Da narrativa cinematográfica 
A 
construção de uma narrativa cinematografia obedece a diversos critérios assim 
como um projeto arquitetônico corresponde a determinadas opções. Há uma 
construção narrativa que se pode considerar simples e outra que 
se desenha como complexa. Dois tipos de estruturas, portanto, 
mas que se deve ter em conta e ressaltar que a simplicidade ou a complexidade 
são noções exclusivamente inerentes ao como do discurso e não à sua coisa. Isto 
quer dizer: pode haver histórias intrincadíssimas mas de estrutura simples, 
elementar, e, pelo contrário histórias lineares, com começo, meio e fim e 
progressão dramática tradicional mas que se tornam intrincadas por uma 
disposição particular dos segmentos narrativos.Dentre as narrativas de 
estruturas simples estão: a linear, a binária e 
acircular.
Narrativa linear. Percorrida por um único fio condutor que se desenvolve 
de maneira seqüencial do princípio ao fim sem complicações ou desvios do caminho 
traçado. A narrativa de estrutura linear é a de mais fácil leitura e é concebida 
de modo a respeitar todas as fases do desenvolvimento dramático tradicional. O 
esquema que se obedece é aproximadamente o seguinte: a) introdução ambiental; b) 
apresentação das personagens; c) nascimento do conflito; d) conseqüências do 
conflito; e) golpe de teatro resolutório. Este esquema da narrativa linear 
repete ao pé da letra o que era a estrutura base do romance psicológico do 
século XIX. Incluem-se nesse tipo de narrativa aquela nas quais o elemento 
poético e metafórico é reduzido ao mínimo e os motivos de interesse residem 
exclusivamente na fábula (story), excetuando-se os eventuais casos de erosão dentro do 
referido esquema - que se constituem uma exceção à regra.
Narrativa binária. Este tipo de narrativa é percorrido por dois fios 
condutores a reger a ação como só acontece nos casos de narrativas paralelas 
baseada na coexistência de duas ações que podem entrecruzar-se ou manter-se 
distintas. Garantia certa de tensão dramática, a binária é empregada em fitas de 
ação - thrillers, westerns, etc - porque valoriza o paralelismo e o 
simultaneismo, fornecendo, assim, amplas possibilidades de impacto. Exemplo 
clássico da narrativa binária está em David Wark Griffith (Intolerância, 
1916, O lírio partido, 1918, Broken 
blossoms no original). A linguagem 
cinematográfica tomou impulso com a descoberta da ação paralela e da inserção de 
um plano de detalhe no plano de conjunto.
Narrativa 
circular. Este tipo de 
narrativa tem lugar quando o final reencontra o início de tal modo que o arco 
narrativo acaba por formar um círculo fechado. É menos frequente e mais ligada a 
intenções poéticas precisas com um propósito de oferecer uma significação da 
natureza insolúvel do conflito de partida e denota a desconfiança em qualquer 
tentativa para superar a contradição assumida como motor dramático do filme. A 
significação implícita a este gênero de escolha estrutural poderia ser: "as 
mesmas coisas repetem-se". Em A faca na água (Noz W 
Wodzie, Polônia, 62), 
o primeiro longa metragem de Roman Polansky, assim como também em O fantasma da liberdade (Le 
fantôme de la liberté, 74) de Luis Buñuel, 
e Estranho 
Acidente(Accident, 68), de Joseph Losey, para 
ficar em três exemplos, as coisas que se observam no início voltam a surgir no 
final, a despeito das tentativas registradas pela narrativa para se libertar 
delas e da sua influencia nefasta. A construção das obras citadas obedece e 
exprime a visão do mundo de seus autores do que, propriamente, à matéria da 
fábula, que pode se apresentar tranquila e jocosa e destituída de relevância 
maior.
Dentre as 
narrativas de estrutura complexa estão: a estrutura de inserção, a estrutura 
fragmentada e a estrutura polifônica.
Narrativa de inserção. Consiste numa justaposição de planos pertencentes a 
ordens espaciais ou temporais diferentes cujo objetivo é gerar uma espécie de 
representação simultânea de acontecimentos subtraídos a qualquer relação de 
causalidade. Os segmentos narrativos individuais interatuam entre si, 
produzindo, com isso, uma complicação ao nível dos significantes que 
potencializa o sentido global do discurso. A contínua intervenção do flash-back pode 
provocar um entrelaçamento temporal que esvazia a noção do tempo cronológico em 
favor do conceito de duração. Por outro lado, as frequentes deslocações 
espaciais conferem aos lugares uma unidade de caráter psicológico mas não de 
caráter geográfico. Na narrativa de inserção, a realidade é vista de modo 
mediatizado, isto é, a realidade é refletida pela consciência do protagonista ou 
pela do realizador omnisciente. Seguem esta narrativa de inserção filmes 
como 8 ½ (Otto e mezzo, 64), de Federico Fellini, A guerra acabou (La guerre est 
finie, 66), Providence, entre 
outros trabalhos de Alain Resnais, Morangos 
Silvestres (Smulstronstallet, 57) de Ingmar 
Bergman, etc. Nestes exemplos, o receptor/espectador é posto diante de um 
desenvolvimento narrativo que não é lógico mas puramente mental: o velho 
Professor Isaac contempla a própria infância (Bergman), o cineasta Guido 
(Marcello Mastroianni) no cemitério conversa com seus pais já falecidos 
(Fellini), a projeção do desejo de um escritor moribundo (John Gielgud) 
imaginando situações (Resnais). O desenvolvimento puramente mental determina, 
por sua vez, um jogo de associações visuais e emotivas que cria um universo 
fictício exclusivamente psicológico.
