SOBRE A CRENÇA NA REENCARNAÇÃO - KRISHNAMURTI


Sobre a crença na reencarnação
Uma forma de segurança religiosa é a crença na reencarnação, a crença em vidas futuras, com tudo o que a crença implica. Digo que quando um homem está preso por uma crença ele não pode conhecer o preenchimento da vida. O homem que vive plenamente atua partindo daquela fonte em que não existe reação, mas somente ação; mas o homem que procura segurança, fuga, precisa agarrar-se a uma crença porque dela lhe deriva um apoio contínuo, encorajamento à sua falta de compreensão.(1)

O que acontece quando você perde uma pessoa por morte? A reação imediata é um sentimento de paralisia, e quando se sai desse estado de choque, existe aquilo que chamamos sofrimento. Agora, o que significa essa palavra? Sua companhia, as palavras confortantes, os passeios, as muitas coisas boas que você fez e esperava ainda fazer, juntos – tudo que isto lhe é tirado em segundos, e você é deixado vazio, nu, e solitário. É isso que incomoda, e contra isso é o que a mente se rebela: ser repentinamente abandonada, totalmente sozinha, deixada sem qualquer apoio. Agora, o que importa é viver com esse vazio, justamente isso, viver com ele sem nenhuma reação, sem racionalizar, sem fugir por meios de médiuns, por teorias de reencarnação e toda essa bobagem estúpida, e viver isso com todo seu ser. E se você for passo a passo, notará que existe um fim no sofrimento – um final real, não só um final verbal, não, o final superficial que vem por fuga, por identificação com um conceito, ou compromisso com uma ideia. Então você notará que nada existe onde se proteger, porque a mente está completamente vazia, já não está reagindo, no sentido de tentar preencher esse vazio, então, todo sofrimento terá chegado ao fim, e terá início outra viagem – uma viagem que não tem fim e nem começo. Existe uma imensidão que está além de toda medida, mas você não pode entrar neste mundo sem a eliminação total do sofrimento.(2)

Você quer que eu lhe dê garantia que você viverá outra vida, porém nisso não existe felicidade ou sabedoria. A procura por imortalidade através da reencarnação é essencialmente egoísta, e portanto não verdadeira. Sua procura por imortalidade é só outra forma do desejo de continuidade de reações auto-defensiva do ego contra a vida e a inteligência. Tal ânsia só pode conduzir à ilusão. Assim o que importa é, não se há reencarnação, mas a percepção perfeita do que acontece no presente. E você só pode fazer isso quando sua mente e coração já não estiverem se protegendo contra a vida. A mente é esperta e sutil em sua autodefesa, e tem que descobrir por si mesma a natureza ilusória da auto-proteção. Isto significa que você tem que pensar e agir de forma totalmente nova. Você precisa se libertar da rede de falsos valores que o meio lhe impôs. Deve haver incondicional desnudamento. Então existe imortalidade, a realidade.(3)

Vamos descobrir o que você quer dizer com reencarnação – a verdade disto, não o que você acredita, não o que alguém lhe contou, ou o que seu instrutor disse. Certamente, é a verdade que liberta, não sua própria conclusão, sua própria opinião... Quando você diz, "eu" reencarnarei”, você tem que conhecer o que é esse "eu"... É o “eu” uma entidade espiritual? É o “eu” alguma coisa contínua, é o “eu” algo independente da memória, experiência, conhecimento? Ou o “eu” é uma entidade espiritual, ou é somente um processo do pensamento. Ou é atemporal, algo que nós chamamos espiritual, não mensurável em termos de tempo, ou está dentro do limite do tempo, do campo da memória, do pensamento. Ou uma coisa ou outra! Vamos descobrir se isso está além da medida do tempo. Eu espero que você esteja acompanhando tudo isso. Vamos descobrir se o “eu” é em essência algo espiritual. Vejamos, por "espiritual" nós queremos dizer, algo incapaz de ser condicionado, algo que não é a projeção da mente humana, algo que não está dentro do limite do pensamento, algo que não morre. Quando nós falamos de uma entidade espiritual, obviamente, nós queremos dizer algo que não está dentro do campo da mente. Agora, é o “eu” uma entidade espiritual? Se for uma entidade espiritual, deve estar completamente além do tempo, então não pode reencarnar ou ter continuidade... Aquilo que tem continuidade nunca pode renovar-se. Enquanto o pensamento continua através da memória, do desejo, da experiência, nunca pode se renovar, portanto, aquilo que continua não pode conhecer o real.(4)

