O DIA DOS ANCESTRAIS - THICH NHAT HANH


O Dia dos Ancestrais



Em Plum Village,Tailândia, todos os anos, nós celebramos o Dia dos Ancestrais. E durante este dia praticamos olhar em profundidade de maneira a reconhecer a presença de nossos ancestrais em nós, em cada uma de nossas células. Sabemos que nossos ancestrais são nossas raízes. É como a planta de milho que tem a semente de milho por raiz, e quando estamos todos bem enraizados, somos fortes. Mas se nossas raízes forem arrancadas, então não somos fortes o suficientes para enfrentar a vida. É por isso que em países como o Vietnã cada família tem em casa seu altar dedicado aos ancestrais. O respeito aos ancestrais é o que praticamos. Na China também se pratica a veneração dos ancestrais.

Mesmo que você não seja rico, se em sua casa houver um espaço central, uma mesa ou um vestíbulo, crie ali um altar para os ancestrais. Você pode colocar um porta-incenso ou um vaso de flores sobre esse altar. Quando choramos, nossos ancestrais também choram conosco. E quando escutamos uma Palestra do Dharma, nossos ancestrais também a escutam. Isso é realmente maravilhoso. Então a prática consiste em dirigir-se todos os dias ao altar dos ancestrais e começar por tirar o pó. Você limpa o pó do altar, troca a água do vaso de flores, e acende um incenso, colocando-o no porta-incenso. É assim que praticamos.

E por que fazemos isso? Estamos entrando em contato com nossos ancestrais. Leva não mais de dois minutos para cuidarmos do altar dos ancestrais, mas durante o tempo em que o limpamos, enquanto acendemos um bastão de incenso, estamos realmente em contato com nossos ancestrais. Temos a sensação de que aonde vamos, nossos ancestrais estão conosco. Não nos sentimos sozinhos, não nos sentimos alienados. Esse é o benefício da prática de venerarmos os ancestrais.

Geralmente, nossos ancestrais têm o direito de saber o que se passa. E portanto, faz parte da tradição que se amanhã seu filho vai para a escola pela primeira vez, no jardim da infância, você acende um bastão de incenso e anuncia a seus ancestrais, “Queridos ancestrais, amanhã vamos levar nosso menininho ao jardim de infância”. Seus ancestrais têm o direito de saber disso.

É atencioso da sua parte informar a seus ancestrais que amanhã seu filhinho ou filhinha irá pela primeira vez ao jardim de infância. Você pode pensar que os ancestrais ficam ali sentados sobre o altar, mas de fato, o altar serve apenas para lembrar-nos de que nossos ancestrais estão em nós. O altar está dentro de nós, em cada célula do nosso corpo. Todos os genes que nos foram transmitidos por eles estão lá, e se formos capazes de tocarmos nossos ancestrais, então podemos receber o apoio e a ajuda deles.

Cada vez que você estiver em dificuldades, com um problema, você pode dirigir-se a seus ancestrais. Houve uma mulher, com câncer avançado, que nos contou que tinha um avô que era muito estável, sólido. E dissemos a ela que todas as células de solidez do avô dela estavam nela mesma. “Então peça ajuda! Peça ajuda ao seu avô! Vovô, sei que suas células são sólidas. Por favor venha ajudar-me”. E se você tiver concentração e plena consciência, verá que seu avô está lhe respondendo. As células de solidez dele virão ajudá-la. E por fim aquela mulher curou-se do câncer, porque ela soube como rezar para o avô dela.

Onde quer que você vá, seus ancestrais estão com você. E se você estiver enraizado, se estiver atento, há de sentir-se mais sólido, mais enraizado, e você atravessará as dificuldades na sua vida muito melhor.

Quando vocês decidem casar sua filha com um jovem de uma outra cidade, vocês têm de informar isso aos ancestrais. Precisam preparar uma oferenda. Podem colocar a oferenda no altar, acender o incenso e dizer, “Queridos ancestrais, decidimos casar nossa filha com aquele jovem. Por favor nos dêem apoio”.

Esse é o tipo de prática que fazemos no Vietnã, na China, na Coréia, etc. Então hoje temos o Dia dos Ancestrais [aqui em Plum Village] de forma a termos uma oportunidade de entramos em contato com eles, porque acessá-los nos traz força e muitos outros benefícios.

Temos nossos ancestrais de sangue, mas temos também nossos ancestrais espirituais. Para os cristãos, Jesus Cristo é o ancestral espiritual. E ele está em nós porque o Cristianismo foi transmitido a você pelo padre, pelo ministro, por seu professor, e assim você tem Jesus Cristo em cada célula do seu corpo. Se você tiver problemas, pode rezar para ele. Ele não está longe. Ele não está no céu. Ele está em cada célula do seu corpo; você pode tocar Jesus Cristo em cada célula do seu corpo. Se você for um bom cristão, Cristo está disponível em todos os momentos.

Se você segue a tradição budista, o Buda, o Venerável Ananda e Shariputra são seus ancestrais espirituais. Os mestres através de muitas gerações também são seus ancestrais espirituais, e porque você aprendeu o Dharma, você ouviu Shariputra, você ouviu o Buda. É por isso que a semente, os genes do Buda e de Shariputra estão em cada célula, porque a transmissão é feita de duas maneiras; há a transmissão pela via genética e a transmissão pela via espiritual.

