UM MONGE NA MEDICINA : SEGYU RINPOCHE


O monge budista Segyu Rinpoche em visita ao Rio
Foto: Rafael Andrade
O monge budista Segyu Rinpoche em visita
ao Rio Rafael Andrade

Moderno, crítico e hype, o carioca Segyu Rinpoche ensina como a meditação pode ajudar a melhorar a vida
Segyu Rinpoche é um monge tibetano da escola Gelugpa (a mesma do Dalai Lama) que não acredita em religião, usa iPad, iPhone, tem Twitter e Facebook. É carioca, mora na Califórnia há 30 anos e lá trabalhou com personalidades como o empresário Steve Jobs e a atriz Goldie Hawn. Aos 62 anos, Rinpoche ensina o mundo a meditar para viver melhor. E aos médicos presentes à palestra na última semana no Espaço Clif, clínica de dependência química no Rio, ele falou de medicina tibetana e dos cuidados integrativos que veem o paciente como um todo — corpo, mente e energia. Em entrevista ao GLOBO, o monge disse que este é o futuro da medicina: “Essas energias podem influenciar na prevenção e no aumento da expectativa de vida para que se viva de forma mais saudável e alegre”.
O GLOBO: Qual é a principal contribuição da meditação para a vida e para o tratamento de doenças?
SEGYU RINPOCHE: Meditação é a pedra fundamental. Sem o controle mental você não consegue adquirir, perceber e aumentar a energia, fica teórico. Mas a meditação não é uma ferramenta de cura, é um instrumento que aumenta o potencial interior e aí o processo de cura pode ocorrer. Meditar aumenta as condições do sistema imunológico e o bem-estar. Com isso o remédio tem um efeito melhor.
Como a psicanálise, já que nesse processo falamos também de autoconhecimento?
RINPOCHE: Sim e não. A psicanálise vai cuidar dos traumas, mas quando se tem um quadro traumático, há uma energia ligada a esse trauma e a psicanálise não vai trabalhar com essa energia. A meditação sim. É como quando se tem uma cicatriz e se sente a dor: a dor é da energia por trás daquilo. Se você aliviar a dor vai entender a cicatriz, ela estará ali sem dor. A meditação vai mais fundo porque é um processo de autotransformação, de crescimento.
O senhor tem como quantificar isso, sabe o quanto o paciente melhora com a prática?
RINPOCHE: O campo acadêmico cuida dessas pesquisas com grupos de controle e comprova os benefícios. Eu tenho mais preocupação de implantar uma linhagem (fazer com que esses cuidados curativos se tornem realidade) e isso toma mais tempo, porque não estou preocupado em saber se funciona ou não. Tenho pacientes que tiveram a vida prolongada, tratamentos de quadros que não se pensava que fossem mudar e mudaram, tenho muitos dados positivos dessa minha prática.
Como a meditação ajuda no tratamento de dependência química?
RINPOCHE: O dependente químico tem um desequilíbrio energético muito grande ligado a estruturas emocionais. Com a meditação, ele terá capacidade de controlar esses impulsos internos, o apego à droga. Por exemplo: sabemos que a psicologia explica muito bem a questão, mas quem coloca o paciente em estado de abstinência é o A.A., o N.A., porque há um compromisso que os mantêm sóbrios. A meditação é esse comprometimento. Com a força que se vai ganhando com isso, trabalhando nisso, o desejo latente da droga desaparece.
Para onde vai essa energia?
RINPOCHE: Isso é transformado em outras habilidades que estão bloqueadas, a energia é redirecionada. Não tem pessoas que se acidentam, ficam paraplégicas e começam a pintar sem nunca terem feito isso? Não há outra alternativa, a mente redireciona. O ponto é que sem esses choques fortes vivemos atados a certas estruturas sem redirecionar as energias, sem mudar.
A meditação pode ser usada também para mudar outras situações, não só doenças?
RINPOCHE: Essa ideia de a meditação ajudar só na enfermidade é ocidental. A meditação é um processo para engrandecer a vida e isso inclui estar feliz, alegre. Muda a perspectiva da vida: o sexo, as relações pessoais, tudo fica mais potente.
Como é feita essa meditação?
RINPOCHE: É o ato de se concentrar em um objeto que expande e enriquece a mente. Você se prepara, senta e se concentra em um objeto neutro, que pode ser uma cor, um mantra, a respiração. E começa.
Quanto o senhor medita por dia e quanto tempo é indicado meditar?
