Comprar na China é fácil, difícil é receber a encomenda
13 novembro 2014 | 09:25
A China foi mordida pela praga do comércio eletrônico, mas o país enfrenta problemas na entrega, principalmente por causa de décadas de falta de investimento na infraestrutura logística do interior e regulamentação ineficiente
The New York Times
HANGZHOU – Era o maior dia de compras do ano na China, e os descontos estavam tentadores. Mas Jiang Shan esperou para comprar um pouco daquilo que ela realmente desejava.
Na terça feira, 11 de novembro, dezenas de milhões de chineses como Jiang compraram mais de US$ 9 bilhões em produtos na internet durante o Dia do Solteiro, que funciona na prática como um feriado de compras para o comércio eletrônico e maior evento mundial de compras na internet. Mas a compra foi apenas parte da história. Temos também a etapa da entrega.
Jiang, dona de uma padaria na cidade chinesa de Urumqi, no oeste do país, gastou 2 mil yuans (US$ 325) num filtro de água e em utensílios de cozinha , e disse que teria gasto ainda mais se acreditasse que os produtos encomendados chegariam a ela rapidamente e sem estragos.
“Não costumo comprar muito no Dia do Solteiro porque a logística da operação me preocupa”, disse ela. “Se todas as encomendas que fiz este ano chegarem em 10 a 15 dias, ficarei feliz.”
A China foi mordida pela praga do comércio eletrônico. Um setor varejista subdesenvolvido e uma florescente rede de mercadores online anunciando ofertas a preços baixos levaram os chineses a procurar a internet antes de mais nada na hora das compras, seja de sapatos, fornos, papel higiênico ou escovas de dente.
O mercado chinês do comércio eletrônico já é maior do que o americano e, até 2020, deve alcançar as dimensões da soma dos mercados americano, britânico, alemão, japonês e francês, de acordo com relatório da KPMG.
Mas o país enfrenta problemas na entrega, principalmente por causa de décadas de falta de investimento na infraestrutura logística do interior e regulamentação ineficiente. Os artigos demorar para chegar ao interior do país, e os danos são um problema persistente – afetando os consumidores e as pequenas empresas.
“Imagine ter 30 times da NBA e apenas um punhado de ginásios do ensino médio para realizar as partidas – era esse o estado da infraestrutura chinesa quando o comércio eletrônico decolou”, disse Shen Haoyu, diretor executivo do site de vendas ao consumidor da gigante chinesa do comércio eletrônico JD.com.
As entregas na China são tão ineficientes que o país gastou 18% do seu PIB em logística em 2013, 6,5% acima da média global e 9,5% acima do gasto habitualmente observado em países desenvolvidos como os Estados Unidos, disse Fox Chu, diretor de infraestrutura e transporte para a região da Ásia Pacífico na consultoria Accenture.
“O envio de artigos de Fujian a Pequim pode ser mais caro do que enviar algo de Pequim até a Califórnia”, disse ele, referindo-se à viagem de aproximadamente 2 mil km da província do sul da China até a capital do país.
Recentemente, tanto a principal empresa de comércio eletrônico da China, Alibaba, quanto sua rival menor, JD.com, tentaram tornar as coisas mais eficientes, especialmente no interior.
A Alibaba prometeu investir 100 bilhões de yuans (US$ 16,3 bilhões) numa iniciativa para ligar empresas de terceiros que entregam seus pedidos. A ideia é formar uma aliança que use os dados dos clientes e dos pedidos do Alibaba para antecipar os pedidos e tornar as entregas mais eficientes.
A JD.com, por outro lado, está construindo seus próprios armazéns e transportando seus próprios artigos. A empresa consegue fazer entregas no dia do pedido em 100 cidades, e entrega no dia seguinte ao pedido em outras 600, disse Shen, executivo da JD.com.
Como ocorre com a maioria das coisas na China, o estado da logística pode ser subdividido de acordo com a geografia e a riqueza. Nas cidades maiores e mais ricas da costa leste do país, praticamente tudo pode ser entregue até o dia seguinte.
Zhang Rui, vendedor de tecnologia da informação que mora em Pequim, não compra mais os artigos de uso diário nas lojas.
“Compro praticamente tudo que preciso na internet, desde verduras e legumes a papel higiênico, arroz, óleo de cozinha, sal, escovas de dente e xampu”, disse ele.
Para Jiang, que mora no interior, a história é diferente. Ela relatou uma ocasião em que um entregador se recusou a ajudá-la a subir as escadas do apartamento com um pacote pesado. Alguns entregadores não esperavam até que ela abrisse o pacote para inspecionar se os artigos pedidos estavam em bom estado e todos presentes. As amigas que moram perto da costa e usam o Alibaba perguntam a ela como consegue sobreviver.
