A COMPAIXÃO E O MEIO AMBIENTE - S.S.GYALWANG DRUKPA

A Compaixão e o Meio Ambiente

Por S.S.Gyalwang Drukpa
Lamdon School, Leh, Ladhak – 05.08.11 


Hoje relembramos o triste evento das inundações que destruíram muitas moradias e tiraram a vida de muitas pessoas exatamente nesta mesma data no ano passado, em 2010, aqui em Ladhak.
Há várias formas de olhar para isso: como nosso karma coletivo, individual, como o movimento da natureza, como um sinal de alguma desarmonia ou como a própria natureza gritando e chorando a nos precaver para agirmos e nos relacionarmos com ela de outra forma.
Quando contemplamos o nível físico desta desarmonia, vemos que tudo é formado e surge a partir dos 4 ou 5 elementos – espaço, ar, fogo, água e terra. Não só as coisas externas são formadas a partir destes elementos, mas também nosso próprio corpo físico é constituído basicamente destas mesmas substâncias básicas.
Num nível profundo, tais 5 elementos são manifestações da compaixão primordial de todos os Buddhas. O movimento destes elementos é a expressão da face livre e toda-abrangente de nossa natureza primordial, é puramente a manifestação da compaixão inerente à natureza de todas as coisas.
Num nível mais grosseiro nós, seres humanos, estamos nos relacionando com estes elementos a partir de “marigpa”

(ou cegueira dual, não-reconhecimento).
 
Esquecemos ou perdemos o contato com nossa verdadeira natureza compassiva e toda-abrangente. Disto, pela força de hábitos, nossa mente descontrolada é arrastada nas várias direções como uma pena ao vento, chocando-se com outras penas e objetos pelo caminho. Tal descontrole e os choques que decorrem do mesmo, produzem cegueira no sentido de ausência de visão ampla, limitações e mal-estares diversos. Através de “marigpa” damos mais solidez e ampliamos tal desarmonia. Nossa energia segue o mesmo padrão e os elementos de nosso corpo, que surgem na base do movimento de nossa energia, também, por consequência, manifestam a mesma desarmonia.
Buddha nos ensinou sobre interdependência, sobre todas as coisas surgirem a partir de causas, se sustentarem e permanecerem a partir de condições e estabelecerem relação entre si na dependência de tais causas e condições. Nós seres humanos existimos assim, as coisas ao nosso redor surgem desta forma, o universo inteiro manifesta-se deste mesmo jeito. Nós fazemos parte de um grande corpo, do universo inteiro, de toda a natureza existencial, surgida a partir dos 5 elementos. Dentro desta interdependência, se nossa mente, energia e corpo estiverem em desarmonia, a mesma causará um efeito direto nos elementos da natureza que existem e estão complemente inter-ligados conosco. Da mesma forma, se há desarmonia externa, veremos esta desarmonia nos afetando como foi o exemplo dos dilúvios de 1 ano atrás aqui em Ladhak.


Outro exemplo é o fato de nossa diversidade humana. Pessoas nascidas em diferentes partes do mundo, nascem com características físicas diferentes. Isto não se dá somente porque seus pais são diferentes, mas porque seu ambiente físico externo apresenta características diferentes, uma diversidade de intensidades em seus 5 elementos. A intensidade destes elementos, seu poder, influencia e produz diretamente em nós, seres humanos, características diferentes, proteções e anti-corpos diversos.  A natureza não está separada de nós e nós não estamos separados da natureza, somos um corpo só, em interação direta e constante.
Nós não queremos sofrer. Todos nós buscamos felicidade e o meio para isso é encontrarmos harmonia. 

Entretanto, não adianta nada tentarmos  produzir transformações externas através da força física, se não encontrarmos harmonia interna. Se fizermos exclusivamente isso, estaremos colocando e gastando muita energia na direção errada, e ao mesmo tempo em que estaremos transformando externamente, estaremos deteriorando aquilo que estamos consertando pois, internamente, ainda não teremos transformado nossa mente e nossos hábitos. É necessário transformar a forma com a qual olhamos e nos relacionamos com o universo, e a essência disto é a harmonia tanto física quanto mental.
Quando olhamos com mais proximidade para o que seria esta harmonia, entraremos em contato com nossa própria natureza, que é a de compaixão. Portanto, o tópico principal aqui, o cerne e meio hábil para esta transformação ocorrer é a compaixão e o amor. A compaixão e o amor não pertencem ao buddhismo mas são inerentes à nossa natureza, a natureza de todos os seres. Desde cristãos a mulçumanos, encontramos em todas as tradições verdadeiramente espirituais este precioso sentimento. No buddhismo, quando nos familiarizamos mais e mais com estas qualidades, nos aprofundamos a ponto de reconhecer que compaixão e amor são de fato nossa verdadeira natureza, a natureza do Buddha Primordial, a natureza de Guru Rinpotche, a natureza de todos os Buddhas e Bodhisatvas, ou seja, nossa própria natureza, ainda que  não a reconheçamos. Seja nos ensinamentos Marra-yana, Vajra-Yana, Marra-Mudra ou Dzogtchen, esta natureza é idêntica.


