/Latinstock)
 
Marfa, Texas (Foto: Adam Bork)
 
Marfa, Texas (Foto: Tammy Takenaka)
http://casavogue.globo.com/LazerCultura/Viagem/noticia/2014/04/o-deserto-texano-e-arte.html

Comentários