JÁ NÃO SOMOS MULHERES DE CHICO


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Já Não Somos Mulheres de Chico

Poemas históricos que cantam a vida de mulheres caracterizadas pela sua robustez interior, coerente com a sua capacidade de servidão.
As mulheres de Chico Buarque são guerreiras dissimuladas pela paixão cega e pela fiel adoração ao seu homem. São também as levianas que causam as dores de amor ao eterno poeta. São as mulheres de outros tempos em quem hoje buscamos inspiração.

As mulheres “de” Chico Buarque são mulheres já conhecidas e discutidas em muitas outras crónicas escritas pelo mundo. Eu sei quem são elas, eu ouvi-as vezes sem conta, chorei-as e cantei bem alto todos os seus desamores. Eu sou mulher, serei também eu uma das mulheres de Chico? Será que todas somos um bocadinho meninas, um bocadinho mulheres, um bocadinho inocentes e um bocadinho putas; seremos todas um bocadinho de tudo o que para ele é ser mulher?
As mulheres de Chico são as de um Brasil reprimido mas lutador, são de uma época onde nada era fácil, onde tudo estava por conquistar e descobrir. São mulheres de um mundo praticamente feito por homens e estão feitas de uma massa que hoje já pouco existe; com forma de paixão e candura, donas de uma pureza singela e de uma força arrebatadora.
Quando oiço aquele invulgar timbre, o som tão único da sua voz, dá-se-me um nó na garganta e às vezes até se enchem de lágrimas os meus olhos. Ele fala da minha avó, da minha mãe, das minhas tias e de todas essas mulheres que amaram incondicionalmente. Fala das mulheres que calaram as perversidades de uma sociedade castradora, mulheres que aparentavam a imagem da fragilidade, mas que por dentro desbordavam coragem e determinação.
Chico sempre disse que escreve não só sobre mulheres, mas principalmente, para as mulheres. E assim é, uma sublime descrição de sentimentos, que hoje em dia nos coibimos de mostrar e disfarçamos entre egos e orgulhos, como se já não fizessem parte de nós. Mostrou às mulheres como eram vistas de fora e verbalizou o que elas sentiam por dentro.
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No entanto, eu já não sou uma mulher de Chico, reconheço a genialidade dos seus poemas e admiro as suas encantadoras melodias, mas já não sou sua. Não sou de Atenas, sou do mundo. Não sou submissa nem obediente, não dependo nem me prendo.
Essas foram as mulheres que lutaram para que agora pudéssemos escrever, foram as mulheres que nos libertaram e nos ajudaram a estudar, a crescer e melhorar como pessoas. Somos diferentes mas iguais, amamos os nossos homens, mas amamo-nos a nós mesmas também, e aprendemos que se algo não corre como esperávamos, não ficamos a chorar eternamente pelo que acabou. Choramos três horas, limpamos os olhos borrados com a água de um duche quente, engolimos a tristeza e continuamos o nosso caminho.
As mulheres de Chico tinham sempre um homem; as mulheres de hoje têm amigas, um trabalho, uma casa e contas para pagar.
Já não somos mulheres de Chico, mas levamos dentro um pouco delas e procuramos sempre que nos inspirem; temos a liberdade e independência pelas quais lutaram essas mulheres, mas na verdade também ambicionamos ter a serenidade em que elas viviam. Queremos um trabalho, uma profissão e o reconhecimento da sociedade; e queremos também uma família e um homem que chegue todos os dias e nos acolha em seus braços. A questão é que nem sempre estamos dispostas a esperá-lo com um prato de feijão à mesa.
A proeza de ser mulher, hoje em dia, é viver o dilema de sucumbir ao nosso ego e ambição e aprender a conciliá-lo com o chamamento uterino da nossa genética.
Dizem que ninguém canta as mulheres como Chico Buarque. Totalmente de acordo, digo mais; digo que Chico canta-as com a sabedoria de um amigo e de um pai. Essas mulheres vulneráveis são o alerta que soltou para nós, mulheres de outra geração, jovens meninas, lutadoras desde o ventre das nossas mães. Nós nascemos para lutar e para vencer, sem nunca nos esquecermos de onde viemos, mesmo que não saibamos para onde vamos.
As Genis, as Carolinas, as Marias, as Luisas e todas as Ritas de Chico, fazem parte de nós. Homens e Mulheres de hoje, cujas historias também foram escritas por elas, por essas mulheres que no fantástico de um poema habitam as lembranças de um passado que não vivemos.

Por Daniela Monteiro Torres

Fonte:
© obvious: http://obviousmag.org/palavras_na_barriga/2015/03/ja-nao-somos-mulheres-de-chico.html#ixzz3UV2YP23j

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