(1)Krishnamurti - Itália e Noruega
(2)Krishnamurti – O Livro da Vida
(3)Krishnamurti - O Livro da Vida
(4)Krishnamurti - O Livro da Vida
 
 Karma e Reencarnação
Atém-se a mente a conclusões, condicionando-se dessa forma ao passado. É mister vigilância desse condicionamento resultante da causa-efeito. Não é estática a causa-efeito, mas o é a mente quando se prende a uma causa-efeito do passado imediato. “Karma” chama-se esse aprisionamento à causa-efeito. Como o próprio pensamento é resultado de múltiplas causas-efeitos, deve ele soltar-se desses vínculos com que se prendeu. (O Egoísmo e o Problema da Paz, pág. 145-146)

O problema da causa-efeito não é para ser observado superficialmente e ser deixado para trás. É a cadeia contínua da memória, com sua atividade condicionadora, que deve ser observada e compreendida; ficar cônscio de que essa cadeia foi criada, e acompanhá-la através de todos os estratos da consciência, é difícil; cumpre, entretanto, investigá-la profundamente e compreendê-la. (Idem, pág. 146)

Pergunta: Julgais que “karma” é a ação recíproca entre o ambiente falso e o falso “eu”?

Resposta: “Karma” é uma palavra sânscrita, que significa praticar, fazer, obrar, implicando também causa e efeito. Ora, karma é escravidão, é reação nascida do ambiente que a mente não compreendeu. (…) (A Luta do Homem, pág. 48)

Torna-se, pois, necessário descobrir o que gera essa falta de compreensão, o que impede o indivíduo de perceber o exato significado do ambiente, quer se trate de ambiente passado, quer(…) do atual. (…) (Idem, pág. 48)

A maioria dos espíritos está sob a influência da vaidade, do desejo de causar impressão em outros, com ser alguém; (…) ou fugir do ambiente, ou expandir a própria consciência (…), ou está sob a influência de preconceitos nacionalistas. Esses desejos todos impedem a mente de perceber diretamente o verdadeiro valor do ambiente; (…) (Idem, pág. 49)

Quando verificamos que somos, com efeito, (…) orgulhosos e presunçosos, começa a presunção, pela própria consciência que dela temos, a dissipar-se (…) Mas, se tentardes, encobri-la, ela criará novos males, novas reações falsas. (A Luta do Homem, pág. 49)

Dessarte, para vivermos cada momento num eterno presente, sem o fardo do passado nem do presente, sem essa lembrança deformadora gerada pela falta de compreensão, deve a mente enfrentar as coisas de maneira original, i.e., prescindindo da tradição. (…) Assim, pois, (…) sabereis o que é viver sem conflito (…) (Idem, pág. 49-50)

Pergunta: Pratiquei uma ação iníqua e pecaminosa, que me deixou com verdadeiro sentimento de culpa. Como poderei superar esse sentimento?

Krishnamurti: Senhor, que entendeis por “pecado”? Os cristãos têm um conceito de pecado que vós não tendes, mas vós vos sentis “culpado” ao possuirdes mais dinheiro, ao terdes uma casa maior (…) Quando passeais num carro confortável e avistais uma interminável fila de ônibus (…) (O Homem Livre, pág. 139)

Por que deveis sentir-vos “culpado”? Se estais vivendo intensamente, com todo o vosso ser, se percebeis plenamente tudo o que se passa ao redor de vós e dentro de vós, tanto consciente como inconscientemente, onde há lugar para a “culpa”? O homem que vive fragmentariamente, que está interiormente dividido, esse, sim, sente “culpa”.

