RELATIVIDADE E O CAMINHO PARA O ABSOLUTO - ARCANA SIDDHI DEVI DASI

23 R (artigo - Filosofia e Psicologia) Relatividade e o Caminho Para o Absoluto (1851) (bg) (ta)

Relatividade e o Caminho para o Absoluto

Porque muitos fatores influenciam a maneira com que vemos o mundo, muita fé em nossa própria perspectiva pode ser algo perigoso material e espiritualmente.


Meu esposo e eu estávamos aconselhando um casal e fazíamos algum progresso, mas então chegamos a um impasse. O esposo insistia que suas percepções das interações do casal eram a realidade e que qualquer coisa diferente daquelas percepções era falsa ou ilusória. Em outras palavras, a visão de sua esposa era errada se fosse diferente da sua. Meu esposo e eu fizemos o melhor que podíamos para ajudá-lo a expandir sua perspectiva. Nós esperávamos que ele pudesse se interessar pela possibilidade de ver as coisas de maneira diferente. Ele, no entanto, não mudava seu posicionamento e, por fim, encerrou o aconselhamento matrimonial.
Depois desse incidente, refleti sobre um apaixonado debate que eu tivera com um amigo antes de me tornar devota. Ele insistia que não havia realidade absoluta, mas apenas nossa realidade subjetiva individual, enquanto minha postura era que havia sim uma realidade absoluta – nós apenas não podíamos percebê-la. Ele insistia que minha posição era apenas minha realidade subjetiva. Nós dois voltamos para casa frustrados e irritados.
Posteriormente, depois de me tornar devota, descobri que, de acordo com os ensinamentos védicos, minhas assertivas estavam corretas. Porém, agora eu podia compreender algo sobre a natureza de tal realidade absoluta: ela é Krishna. Tudo o que vemos neste mundo vem de uma das muitas energias de Krishna. Contudo, Sua energia ilusória (maya) priva-nos de perceber as coisas apropriadamente. Da mesma forma que um mágico pode fazer-nos pensar que estamos vendo algo que não está ali, Krishna usa Sua energia ilusória para criar nossa suposta realidade.
Talvez uma pessoa se pergunte a razão para Deus querer privar-nos de ver a verdade. Na realidade, esse não é o Seu desejo, antes Ele está apenas amparando o nosso desejo de desfrutarmos separadamente dEle. Quando estamos completamente desconectados de nosso Senhor, não podemos perceber a realidade. Em vez disso, acreditamos em uma “realidade” ilusória, como pessoas sob o feitiço de um hipnotizador que pensam serem patos ou cachorros. Pela influência de maya, a alma no mundo material realmente pensa ser um pato ou um cachorro ou um homem ou uma mulher. Tal realidade relativa, todavia, é temporária e desaparecerá com a morte. Apenas a alma eterna segue.
Dhruva Supera a Ilusão
Algumas vezes, mesmo grandes devotos são desnorteados pelas ilusões da energia material. Dhruva Maharaja era um poderoso rei e devoto do Senhor. No entanto, quando vingando a morte de seu irmão, Dhruva foi desnorteado pelas proezas mágicas de seus oponentes, os yakshas, que eram peritos na criação de ilusões arrebatadoras. Dhruva acreditava estar no meio de uma grande devastação. Ele via troncos de corpos humanos caindo do céu juntamente com armas letais e grandes pedregulhos. Ele viu um tsunami e também um grande número de animais selvagens vindo devorá-lo.
A energia divina protege os grandes devotos. Para Dhruva, essa energia divina veio na forma de misericordiosos sábios que se aproximaram dele para ensiná-lo como desfazer a ilusão. Seguindo suas instruções, Dhruva se lembrou de Krishna e de Seus santos nomes e assim foi capaz de ver além das ilusões criadas pelos yakshas. Esse mesmo refúgio divino está disponível a todos nós. Quando cantamos Hare Krishna, a ilusão do reino material começa se a dissipar. Krishna nos envia ajuda na forma de guias espirituais que nos ensinam como desfazermos as ilusões materiais e redespertarmos nosso adormecido amor a Deus. Então nos tornamos perfeitamente situados na realidade absoluta.
Filtro Mental
