Ucrânia: trégua por exaustão econômica
Pablo González – A solução parece ser ainda difícil, num país que continua mais dividido que nunca. Mas, pelo menos, o confronto militar deu lugar à disputa diplomática.Dez meses de guerra civil entre o exército ucraniano e as forças separatistas no leste do país, região de maioria russa, deixaram uma paisagem de devastação, com milhares de mortos e desabrigados. O conflito elevou as tensões entre a Rússia e os países da União Europeia, além é claro dos EUA, que chegaram ao seu máximo nível desde o fim da Guerra Fria. Ao visitar os frontes de batalha na região de Donbas, é evidente a moral baixa dos soldados ucranianos. Muitos estão há meses sem ver seus familiares, e encarando combates pesados. Já perderam muitos companheiros em confrontos com as tropas separatistas pró-Rússia, embora esse efeito também seja percebido do lado de seus inimigos. O desgaste psicológico e físico vai aumentando com a sensação de que se está perdendo a guerra, já que, desde agosto do ano passado, as forças de Kiev passaram a uma postura mais defensiva, resistindo como podem as várias ofensivas rebeldes.
Com a guerra, a população de ambos os lados da disputa tem se radicalizado e a divisão do país vai se tornando cada vez mais difícil de se reverter, algo que o próprio governo ucraniano já reconheceu. “É difícil imaginar que os habitantes de Donbas e o resto do povo ucraniano possam conviver no mesmo Estado”, admite Volodymir Ariev, deputado do Parlamento ucraniano, que representa o partido do atual presidentes, Petro Poroshenko. “Já não lutamos por recuperar Donbas, e sim para não perder mais terreno”, acrescenta Ariev, que é jornalista e diretor de documentários, além de ser o chefe da delegação ucraniana no Conselho Europeu.
Os acordos assinados em Minsk, capital da vizinha Bielorrússia, na madrugada entre 11 e 12 de fevereiro, estabeleceram uma trégua entre o governo ucraniano e as autoridades dos territórios rebeldes de Donetsk e Lugansk (ambos na região de Donbas), graças a uma mediação negociada entre Alemanha, França e Rússia, o que, porém, não tem evitado alguns enfrentamentos esporádicos nas últimas semanas. Dias depois, em 18 de fevereiro, enquanto os rebeldes conquistavam oficialmente a cidade de Debaltsevo, o presidente Poroshenko anunciou que pediria a intervenção da ONU, para o envio de forças de paz a Donbas. A petição foi formalizada em 2 de março pelo Conselho de Segurança Nacional da Ucrânia. Moscou pode bloquear a petição com seu poder de veto no Conselho de Segurança da ONU. No dia 17 de março, o Parlamento de Kiev votou uma lei que daria às autoproclamadas repúblicas de Donetsk e Lugansk um governo autônomo com “status especial”.
Todas essas iniciativas para acabar com o conflito não demonstram necessariamente um anseio pacifista por parte dos ucranianos, senão revelam uma necessidade mais urgente: a Ucrânia está à beira da bancarrota. Já se passaram valiosos meses para ogoverno ucraniano, que já teve de remover vários ministros de partidos de ultra direita, incapazes de fazer grandes mudanças em suas políticas econômicas. Como demonstra Oleg Rybachuk, “há cada vez menos tempo para fazer as reformas que o país necessita. Simplesmente não se pode esperar mais. Rybachuk foi vice-primeiro-ministro nos tempos da presidência de Viktor Yuschenko, o primeiro governo que deu as costas para a Rússia desde que a Ucrânia conseguiu sua independência da União Soviética, e que fracassou, entre outras coisas, porque foi incapaz de superar a corrupção que assola todos os setores políticos do país.
Oligarquia rechaçada
O Fundo Monetário Internacional (FMI) e o Banco Mundial, duas das poucas fontes às quais Kiev pode pedir ajuda financeira em momentos de crise, também estão pressionando o país em favor de reformas necessárias para superar essas dificuldades econômicas. No entanto, o problema é que a corrupção também está presente no grupo político que governa atualmente, e que promete combatê-la. Lá estão oligarcas como Igor Kolomoiskiy, governador da região de Dnipropetrovsk e dono do maior banco da nação, Rinat Ajmetov, o homem mais rico do país e proprietário da maioria das indústrias de Donbas, além do próprio Poroshenko, um dos mais prósperos homens de negócios da Ucrânia.
Tanto na guerra quanto na paz, estavam presentes eles e seus jogos do interesses. Kolomoiskiy financia vários batalhões voluntários do Ministério do Interior ucraniano, e os utiliza para pressionar seus oponentes econômicos. Ajmetov usa sua fortuna tanto para trazer ajuda humanitária para a população de Donbas, quanto para pagar as forças de ambos os bandos, para que evitem causar maior destruição nas fábricas de sua propriedade. No caso de Poroshenko, sua hostilidade para com a Rússia não o impede de manter negócios com o inimigo, como comprar uma fábrica de doces em Lipetsk.
Foi a rejeição popular a essa oligarquia que motivou uma parte dos manifestantes a participar dos protestos do Euromaidan – embora também houvesse gente movida por outras razões, como os grupos fascistas –, que paralisaram o centro de Kiev, no inverno de 2013-2014 e determinaram a queda do presidente Viktor Yanukovich. “Dos protestos, nasceu uma nova sociedade civil, mas infelizmente os que chegaram ao poder através deles decepcionaram os que sonhavam com mudanças”, lamenta Anatoliy Bashlovka, advogado que participou como líder dos movimentos populares naqueles dias. “O sistema oligárquico capitalizou os protestos em benefício próprio. Só com uma pressão sistemática da sociedade civil sobre o poder teremos a oportunidade de construir um Estado realmente democrático”, opina o ativista.