Uma parte dele é boa, outra parte corrupta; uma parte procura ser nobre, e a outra é ignóbil; uma parte é ambiciosa, cruel, e a outra fala de paz e de amor. Essas pessoas sentem-se “culpadas” porque se acham ainda dentro do padrão que elas próprias fabricaram. Enquanto houver atividade egocêntrica, não podereis superar o sentimento de culpa. (…) (O Homem Livre, pág. 139)

Pergunta: Pratiquei más ações no passado. Como agora alcançar a paz de espírito?

Krishnamurti: Todos nós cometemos erros (…) Todos temos ofendido outras pessoas e cometido erros graves. E eles deixaram uma marca, um pesar, um arrependimento. E, como pode uma pessoa ficar livre do erro que cometeu? (…) (Poder e Realização, pág. 46)

(…) Nessas condições, a própria ocupação da mente com um erro já cometido torna-se outro erro. (…) Portanto, se me preocupo constantemente com aquela falta, aquele erro (…); se minha mente se mantém ocupada com o caso - ele se torna uma idéia fixa, uma nova barreira (…) (Idem, pág. 47)

Mas, se, ao contrário, eu souber enfrentar os erros, as faltas que cometi, haverá então liberdade (…) Não posso, depois de cometer um erro, reconhecê-lo e, em seguida, largá-lo, i.e, não me ocupar mais com ele? Porque com isso se dá liberdade à mente: estar cônscio do erro cometido, reconhecê-lo, fazer o que tem de ser feito e soltá-lo, não mais ocupar-se com ele. (Idem, pág. 47-48)

Pergunta: Está (…) claro (…) que a consciência do “eu” é resultado do ambiente. Mas (…) não surgiu pela primeira vez na vida presente?

Krishnamurti: Sugere isso a idéia de “karma”. Sabeis o que ela significa: que arcais com um fardo, o fardo do passado, no presente. Isto é, trazeis para o presente o ambiente do passado, e, porque levais esse fardo, influenciais também o futuro, moldais também o futuro. (A Luta do Homem, pág. 34)

Se refletirdes sobre isso, vereis que tem de ser assim, porque, se vossa mente está pervertida pelo passado, o futuro forçosamente será também desfigurado: porque, se não compreendestes o ambiente de ontem, ele se estende necessariamente ao dia de hoje; e, conseqüentemente, como não compreendeis o dia de hoje, é claro que não compreendeis, tampouco, o de amanhã. Vê-se, assim, o indivíduo, colhido num círculo vicioso e daí a idéia de contínuo renascimento, (…) da memória, (…) da mente continuada pelo ambiente. (A Luta do Homem, pág. 34-35)

Mas, afirmo que a mente pode ficar livre do passado, do ambiente passado, dos obstáculos do passado, e que, conseqüentemente, podeis ficar livres do futuro, porque vivereis, então, no presente, dinamicamente, intensamente, supremamente. (Idem, pág. 35)

No presente está a eternidade, e, para tal compreender, deve estar a mente liberta da carga do passado; e para alcançar essa libertação, requer-se intensa investigação do presente, não a preocupação sobre como subsistirá o “eu” no futuro. (Idem, pág. 35)

Pergunta: Aceitais a lei da reencarnação e do karma como válida (…)?

Krishnamurti: Como provavelmente a maioria de vós crê na reencarnação e no karma, peço-vos que não oponhais resistência ao que vou dizer. (…) Em primeiro lugar, a crença, de qualquer espécie, é a negação da verdade. A mente que crê não é uma mente que perscruta (…) nunca pode achar-se em estado de “experimentação”. (Que Estamos Buscando?, 1ª ed., pág. 201-202)

Ora, que se entende por reencarnação? Que é que se reencarna? De duas, uma: ou é um entidade espiritual, ou é uma coisa que representa apenas uma acumulação de experiência, de conhecimentos, de memória, não só individual, mas também coletiva, a qual toma forma de novo, numa outra vida. (Que Estamos Buscando?, 1ª ed., pág. 202-203)