O esposo que estávamos aconselhando estava certo da existência de uma realidade absoluta, mas ele equivocadamente acreditava ser possível percebê-la através de sentidos imperfeitos. A ciência nos diz que a todo instante somos bombardeados por mais de seis milhões de bits de informação que correm para o nosso interior através de nossos sentidos. Os cientistas postularam que o sistema de ativação reticular, localizado na base do cérebro, age como um porteiro, impedindo que sejamos subjugados pelo excesso de informações. Esse sistema de filtragem permite que entrem em nossa percepção consciente informações baseadas em nossas experiências e em nossas crenças sobre nós mesmos.
No Bhagavad-gita, Krishna explica a Seu amigo e discípulo Arjuna que Ele é a fonte de toda lembrança, de todo conhecimento e de todo esquecimento. Krishna, como a Superalma dentro de nossos corações, sanciona quais informações vão até nossa percepção consciente. De acordo com nossos desejos, Krishna fortalece nossa fé em certas percepções ou ideias de forma a apoiar uma experiência em particular dentro do reino material.
Embora a ciência moderna e a sabedoria antiga nem sempre estejam em harmonia, explicações científicas podem, algumas vezes, serem úteis na apresentação de pontos filosóficos. Podemos, por exemplo, dizer que nosso prarabdha karma (karma manifesto) se manifesta por meio dos cromossomos ou do DNA. Similarmente, a Superalma pode, por meio do sistema reticular, filtrar informações contrárias a nossas crenças. Se algumas pessoas, por exemplo, dizem que sou uma pessoa legal, eu talvez rejeite essas percepções e pense que elas querem me vender algo ou me manipular de alguma maneira.
Além desse filtro de informações no cérebro, nossos sentidos também cometem erros. Podemos ver uma corda e pensar que se trata de uma cobra. E, dependendo do tamanho de nossa determinação em convencer outros sobre o que pensamos, podemos apresentar informações enganadoras ou mentirosas. O desejo de um experimentador por um resultado específico frequentemente contamina os experimentos científicos.
Até que tenhamos purificado nossa consciência, nossa natureza condicionada influenciará nossos pensamentos e nossa habilidade de compreender até mesmo o conhecimento absoluto advindo de fontes puras. Se, por exemplo, em razão de minha criação, eu acredito que Deus é vingativo e irado, eu filtrarei as informações que expõem como Ele é amável e misericordioso com Seus devotos. Portanto, é prudente questionarmos nossas próprias percepções da realidade e estarmos abertos às de outros, especialmente das pessoas espiritualmente avançadas.
Estágios do Pensar
Outro aspecto de nossa constituição psicológica que afeta nossa habilidade em perceber a realidade absoluta é nosso desenvolvimento cognitivo, ou a maneira com que nosso processamento de pensamentos se desenvolve. William Perry, um psicólogo desenvolvimentista, descreve estágios de desenvolvimento cognitivo que acredito poderem ser úteis para os devotos distinguirem entre fanatismo e iluminação. O primeiro estágio é o pensar preto e branco, no qual não podemos tolerar pontos de vista diferentes dos nossos e no qual o nosso pensar é rígido e dogmático. Alguns de nós não vão além desse estágio; o restante progride para o pensar relativista e ouve e considera diferentes perspectivas e opiniões. O pensar relativista ajuda as pessoas a iniciarem e manterem relacionamentos íntimos. O estágio final, que Perry diz ser raramente alcançado, é o comprometimento. A pessoa nesse estágio tem crenças fixas, mas convive harmonicamente com as percepções de outros. De acordo com a pesquisa de Perry, as pessoas de consciência espiritual altamente elevada que poderiam ser classificadas dentro desse último estágio fazem parte de um grupo pequeno e seleto.
À primeira vista, o pensador preto e branco e o comprometido talvez pareçam iguais: ambos estão convencidos de suas crenças, diferentemente do pensador relativista (estágio dois). No entanto, o pensador comprometido aceitará outros, enquanto o pensador preto e branco é frequentemente fanático e irredutível. Terroristas estão presos no estágio um e criam grande perturbação no mundo por pensarem que sua realidade subjetiva é a única verdade. A missão deles é converter outros à sua abominável maneira de pensar. Como a história moderna mostra, esse tipo de pensamento sectário com vestes de religião é extremamente perigoso.
