A VOLTA DE UMA LENDA CHAMADA DAVID BOWIE

 

 

 

 



Bowie no museu









David Bowie voltou com tudo. Longe dos holofotes desde 2004, quando sofreu um ataque cardíaco em plena turnê, a última vez que ele tinha sido visto em público foi em 2009, no Festival de Cinema de TriBeCa, em Nova York, na estreia de “Moon”, dirigido por seu filho Duncan Jones. Bowie parecia debilitado e frágil, tanto que até disseram que ele enfrentava uma doença degenerativa em estágio avançado.

Quando a lenda é maior que homem, publique a lenda” – diria aquele personagem em “O homem que matou o facínora” (“The man who shot Liberty Valance”), clássico do cinema de John Ford. Agora, ao completar 66 anos, quando todos achavam que todas aquelas estranhas revoluções musicais e visuais de uma lenda chamada David Bowie eram coisa do passado, mister Ziggy Stardust surpreende sua legião de fãs e retorna com “The next day”, clássico instantâneo com 14 canções inéditas que também já deram origem a videoclipes intrigantes, fortes candidatos nas listas de melhores do ano: "Where are we now?", com direção de Tony Ousler, e "The stars (are out tonight)", com direção de Floria Sigismondi e presença inspirada da atriz Tilda Swinton, na pele de esposa e clone do próprio Bowie.

Foram aplausos unânimes conquistados entre os mais sisudos e respeitados críticos em atividade nos influentes The Guardian, The Telegraph, BBC, Libération, Billboard, Rolling Stone – elogios por sinal reproduzidos na íntegra, sem nenhum crédito e sem cerimônia pelos principais jornais e revistas em território brasileiro. No lançamento, em 8 de março, a coleção de novas canções de Bowie disparou para o número 1 das paradas britânicas e até o jornal The Independent, sempre discreto e equilibrado, saudou “The next day”como o "maior retorno na história do rock'n'roll".



Personagem e criador: entre as amostras da memorabilia
de David Bowie que chegam ao acervo do Victoria & Albert Museum
de Londres estão imagens célebres, entre elas Bowie em 1973 (no alto),
paramentado com vestimenta de Kansai Yamamoto. Acima, fotografia
de Frank W. Ockenfels para a capa do álbum“Earthling”, de 1997,
com Bowie em figurino surpreendente de Alexander McQueen



'David Bowie is'


A celebração do retorno não é exatamente uma surpresa para quem acompanha a trajetória de Bowie, batizado em Londres como o nome David Robert Jones em 8 de janeiro de 1947. Na música, no cinema e nos palcos, a capacidade de sempre inovar e renovar, tanto sua imagem como suas canções sofisticadas, que remetem à alta literatura e à cultura erudita, garantiram a ele o título de “camaleão do rock”, ainda na década de 1970, poucos anos depois de ganhar destaque com “Space Oddity” em 1969.

Outras revoluções e reinvenções contínuas surgiriam nas canções e nos discos seguintes, com mais tecnologia e influências assumidas dos surrealistas franceses, das antigas canções de cabaré de Kurt Weill e Bertold Brecht e das novidades que ele foi dos primeiros a promover, androginia, lisergia, psicodelia, cores em combinações bizarras, dissonâncias e outras extravagâncias que ganharam a cultura popular, incluindo “The man who sold the world” (1970), “Hunky Dory” (1971), “The rise and fall of Ziggy Stardust and the spiders from mars” (1972), “Aladdin Sane”(1973) e outras investidas radicais pelas décadas seguintes.


Dois momentos de Bowie em fotos de Jean-Luc Ourlin:
no alto, em Londres, 1972. Acima, durante show no
O'Keefe Center em Toronto, Canadá, em 1976

Em celebração às revoluções do artista mutante e seu eterno retorno ao cenário da cultura pop, está programado um tributo sem precedentes: a partir de 23 de março e até o dia 11 de agosto, Bowie e sua obra serão o tema de uma grande exposição no Victoria & Albert Museum de Londres, um dos pontentosos endereços britânicos, auto-intitulado “o maior museu do mundo em arte e design” (veja o link para uma visita virtural à exposição no final deste artigo).

Há quem diga que, de fato, “David Bowie is” pode ser considerado o maior evento já realizado em um grande museu em homenagem a um astro da música pop e do rock'n'roll. Com bom humor e feliz, sorridente, Bowie agradece solenemente em um vídeo gravado especialmente para a exposição –também comenta algumas das peças reunidas no acervo e alguns dos nomes no panteão da arte e da cultura do século 20, com os quais ele compartilha conceitos e visões de mundo.