(…) Existirá em vós uma entidade espiritual, algo que não é da mente, que está além da sensação, algo que não é do tempo (…) imortal? (…) Se dizeis que há em vós uma entidade espiritual, esta, sem dúvida, é produto do pensamento (…) (Idem, pág. 203)

Falaram-vos a respeito dela; não é uma “experiência” vossa. Assim (…) também estais condicionado pela idéia de uma entidade espiritual (…) Ainda que vós mesmo tenhais descoberto (…), ela por certo está ainda compreendida no domínio do pensamento; e o pensamento é resultado do passado, (…) é acumulação, memória. (…) (Idem, pág. 203)

Ora, se não existe entidade espiritual, que é então que se reencarna? E se existe entidade espiritual, pode ela reencarnar-se? (…) Se ela nasce, se é um “processo” no tempo, se progride, então, de certo, não é nenhuma entidade espiritual; se não é do tempo, então não pode reencarnar, tomar uma nova vida. (Que Estamos Buscando?, 1ª ed., pág. 203-204)

Nessas condições, se não existe entidade espiritual, então o “vós” é apenas um feixe de lembranças acumuladas; (…) A acumulação das experiências do passado, em conjunção com o presente, constitui o “vós”, tanto o consciente como o inconsciente, tanto o coletivo como o individual - esse feixe todo é o “vós”; e o feixe pergunta: “Reencarnar-me-ei, terei continuidade?” Que acontecerá depois da morte? (…) (Idem, pág. 204)

(…) Ora, perguntais se o “vós” tem continuidade - o “vós” que é o nome, a propriedade (…) as lembranças, as idiossincrasias, as experiências, os conhecimentos acumulados. Tem isso continuidade? Isto é, o pensamento condicionado tem continuidade? O pensamento, é claro, tem continuidade; (…) Tendes continuidade em vossos filhos, vossa propriedade, em vosso nome; (…) isso sem dúvida continua (…) (Idem, pág. 204)

Mas essa continuidade não vos satisfaz (…) Desejais continuar como entidade espiritual, e não apenas como pensamento, como um feixe de reações (…) Mas, sois alguma coisa mais do que isso? Sois mais do que vossa religião, vossa crenças (…) divisões de casta (…) superstições, tradições e esperanças do futuro? (…) (Que Estamos Buscando?, 1ª ed., pág. 204-205)

(…) Assim, quando investigais o problema da reencarnação, estais interessado, não no que está além, mas na continuidade do pensamento identificado como “vós”; e isso, de certo, tem continuidade. (Idem, pág. 205)

A morte é sempre o desconhecido; mas o conhecido teme o desconhecido (…) A continuidade é criadora? Aquilo que é contínuo pode descobrir alguma coisa fora de si mesmo? (…) O que continua nunca pode ser criador. É só no findar que se encontra o novo. Só quando o conhecido deixa de existir, há criação, há o novo, o desconhecido; (…) (Que Estamos Buscando?, pág. 205)

Mas, enquanto estivermos apegados ao desejo de continuidade, que é pensamento identificado como “eu”, esse pensamento continuará, e tudo o que continua tem em si a semente da morte e da deterioração, e não é criador. Só o que termina pode ver o que é novo, fresco, o todo, o desconhecido. (…) (Idem, pág. 205-206)

(…) Mas não ousais largar o velho, porque temeis o novo; porque temeis a morte é que tendes tantos meios de fuga. (…) Mas não vos caberia averiguar se aquilo que continua pode, em algum tempo, conhecer o atemporal? O que continua implica um processo de tempo - o passado gerando, (…) com o presente, o amanhã, o futuro (…) (Que Estamos Buscando?, 1ª ed., pág. 206)