Perigos do Sectarismo
Srila Prabhupada, um vaishnava superlativamente comprometido, enfatizou por diversas vezes que sua sociedade, a Sociedade Internacional para a Consciência de Krishna, era não-sectária. Ele não estava concentrando esforços para converter pessoas de uma religião para outra; ele queria ajudar as pessoas a desenvolverem amor por Deus. Bhaktivinoda Thakura, predecessor de Prabhupada, listou o sectarismo como um dos principais obstáculos ao progresso espiritual por ele dificultar o encontro de um guru e a associação com devotos sinceros que possam não estar contidos no grupo rigorosamente definido da pessoa.
Juntamente com a aceitação da Verdade Absoluta, temos de lembrar que vivemos em um mundo relativo e que nossas percepções e experiências são subjetivas. Se eu sinto frio e outra pessoa sente calor, está calor ou está frio? Dizer “eu estou com frio” expressa minha realidade subjetiva, mas dizer “está frio” é uma imposição de minha realidade subjetiva sobre os outros. Prabhupada nos ensina a não confiarmos em nossa realidade subjetiva para entendermos a verdade. Ele dá o exemplo de um grupo de homens cegos tentando dizer a identidade de um elefante tocando nele. Um dos homens, sentindo sua tromba, declara que a criatura é uma grande cobra. Outro, envolvendo uma das pernas do elefante com seus braços, conjetura que o elefante é um grande pilar. A percepção limitada e subjetiva de cada homem do grupo falha na identificação correta do objeto. Para conhecerem a verdade, eles precisam da ajuda de uma pessoa com visão.
Relatividade é algo que nos influenciará até que nossa natureza condicionada seja purificada. Prabhupada, portanto, ensina-nos a cultivarmos uma atitude humilde e de serviço para com os outros, especialmente para com as almas avançadas. Unicamente pela misericórdia delas podemos entender o reino do Absoluto. Quando deixamos de defender nossas impressões e percepções como o padrão absoluto e aceitamos as experiências de outros, tornamo-nos mais amáveis.
Esse tipo de pensamento aprimorará nossa efetividade na difusão dos ensinamentos do vaishnavismo e também auxiliará na manutenção de nossos relacionamentos com outros vaishnavas, inclusive com nosso esposo ou esposa. O pensamento preto e branco torna um casamento instável e com alta probabilidade de divórcio. Se nos encontramos entrincheirados no desejo de estabelecermos nossas perspectivas relativas como absolutas, devemos orar pelo progresso para além desse estágio de pensamento.
Irmos para além do pensamento preto e branco nos ajudará a avançarmos espiritualmente. Então, um dia, entraremos na realidade absoluta, onde nossas percepções subjetivas são perfeitas. Nesse estágio, não mais contaminados pela energia material, ficamos sob a influência da energia interna de Krishna e vemos a realidade espiritual através de nossa relação particular com Krishna. Os vaqueirinhos veem Krishna como o seu melhor amigo, os vaqueiros e vaqueiras mais velhos veem-nO como seu filho, e as jovens vaqueirinhas veem-nO como seu amante. Todos eles acreditam que sua posição é a melhor, e todos eles estão subjetivamente corretos.
Através de sinceridade, serviço e misericórdia, podemos transcender a existência material e entrar em um mundo destituído de tensão entre as realidades subjetivas e absolutas. No mundo material, o relativo e o absoluto competem pela supremacia e podem destruir relacionamentos. No mundo espiritual, o relativo e o absoluto trabalham juntos na intensificação dos relacionamentos amorosos. Uma vez lá, nunca mais teremos de voltar para este mundo onde há apenas duas possibilidades: “Ou eu estou certo ou você está errado”.

Por Arcana Siddhi Devi Dasi

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