É belo ser irmã, é belo ser negra
Eu me lembro como se fosse ontem o dia
em que minha irmã nasceu. Minha mãe estava a trançar meus cabelos em uma tarde
fria de Fevereiro quando teve que ir as pressas para o hospital. 5 anos
depois uma outra surpresa, mais uma menina na minha vida, e aí começava a minha
viagem de descoberta e força.
Até os meus 13 anos eu vivia letárgica:
a ideia de ser ‘negra’ não era parte da minha identidade, afinal eu não era
negra, era morena como ouvira tantas vezes. Melhor do que isso, era uma morena
linda com traços de branca, morena jambo. Certamente o racismo me incomodava
mas via aquilo como algo que acontecia com terceiros, não em gente como eu. Era
confortável viver ali, não me identificando com a luta e as dores que o nosso
povo tem. Como toda garota negra sofri o preconceito por ter o cabelo ‘pixaim’,
‘duro’ e ‘ruim’. Era sempre a amiga da menina descolada, nunca o alvo das
paixonites dos colegas, mas isso acontece com todo mundo certo? Eu simplesmente
não sou bonita o suficiente, me dizia. Mas o que é ser bonita em nossa
sociedade?
Tudo isso foi superado com a realização
de ser parte de uma sociedade que julga, destrói e mata em prol do lucro e da
criação de padrões impossíveis de serem alcançados. Percebi em algum ponto de
toda essa dor que era necessário que muitos se levantassem para que os padrões
racistas que nos dominam hoje sejam derrubados, para que todos nós tenhamos a
oportunidade de descobrir a beleza de ser único e simplesmente sermos nós.
Descobri a riqueza da história e da força do meu povo, a perseverança das
mulheres negras que como eu acreditavam e acreditam em um mundo melhor para os
seus apesar de toda a opressão a sua volta.
Ser a irmã mais velha me despertou algo.
Assim como uma mãe, saber que minhas irmãs passariam por uma trajetória
parecida ou tão dolorosa quanto a minha mãe me deu forças para mudar a minha
percepção de mim mesma e da minha história: a descoberta da minha
ancestralidade. Os meus ídolos eram aqueles na televisão: nenhum deles se
parecia nem um pouco comigo, e nada mudou de lá para cá. O modo que fui criada
foi muito parecido com o modo que a minha mãe foi criada: acreditando que o meu
cabelo e qualquer cabelo crespo não é bom, e assim também teria sido para as
minhas pequenas se eu não tivesse mudado minha atitude.Ouvir os seus dizerem
que você não é bom o suficiente, ouvir que ‘nunca poderá ser aceita do
jeito que é’ dói. Faz feridas que ficam e que em muitos nunca se fecham. Só o
amor o faz. E assim aconteceu comigo.
Ser a minha irmã mais velha criou uma
contadora de história em mim. Uma contadora especialista em histórias de
princesas negras e fortes que são amadas do jeito que são, que são muito
felizes. Uma contadora que entende a complexidade de ver a sociedade de tratar
de uma forma mas de definir como outra. Troco histórias com as minhas irmãs por
que acredito que assim nos fortalecemos, aprendemos que compartilhamos as
mesmas dores e por isso devemos continuar lutando. Entre essas trocas de
história ouvi: ‘Hoje na escola minha amiga me disse que meu cabelo é feio, mas
eu disse a ela que as minhas irmãs também tem o cabelo assim e ela me disse
que somos todas feias. Mas sabe o que eu respondi? Que somos princesas
negras lindas!”
No fim toda mulher negra é uma irmã
mais velha. Sei que quando saio na rua com orgulho do meu afro, da minha cor e
ancestralidade estou sendo a irmã de alguém. Alguém que verá em mim pela
primeira vez essa aceitação não como ‘falta de dinheiro para alisar o cabelo’,
‘preguiça de pentear o cabelo’, mas amor! Puro amor pelo o que eu sou, pelas
minhas cicatrizes, pela minha luta. As nossas crianças estão sendo massacradas
em todas as esferas sociais e cabe a cada um de nós ensiná-las não se
envergonhar de suas histórias, mas enxergar a sua história e sua beleza. Sei
que toda vez que conto uma história sobre a beleza negra, a felicidade de ser
único e a importância de ser aquilo que somos, estou mudando um pouquinho de
alguém. Então eu digo, é belo, é belo ser irmã, é belo ser negra. É belo ver as
minhas irmãs se orgulhando de si mesmas, se empoderando. É belo criá-las para
saber que há muito mais no mundo do que o papel de empregada ou mulata: elas
podem ter tudo aquilo que desejarem se trabalharem para isso. As blogueiras
negras foram minhas irmãs nesse caminho de tantas descobertas, me dão forças
nas horas de fraquejo e dor. E assim temos que seguir, de mãos dadas,
porque é belo, porque é belo ser negra.
Fonte:
http://blogueirasnegras.org/2014/04/23/e-belo-ser-irma-e-belo-ser-negra/
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