(…) Só quando a mente findar, quando não estiver identificada como “eu”, conhecereis o que está além do tempo; mas o mero especular é desperdício de energia (…) Assim, aquilo que tem continuidade nunca pode conhecer o real, mas o que finda conhecerá o real. Só a morte pode mostrar o caminho para a realidade - não a morte da velhice, nem a morte da doença, mas a morte de cada dia, o morrermos a cada minuto, para vermos o novo. (Idem, pág. 207)

Compreendestes o que eu disse acerca da reencarnação? (…) Mas, se pensardes deveras no que acaba de ser dito, percebereis a extraordinária profundeza do findar, do morrer. (…) Morrer significa apenas o findar do passado, que é memória (…); refiro-me ao findar da acumulação psicológica que constitui o “eu” e o “meu”. E nesse findar do pensamento identificado, encontra-se o novo. (Que Estamos Buscando?, 1ª ed., pág. 207-208)

Desejais agora que eu responda à pergunta relativa ao karma. (…) Evidentemente, existe causa e efeito. A mente é o resultado de uma causa, vós sois o produto de ontem e de muitos milhares de dias passados (…) A planta contém em si (…) causa e efeito. É especializada; uma determinada semente não pode tornar-se algo diferente. O que se especializa pode ser destruído, qualquer coisa que se especialize tem de perecer, biológica e psicologicamente; (…) (Idem, pág. 208)

Vemos que a causa se torna efeito, e o que foi efeito se torna uma nova causa (…) Hoje é o resultado de ontem, e amanhã será o resultado de hoje; ontem foi a causa de hoje, e hoje é a causa de amanhã. (…) Não há causa separada do efeito (…), porque a causa e o efeito se entrelaçam; e, logo que o indivíduo percebe o processo da causa e efeito, como ele realmente opera, pode ficar livre dele. (Idem, pág. 208)

(…) Assim, enquanto o pensamento estiver preso no processo de causa e efeito, a mente só é capaz de operar dentro de sua própria clausura e, portanto, não há liberdade. Só há liberdade quando percebemos que o processo de causa e efeito não é estacionário, estático, mas está sempre em movimento; uma vez compreendido, esse movimento cessa - e dá-se, então, a possibilidade de passarmos além. (Que Estamos Buscando?, 1ª ed., pág. 209)

(…) A verdade não é um resultado, uma causa; é algo sem causa. Tudo o que tem causa é produto da mente, tudo o que tem efeito é produto da mente; e para se conhecer o incausado, o eterno, o que está fora do tempo, cumpre que a mente, que é efeito do tempo, deixe de operar. O pensamento, que é efeito e causa, deve deixar de funcionar, pois só então é possível conhecer aquilo que está além do tempo. (Idem, pág. 209)

Pergunta: Credes na reencarnação e no karma?

Krishnamurti: Vejamos (…) Pois bem, que entendeis por reencarnação? Que é que nasce de novo? (…) Vamos averiguar o que é que volta ou reencarna. (…) Ao dizerdes “eu renascerei”, deveis saber o que é esse “eu”. (…) (Nosso Único Problema, pág. 52-53)

(…) Que é esse “eu” que deverá renascer? (…) Ou o “eu” é uma entidade espiritual, ou é apenas um processo de pensamento. Ou ele é uma coisa atemporal, a que chamamos espiritual (…) ou está compreendido na esfera do tempo (…) da memória (…) (Idem, pág. 53-54)

(…) Ora, por espiritual entendemos uma coisa que não está sujeita a condicionamento (…) não é projeção da mente humana, (…) não está encerrada na esfera do pensamento, (…) não está sujeita à morte. Pois bem, será o “eu” uma entidade espiritual dessa ordem? (Idem, pág. 54)

(…) Se é uma entidade espiritual, tem de estar fora do tempo e, por conseguinte, não pode renascer ou continuar. O pensamento não pode_pensá-lo; (…) Se o pensamento é capaz de pensar o “eu”, então este faz parte do tempo; (…) esse “eu” não é livre do tempo; logo, não é espiritual. (…) (Nosso Único Problema, pág. 54)

Pergunta: Acreditais no karma e na reencarnação?

