A TERRA E O FEMININO - CAROLINA RUBIN


terra

"Primavera" de Giuseppe Arcimboldo (1573)

A Terra e o Feminino


 Carolina Rubin

Muitos séculos vêm testemunhando a usurpação, pelos homens, do título de propriedade da Natureza, revogando assim toda a sacralidade da Terra, da Água e dos valores femininos. Entronizamos um Deus distante do convívio de todos os seres – a própria Criação – e o exilamos em um céu remoto, acessível apenas a supostos escolhidos; tudo o mais foi relegado, rotulado de heresia e apreciado apenas como ambição de difícil acesso para mulheres com baixa capacidade para desenvolver seu lado racional.
Esquecemo-nos das origens e ligações dos seres autodenominados pensantes com a Terra. Mediante esta união – hoje desprezada – construíam-se “primitivamente” as relações sociais, os sistemas políticos, agrários, econômicos, a arte e todas as produções humanas. A Terra, por ser respeitada em todos os seus ciclos como um ser vivo, interativo, latente, pululante, que possuía necessidades, que deveríamos respeitar como um corpo humano, os servia com abundância e prosperidade.
Omitimos de nós mesmos o passado, negando assim o conhecimento de que a Terra vivia em fartura, e as esplêndidas civilizações antigas se relacionavam com seus ciclos com períodos favoráveis de plantio, como os Sumérios, por exemplo. Baseavam-se nesta premissa, pois valorizavam a arte, e um conceito antiqüíssimo que, há cerca de trinta anos, passou a atender pelo nome de Sustentabilidade. Os povos que hoje chamamos de primitivos sabiam que suas necessidades agrárias não podiam comprometer as possibilidades e reclamos das gerações futuras. Porquê esquecemos isso?
Diversas divindades desta época simbolizam a mulher e o Feminino. Exumando a cultura dos povos antigos, reponta sua ligação com a Terra: para eles, era uma relação de mãe e filhos. Para as altas culturas agrárias do Neolítico, a Terra era a figura sagrada dos cultos e ritos de ligação com o sagrado – era a Deusa Máxima. Era ela quem gerava e mantinha tudo o que era vivo. O corpo da Terra era o próprio corpo da Deusa. Nas culturas agrárias desse período, era preciso conhecer o céu e a Terra; povos antigos da Mesopotâmia valiam-se dos ciclos dos planetas, plantavam e colhiam segundo suas revelações e ausências. A Terra era única: consagrada e casada com a água, as terras, o Universo, os seres humanos, em prefeita união com tudo.
O Conhecimento do tempo cíclico regia o entendimento e a percepção de mundo. Examinando os astros e sua interação com a Terra, os humanos entendiam que tudo nascia, crescia e reproduzia-se para morrer, renovando assim o mundo; tal qual os ciclos femininos, que prefiguram a mesma dinâmica na renovação celular mensal necessária para que o novo possa florescer.
Com isso, constatamos que muitas rupturas ocorreram a partir do abandono da sacralidade da Natureza, da Terra e do Feminino, hábeis a auxiliar como inspiração para nossas atitudes. Quando tivemos oportunidades de seguir as leis da Natureza como um guia, longe de ser uma questão de conformismo, nos assemelhávamos à Terra, e isso nos trazia serenidade, harmonia e paz.
Atualmente, quando observamos a vida humana, constatamos o desligamento dos homens com o Planeta, esquecemo-nos do valor da união com esta Terra provedora e generosa que nos nutria, desrespeitando assim nossa própria essência de criaturas sagradas. Quem sabe, como boa matriarca que alimenta seus filhos com fartura em todos os aspectos, ela esteja apenas esperando que voltemos pra nós mesmos, relembremos de onde viemos e quem somos, e com tal consciência, apenas esteja aguardando o momento exato que nos brindará com novos tempos de fartura e abundância, ao sentir que finalmente decidimos voltar para nós mesmos, para a Terra. Que decidimos voltar para casa.
Carolina Rubin é Relações Públicas (CONRERP 2250) e Pesquisadora de Desenvolvimento Humano e Sustentabilidade.

Referências Bibliográficas:
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