PARANÓIA E DELÍRIO DE CIÚME : ANÁLISE PICOLÓGICA DA DESCONFIANÇA



Até a pessoa mais leiga já percebeu que uma das maiores fontes de sofrimento psicológico é a desconfiança perante determinada situação ou pessoa. Seu ápice seria o transtorno mental conhecido como paranóia-a invasão da mente por idéias e pensamentos torturantes; ou ainda delirantes sobre perseguição e ameaça contra a própria pessoa. Este estudo irá se deter essencialmente nos aspectos psíquicos da paranóia, deixando de lado os elementos psiquiátricos da mesma, como por exemplo: etiologia dos delírios paranóicos e estados alucinógenos.

A paranóia é o retorno absoluto de todo o potencial de vingança e ódio que se volta contra o sujeito em questão. Determinado trauma possui a capacidade de subdivisão para pequenas vivências de desprazer ou medo que adquirem extrema importância na mente de uma pessoa. A trajetória da paranóia é o deslocamento do centro para a periferia, fazendo com que esta última tome o lugar absoluto das preocupações do indivíduo. A síntese deste processo é a perda da saúde mental para detalhes que o sujeito não consegue se desvencilhar. Perceber a estreita ligação com o medo é essencial para compreendermos tal moléstia. Inicialmente houve uma experiência negativa, frustrante ou de terror sobre o sujeito. Toda a leitura mental presente e futura se baseará na espera de nova catástrofe em todas as áreas: morte; doença; exclusão ou loucura; pois o paranóico cultua inexoravelmente à volta da perturbação. Uma das conseqüências é o desenvolvimento de um espírito vingativo e bélico a qualquer nova aproximação social ou afetiva. O paranóico desenvolveu um tipo de orgulho e rigidez perante uma perda; antecipar constantemente um medo nada mais é do que o inconformismo sobre uma passagem pretérita.

A paranóia inicialmente é uma defesa contra a inveja. Pensemos naquele tipo clássico presente nas escolas, que alarde para todos que foi muito mal na prova; sendo que mais tarde se descobre que foi o mais bem sucedido. O problema neste exemplo é o cultivo do pessimismo e a constante antecipação de um evento negativo; que mais tarde causarão a impregnação da mente pelo medo, seja real ou não. Claro que o exemplo citado não levará a uma futura paranóia, mas apenas como um pedaço minúsculo de como se começa algo. A "falsa modéstia" é uma tentativa perigosa de anular as potencialidades de determinado indivíduo, para que se sinta pertencente a uma massa homogênea que nunca o critique. Qualquer perturbação que atingiu a mente teve um histórico de cultivo, paralelo às experiências que o sujeito não conseguiu elaborar, como descrito anteriormente. O grande dilema de todas as escolas psicológicas é se conseguem ou não refazer por completo a história psíquica e afetiva da pessoa.

FREUD em seu famoso estudo do caso * "Schreber", concluiu que a paranóia seria a negação e transformação de um desejo homossexual para uma idéia persecutória. Fez também uma relação com o ciúme, onde apontou que uma pessoa presa deste sentimento, apenas projeta ou transfere para o outro seu próprio desejo de traição. Embora a etiologia do ciúme tenha os elementos projetivos elucidados por FREUD, é estranho que o mesmo tenha feito uma associação direta entre paranóia e homossexualismo. Esta fusão seguindo a experiência clínica, apenas acontece em casos extremos de negação do desejo homossexual ou bissexual. ALFRED ADLER dizia que a paranóia estava associada diretamente com o complexo de inferioridade que martirizava o paciente. O fato de se sentir perseguido constantemente seria uma alternativa mental para se julgar importante perante a sociedade; "afinal todos estavam contra ele". Embora tal análise pareça simplista, ADLER acertou quando disse que a paranóia teria a função de preencher alguma coisa. A falência da palavra, da crença ou da razão, nos conduzem para tal percepção. Determinado pensamento negativo irá se instalar quando ocorre um desvirtuamento da sensibilidade. Se o cotidiano tem a função de massificar ou banalizar toda a vida do ser humano, algo terá que restar para ter a função de sensibilizar a pessoa, mesmo que seja no caminho da extrema dor. Se alguém como dizia ADLER passa sua vida almejando o poder e destaque; paralelamente se sentirá depositário das experiências mais dolorosas do meio psíquico e social; pois ao mesmo tempo em que a sociedade reforça a ambição, instala também a culpa por alguém desejar se sobrepor.