Como mestre, você transmite-se aos outros pela via espiritual, não pela genética. Então, há aqueles de nós que têm Jesus e Buda como ancestrais espirituais. Se você estiver em harmonia, não sente qualquer conflito por ter a ambos como ancestrais. Quando você recebe os Cinco Treinamentos da Plena Consciência, reconhece que eles são bastante cristãos. Se você olhar em profundidade, verá que na tradição cristã há o equivalente aos Cinco Treinamentos. E você se torna um cristão melhor praticando os Cinco Treinamentos da Plena Consciência. Não há conflito, não há discriminação. Você tem direito a ter vários ancestrais espirituais.

Se você enxergar profundamente, nós temos ancestrais animais, também. Para tal precisamos praticar meditação, para vermos em profundidade. Nossos ancestrais não são apenas humanos, porque a espécie humana é uma das mais recentes sobre a Terra. Muitas apareceram tardiamente na Terra, e antes da espécie humana aparecer, apareceram outros animais. Então, temos nossos ancestrais humanos, mas temos também nossos ancestrais animais. Aprender isso é muito estimulante, ver de onde viemos no que concerne à ancestralidade. Que tipo de animal fomos no passado, antes de termos a forma humana?

Então, sou um ser humano, mas também tenho ancestrais animais, e eles estão vivos em mim. Na literatura budista, dizemos que em alguma de nossas vidas passadas fomos um esquilo, um peixe, ou um pássaro. E isso não é apenas poético, é científico também.

Em uma de suas vidas pregressas, você foi um pássaro ou um peixe ou um cervo, e não apenas no passado. Hoje ainda você continua a ser um pássaro, um peixe, um cervo. Em mim, sinto muito concretamente que ainda sou um pássaro, um peixe, um cervo, porque de fato tenho ancestrais animais. E se você reconhecer os animais como seus ancestrais, você será melhor para com eles. Você não desejará comer seus ancestrais. Não é nada gentil comer seus ancestrais.

Daí, temos nosso ancestrais vegetais. De fato, os vegetais apareceram antes dos animais. No passado, numa vida pregressa, você foi um pinheiro, uma planta aquática, um cogumelo. Por que não? Por isso você tem de olhar em profundidade para sentir que também somos feitos de animais e vegetais. Você vem dos vegetais e dos animais, e se souber disso, se lembrar disso, então você desejará protegê-los, vivendo de uma tal maneira que ajude a proteger animais e vegetais, porque eles também são nossos ancestrais.

Olhando mais em profundidade, vemos que temos ancestrais minerais, também. Água, rocha, terra, pó – você é feito de estrelas. Você é feito de minerais. Sem minerais não poderia haver vegetais, animais ou humanos. Por isso é importante dar-nos o tempo de olharmos em profundidade. Para enxergar, reconhecer todos os nossos ancestrais. Ancestrais de sangue. Ancestrais espirituais. Ancestrais humanos. Ancestrais animais. Ancestrais vegetais. E também os ancestrais minerais.

No Sutra do Diamante, o Buda diz que há quatro idéias a serem transcendidas, e uma delas é a idéia de ser humano. Um ser humano: o Buda nos aconselha a olharmos em profundidade, a meditar. Quando você olha o ser humano, pode enxergar que o humano é feito de elementos não-humanos. Nominalmente: animais, vegetais e minerais. Quando perceber isto, vai querer proteger animais, vegetais e minerais.

Então, se você olha o ser humano e vê animais, vegetais e minerais, vê realmente o ser humano. No entanto, se olha para o ser humano e não enxerga animais, vegetais e minerais, você não viu o ser humano. Você tem a percepção errônea, uma idéia errada do ser humano. E esta é uma das noções a serem removidas. É por isso que costumo dizer que um dos escritos mais antigos sobre Ecologia Profunda é o Sutra do Diamante. O insight contido nele nos ajuda a proteger o meio-ambiente.

A prática hoje é tomarmos um pedaço de papel e anotarmos os nomes de nossos ancestrais, até onde você conseguir lembrar-se. Pode começar com seu pai e sua mãe, seus ancestrais mais jovens. Talvez seus avós. Bisavô, bisavó, e assim por diante. Você pode colocar os nomes dos seus ancestrais espirituais – Maomé, Buda, Jesus, Shariputra, etc. Você pode incluir alguns dos seus ancestrais animais, alguns dos ancestrais vegetais, alguns dos seus ancestrais minerais, e assim por diante.

Esta é a prática. Você vai reconhecendo os seus ancestrais enquanto faz isso. E você está perdendo o seu eu artificial. Passa a saber que está ligado a todos e a tudo mais. Você está praticando não-eu quando anota os nomes dos seus ancestrais.

Você precisa de plena consciência, de concentração para escrever os nomes dos seus ancestrais. Isso pronto, você vem ao altar e os oferece. Esta é a nossa prática. A prática de tocar nossos ancestrais é muito importante em Plum Village; nos torna fortes, sólidos e felizes. Ela nos torna mais compassivos, compreensivos e amorosos.

(Palestra de Dharma de Thich Naht Hanh em Plum Village em 13 de julho de 2008)
(Traduzido por Marcelo Abreu – Sangha Plena Consciência)
Comente esse texto em http://sangavirtual.blogspot.com

 
Fonte:http://www.viverconsciente.com/textos/dia_dos_ancestrais.htm

Comentários