Krishnamurti: (…) Abordaremos primeiro a idéia do karma (…) Se o pensamento está agrilhoado, limitado, então toda ação nascida dele está também agrilhoada, limitada. (…) Se odiais, o resultado disso é futuro ódio e violência (…) Se o pensamento é acanhado, pessoal, deve sempre criar (…) futura limitação (…) (Palestras em Ojai e Saróbia, 1940, pág. 92-93)

(…) O resultado pode ser sempre alterado ou modificado, de acordo com a nossa compreensão (…) O pensamento não pode escapar de sua ação e reação limitadas, até compreender o processo de sua própria servidão. (Idem, pág. 93)

Considerando, por exemplo, um hindu; o pensamento que ele expressa é limitado pelas crenças e tradições de um hindu. A idéia da reencarnação envolve o renascimento do “eu”. (…) A esse “eu” é atribuída a faculdade de continuar a nascer várias vezes até alcançar a perfeição, a realidade, a libertação. (Palestras em Ojai e Saróbia, 1940, pág. 94-95)

Se pensais que sois uma entidade espiritual ou realidade, o que significa isso? Não implica um estado imortal, fora do tempo, um estado eterno? Se ele é eterno, então não tem crescimento; pois aquilo que é capaz de crescimento não é eterno. (…) (Idem, pág. 95)

Se essa essência espiritual é supostamente amor, inteligência, verdade, então como pode ser cercada por essas trevas que confundem, (…) violência e ódios, (…) febril busca das exigências do “eu”? (…) (Palestras em Ojai e Saróbia, 1940, pág. 95)

Como expliquei, o pensamento condicionado deve continuar a criar futuras limitações para si próprio. O “eu” não é somente uma forma particular, física, mas, além de sua aparência externa, há o eu psicológico. (…) (Idem, pág. 96)
 
Você acredita em reencarnação?
Pergunta: Acreditais na reencarnação? É ela um fato? Podeis fornecer-nos provas oriundas de vossa experiência pessoal?

Krishnamurti: A ideia da reencarnação é tão velha como as montanhas; a ideia de que o homem, por meio de múltiplos renascimentos, passando por inúmeras experiências, chegará finalmente à perfeição, à verdade, a Deus. Ora, o que é isso que renasce, o que é isso que continua? Para mim, essa coisa que supostamente continua nada mais é que uma serie de camadas de memórias, de certas qualidades, certas ações incompletas que foram condicionadas, obstruídas pelo medo nascido da auto-proteção. Agora, essa consciência incompleta é o que nós chamamos o ego, o "eu". Como expliquei no começo, em minha ligeira palestra de introdução, a individualidade é o acúmulo dos resultados de várias ações que foram obstruídas, oprimidas por certos valores e limitações herdados e adquiridos. Espero não estar tornando tudo muito complicado e filosófico; procurarei simplificar o assunto.

Quando falais no "eu", entendeis por tal um nome, uma forma, certas idéias, certos preconceitos, certas distinções de classe, qualidades, preconceitos religiosos, e assim por diante, que foram desenvolvidos por meio do desejo de auto-proteção, de segurança e de conforto. Para mim, portanto, o "eu", baseado numa ilusão, não tem realidade alguma. Portanto, a questão não é saber se existe a reencarnação ou não, se existe ou não uma futura possibilidade de crescimento, mas sim se a mente e o coração podem libertar-se dessa limitação do “eu”, do “meu”.

Haveis perguntado se acredito ou não na reencarnação porque esperais, através da minha garantia, poder postergar o entendimento e a ação no presente, e que chegareis eventualmente a perceber o êxtase da vida ou da imortalidade. Desejais saber se, sendo forçados a viver num ambiente condicionado com limitadas oportunidades, podereis um dia, através dessa miséria e desse conflito, chegar a compreender aquele êxtase da vida, a imortalidade. Visto a hora estar adiantada, sou obrigado a resumir e espero que reflitais sobre o que se segue.

