ARTE PAGÃ CONTEMPORÂNEA

 

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O Círculo Vicioso do Petróleo‘ por Ulla Barr (Fotografia Digital, 2007)
Fonte
: Eco Art LA

Arte Pagã Contemporânea



"Arte é a manifestação sensível da idéia”
Hegel


O que é Arte Pagã Contemporânea? – Toda Arte Contemporânea é pagã; me respondeu um filósofo, surpreendido com a pergunta. Afinal, vinculações religiosas não são mais uma necessidade para a arte, e faz tempo. Natural que a resposta fosse essa, em um primeiro momento, pois a palavra ‘pagão’ passou a se assemelhar à palavra ‘ateu’, aquele que não acredita em Deus e/ou não faz votos de comprometimento religioso, ganhando o significado daquele que ‘não é cristão’ ou que não recebeu o batismo. Assim a palavra tem sido compreendida no mundo judaico cristão, mas se retrocedermos um pouco e atentarmos para a etimologia, veremos que paganus significa “do campo” ou ainda “morador do campo”. E também tem o significado extra de ‘civil’, ou seja, pessoa que não mantém relações com o militarismo, o que nos faz lembrar da natural postura anárquica do pagão (no sentido político que é dado à palavra ‘anarquia’, é claro).





Obviamente, usamos o sentido original da palavra ‘pagão’,deixando de lado seu significado corrompido. E acrescentamos ainda outros significados no seu bojo, já que uma postura pagã frente à vida vem tomando concretude, não se restringindo mais nem mesmo à etimologia original acima dada e invadindo o campo das realizações e reflexões humanas em diversas áreas de atuação. Deixando-se de lado a apropriação da palavra “paganismo” feita pela Igreja, descortina-se um imenso leque de possibilidades. No entanto, a excessiva proficuidade do termo é também um fator complicante, porque, afinal,o que seria Arte Pagã Contemporânea? Um olhar pagão sobre o mundo?Caracterizaria-se pela escolha dos suportes? Pelo que é representado? Um determinado estilo? Uma arte engajada? Uma arte interdisciplinar? Definiria-se pela decifração de um determinado Imaginário?


Cumpre primeiro procurar definir o que é paganismo na contemporaneidade e observar como a Arte vai se apropriando disso.


Se a alma pagã é a mesma através dos tempos, a sua materialização se insere em outra leitura de mundo; estamos no século XXI. O pagão é um panteísta- os deuses são a natureza do mundo – e, antes de tudo, um animista – as coisas naturais são todas animadas, tem vida. O pensamento pagão é mágico, por excelência. Os deuses pulsam em nós e ao nosso redor. O prazer é lícito, a fruição necessária. Sensualistas e sinestésicos, o poder do pagão é o exercício pleno da sua vontade. Comprometido com a Natureza, assim como preserva a sua vida, encara o mundo como uma grande rede que a tudo permeia e no qual as suas ações fazem toda a diferença.

A Arte Pagã Contemporânea absorve as tecnologias, os avanços e aprecia a evolução dos tempos. Mas guarda a essência pagã, que existe há milênios.  Para ser mais exata, a alma pagã, o paganismo como filosofia de vida, é EXtemporâneo, assim como a Natureza é transtemporal, perene em sua magnitude, embora em constante mutação – a única coisa que não muda é a mudança, é bom lembrar. A Natureza é intranscendível pela técnica. O Paganismo escapa às particularidades do mundo presente exatamente porque não se localiza em lugar algum do tempo; o que a alma pagãtem de mais peculiar, é de todos os tempos. A palavra ‘Contemporâneo’ neste contexto apenas indica o uso de materiais dos tempos atuais, assim como antes foram usados os materiais do passado: o mármore das esculturas gregas e os pigmentos da pintura rupestre.


Podemos pensar no que nos diz o filósofo Schweppenhäuser, ao se reportar ao distanciamento humano em relação à Natureza: “O distanciamento da natureza através da moderna racionalidade é o meio de sua dominação, que, entretanto, não produz liberdade, mas sim o retorno violento da natureza esquecida, reprimida. Assim,a dominação da natureza torna-se irmã gêmea da sua decadência”.