Narrativa fragmentária. Estrutura-se pela acumulação desorganizada de materiais 
de proveniência diversa, segundo um procedimento análogo ao que, em pintura, é 
conhecida pelo nome de colagem, A unidade, aqui, não é dado pela presença de um 
fio narrativo reconhecível, porém pelo ótica que preside à seleção e 
representação dos fragmentos da realidade. Se, neste caso, da narrativa 
fragmentária, a intenção oratória do cineasta prevalece sobre a fabulatória, 
mais acertado seria considerar o filme como um ensaio do que um filme como 
narrativa. A expectativa de fábulas, no entanto, encontra-se presente no homem 
desde seus primórdios e o cinema, portanto, desde seu nascedouro possui uma 
irresistível vocação narrativa. Poder-se-ia, então, ainda que esta irrefreável 
expectativa do receptor diante de um filme, falar de um cinema-ensaio ao lado de 
um cinema-narrativo. O exemplo de, novamente Alain Resnais, Meu tio da América (Mon oncle d'Amerique) vem a propósito, assim como Duas ou Três Coisas Que Eu Sei Dela (Deux ou trois choses que je 
sais d'elle, 66) de Jean-Luc Godard - um 
minitratado sobre a reificação que ameaça o homem na sociedade de 
consumo, La hora de los hornos (68), de Fernando Solanas - obra nascida como ato 
político que utiliza documentos, entrevistas, cenas documentais e trechos com o 
objetivo de proporcionar a tomada de consciência revolucionária por parte do 
espectador.
Narrativa polifônica. Estrutura-se pelo número de ações apresentadas que 
confere uma feição coral à narrativa, impedindo-a de afirmar-se de um ponto de 
vista que não seja o do realizador-narrador. Os acontecimentos que se entrelaçam 
são múltiplos, dando a impressão de um afresco, que se forma pelas situações 
captadas quase a vol d'oiseau. Utilizando-se desse tipo de narrativa complexa, o 
cineasta capta de maneira sensível, se capacidade houver, o clima social de uma 
determinada época, como fez Robert Altman em Nashville (1975). Neste 
filme, vinte e quatro histórias se entrecruzam para compor um mosaico revelador 
da realidade dos Estados Unidos durante a década de 70. Outro exemplo do mesmo 
Altman é Short cuts. (Short cuts, EUA, 91).As estruturas examinadas são todas elas do 
tipo fechado, segundo as coordenadas estabelecidas por René Caillois (12). 
Porque, assim fechadas, estas estruturas servem de suporte à narrativas 
concluídas do ponto de vista de seu desenvolvimento, não importando o seu 
significado poético. Existem, no entanto, casos de estruturas abertas, nas quais 
a conclusão do discurso é deixada em suspenso ou então prolongada para além do 
filme. O que caracteriza a obra cinematográfica como um trabalho em devir, um 
filme que busca ainda o seu desfecho ou, então, como um texto que se oferece à 
meditação do espectador. Em Apocalypse 
now (1978), de Francis Ford Coppola, o 
cineasta apresenta três finais todos igualmente legítimos e solidários com o 
contexto narrativo. Já em Dalla nube nulla 
ressitenza (81), de Jean-Marie Straub, formado 
por blocos de sequências fixas, a solução final é deixada ao subsequente 
trabalho de reflexão do espectador/receptor. Trata-se de uma obra que faz uma 
reflexão, por meio de representações dialogais, sobre a passagem da idade feliz 
do Mito para a idade infeliz da História.O caráter aberto da narração, todavia, 
em nada desfalca a contextualidade orgânica do discurso, contextualidade que se 
mantém íntegra apesar da suspensão da fábula. A solidariedade estrutural, 
ressalte-se, constitui a conditio sine qua 
non de qualquer discurso cinematográfico que 
pretenda considerar-se artístico.
Fonte:http://setarosblog.blogspot.com.br/2013/03/da-narrativa-cinematografica.html
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