ACORDAR PARA OUTRA REALIDADE : O MUNDO DOS SONHOS

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"Sonho Causado Pelo Vôo de Uma Abelha em Volta de Uma Romã Um Segundo Antes do Despertar" Salvador Dalí, 1944

Acordar para outra realidade

Desde Platão os pensadores buscam desvendar os mistérios do sonho, artistas exploram a riqueza de seu conteúdo onírico, o cinema sua capacidade de transcender a realidade objetiva. O sonho agora está na pauta da neurociência, e a psicanálise aponta a importância e singularidade das mensagens codificadas no sonho, cuja chave para decifrá-lo pertence a cada sonhador.

O pintor mais famoso do surrealismo, Salvador Dalí, é famoso por pintar as cenas ilógicas dos sonhos. Consta em sua biografia, uma técnica própria do pintor: dormir seu atelier sentado com uma colher na mão. Fazia isto para que, ao adormecer, seus dedos deixassem cair a colher, e com o ruído ele pudesse acordar e pintar imediatamente a imagem gravada em sua mente, evitando se desconcentrar com outras informações e esquecer os detalhes imagéticos de seus sonhos.
Dalí procura Freud para entender o inconsciente e dar substância ao movimento surrealista. Destas conversas resulta-se que Dalí não foi analisado e Freud não entrou para o movimento, mas a psicanálise se converte na principal fonte de inspiração para a produção artística do surrealismo. Sendo um dos livros de cabeceira dos surrealistas, "A interpretação dos sonhos" de Freud.

Ruídos do real

Lacan teve contato com o surrealismo antes mesmo da psicanálise. Em suas construções sobre a realidade psíquica, ele nos coloca um enigma ainda maior; os ruídos nos despertam do sono para a vigília, bem como os sonhos, lapsos e atos falhos, nos despertam para este outro real, o real do inconsciente.
“O despertar, como não ver que ele tem duplo sentido – que o despertar, que nos restitui a uma realidade constituída e representada, tem duplo emprego? O real, é para além do sonho que temos que procurá-lo – no que o sonho revestiu, envelopou, nos escondeu, por trás da falta de representação, da qual lá só existe um lugar tenente. Lá está o real que comanda, mais do que qualquer outra coisa, nossas atividades, e é a psicanálise que o designa para nós.” (Lacan, 1964).

Sonhos na neurociência

Cientistas de diversas partes do mundo fazem do sonho seu objeto de estudo. De acordo com os pesquisadores são diversos os fins nos quais o uso do sonho tem apresentado resultados; reversão de traumas, melhora no desempenho esportivo, e até há casos de alívio de dor crônica. Mas como se dirige um trabalho com sonhos, que até agora concebemos como ocorrência involuntária? O pesquisador Tadas Stumbrys da Universidade de Heidelberg na Alemanha estuda o que denomina de “sonho lúcido”. Assim como Dalí, ele utiliza uma técnica de acordar depois de algum tempo de sonho e registra o que sonhava. Entretanto Stumbrys tem o objetivo de voltar a dormir e afirma poder interferir no conteúdo do sonho.
AKAKA.jpg O filme “A Origem” é inspirado no conceito de sonho lúcido
No Brasil há um estudo no Instituto do cérebro, em Natal, que pesquisa a relação do sonho lúcido com a esquizofrenia, o objetivo é que o paciente fique treinado a saber quando está sonhando e assim também tomaria consciência logo que surgisse uma crise de delírio.
O cientista Martin Dresler, do instituto Max Planck na Alemanha publicou um trabalho no qual descreve um mapa sobre o que ocorre no cérebro durante o sonho. Acredita-se que é possível que os sonhos sirvam como meio útil para reabilitação física após lesões e acidente vascular cerebral, os exames apresentaram que durante os sonhos são ativadas as mesmas regiões cerebrais que durante a vigília.

Freud e os sonhos

A psicanálise não se propõe a manipular o sonho, mas interpretá-lo. Desde suas primeiras elaborações o sonho é apontado como meio de acesso a esta realidade outra, do inconsciente. A forma como o sujeito lembra, conta e interpreta o sonho em análise são indicadores do real inconsciente do sujeito, e através da livre associação os fenômenos psíquicos se tornam conscientes; desejos, medos, preocupações. A ‘cura’ em psicanálise advém deste saber sobre algo do inconsciente, que tem a ver com seu sintoma, com seus desejos e tudo o que afeta a vida do sujeito. É durante o sono, quando está o corpo, em total retirada de investimento da realidade externa que passa a processar todos os recentes estímulos recebidos de fora e os estímulos que retornam de seus recôndito depósito de lembranças, pulsões, sentimentos e o que tudo que há de íntimo no ser. A sensibilidade do corpo fica em evidência, sendo possível pressentir quando algum órgão não está bem, apenas um estômago cheio ou peso no peito bastam para se ter algum sonho bastante angustiante.
As cenas de sonho foram desenhadas por Dali no filme "Quando fala o coração" de Alfred Hitchcock (1945)
O conteúdo onírico possui uma linguagem própria, e apesar de tudo o que se estudou, não é possível apontar uma simbolização universal. Os conteúdos podem se repetir, mas para cada sujeito a construção estará ligada unicamente ao seu universo subjetivo particular, e poderá tratar de tantas coisas quanto possíveis e inimagináveis deste universo. Um desejo atual, um trauma de infância, uma fantasia sexual recalcada, a vingança de uma injúria, e até coisas aparentemente banais e desimportantes. Só o sonhador vai decifrar o conteúdo do sonho, e poder usá-lo a seu favor. Freud, em sua trajetória, dá um lugar especial no sonho para o ‘Wunsh’ cuja tradução seria algo entre vontade, pedido e desejo. Para ele o ‘Wunsh’ sempre vai aparecer no sonho e pode ser um desejo de prazer ou desprazer, mas é nessa indicação de pedido do inconsciente que o sujeito vai se haver com suas questões, calcular o que ele vai suportar satisfazer e o que ele pode ceder desse desejo. E o que é esse cálculo, entre desejar e realizar, senão o fio condutor o nossas vidas?
FREUD, Sigmund. A Interpretação dos Sonhos. (1900-1901). In: Sigmund Freud. Rio de Janeiro: Imago, 1969. Edição Standard Brasileira das Obras Psicológicas Completas de Sigmund Freud.
LACAN, Jacques (1964). O Seminário, livro 11: Os quatro conceitos fundamentais da psicanálise. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 1985.
Revista
Época. Agosto/2014

Fonte:
© obvious: http://lounge.obviousmag.org/por_entre_letras/2014/09/acordar-para-outra-realidade.html#ixzz3DimPmUdh
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