    A partir do alto: fotografia de Terry Pastor para a capa
    do álbum “Hunky Dory” (1971); Bowie posando com
    William Burroughs em 1974, em fotografia e arte de
    Terry O’Neill; e a capa de “Ziggy Stardust” (1972),
    com pintura e nanquim sobre foto de Terry Pastor
    com Bowie a vagar pelas ruas de Londres


Warhol, Duchamp, Yamamoto


Os nomes com reverências na lista de Bowie são quase inevitáveis: há elogios, agradecimentos e louvor às performances de Andy Warhol, de Marcel Duchamp, de Lindsay Kemp, a “Metropolis” e ao cinema de Fritz Lang e Stanley Kubrick, a “Lolita” e à literatura de Nabokov e dos beatniks, às fronteiras do design e à moda de Alexander McQueen e Kansai Yamamoto. Algumas das reverências explícitas vêm das parcerias que Bowie desenvolveu em quase 50 anos de cultura pop – como revelam créditos e autoria nas peças em exposição.

Ainda assim: parece estranho ver imagens e objetos da trajetória de Bowie apresentados como peças de museu? A resposta: nem tanto –especialmente se consideramos que designers e artistas dos mais criativos em suas áreas distintas tiveram participação de destaque em cada passo a passo das revoluções de mister Bowie e de seus alter-egos. Incluindo o mais importante: sua música.

A viagem apresentada no museu britânico tem seu fio condutor, como não poderia deixar de ser, na trajetória da música de Bowie desde a década de 1960 – em canções de estúdio, trechos de shows e videoclipes exibidos em telões e em fones interativos para cada visitante. Sons e imagens de Bowie percorrem salas e galerias do museu gigante com todos os recortes das 'artes menores' que recebem dedicação exclusiva no Victoria & Albert – da moda e das tecnologias do design às artes decorativas, arquitetura, artes gráficas, videoarte, cinema, dança, performances, conferências...





    No alto, a performance de pierrô pós-moderno em
    "Scary monsters" (1980), seguida pela colagem
    surrealista feita pelo próprio Bowie a partir de três imagens
    do filme “The man who fell to Earth” (1976); acima,
    o jovem Bowie antes do show de estreia, em 1963,
    com The Kon-rads, em foto de Roy Ainsworth



Entre as peças que traduzem a presença de Bowie na exposição, também estão joias exclusivas, utensílios domésticos, mobiliário, padrões de estamparia, vestuário, discos, canções, pôsteres em suportes variados, cartas, diários, dedicatórias, muitas e muitas fotografias, videoclipes e amostras de sua sólida presença no cinema. O visitante vai ver e ouvir canções de Bowie na trilha sonora de muitos sucessos da TV e do cinema e suas participações especiais em filmes polêmicos e premiados – como ele mesmo no alemão “Cristiane F”, de 1981; como Andy Warhol em “Basquiat”,de 1986; como Pilatos em “A última tentação de Cristo”, de 1988; como Nikola Tesla em “O grande truque”, de 2006.

O Victoria & Albert Museum também reservou espaço para a presença de Bowie como protagonista em filmes importantes como “O homem que caiu na Terra” (“The man who fell the Earth”, 1976, de Nicholas Roeg), “Apenas um gigolô” (“Schôner Gigolo”, 1979, de David Hemmings), “Fome de viver” (“The Hunger”, 1983, de Tony Scott), “Furyo – Em nome da honra” (“Merry Christmas, mr. Lawrence”, 1983, de Nagisa Oshima), que serão exibidos em sessões especiais.

Há também instalados nas salas do museu monitores em suportes diversos e telões com exibição permanente de trechos selecionados da filmografia de Bowie e muitos documentários sobre ele – incluindo a íntegra do lendário “Ziggy Stardust and The Spiders From Mars”, registro em tempo real de sua última performance como Ziggy, no último show da turnê de “Aladdin Sane”, em 3 de julho de 1973, documentado por D. A. Pennebaker.









