A BUSCA ESPIRITUAL NUM MUNDO EM CRISE


A busca espiritual num mundo em crise


Em plena era da globalização, o mundo e a sociedade contemporâneos vivem uma crise de valores sem precedentes na história. A necessidade de encontrar significados espirituais para a nossa existência permanece, no entanto, para um grande número de pessoas. Quais são as características da busca espiritual nos dias de hoje?


O mundo está num período de crise, entendendo-se como definição da palavra: ponto de máxima dificuldade. Esta não é a primeira nem será a última crise da história da sociedade humana sobre a face da Terra. A crise é parte integrante da evolução. Todo e qualquer processo evolutivo acontece através de uma sequência de momentos críticos que darão origem a períodos de relativa estabilidade sucedidos por novos momentos críticos. A diferença é que, desta vez, a crise assume proporções realmente globais, abarcando todas as áreas das nossas existências pessoais e da sociedade como um todo. Análises da atual grande crise ocupam boa parte das cabeças pensantes contemporâneas e enorme espaço na mídia mundial. Seria redundante tecer maiores comentários a respeito das suas especificidades, e esse não é o objetivo deste artigo. O que nos importa é manter em mente a certeza filosófica e científica de que a crise comporta inevitáveis transformações e mudanças que atuarão simultaneamente em várias dimensões, incluindo logicamente a dimensão espiritual.
Todo ser humano, em algum momento da sua vida, momento que dependerá de certas condições e situações, experimenta a curiosidade, o desejo de encontrar respostas para a mais fundamental de todas as perguntas: Quem sou eu? Experimenta a necessidade de satisfazer a dois impulsos tão viscerais quanto os instintos da sobrevivência pessoal e da reprodução da espécie: os impulsos de ser e conhecer. De modo geral, qualquer pessoa, sem distinção de sexo, raça ou idade, terá sentido em algum momento esse impulso interior que provem da sua essência e que agora aflora em sua personalidade.

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Um mundo cheio de valores falsos

Para certas pessoas, no entanto, essa eterna demanda não assume um caráter de simples curiosidade ou desejo, mas sim de absoluta e irreprimível necessidade. Tais pessoas são em geral naturalmente dotadas de uma sensibilidade particular que as faz perceber que a existência não se limita à simples fruição dos valores – em geral falsos, como os da produtividade e do consumismo desabridos – que a sociedade e a cultura contemporâneas apresentam como fundamentais para a felicidade e a realização pessoal. Tomadas por um sentimento peculiar que costumo chamar de inquietude existencial, tais pessoas percebem, intuitiva e/ou racionalmente, que a existência comporta valores localizados em outras oitavas, mais elevadas, e infinitamente mais importantes para um efetivo equacionamento das questões básicas do ser e do conhecer. As grandes crises costumam agir como catalizadores, potencializando a inquietude existencial pré-existente. Nesse sentido, talvez exatamente por atravessar um ciclo onde os efeitos da crise mundial se somam aos de uma enorme crise de transformação nacional, o Brasil, país de dimensões continentais e de crescente importância neste terceiro milênio, sente como poucos outros países uma verdadeira necessidade de se canalizar nessa dimensão que ultrapassa a dimensão física, emocional ou intelectual, ou seja, penetrar na quarta modalidade ou dimensão, que é a espiritual. Foi por estar convencido dessa realidade, que decidi voltar a residir e trabalhar no Brasil, após cerca de vinte anos de ausência.
O complexo biótipo brasileiro, ainda em processo de consolidação, já constitui hoje um fator impossível de ser ignorado pelas grandes potências do mundo… claro que o ponto máximo daquilo que chamaríamos de fenômeno civilizatório brasileiro ainda se encontra muito distante no tempo, e muitas gerações ainda terão de passar até que esse ápice seja atingido. Mas é no aqui e agora que devemos trabalhar, no momento presente em que ascende com vigor a curva do futuro espiritual do Brasil. O futuro começará agora, no instante presente.
Com as raras exceções de uns poucos indivíduos superdotados que conquistaram uma espiritualidade plena de modo pessoal e independente, no terreno da realização espiritual sempre existiram e continuam existindo escolas que proporcionam ensinamentos através de sistemas e métodos organizados. Essas escolas, caminhos ou rotas metodológicas são de dois tipos: as contínuas ou tradicionais e as cíclicas ou descontínuas.
Quanto ao primeiro tipo, o das escolas tradicionais, elas se subdividem em três categorias principais, cada uma delas se distinguindo basicamente das outras por colocar maior ênfase em uma das três instâncias que coexistem no ser humano: as instâncias física, emocional e intelectual. Assim, a título de exemplo, pode-se citar algumas das diferentes ramificações da ioga indiana: na hatha ioga predominam os exercícios físicos; na bakhti ioga ou ioga da devoção, insiste-se principalmente no trabalho sobre as emoções e os sentimentos; na jnana ioga, a ênfase é aplicada aos estudos filosóficos, intelectuais. Não se pode dizer que uma dessas ramificações seja melhor do que as outras. Todas, quando bem aplicadas, levam ao mesmo resultado: a realização espiritual.  As diferenças de abordagem existentes entre elas nascem exclusivamente da necessidade de atender aos diferentes tipos e personalidades humanos. Uma mesma escola, uma mesma abordagem, pode ser excelente e funcionar para uma determinada pessoa, mas pode ser contraproducente e até mesmo contraindicada para uma outra pessoa. Deve ficar bem claro, no entanto, que o fato de cada uma dessas escolas insistir numa determinada instância não significa que ela se esquecerá das demais. Os sábios da Índia – e de todas as demais grandes civilizações – que ao longo dos milênios inventaram e desenvolveram tais escolas sabiam muito bem que não existem ideias, emoções ou ações puras pois, sempre que pensamos, nosso pensamento está associado a emoções e/ou ações.