Observamos também, que compaixão e amor não estão separados de nossa natureza de sabedoria, da clareza lúcida e luminosa de nossa mente. Não há amor e compaixão na ausência de sabedoria, e a porta para esta sabedoria  é o entendimento. Entendermos a nós mesmos, aos outros e a natureza ao nosso redor é a porta de acesso a um amor sábio. A isto, nós chamamos de Boddhitchita (a Mente-Coração do Despertar). Boddhitchita é nossa verdadeira natureza. Quando a reconhecemos e cultivamos sua presença,  a manifestação externa naturalmente ativa desta natureza surge a partir das Seis Perfeições transcendentais (6 paramitas) – a Generosidade Transcendental, a Disciplina Transcendental, a Paz Transcendental, a Perseverança Transcendental, a Estabilidade Mental Transcendental e o Discernimento Transcendetal. Estas qualidades todas surgem e fazem parte de nossa verdadeira natureza. Compaixão, amor, alegria e equanimidade imensuráveis, toda-abrangentes, encontram-se em união. Estes são conceitos  diferentes que apontam para uma mesma natureza.
Portanto, o primeiro passo para encontrarmos harmonia externa, para que a natureza não nos surpreenda com seus desastres naturais é inciarmos a partir de nós mesmos, internamente, entrando em contato e cultivando compaixão e amor. Realizando isto internamente, a partir de nós, naturalmente encontraremos harmonia e transmitiremos essa harmonia tanto aos outros seres como à natureza, ao meio-ambiente no qual vivemos, ao universo inteiro.  Mesmo cientistas e eruditos tem estudado e avaliado todos estes aspectos, tanto externos do universo e dos elementos que o constituem, quanto internos, a nível psicológico, suas inter-relações, causas e efeitos. Hoje temos acesso a estes estudos até mesmo em revistas, televisão e internet. Entretanto, somente o conhecimento teórico não é suficiente. Temos  não só que reconhecer e realizar que nossa natureza e a realidade das coisas são de fato assim, mas também que viver este amor e compaixão, esta realidade, esta verdade em nossas vidas diárias.
Estamos todos inter-ligados, o universo inteiro está inter-ligado. Aprendendo a amar a nós próprios  aprenderemos a 
amar aos outros e ao ambiente que nos abriga. Amando o meio ambiente que nos acolhe e aos outros, acabaremos por encontrar o amor por nós mesmos. Pelo caminho do entendimento e do amor, acabaremos por encontrar ou chegar à harmonia. Esta harmonia no coração se extenderá ao físico, aos elementos de nosso corpo e aos elementos da natureza.
Portanto, o que gostaria de compartilhar com vocês é isso. Não haverá harmonia verdadeira em nosso meio ambiente e os desastres naturais continuarão a acontecer, até que possamos dar verdadeira atenção à compaixão e ao  amor genuínos, os realizando em nosso ser de forma a vivermos nossas vidas a partir deles.
É exatamente por este motivo, com meu apoio e incentivo, que meu filho de coração, Thuksey Rinpoche, liderou por 4 dias (o que se finalizou no dia de hoje),  a acumulação do mantra Mani de Avalokteshvara, o Buddha da Compaixão, aqui em Leh. Devemos todos cultivar a compaixão e, um meio extraordinário de entrar em contato com esta natureza a partir do buddhismo vajrayana, é através do invocar a natureza de amor e compaixão de Avalokteshrava.  Hoje dedicaremos os méritos desta acumulação através de um Tsok e oferenda de lamparinas a todos os atingidos pelos dilúvios no ano passado como, também, a todos que sofreram ou sofrem com desastres naturais ao redor do mundo. Dedicaremos para que o verdadeiro amor e compaixão toquem seus corações e que as bençãos do Buddha Avalokteshvara os protejam.

S.S. Gyalwang Drukpa
Lamdon School, Leh, Ladhak
05.08.11
[traduzido do tibetano pelo Comitê de Traduções Drukpa Brasil]

Fonte:http://www.drukpabrasil.org/a-compaixao-e-o-meio-ambiente/

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