A Trindade do Zazen
Diz-se que o Zen é a essência do Budismo. Um mestre Zen japonês disse: “O Zen nasceu e cresceu na Índia, floresceu na China e deu fruto no Japão.” Mas não é assim tão simples. O Zen é a prática que nasceu da experiência do Buda Shakyamuni, o qual despertou para a realidade última da vida (o não-eu). Como tal, o Zen não pertence a nenhuma seita religiosa em particular. Podemos até encontrá-lo no Cristianismo, no Hinduísmo, nas cartas de S. Paulo, por exemplo, ou nas biografias de Ramakrishna. Por favor, não tirem nenhuma conclusão por eu ser um monge budista; em vez disso, descubram e realizem a raiz da vossa prática Zen através deste encontro quotidiano Aqui-Agora.
O alicerce da prática Zen é a meditação sentada, chamada zazen, que é baseada na seguinte trindade: postura, respiração e meditação. Primeiro consideremos a postura física. Para nos sentarmos em zazen necessitamos de uma almofada (zafu), ou de um cobertor dobrado. Como ambos os joelhos devem tocar no chão, recomendo sentarem-se na posição de lótus, ou de meio-lótus. Se os joelhos não conseguirem chegar ao chão, é possível que tenham de dar mais altura à vossa almofada. Outra possibilidade é a de se ajoelharem na posição seiza, utilizando também uma almofada. Neste caso mantenham os vossos joelhos separados por uma distância de dois punhos. O ponto mais importante da postura é a pélvis. Para conseguirem a posição correcta, abram as palmas das vossas mãos e coloquem-nas sobre a pélvis, de cada um dos lados da coluna vertebral. Empurrem para a frente, e oscilem a parte superior do tronco. Então, naturalmente, ele vai ao lugar e a vossa coluna apontará para o céu. A vossa posição deve ser muito firme, nada frouxa. O baixo-ventre e a região pélvica são o nosso centro mais importante, são o centro de todo o universo.
Não se inclinem nem para a frente, nem para trás; nem para a esquerda, nem para a direita; mantenham a vossa coluna direita apontada para o céu e olhem para baixo, um metro à vossa frente, com naturalidade. Os vossos olhos não devem olhar para nada, não devem focar nada. Isto é muito importante: quando não nos fixamos em nada, somos livres de tudo. Este olhar vasto é chamado “olhar-nas-dez-direções”. Fechem a vossa boca de uma maneira natural, não deixem qualquer espaço nela. Não mantenham qualquer tensão na cara ou no corpo. Uma vez que a pélvis está assente na posição correcta, e que a vossa coluna está direita, descontraiam-se profundamente. As vossas mãos devem formar o mudra da meditação com a mão esquerda repousando na mão direita, e os polegares tocando levemente um no outro. Separem os cotovelos do corpo, e deixem descair os ombros.
Um problema muito comum para todos nós durante o zazen é a dor. Tentem não se mover até ao final. Mas, claro, se tiverem uma dor muito aguda, podem mudar a posição das pernas. Caso o façam, não destruam o vosso estado meditativo, nem incomodem os outros praticantes. Movam-se devagar e atentamente. O segundo aspecto do zazen é a respiração correcta. É muito simples: apenas expirem, de modo natural, pacífico, em plena consciência. Entreguem-se completamente a esta única expiração. Não têm de se preocupar com a próxima respiração, nem com a próxima inalação. Depois de terem completado esta única expiração, o céu e a terra, naturalmente, dar-vos-ão a inspiração. Portanto, não tentem nada. Entreguem-se completamente a esta única expiração. E isto não é “dar e receber”, mas apenas “dar”, “dar”, “dar”…
Existem outros dois pontos que devem ter em atenção. Primeiro, enquanto respiram, não são os ombros mas é o abdómen que se move. Segundo, a expiração, é naturalmente mais longa que a inspiração. Quando entoamos os sutras, fazêmo-lo durante a expiração. Já tentaram entoá-los durante a inspiração? A expiração é muito longa, e a inspiração leve. É a mesma coisa que acontece quando se canta. Geralmente, antes do zazen entoamos sutras com a respiração do zazen. Graças à respiração, o nosso estado de paz vai-se tornando mais profundo e cada vez mais estável. Por favor, mantenham-no cuidadosamente de manhã à noite, e não apenas durante o nosso zazen.
O terceiro aspecto da trindade do zazen é a meditação em não-mente. Isto quer dizer: não tentem nada; não façam nada; não pensem nada. Isto é tão fácil, e ao mesmo tempo, tão difícil. Por vezes isto parece ser tão simples que até podemos chegar ao ponto de não continuar a praticar.
Quando nos sentamos serenamente, descobrimos que estamos sempre a ser apanhados pela corrente kármica da associação de pensamentos (macacos aos saltos). Ela nunca pára, saltando de uma coisa para outra. Somos incessantemente envolvidos na selva das nossas habituais maneiras de pensar, mesmo se nos sentamos só por três minutos. Estes pensamentos são apenas nuvens no céu, indo daqui para ali, de Londres para Tóquio, e de Tóquio para Lisboa. Por favor, não os persigam, não vão atrás deles, mas, deixem-nos ir e vir, livremente, como são. Sempre que ficarmos distraídos devemos tornarmo-nos cientes disso. Tudo o que devemos fazer é completar atentamente esta única expiração, ou fazer apenas esta única coisa que estamos a fazer agora, aqui. Se tiverem a postura correcta e contarem, com todo o vosso coração, as vossas expirações uma a uma, então, não serão apanhados pelos vosso pensamentos. Inúmeras ideias, memórias e pensamentos incessantemente vão e vêm, surgem e desvanecem-se. deixem-nos como estão. Não façam deles vosso inimigos nem obstáculos. Não lutem nem tentem livrar-se deles. Apenas deixem-nos como estão, e eles não vos serão um obstáculo. Este é o modo como devemos lidar com a nossa mente.
Seja o que for que façamos, yoga, corrida, trabalho, limpezas… deve ser uma variante da prática sentada do Zen. Este é o caminho do Buda.
do livro Folhas Caem, um Novo Rebento, do Mestre Zen Hôgen Yamahata
ed. Assírio Alvim
ed. Assírio Alvim
(publicado com autorização da editora)
Fonte:https://artezenpt.wordpress.com/meditacao-zen/a-trindade-do-zazen/
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