Os jovens que se manifestaram há mais de um ano, e que presenciaram a morte de vários amigos na repressão aos protestos, se sentem confundidos. Anastasiya Sosnova foi voluntária e ajudou a atender feridos durante o massacre da Rua Institutskaya. Sua versão resume a ideia de seus companheiros sobre aqueles acontecimentos: “tentamos nos manter erguidos, mas chegou um momento que faltou maior mobilização. Continuo apoiando as ideias revolucionárias, mas a situação econômica está se tornando dramática”.
A Ucrânia viu como sua economia se contraiu, no ano passado, entre 7% e 10%, dependendo das medições apresentadas. São números de um 2014 em que os seis primeiros meses foram relativamente normais para a indústria e o país ainda pagava o gás russo por um “preço amigo”, conseguido graças a um acordo negociado pelo presidente Yanukovich com o gigante vizinho. Para este ano, o FMI estima que a economia ucraniana cairá mais 5,5%, e a inflação será de 27%. Os especialistas da entidade esperam uma tímida recuperação da economia do país somente em 2016. Porém, outros economistas levantam prognósticos bastante mais negativos para a Ucrânia, com uma inflação de até 272% e sem recuperação econômica no horizonte, ou, pelo menos, nos próximos dois anos. Contudo, o quadro econômico ucraniano deve levar em conta que cerca 25% das indústrias do país estão em zonas controladas pelos rebeldes. Donbas é uma das regiões industriais mais importantes e perdê-la totalmente seria um golpe duro para Kiev.
Por outro lado, se interrompe a trégua e permite o avanço das tropas pró-Rússia, outras regiões do leste do país, como Járkov e Dnipropetrovsk, também poderiam cair nas mãos dos separatistas, e assim se perderia toda a realidade industrial ucraniana. Por causa da guerra, o maior sócio comercial do país, a Rússia, é considerado um inimigo pelo governo, o que tem diminuído o volume de comércio a mínimos históricos desde a desintegração da URSS. Com este panorama, as perspectivas do país não parecem ser muito promissoras. Os cofres públicos estão vazios e o país depende da ajuda do exterior.
Os organismos internacionais dispostos a emprestar dinheiro à Ucrânia querem garantias de que seu capital será recuperado, e com os juros pertinentes. Tal condição levou o FMI e o Banco Mundial a pedirem mais transparência à Ucrânia, e uma luta mais decidida contra a corrupção. Estas instituições costumam enxergar com maus olhos o futuro de nações que estão em guerra, mas podem abrir exceções. Porém, é pouco provável que outros organismos colaborem se os combates continuarem. Se não for possível cumprir com certas condições, o dinheiro não vai chegar, e se não chegar o dinheiro, o país se aproximará ainda mais da bancarrota.
Crédito do FMI
Apesar desse complexo panorama, o FMI aprovou recentemente um novo crédito de 17 bilhões de dólares, quantidade que será entregue aos poucos, durante os próximos quatro anos, com a condição de que a Ucrânia respeite a trégua estabelecida nos acordos de Minsk. Fazendo um cálculo simples, a ajuda representaria uma injeção diária de 12 milhões de dólares nos cofres do país. O conflito, mesmo nos últimos dias de trégua, tem custado a Kiev um gasto de ao menos 6 milhões de dólares entre salários de militares, manutenção, armas, combustível, insumos e outras necessidades básicas. Evidentemente, esse valor se multiplica em dias de combate. Com o novo empréstimo, o governo poderá agir para estabilizar a grívnia (a moeda nacional ucraniana), pagaros juros dos empréstimos anteriores e a conta do gás para a Rússia. O resto será utilizado para evitar que o Estado afunde de vez e declare oficialmente a bancarrota.
“Estamos esperando a ajuda de outros Estados, gostaríamos muito de receber o apoio financeiro da União Europeia. A ajuda do FMI e do Banco Mundial é muito bem vinda, mas falta um gesto semelhante por parte da UE”, afirma Sosnova, a voluntária que atuou durante os protestos. Não obstante, a União Europeia, por enquanto, não anunciou nenhum programa com apoio mais substantivo em favor da Ucrânia. Talvez não seja somente falta de vontade política, mas também falta de recursos econômicos, devido a uma crise interna vivida pela própria Europa. Além disso, os países europeus necessitam do gás russo para suas casas e fábricas, especialmente a Alemanha, cuja indústria carece de grande quantidade de gás fornecido por empresas como a russaGazprom.
Os objetivos geoestratégicos da UE e dos EUA contra a Rússia se mesclam com os interesses econômicos mais básicos e dificultam a tarefa de assegurar a lealdade da Ucrânia. No momento, o conflito está causando problemas nos dois países, embora muito mais para a Rússia, já que as sanções econômicas, estabelecidas em Bruxelas depois da anexação da Crimeia, têm fortes efeitos negativos na economia russa. Por outro lado, o governo de Putin vetou uma enorme quantidade de importações europeias, o que prejudica muitos produtores do continente. Enquanto alguns países, especialmente os EUA e o Reino Unido – apoiados por nações do leste europeu, como Polônia, Lituânia e outros – insistem num discurso mais agressivo contra o Kremlin, outro grupo, encabeçado por Alemanha e França, já procura uma solução pactada, com Angela Merkel e François Hollande se dedicando pessoalmente na gestão da crise.
A solução definitiva parece ser ainda muito difícil, num país que continua mais dividido que nunca. Mas, pelo menos, o confronto militar deu lugar à disputa diplomática. Ao menos por enquanto.
Texto postado originalmente em:
http://cartamaior.com.br/?/Editoria/Internacional/Ucrania-tregua-por-exaustao-economica/6/33224
Fonte:http://controversia.com.br/15984
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