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Escolas cíclicas ou descontínuas

As escolas cíclicas ou descontínuas, mais raras e mais difíceis de serem encontradas, não são permanentes. Elas operam na base de ciclos determinados. Aparecem durante um tempo limitado e deixam de ter existência pública e visível, até que se produza um novo ciclo. A proposta de trabalho que essas escolas oferecem está diretamente relacionada com as características e necessidades do momento histórico, e a dinâmica da sua atuação vai mudando na medida em que ela se adapta à evolução desse preciso momento histórico.
A mais importante escola cíclica que atua no mundo contemporâneo é provavelmente a Escola do Quarto Caminho, fundada no início do século 20 por Georges Gurdjieff. Ele havia recebido seus conhecimentos de mestres sufis orientais, que o treinaram a partir dos cânones da Tradição, ou seja, pela transmissão oral. Parte desse conhecimento foi retransmitido por Gurdjieff a centenas de alunos em várias capitais europeias, notadamente Paris e Londres.
O Quarto Caminho considera o homem comum um  ser “adormecido” e que deve “despertar”. Adormecido por que carece de um conhecimento real de si mesmo, da sua própria essência. Por essa razão, os ensinamentos teóricos e práticos dessa escola são orientados no sentido de possibilitar o seu despertar.
Segundo essa tradição, a alma humana seria o instrumento que cumpre a função de permitir à essência – ou espírito – operar no mundo material. Para tanto, a alma conta com três centros através dos quais ela pode dirigir a vida pessoal: o centro físico, o centro emocional e o centro mental ou intelectual. O fato de que cada pessoa tenha desenvolvido um dos centros mais do que os dois outros depende de vários fatores, dentre os quais se ressaltam os condicionamentos culturais e educacionais pelos quais a pessoa passou e a sua particular estrutura psíquica.

