A exposição Art Turning Left: How Values Changed Making 1789-2003 examina como a produção e percepção da arte foi influenciada pelos valores de esquerda, desde a Revolução Francesa até os dias de hoje.
A principal preocupação desta exposição é, portanto, não os comentários militantes por trás das obras de arte, mas sim o efeito que os valores políticos e movimentos sociais tiveram no modo de produção, estética e comunicação visual da cultura. Dessa maneira, Art Turning Left destaca-se de outras exposições dedicadas à arte política ou ao ativismo.
Entre os valores de esquerda representados pela exposição estão a ascenção das classes trabalhadores, igualdade entre os sexos, a busca por economias alternativas, entre outros. Estes valores infiltraram-se no mundo da arte, onde traduziram-se na rejeição dos conceitos de belas artes e da expressão individual em favor de uma arte feita por ou com o auxílio da comunidade, a adoção dos novos media, uma maior mistura entre a arte e a vida (através de diferentes ofícios, do design e, em particular, do design gráfico).
Art Turning Left é uma excelente exposição sob muitos aspectos e certamente gera entusiasmo com a descoberta de novas obras de arte ligadas à política que destacaram-se em seu tempo. No entanto, a exposição apresenta algumas falhas. Por um lado, é interessante o fato do espaço estar dividido por questões: “Precisamos saber quem faz arte?” “A Arte pode afetar a todos?” “Participação significa igualdade?”, etc.) ao invés de adotar a ordem cronológica, além de ser certamente refrescante encontrar uma respeitável pintura deDavid entre uma instalação de Goldin+Senneby e uma parede de posters revolucionários. Por outro lado, estar a transitar constantemente de um período histórico para outro e viajar de uma região do globo para outra completamente diferente em alguns poucos centímetros pode ser um tanto confuso.
Se a exposição reconhece que a prática artística nos séculos XX e XXI tem sido “democratizada” conforme seus meios de produção e distribuição tem se tornado acessíveis a todos (graças à fotografia, impressão digital, etc.), não é possível encontrar referências a alguns dos aspectos mais estimulantes do século XXI cultural: software livre, cultura grátis, impressão 3D, etc. Pensando nisso, existe pouquíssima referência aquilo que os computadores e a internet fizeram para avançar com novas ideias e práticas.
Ela arrancou com boas intenções, no entanto. Um dos pontos-chave da exposição é A Morte de Marat, de Jaques-Louis David. TantoDavid quanto Jean-Paul Marat foram membros do grupo dos republicanos jacobinos durante a Revolução Francesa. Após o assassinato do jornalista revolucionário, David produziu inúmeras cópias de A Morte de Marat em diversos suportes de maneira a transmitir a menssagem para as massas. Ao invés de ser exposta nos salon da elite, como seus outros trabalhos, David o enviou a toda França para que todos pudessem vê-lo.
Art Turning Lefté uma exposição recomendada, não apenas pela qualidade dos trabalhos expostos, mas pelas ideias (de esquerda ou não) que, infelizmente, andam a precisar urgentemenete de atenção nos dias atuais. No entanto, por sua qualidade inegável, a exposição ainda parece mais académica do que o tópico tratado mereceria que fosse.
Também, definitivamente não trata-se de uma exposição para aqueles com orçamento de “classe trabalhadora”: bilhetes para entrada custam £8.
Agora, sobre as obras de artes descobertas e redescobertas na exposição:
King Mob:O grupo baseado em Londres auto-denominados gangsters da nova liberdade‘ e adotando uma aproximação confrontacional para sublinhar a anarquia e desordem cultural ignorada na Inglaterra de 1960-70. Um dia, o grupo tomou a Gruta do Natal em Selfridges e distribuiu todos os presentes entre as crianças. As lojas de departamento foram forçadas literalmente a tirar os presentes dos braços das crianças antes delas deixarem o local.
Em 1780, o mineralogista August Nordenskiöld foi contratado pelo rei sueco Gustav III para descobrir a lendária substância alquímica, a Pedra Filosofal, para transformar qualquer metal em ouro. O ouro seria usado para financiar o exército sueco e expandir a economia nacional, mas Nordenskiöld tinha outros planos, buscando produzir tanto ouro que seu valor se perdesse, abolindo a “tirania do dinheiro”.Um dos poucos artefatos sobreviventes do laboratório de Nordenskiöld foi uma fornalha alquímica para carvão.Goldin+Senneby oferecem a colecionadores os componentes e instruções necessárias para reconstruir uma réplica da fornalha deNordenskiöld. O manual é produzido em uma edição numerada mas ilimitada, subindo o preço a cada edição vendida, tornando o item cada vez mais caro e menos único a cada compra.
Grupa Zvono: Fundado em 1982, o grupo organizou performances cujo alvo era apresentar uma arte diferente das formas dominantes, uma arte de fora das galerias e mais próxima do “homem da rua”.Ou, em um dos casos, mais próxima do estádio de futebol.
Cildo Meireles: utilizou garrafas de Coca-Cola modificadas pelo próprio. Quando vazias, pareciam garrafas normais, no entanto, declarações políticas impressas em branco no vidro são reveladas quando as garrafas estão cheias com o líquido castanho. As mensagens variam entre ‘Yankees Go Home’ até instruções sobre como fazer um cocktail Molotov. As garrafas vazias com as mensagens foram então devolvidas para o sistema de distribuição da Coca-Cola.
Este artista também estampou comentários políticos em notas bancárias, sendo a mais frequente ‘Quem Matou Herzog?, referenciando um jornalista morto sob custódia da polícia em circunstâncias suspeitas.
Na altura, o Brasil encontrava-se sob uma opressora ditadura militar e as inserções constituíram uma tática de guerrilha de resistência política que eludia a forte censura exercida pelo Estado.
Meireles declarou que procurou usar os sistemas de comunicação e distribuição sobre os quais certamente não haveria controle, como os media ou a imprensa, e que : as inserções apenas existiriam enquanto deixassem de ser o trabalho de apenas uma pessoa. O trabalho existe apenas enquanto outras pessoas participam nele. O que também resulta daí é a necessidade de anonimato. Por extensão, a questão da anonimidadeenvolve a questão de autoria. Quando o objeto de arte se torna uma prática, vira algo sobre o qual não é possível exercer controle ou posse.
Ruth Ewan: compilou centenas de canções de protesto numa jukebox que tenta mudar o mundo. O visitante da exposição é convidado a tocá-las todas na galeria.
Atelier Populaire: seus posters difundem as demandas e protestos dos estudantes/intelligentsia/sindicatos de Maio de 1968, Paris a cobrar o Estabelecimento Frances.
Guerilla Girls: produziam posters de propaganda anónimos, denunciando a ausência de mulheres artistas nas grandes exposições de arte.
Emory Douglas: trabalhou como Ministro da Cultura para o Partido Pantera Negra desde 1967 até a separação do Partido na década de 1980. Sua arte gráfica ilustrava as lutas do Partido em grande parte das edições do jornal A Pantera Negra.
Taller de Grafica Popular (“Oficina Gráfica Popular” ou apenas TGP):uma coletiva de gravuristas fundada no México em 1937. Usavamposters e panfletos como plataformas para promover causas sociais revolucionárias.
Art Turning Left: How Values Changed Making 1789-2013 tem curadoria de Francesco Manacorda e Lynn Wray, tendo estado patente naTate Liverpool até 2 de Fevereiro de 2014.
Fonte: We Make Money Not Art
http://incubadoradeartistas.com/tag/obras-de-arte/
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