RINPOCHE: Eu medito 24 horas por dia. Como? Eu medito entre uma hora, uma hora e meia sentado diariamente, mas quando eu me levanto eu não abandono minha meditação. Estou atento. Percebo a cada momento o modo de ser, estou presente no momento, não estou imaginando o futuro ou numa melancolia do passado. Ao mesmo tempo posso analisar esses fatores para crescer, para entender o dia a dia, isso é uma verdadeira meditação. É evidente que tem que ter o hábito de sentar pelo menos cinco minutos por dia, de uma boa meditação, para começar a ter efeito. É realmente colocar a mente de volta ao objeto de meditação a cada dispersão e aí realmente você começa a aumentar gradativamente porque vai sentindo os efeitos.
Como fazer isso com uma rotina tão pesada de trabalho?
RINPOCHE: Você tem que mudar a forma de lidar com o tempo. Se você dormir cinco horas e meia em vez de seis, poderá dar atenção aos filhos, à relação, ao trabalho, mas principalmente dará atenção a você. No trabalho, faça uma lista das suas ociosidades, do tempo gasto com nada e você verá. Tem que ter uma atitude mental, criar processos para se envolver passo a passo e, à medida que você vai tomando consciência disso, tudo muda. O que muda é o ato de estar consciente. Se você fizer a coisa inconsciente nada muda. Mesmo que você esteja meditando, que é o que a maioria das pessoas faz.
Como é uma consulta de medicina energética tibetana?
RINPOCHE: A consulta começa tirando o pulso para verificar as desarmonias energéticas dos seus humores. A medicina tibetana organiza as três forças que regem a saúde (ar, bile e fleuma) e aí vai prescrever algum medicamento, um tratamento como moxabustão ou ventosas, alguns banhos, dieta e tem kum nye, uma massagem tipo acupressão em pontos que não são do meridiano chinês e sim dos canais de energia sutil de acordo com a medicina tibetana. Depois há a aplicação de pressões ou do calor da moxabustão ou energização por visualização de cores, mantras ou imposição de mãos para reequilibrar as energias do corpo. E o clínico tem que ter essa energia para mandar para o paciente.
O que o senhor acha que a medicina ocidental tem a aprender com a tibetana?
RINPOCHE: Isso é o futuro da medicina. A medicina caminha para ser menos invasiva, mais preventiva, mais direta como medicina genética e apta a entender as causas energéticas da perda de equilíbrio do corpo, de como as células reagem de forma diferente a esse desequilíbrio. Essas energias podem influenciar na prevenção, no aumento da expectativa de vida, para que se viva de forma mais saudável e alegre.
O ocidente está preparado? Há ainda muitos questionamentos sobre o que é ou não científico.
RINPOCHE: A China, o Tibet estão absorvendo o ocidental. E esse questionamento... muda. Isso são propostas acadêmicas egoístas mas o mundo está mais aberto, formulando novos tipos de perguntas inteligentes. Este é realmente o momento de ver um mundo melhor. Evidentemente que esta integração irá naturalmente ocorrer.
O senhor teve um câncer na garganta em 2004 e disse que durante o tratamento de radio e quimioterapia não tomou remédio para a dor, em vez disso meditava. Como foi isso?
RINPOCHE: Eu meditava na dor, por isso não tomava remédio. Eu deixei de sentir dor? Não. Sofri porque estava com dor? Não. Eu tinha dor, mas não tinha sofrimento.
Mas isso é uma coisa para iniciados, uma pessoa comum não administra isso bem.
RINPOCHE: Eu recebi os benefícios porque fui iniciado. Mas se eu começar a iniciar as pessoas, todos poderão ter o mesmo resultado. Não precisa esperar este momento de dor para isso, porque aí vai ter que ser a medicina tradicional mesmo, o remédio. A doença me mostrou que funciona, minhas meditações não foram em vão.
O senhor pretende trazer sua clínica da Califórnia para o Rio?
RINPOCHE: Sim, só quero ver o calendário deste ano, mas isso já está acertado.
O senhor aparece relacionado às celebridades de Hollywood, isso deve ajudar a divulgar a meditação também, não?
RINPOCHE: Sim, tem algumas pessoas, mas talvez seja o meu jeito. Sou monge mas não gosto de religião. Eu reconheço o poder da devoção como uma coisa forte, mas em quê ter devoção? Como ter devoção? Eu acredito que o mundo está caminhando, evoluindo e as estruturas estão realmente mudando, o homem tem um novo entendimento da mente. Eu acredito que as religiões vão mudar, haverá novas perspectivas, novas percepções. No futuro, todas essas deidades serão tão obsoletas quanto Zeus e Apolo.


Fonte: http://oglobo.globo.com/saude/um-monge-na-medicina-5290590#ixzz2J5KcoI1L

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