Imagens de Bowie no cinema em destaque na esposição do
Victoria & Albert Museum: a partir do alto, "Merry Christmas,
mr. Lawrence"; o cartaz de "Fome de viver"; Bowie como
Andy Warhol em "Basquiat"; e na pose imaginária de
"Heroes" (1977), em parceria com Brian Eno


Também de “Aladdin Sane” vem a imagem que os curadores Victoria Broackes e Geoffrey Marsh escolheram para o cartaz da exposição “David Bowie is”. Muitos fãs do artista que já foi chamado de“Camaleão do Rock” vão concordar que talvez seja mesmo a imagem mais emblemática entre tantas: aquela fotografia em que Bowie aparece com o peito nu e os cabelos ruivos, antecipando o punk, com maquiagem violenta de raio com feixe azul e vermelho a atravessar a pupila dilatada de seu olho direito.
Ziggy Stardust e Aladdin Sane


A fotografia, estampada no cartaz da exposição, foi encomendada por Bowie em 1973 a Brian Duffy, para a capa de “Aladdin Sane”. A ideia da maquiagem foi do próprio Bowie, para destacar o detalhe de que seus olhos tem cores bastante diferentes, resultado de um acidente grave na adolescência, quando recebeu um soco numa briga e quase perdeu a visão, ficando com uma das pupilas permanentemente dilatada.

A capa de "Aladdin Sane" é a imagem mais reproduzida na mostra organizada pelo Victoria & Albert Museum: além do cartaz oficial, também aparece na série de 26 capas originais de discos e em dezenas de variações em provas de contato ampliadas. Talvez seja também uma das imagens mais simbólicas da exposição – entre tantas imagens de Bowie que deixaram marcas no imaginário coletivo no último meio século.










    Bowie no Victoria & Albert Museum: a partir do alto,
    desenho datade de 1978 de Bowie em autorretrato
    e foto publicitária para “Diamond Dogs”, de 1974,
    por Terry O'Neill. Acima, “The Archer”, de 1976,
    foto de John Rowlands para a capa de “From the
    Station to Station”, sempre apontada pelo próprio
    Bowie como uma de suas fotografias favoritas. Abaixo,
    instalações para "David Bowie is" no museu de Londres
Aladdin Sane”, como outras caracterizações incomuns na trajetória de Bowie, não é passado: parece o futuro, mesmo quando a gente sabe que a memória registra apenas o passado e que ela sempre desaparece – feito tudo na vida, feito lágrimas na chuva, como diria com nostalgia aquele outro andróide, anti-herói no “Blade Runner” de Ridley Scott.

No texto distribuído à imprensa para divulgar "David Bowie is", após enumerar considerações breves e acertadas sobre o pioneirismo de Bowie e sobre o pioneirismo da iniciativa promovida pelo Victoria & Albert Museum, ao reunir o acervo dos sonhos de todo fã, os curadores Victoria Broackes e Geoffrey Marsh revelam suas relações afetivas com a obra e com a música de Bowie. Foram estas relações afetivas, confessa Victoria, que manteve de pé o projeto contra todas as dificuldades – dificuldades e obstáculos que consumiram alguns anos de trabalho e dedicação antes que eles conseguissem concretizar a exposição.








Segundo Victoria Broackes, a dificuldade maior foi selecionar amostras entre os acervos que documentam Bowie e sua trajetória.Não somos acrobatas, mas concordamos que a melhor definição para esta viagem pela carreira de um artista importante e apaixonante como David Bowie é uma sensação – um salto mortal triplo executado sem rede”, explica Victoria, reconhecendo que a dificuldade maior da curadoria foi reduzir o vasto material e não ampliar o leque de referências diretas e indiretas que Bowie representa na música, na arte, na cultura e no comportamento de nossa época.

Entre tanta variedade e diversidade, a estratégia da curadoria foi priorizar objetos e imagens mais valiosos por seu valor histórico, por ser raridade como peça original ou pela sua importância como inédito. Mesmo contrariando os gostos mais conservadores, a chegada de David Bowie ao acervo do Victoria & Albert Museum estabelece um precedente que surge como forte referência para novas mostras sobre personalidades do rock e da cultura pop, além de marcar um novo recorde: mais de 50 mil ingressos foram vendidos com antecedência, antes mesmo da abertura da exposição. De Marte ou de outro ponto relativo no espaço sideral, mister Ziggy deve ser só felicidades.


por José Antônio Orlando.


Para uma visita virtual à exposição no Victoria & Albert Museum,
clique aqui.

Para visitar o site oficial de David Bowie, clique aqui.





    No alto, a lendária fotografia de Brian Duffy para a
    capa do álbum “Aladdin Sane”, de 1973, seguida pelas
    provas de contato do ensaio e por uma camiseta inovadora
    que provocou polêmica e marcou época: “Face”, criada
    em 1976 pelos designers John Dove & Molly White


    Fonte:http://semioticas1.blogspot.com.br/2013/03/bowie-no-museu.html

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