Afirmo que existe a imortalidade; para mim, é uma experiência pessoal, entretanto, ela só poderá ser percebida quando a mente não está procurando um futuro em que haverá de viver mais perfeita, completa e ricamente. A imortalidade é o infinito presente. Para entender o presente com o seu pleno, rico significado, a mente tem que se libertar do hábito da aquisição auto-protetora, e quando ela está por completo desnuda, somente então há a imortalidade.

Jiddu krishnamurti — Palestras no Brasil — segunda edição
 
Sabem o que significa reencarnação?
Vocês já viram a morte. Já viram pessoas morrerem e serem transportadas para o túmulo, mas não sabem o que significa morrer, sabem? Vocês têm teorias e crenças a respeito da morte, cobre o que acontecerá depois da morte ou dizem: “Acredito na reencarnação”. Todos vocês acreditam na reencarnação, não?

Vozes:  Acreditamos.

Sabem o que isso significa — reencarnação? Escutem, bem quietos. Vocês adotaram a suposição de que, após a morte,  vocês renascerão; acreditam nisso. O que é “vocês”? — O dinheiro depositado no banco, a casa, o emprego, lembranças, disputas, ansiedades, dores, medo — “vocês” não são tudo isso? Negam que isso seja “vocês”, dizendo que o “eu” é muito superior a essas coisas? Se dizem que o “eu” não é o seus móveis, suas famílias, seus empregos, mas uma coisa infinitamente superior, quem é que o diz, e como sabem que existe “uma coisa infinitamente superior”? O pensamento é quem o diz e, portanto, essa coisa “infinitamente superior”, esse “superego”, esse Atman, está ainda no campo do tempo, no campo do pensamento, e o pensamento é “vocês” — seus móveis, sua conta bancária, seu apego à família, à nação, a seus livros, a seus desejos impreenchidos. Se realmente acreditassem — com o coração e não com a mente desprezível de vocês — que na vida futura reencarnarão, estariam vivendo hoje de maneira totalmente diferente, porque, pelo que hoje fazem, terão de pagar amanhã, na “vida futura”.

Ao morrerem, perderão o saldo bancário, pois não poderão leva-lo com vocês; poderão retê-lo até o último minuto, e a maioria das pessoas quer retê-lo até o último instante — é de fazer rir, não? Assim, como realmente não sabem nada sobre a morte, vamos aprender o que ela é — aprender, e não apenas repetir o que o orador diz, porque, se o repetirem, verão que são meras palavras — nada.

O organismo físico, decerto, perecerá. O cientista poderá dar-lhe mais uns cinquenta anos, ao fim deles, o organismo morrerá, porque está sendo submetido a constante uso e abuso. O organismo vive sujeito a tensões e pressões de toda espécie; dele se abusa com bebidas, drogas, comidas impróprias, incessante luta. Tais excessos cansam o organismo, de onde os colapsos cardíacos, as doenças, etc.

O corpo perecerá, e que mais morrerá com ele? Sua mobília, seu saber, suas esperanças, desesperos e preenchimentos. Que é, pois, a morte? Aprendam, por favor. Estamos aprendendo juntos. Para descobrirem o que é a morte, devem morrer, não? Se são ambiciosos, devem morrer para as suas ambições, seus desejos de poder, posição, prestígio; morrer para os seus hábitos, suas tradições. Compreendem? Não se podem discutir com a morte, dizer-lhe: “Preciso de mais uns dias, não acabei de escrever meu livro; quero mais um filho, etc.” Nada se pode alegar; portanto, abstenham-se de argumentar, de justificar.

Morram completamente para toda e qualquer coisa: sua vaidade, suas ambições, as imagens que tem de si mesmo, de seu guru, de sua esposa. Se o fizerem, compreenderão o significado da morte, saberão o que é uma mente morta para o passado. Só a mente que morre todos os dias tem a possibilidade de transcender o tempo.

(...) Morram, pois, cada dia, para conhecerem a beleza da vida, a beleza da Verdade, e não precisaram aprender nada de ninguém, porque vocês estarão aprendendo.
 
Fonte:http://pensarcompulsivo.blogspot.com.br/

Comentários