A BELA VELHICE - MIRIAN GOLDENBERG




A BELA VELHICE

Há uma geração que está rejeitando estereótipos e criando novos significados para o envelhecimento.

No livro A Velhice, Simone de Beauvoir, após descrever o dramático

quadro do processo de envelhecimento, aponta um possível caminho para

a construção de uma "bela velhice": ter um projeto de vida.

No Brasil, temos vários exemplos de "belos velhos": Caetano Veloso,

Gilberto Gil, Ney Matogrosso, Chico Buarque, Marieta Severo, Rita Lee,

entre outros.

Duvido que alguém consiga enxergar neles, que já chegaram ou estão

chegando aos 70 anos, um retrato negativo do envelhecimento. São

típicos exemplos de pessoas chamadas "ageless" ou sem idade.

Fazem parte de uma geração que não aceitará o imperativo: "Seja um

velho!" ou qualquer outro rótulo que sempre contestaram.

São de uma geração que transformou comportamentos e valores de homens

e mulheres, que tornou a sexualidade mais livre e prazerosa, que

inventou diferentes arranjos amorosos e conjugais, que legitimou novas

formas de família e que ampliou as possibilidades de ser mãe, pai, avô

e avó.

Esses "belos velhos" inventaram um lugar especial no mundo e se

reinventam permanentemente.

Continuam cantando, dançando, criando, amando, brincando, trabalhando,

transgredindo tabus etc. Não se aposentaram de si mesmos, recusaram as

regras que os obrigariam a se comportarem como velhos. Não se tornaram

invisíveis, apagados, infelizes, doentes, deprimidos.

Eles, como tantos outros "belos velhos" que tenho pesquisado, estão

rejeitando os estereótipos e criando novas possibilidades e

significados para o envelhecimento.

Em 2011, após assistir quatro vezes ao mesmo show de Paul McCartney,

perguntei a um amigo de 72 anos: "Por que ele, aos 69 anos, faz um

show de quase três horas, cantando, tocando e dançando sem parar, se o

público ficaria satisfeito se ele fizesse um show de uma hora?". Ele

respondeu sorrindo: "Porque ele tem tesão no que faz".

O título do meu livro "Coroas" é uma forma de militância lúdica na

luta contra os preconceitos que cercam o envelhecimento. Tenho

investido em revelar aspectos positivos e belos da velhice, sem deixar

de discutir os aspectos negativos.

Como diz a música de Arnaldo Antunes, "Que preto, que branco, que

índio o quê?/Somos o que somos: inclassificáveis". Acredito que

podemos ousar um pouco mais e cantar: "Que jovem, que adulto, que

velho o quê?/ Somos o que somos: inclassificáveis".

Mirian Goldenberg *

 
Mirian Goldenberg - antropóloga, professora da Universidade Federal do

Rio de Janeiro e autora de "Corpo, Envelhecimento e Felicidade" (Ed.

Civilização Brasileira).

 

Fonte: Caderno Equilíbrio, Folha de São Paulo

 

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