GENE ANCESTRAL PERMITE AOS TIBETANOS VIVER BEM NO AR RAREFEITO

 (Foto: Getty Images)
 
No ar rarefeito, poucos seres humanos são iguais aos tibetanos. A partir de 2.300 metros acima do nível do mar, pessoas comuns lidam com a falta de oxigênio dando início a um ciclo de sobrevivência: o pulmão trabalha mais e o coração acelera, aumentando a produção de glóbulos vermelhos. Duas horas depois, surgem os efeitos colaterais – dor de cabeça, náusea, sangramento do nariz e, no limite, embolia. Qualquer pessoa ficaria enfraquecida. Não as do Tibete.
Os habitantes desta região ao norte da cordilheira do Himalaia, na Ásia, têm uma mutação específica: uma variação do gene EPAS-1, ligado ao transporte de oxigênio no sangue. Isso faz com que a 4.500 metros de altitude, o organismo se mantenha normal, como se eles estivessem tomando sol tranquilamente em Copacabana. “Os tibetanos vivem na altitude sem aumento da quantidade de hemoglobina”, afirma Ramus Nielsen, professor de biologia computacional da Universidade da Califórnia, em Berkeley, que publicou um estudo recente sobre o tema na revista americana Nature. Sem o aumento dos glóbulos vermelhos, não há efeitos colaterais. “Além disso, nenhum outro povo conhecido do planeta tem tanta resistência natural ao frio.”
Os cerca de 2,7 milhões de nascidos na região mais alta do mundo são, portanto, especiais. O segredo deles é ter preservado um resquício genético de outro hominídeo, um misterioso primo nosso desaparecido há aproximadamente 30 mil anos: o denisovano.
Desenterrando o passado: Ossos de denisovanos encontrados na Sibéria, em 2008 (Foto: Science Photo Library)
 
EXPRESSO ORIENTE

Os denisovanos são muito menos famosos do que outros parentes antigos — e extintos — do Homo sapiens, por causa das poucas informações disponíveis. Sua existência só foi descoberta em 2008, quando arqueólogos encontraram restos de uma menina de cerca de 50 mil anos, cujo genoma não combinava com o de nenhum hominídeo conhecido. Nos meses seguintes, mais ossos parecidos foram encontrados.

“Nada indicava que os ossos eram de outra espécie de hominídeo. O mérito da descoberta coube à curiosidade científica de Alexander Tsybankov”, afirma
Ramus Nielsen, referindo-se ao arqueólogo russo que desconfiou que aqueles dedos eram grandes demais para serem de um neandertal. O chefe de Tsybankov, o também arqueólogo russo Anatoly Derevianko, foi quem tomou a decisão de cortar o osso em dois e enviar metade para a Califórnia e metade para a Alemanha. Enquanto os pesquisadores alemães do Instituto Max Planck concluíram que aquele hominídeo era diferente dos outros, o centro americano é que começou a comparar o DNA com o de humanos modernos.
Somados, os achados compõem apenas os ossos de dois dedos e dois dentes. São pouquíssimas peças para um quebra-cabeça gigantesco, mas já são o suficiente para indicar a existência de um hominídeo que, assim como os neandertais, interagiu com o Homo sapiens, inclusive sexualmente.

O MITO DA CAVERNA

O fóssil de 2008 foi descoberto em uma caverna nas montanhas Altai, na Sibéria, localizada a cerca de 320 quilômetros da divisa da Rússia com a Mongólia, a China e o Kazaquistão. Foi lá que, no século 18, viveu um monge ermitão bem conhecido entre os russos, chamado Denis — por isso esta subespécie recebeu o nome de “hominídeos de Denisova”, ou denisovanos. Até agora, esta caverna é o único local do planeta em que foram encontrados, reunidos em um único ponto, restos de humanos modernos, denisovanos e neandertais. Como a temperatura local dificilmente ultrapassa 0 oC, ela fornece informações bastante ricas sobre o passado destes hominídeos ancestrais.

Que nosso DNA não é exclusivamente humano já se sabia: os humanos modernos que não vieram da África têm 4% de genes compartilhados com os neandertais. O próprio código genético denisovano encontrado na caverna russa contém 17% de genes neandertais. Mas nem sempre a consequência prática é tão visível quanto no caso dos tibetanos.
Sobre o aspecto físico dos denisovanos, não se pode dizer muita coisa. Mas é fato que os ossos largos indicam que eram indivíduos robustos, mais próximos dos neandertais do que de nós. Além disso, a presença no gene entre os habitantes do Sudeste Asiático sugere que a influência genética dos denisovanos pode ter provocado pele morena e cabelos e olhos castanhos.
Também havia pouca diversidade genética, um terço a menos do que entre os humanos. Além disso, apesar de alcançarem vastas distâncias, não formaram uma grande população. “Eram nômades que interagiam com outros hominídeos”, afirma Johannes Krause, pesquisador do Instituto Max Planck.
Para mais detalhes, faltam ossos. Desde 2008, arqueólogos revisitam achados asiáticos em busca de novos denisovanos — que provavelmente virão da China, onde fósseis promissores, datados de 250 mil a 100 mil anos, são revisitados neste momento por cientistas.
Até lá, há mais perguntas do que dados. Há evidências de que, por volta de 100 mil anos atrás, existiam cinco grupos diferentes de hominídeos: os humanos modernos, os neandertais, os hominídeos de Denisova, o Homo erectus e o Homo floresiensis — também conhecidos como hobbits, mas que, de acordo com pesquisas recentes realizadas com fósseis da Polinésia, poderiam também ser Homo sapiens com síndrome de Down.
Em algum momento, todos sumiram. Só sobraram os humanos modernos. E o porquê disso é um mistério ainda maior do que os denisovanos.
 (Foto: Thinkstock e Latin Stock)
http://revistagalileu.globo.com/Revista/noticia/2014/10/gene-ancestral-permite-aos-tibetanos-viver-bem-no-ar-rarefeito.html

 (Foto: Getty Images)

Comentários