Cito como exemplo um sonho de um indivíduo que sofria de paranóia: "Sonhei que estava na minha casa; estava diferente, maior e mais luxuosa; ouvi barulhos como se fossem assaltantes querendo a invadir; notei que a casa tinha vazamentos em quase todos os cômodos; Além disso, na porta de entrada notei um inseto totalmente diferente, que se transformava em algo terrivelmente ameaçador". É incrível a análise desta manifestação onírica. Note-se que o sujeito sonhou com uma casa mais valiosa do que possuía; não tardou para os elementos de culpa e desconfiança invadirem sua mente. Tudo sinalava para um desfecho negativo; problemas estruturais na casa, ameaça de invasão, e insetos se transformando em monstros. Isto demonstra que não irá demorar a pessoa ser aniquilada. A paranóia amplifica a insegurança da perda, jamais permitindo que o sentimento de posse, acompanhado da certeza de sua ética tranqüilize o indivíduo. Clinicamente pacientes paranóicos sofrem de insônia e pesadelos corriqueiramente.

A paranóia espelha nosso dever inconscientemente instalado de desconfiar ou odiar sempre. Ser perseguido apenas é o cume mental de uma cultura política e social que apregoa que jamais teremos amigos ou reais companheiros, mas meros colegas que almejam tomar nosso lugar. A paranóia também não admite nenhum tipo de otimismo, sendo sua função a eterna vigilância perante um provável dano. É impressionante como a medicina e alguns setores da psicologia omitiram no decorrer do tempo a estreita ligação entre paranóia e distúrbios psicosomáticos. Estes, na maioria das vezes não possuem nenhuma causa física, estando associados a uma espécie de intuição da pessoa contra futuras perdas. Observei durante minha experiência clínica diversos casos onde o papel do sintoma é um alerta do corpo perante o apego do paciente e seu caráter gregário, não admitindo nenhuma mudança ou desfecho de perda. O sintoma, nestes casos é a antecipação daquilo que a pessoa teme, mas, que talvez devesse encarar a fundo. Poderia relatar como exemplo, uma dezena de casos de casais na iminência da separação, sendo que os conflitos se transformaram em distúrbios neuro vegetativos, ou em determinados tiques nervosos, que tem como função: revelar o medo perante a intuição da resolução da crise através da perda, como foi observado, causando a distração de determinada situação insolúvel, transferindo para o corpo uma idéia intolerável ou inaceitável, na tentativa de se ganhar tempo sobre um sofrimento que o indivíduo não consegue elaborar. A hipocondria também possui uma estreita ligação com a paranóia; sendo que a pessoa sente que seu corpo é mais do que vulnerável a todo tipo de doenças.

O poder sempre explorou cruelmente a questão da persecutoriedade. Alguém que foi vítima de tortura, ou perseguição política feroz, quebrou a barreira da paranóia enquanto fantasia para se transformar em realidade. Como dizia FREUD na questão sexual, fazendo um paralelo com a paranóia: "uma coisa é o caráter fantasioso do incesto, sendo que determinado indivíduo que foi vítima real do mesmo, não escapará de uma grave neurose". A partir do momento que a desconfiança se torna absoluta realidade, se destrói toda a base egóica de poder pessoal e principalmente da saúde mental da pessoa. Contestar algo é uma rebelião contra imagens arcaicas paternas e maternas*, embora não possamos jamais deixar de crer, que alguém genuinamente deseje melhorar as coisas. A contestação inevitavelmente traz a perseguição e muitas vezes a culpa. A sociedade sabe explorar determinadas fraquezas inconscientes de quem a desafia. A política é uma tentativa adulta (fase genital)*, de ser aceito socialmente e com poder, compensando a carência de reconhecimento perante antigas imagens familiares ou sociais. Como observei acima, não se trata de desacreditar na intenção social de quem quer que seja, mas, apenas aclarar que a política esconde os anseios mais gananciosos e de poder que o ser humano possui, camuflando neuroses e complexos de toda espécie. A paranóia é o transtorno mental mais "politizado" de todos, pois além de sua arena ser um jogo social, o poder dirigido contra a própria pessoa sempre será a tônica.