Absorvemosa tecnologia porque não encaramos a racionalidade como algo separado do corpo,contrariando o ponto de partida dualista do filósofo. E porque os instrumentos são prolongamentos dos nossos gestos. O difícil é a justa medida, saber temperar as necessidades da Terra com a sede pelo domínio tecnológico que, não raro, ultrapassa as fronteiras do permissível. Dominando a Terra e o Corpo,considerados aprisionamentos do Homem, a Alma e o Espírito se soltariam, para cumprir a sua verdadeira Missão: a de uma racionalidade canhestra, ou de uma religiosidade tapada. Este é império das Religiões, dos inúmeros re-ligares que observamos em ação e dos excessos cometidos em nome da Ciência.  O retorno da Natureza esquecida, vilipendiada, é sempre violento, principalmente no âmago, no inconsciente do ser humano. Dominar a natureza é causar o seu estrago e nesse sentido, apesar do didatismo de uma separação entre a realidade e a natureza, é impossível não concordar com Schweppenhäuser.


É uma das funções críticas da Arte refletir sobre essa questão. Eduard Kac, por exemplo,ao trabalhar com a Arte Biotelemática e a Arte Transgênica, questiona a apropriação do uso da genética em Arte e levanta questões de cunho ético e social que dizem respeito à apropriação excessiva da Natureza pela tecnologia. O Paganismo Contemporâneo busca repensar o que ainda se costuma ver como dicotomia: corpo e espírito estão juntos e não separados. Ainda dentro de uma lógica e filosofia marxista, cantou a bola o visionário Oswald de Andrade: a vida primitiva integrada na civilização, criando a sua síntese. A vida primitiva de que fala Oswald é, ao meu ver, essa alma pagã de séculos.


Existe uma correlação, uma cooperação entre o homem e máquina, que pode ser traduzido em gesto, em Linguagem, em Arte. Então, temos incluídas no paganismo contemporâneo também as propostas de uma arte da cibercultura, uma percepção física de um modelo teórico e a compreensão formal das sensações físicas. Os deuses não negam a máquina, os avanços, as possibilidades inúmeras da criação humana. Não é mais possível ressentir-se com que está feito, somos agentes do mundo presente e nos cabe a tarefa de preservar a Terra com inteligência, respeitando e fluindo nos seus ritmos diversos. E procurando coibir abusos contra a Natureza, que também é a nossa Natureza Humana. E a melhor crítica sempre foi,através de todos os tempos, a Arte. O Paganismo Contemporâneo nesse sentido faz uso do que é essencialmente anárquico, no melhor sentido do termo: auto gestão e responsabilidade.


Buscando responder as questões levantadas no início deste artigo, podemos dizer que incluem-se no Paganismo Contemporâneo a Eco Art, a Land Art, a pintura matérica. O uso de materiais naturais, recicláveis e reciclados; nas Artes Plásticas, a paisagem como suporte para intervenções. Na música, os ritmos tribais, a boa World Music, as temáticas autócnes, as danças sagradas, os mantras pessoais. Na literatura, a poesia de fôlego, intensa, muitas vezes desencanada, de sentido libertário – mas concebida com rigor – e identificada com as aspirações do seu tempo. A Arte Pagã Contemporânea se associa aos mitos & ritos e está imbuída de Magia, sua Mãe, a temática primitivista.

Seria então toda  Arte Contemporânea, pagã?
Talvez seja muito cedo para definir, muito cedo para vislumbrar ou tentar cercear o que seja uma expressão que encerra três palavras tão abrangentes e complexas. Existe ou não a Arte Pagã no Brasil, hoje?
Muita teoria… sejamos mais empíricos. Exemplos, por favor.


*Aproveitando o ensejo, gostaria de dizer que esse artigo não seria possível sem a interlocução com meus parceiros da lista A Fonte de Hécate. Grata principalmente a Zé Rodrix e Angelita Scardua pelos insights e amigável discussão.

Por Zoe de Camaris (Monica Berger)



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