4 A Torre de Babel para A busca espiritual

Faquires, monges, iogues

Aos que se destacam pelo domínio que têm sobre seu corpo físico, a Escola do Quarto Caminho chama faquires. Organizam sua vida em torno da ação, possuem um grande sentido do ritmo e do movimento. Eles se caracterizam também por serem irritáveis e por irem direto ao assunto que lhes interessa. Têm caráter prático e encontram na ação o sentido da sua vida. Trabalham com o espaço, o volume e o movimento. Sua constituição física tende a ser musculosa e atlética. A distorção do faquir é, por exemplo, o cultor do próprio físico, carente de emoção e nulo em matéria de intelecto, que dedica sua energia quase exclusivamente para cultivar e desenvolver sua musculatura.
As pessoas onde predominam as emoções são conhecidas pelo termo de monges. Encontram o sentido de sua vida no desenvolvimento do potencial emocional e têm forte conexão com a espiritualidade, a natureza e as artes, especialmente a música. Suas emoções estão sempre à flor da pele, são maternais e protetores. Costumam comer muito. A expressão dos seus rostos costuma ser romântica e são muito sensíveis a tudo que lhes acontece, pois sua resposta emocional a tudo amplifica. O monge tende a desenvolver formas físicas arredondadas e mais ou menos obesas. O monge em desequilíbrio se entrega a paixões românticas até o limite da autodestruição.
Finalmente, as pessoas nas quais existe um predomínio da função mental ou intelectual recebem o nome de iogues. Costumam ser racionais e analíticas. Costumam ser racionais e analíticas. Sua motivação é encontrar respostas e investigar sua posição no mundo. Têm uma certa capacidade de se distanciar emocionalmente dos acontecimentos e em geral são mais passivos em termos de atividade física. Sua atividade mental é muito grande, vivem quase todo o tempo na esfera das ideias e dos conceitos. Fisicamente, costumam ser magros e ossudos. A distorção do iogue é o intelectual que acredita já saber tudo e pretende dar solução a todos os problemas a partir de uma análise puramente intelectual dos mesmos.
Para equilibrar o centro dominante da pessoa, é necessário que ela se dedique a atividades relacionadas com os dois outros centros e conseguir desse modo que a energia vital se distribua através de todos os três. A proposta fundamental do Quarto Caminho é desenvolver esses três potenciais do ser humano de forma harmônica e equilibrada. Quando meu pensamento, meu sentimento e minha ação marcham na mesma direção, todo o meu ser se integra e eu sou quem realmente sou.
Essa equação pode ser exprimida com o uso de uma analogia musical. Se entendermos o ser humano como uma peça musical composta de ritmo, melodia e harmonia, o ritmo representaria o componente físico, a melodia o componente emocional, a harmonia o componente mental. Obviamente, se a música possui apenas ritmo, ela poderá ser extenuante; se expressa unicamente harmonia, será fria e destituída de sentimento; se for exclusivamente melódica, será uma música desestruturada. Claro, a música poderá possuir as três características, e apesar disso se constituir num verdadeiro caos se os três fatores de base – ritmo, melodia, harmonia – não estiverem bem integrados pelo compositor. A mesma coisa acontece com o ser humano, só que neste caso o compositor é a consciência do indivíduo e o que a consciência integra são pensamentos, emoções e ações.

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Trabalho grupal com orientação de um guia

No que diz respeito às necessidades do buscador atual, ou seja o buscador do nosso tempo, aqui no Brasil – e pode-se dizer em toda a América – a busca pessoal solitária tornou-se praticamente impossível. A verdadeira torre de babel em que se transformou a sociedade contemporânea em termos de valores culturais e éticos não mais fornece ao indivíduo pistas e suportes realmente válidos e confiáveis para que ele possa empreender, sem enfrentar altíssimos riscos, o caminho da busca solitária da realização espiritual. Faz-se necessário um guia, um contato direto com alguém que já tenha percorrido o caminho, para que o conhecer se produza. Nas atuais circunstâncias, há muito mais chance de sucesso para uma busca que se processe no contexto de um grupo sob a orientação de um mestre ou instrutor realmente competente.
Para as crianças e os adolescentes muito jovens, o aprendizado acontece de forma muito natural e direta devido ao fato de que o instrutor pode prover uma relação harmônica entre a essência e a respectiva personalidade de cada integrante. Acontece, no entanto, que a maioria das pessoas que apresentam essa necessidade de realização interior ou espiritual quase sempre já se encontram no final da sua adolescência ou pertencem a um ciclo mais definido de idade adulta, cronologicamente falando. Nesse caso particular existe, sim, uma chance para que a pessoa mereça ser guiada por um instrutor: a capacidade de respeitar e obedecer a todas as indicações e recomendações do mesmo, inclusive quando a indicação que ele der pareça contraditória ou sem sentido. Isso é válido tanto para os homens quanto para as mulheres, de modo amplo e universal, e representa também – e infelizmente – um dos maiores obstáculos ao estabelecimento de uma verdadeira relação mestre/discípulo. Mais do que nunca, em nossa sociedade marcada pelo individualismo e pelo egocentrismo, a capacidade de “ver” o outro está enfraquecida e desgastada, e dessa quase incapacidade decorre uma outra, que é aquela de “confiar” no outro.