A paranóia inverte a polaridade das sensações perante determinados acontecimentos; o inesperado ou raro se torna o cotidiano na mente do sujeito, podendo se tornar o imediato. Uma mente onde a catástrofe está presente o tempo todo irá deturpar por completo todo o tipo de relacionamento. O pessimismo ou antecipação constante da perda é também essencialmente a projeção ou retorno mental de uma conduta individualista ou egoísta que o sujeito nutriu no decorrer de sua história de vida. A idéia delirante de persecutoriedade nada mais é do que o caminho psíquico inverso de alguém que se ambientou ou teve prazer com a hostilidade como modelo de vida. Está mais do que ultrapassada a noção de que uma doença mental é algo inesperado que aflige o indivíduo, como um vírus ou bactéria. A mesma é resultante da subjetividade do trato social que o sujeito formou ao longo de suas experiências. O distúrbio mental estará sempre associado ao tempo, no sentido da somatória de crenças e experiências que produzem uma máxima quase que irreversível na psique da pessoa.

A mensagem última da paranóia é que além da perda, a pessoa necessariamente será humilhada e totalmente desnuda em seus aspectos negativos. A agressividade que aumenta a cada instante traz a contrapartida do medo à retaliação. A ansiedade está totalmente presente, obrigando o indivíduo a se preocupar imediatamente com determinado receio histórico; mesclando culpa e raiva perante sua situação de indecisão e insegurança. A ansiedade espelha também a angústia plena pela falta de um reconhecimento social que nos conforte. A idéia religiosa transpassa para a psique do sujeito. Todos crêem num lado pessoal de "divindade", que anseia por ser cultuado pelo outro. A ansiedade patológica ataca exatamente nesse ponto, quando se descobre que até o presente ninguém acreditou ou investiu em nossa necessidade de idolatria. A paranóia detém uma mensagem mais do que cruel dizendo que apenas aquele indivíduo pôde produzir reações agressivas em contato com seu meio; sendo que o ciclo vicioso se instala na junção entre a raiva, medo e certeza da perseguição. Jamais há a clareza do motivo real da perseguição; tudo o que se conclui é que o indivíduo jamais poderá fazer parte de uma convivência harmoniosa entre seus pares. O pessimismo é uma variante menor da paranóia, sendo que a semelhança entre ambas é "a pessoa viver como se estivesse num país hostil e inimigo", como observava ALFRED ADLER.

FREUD sempre sustentou que o ser humano buscava o prazer de todas as formas; a concentração de suas teses na sexualidade são a prova de tal pensamento. Porém, não deixou de se sentir incomodado com determinados distúrbios que talvez contrariassem tal afirmação. O masoquismo e a paranóia se chocavam com determinada assertiva, pois eram distúrbios neuróticos totalmente associados a dor, contrariando a tese descrita por ele. Então o mesmo elaborou o conceito do "INSTINTO DE MORTE"; algo inerente à natureza humana que teria a função do retorno ao inanimado. Muitos críticos de sua obra até os dias de hoje contestam tal conclusão, pois não vêem nenhuma base científica ou psíquica para esta afirmativa.


 
Fonte:http://antonioaraujo_1.tripod.com/psico1/portugues/paranoia/paranoia.html

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