“Quando o pacote chega, não espero que seja um embrulho bonito”, disse ela. Mesmo quando há alguns arranhões no produto, “não me importo mais”.
A segurança também se tornou um problema. No final de 2013 uma pessoa morreu e sete foram internadas depois que um líquido tóxico enviado por uma empresa de produtos químicos vazou em outros pacotes no momento da entrega. Em 2012 um avião da China Southern Airlines pegou fogo quando fósforos para acampamento entraram em ignição dentro de um pacote.
Os problemas com as entregas na China são sublinhados no Dia do Solteiro, que foi concebido como forma de permitir que os chineses descasados descontassem nas compras o peso da solidão. A partir da noite de terça feira, os artigos dos 278,5 milhões de pedidos feitos durante o Dia do Solteiro nos sites de comércio eletrônico do Alibaba deveriam ser entregues, principalmente de caminhão, ao longo de um território do tamanho dos Estados Unidos repleto de cordilheiras de montanhas.
Os caminhões vão transportar os pacotes de armazéns até centros de distribuição menores, com os motoristas pagando pedágios caros e enfrentando os congestionamentos. Após a entrega, muitos veículos não trarão pacotes de volta por causa de confusas regras locais.
A partir dos centros de distribuição, equipados apenas com prateleiras para guardar o dilúvio de pacotes, centenas de milhares de entregadores vão começar o lento processo de levar cada pacote a destinatários espalhados por distantes vilarejos no Himalaia, pelas megacidades do leste da China e nos povoados nas matas do Mar do Sul da China.
Parte do plano da Alibaba é estabelecer armazéns nos entroncamentos de maior importância para ajudar a agilizar as entregas.
“A China é grande demais e, por isso, não podemos comprar um monte de terrenos para construir armazéns”, disse o diretor de operações da Alibaba, Daniel Zhang. “Em vez disso, vamos escolher áreas-chave, localizações extremamente estratégicas onde os recursos sejam limitados.”
A empresa vai dividir o espaço de seus armazéns com parceiras logísticas como a YTO Express, empresa particular de entregas.
A YTO cresceu muito ao fazer as entregas dos artigos dos pedidos feitos nos sites de comércio eletrônico da Alibaba. No ano passado, apenas 13 anos após a sua fundação, os funcionários da YTO entregaram 1,5 bilhão de pedidos em toda a China.
Para o aumento no número de pedidos esperado para o Dia do Solteiro, a YTO contratou 30 mil funcionários temporários. A empresa planeja comprar seu primeiro avião no próximo ano.
Neste ano, pela primeira vez, a Alibaba espera rastrear a localização de cada artigo pedido durante o Dia do Solteiro.
O armazém de 50 mil m2 da JD.com no sul de Pequim, o maior da cidade, mostra as vantagens de se construir o próprio serviço de entregas.
A imensa estrutura é organizada de maneira ergonômica, e os funcionários correm a toda velocidade, empurrando carrinhos repletos de artigos em pistas segmentadas para diferentes velocidades. Uma tela exibe quantos pedidos foram processados por cada funcionário.
Trata-se de algo muito diferente da maioria dos armazéns da China, que costumam ficar a céu aberto, expostos às intempéries, aparentemente organizados de modo a provocar engarrafamentos.
Para ajudar a reduzir os atrasos durante o Dia do Solteiro, a JD.com fez promoções na semana anterior e trouxe funcionários temporários de todo o país. O armazém tem capacidade para processar mais de 200 mil pedidos por dia.
Embora tenha se mostrado caro construir aquilo que equivale essencialmente à sua própria versão da FedEx, essa estratégia permite que a JD.com processe pedidos mais rapidamente do que as rivais, ainda que suas dimensões operacionais não sejam tão impressionantes.
Mais importante, a empresa é capaz de treinar os entregadores que Shen chama de “o rosto da JD.com, literalmente”.
Zhu Sichang, 29 anos, é um desses entregadores. Zhu disse que seu momento favorito no emprego ocorreu depois que ele subiu correndo vários lances de escadas para fazer uma entrega urgente a um freguês.
“Ele viu como eu estava transpirando e me ofereceu um copo d’água por causa do meu esforço”, disse ele. /Tradução de Augusto Calil
Fonte:http://economia.estadao.com.br/blogs/radar-economico/comprar-na-china-e-facil-dificil-e-receber-a-encomenda/
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