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Por outro lado, o primeiro obstáculo com o qual se defronta o neófito é o de acreditar que já conseguiu “alguma coisa” na vida presente. Existem casos ainda mais complicados e difíceis como o daquela pessoa que acredita possuir algum dom ou capacidade “muito especial”. Um “doutor-sabe-tudo” desse tipo costuma até exibir doutorados em “tudologia” bem como apregoar uma série de atributos ilustres que não são mais do que carências e/ou complexos, da mesma forma que muitos doentes figuram como sendo aparentemente sadios e normais, quando objetivamente não são.
Nesse contexto, o trabalho em grupo implica logo no início um bate-papo íntimo entre o instrutor e o estudante. Está a cargo do instrutor criar um clima de bom-humor para que o aluno ou candidato a aluno possa visualizar a si mesmo com clareza, inclusive de forma cômica, embora não tragicamente.
A linguagem utilizada pelo instrutor deve ser clara e simples, mais conceitual do que analítica, para permitir ao próprio aluno formular os seus conceitos. Usar uma linguagem conceitual implica, para o instrutor, a utilização de certos centros superiores. Essa técnica pode ser e em geral é mais difícil do que passar instruções através de uma linguagem puramente cartesiana. Esta última é, por sinal, a linguagem atualmente mais usada por pseudo-mestres intelectualoides e/ou misticoides.

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O trabalho-em-si-mesmo

Em muitos sentidos, busca espiritual é expressão sinônima de autoconhecimento, de conquista da consciência de si mesmo. É se inserir no caminho que leva à resposta daquela pergunta fundamental: Quem sou eu? O método utilizado para tanto é comumente chamado de “trabalho-em-si-mesmo”. Mas não se deve pensar que o “trabalho-em-si-mesmo”, o “despertar”, seja uma simples brincadeira ou jogo infantil. Seria muito mais correto afirmar que as crianças praticam todos os seus jogos de forma muito séria e que, paradoxalmente, os adultos muitas vezes fazem as coisas de modo infantil, mesmo quando já não têm mais idade para isso. Esse infantilismo generalizado deriva em grande parte do fato de que, como regra geral, a humanidade está adormecida. Hoje, a política, a televisão, os espetáculos, a mídia, o consumismo… tudo na sociedade atual está concebido para que as pessoas permaneçam adormecidas. Às vezes, muito raramente, por algum choque excepcional, há pessoas que despertam e veem a si próprias como realmente são. Mas são, repito, casos muito raros.
Que pode fazer a pessoa que deseja despertar, conhecer a si mesma, num meio em que tudo está desenhado para que ela permaneça adormecida? Costumo responder com franqueza a essa pergunta recorrente em minhas palestras e cursos. Digo que uma pessoa, mesmo que o deseje, não pode fazer nada, ou quase nada, sozinha. Ela deve travar conhecimento, estabelecer contato e trabalhar com outras pessoas que tenham um interesse similar ou então entrar em algum centro ou escola onde o Conhecimento tenha se mantido vivo. Minha sugestão é que saia para o mundo e vá buscar. Aquele que busca acaba encontrando. E buscar em grupo é melhor ainda.

Por Lívio Vinardi (*)


Livio Vinardi_para por com o crédito no final da matéria(*) Argentino de origem italiana, Livio Vinardi foi engenheiro eletrônico e Phd em física. Foi o estruturador da biopsicoenergética, disciplina voltada para o estudo das relações entre o ser humano, a natureza e o cosmos através do denominador comum da energia. Vinardi dirigiu durante dez anos – em colaboração com a Universidade
Estatal de San Francisco, Califórnia – um projeto de aferição objetiva do campo energético sutil humano (aura). Atuou e trabalhou em diversos países, notadamente a Argentina, os Estados Unidos, a Itália e o Brasil. Em nosso país fundou o Instituto Brasileiro de Biopsicoenergética, ativo em São Paulo durante quase toda a década de 1980. Após vinte anos nos Estados Unidos, fixou residência em Bragança Paulista, interior de São Paulo, onde permaneceu até falecer, há dois anos. Com a publicação deste artigo de sua autoria Vortex Mundi homenageia uma das personalidades mais ilustres e interessantes que atuaram nas últimas décadas no campo do despertar da consciência.

Fonte: A busca espiritual num mundo em crise | Vortex Mundi http://www.vortexmundi.com.br/a-busca-espiritual-num-mundo-em-crise-2/#ixzz37J4uwegd 


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