O CÉREBRO HOLOGRÁFICO HERÉTICO

 

cérebroO estado do conhecimento sobre o cérebro é provocante e promissor, mas para explicar a intuição precisamos ir além do demonstrável e do provado até o especulativo. Vamos começar com um dos conjuntos mais estimulantes de conjecturas que a neurociência (e, por implicação, a física e a metafísica também) encontrou ultimamente: a teoria holográfica de Karl Pribram.
Durante muitos anos, os cientistas procuraram o lugar onde as informações são armazenadas no cérebro. A suposição era que cada pedacinho de informação deixaria um rastro na memória, uma trilha localizada e discernível à qual deram o nome de engrama. Acontece, porém, que talvez não existam engramas e a memória seja um evento difuso e não localizado. O pesquisador pioneiro Karl Lashley notou isso quando treinou ratos para percorrer um labirinto e depois destruiu sistematicamente partes de seus cérebros. O desempenho dos ratos foi afetado adversamente, claro, mas as mudanças se relacionavam com a quantidade de tecido removido, não sua localização. Como escreveu Lashley em 1950, “Não é possível demonstrar a localização isolada de um rastro de memória em nenhum lugar dentro do sistema nervoso. Regiões limitadas podem ser essenciais para o aprendizado ou retenção de uma atividade particular, mas dentro de tais regiões as partes são funcionalmente equivalentes.”
Não podemos sair cortando cérebros humanos, claro, mas o mundo científico tem tido acesso a pessoas cujos cérebros foram atingidos em acidentes. Observa-se que embora o comportamento seja seletivamente alterado pela destruição de tecido cerebral, a memória não o é. Se o cérebro funcionasse exatamente como um computador, não esperaríamos tal descoberta; destrua uma conexão em um computador e sua memória é alterada, talvez perdida inteiramente. Memória não localizada é uma anomalia, o tipo de coisa que põe em questão suposições convencionais.
Fascinado pela distribuição da memória e por fenômenos relacionados (por exemplo, como conseguimos reconhecer objetos mesmo quando a distância ou a perspectiva altera suas imagens, ou como transferimos habilidades de um membro para outro), Karl Pribram, neuropsicologista de Stanford, propôs uma teoria que levantou muita especulação e que pode ter mudado de maneira permanente nossa imagem do cérebro. A faísca metafórica no pensamento de Pribram ocorreu quando ele relacionou o cérebro com o holograma, o processo inventado por Denis Gabor onde imagens tridimensionais são produzidas pela interação de ondas e de luz e uma chapa fotográfica. Da mesma maneira como vemos e ouvimos processando ondas de luz e de som, o nosso conhecimento, intuitivo ou de outro tipo, poderia vir como resultado da ressonância do cérebro com ondas de informação.
Para entender os hologramas e o cérebro holográfico, temos de entender algumas coisas sobre mecânica ondulatória, e a maneira mais simples de fazê-lo é como um exemplo bastante usado. Se três pedrinhas forem jogadas numa poça com água, três conjuntos de ondulações se espalham pela superfície. As ondas interagem umas com as outras. Alguns picos se alinham com outros picos e algumas partes baixas se alinham com outras partes baixas, umas amplificando as outras; isso é chamado interferência construtiva. A interferência destrutiva ocorre quando picos encontram partes baixas, e um cancela o outro. O total de todas as interferências construtivas e destrutivas é um padrão de interferência, essencialmente um registro de tudo que ocorre assim que as pedrinhas atingem a água.
Se pudéssemos congelar instantaneamente a água, a confusão das marcas aparentemente aleatórias no gelo nos permitiria reconstituir a formação de cada onda e determinar onde as pedrinhas foram jogadas na água. Também, se aquela camada de gelo se quebrasse, conseguiríamos analisar praticamente qualquer fragmento e reconstruir o padrão preciso das ondas. Em essência, cada pedacinho do padrão de interferência contém todas as informações necessárias para reconstruir o todo.
Com os hologramas os padrões das ondas são formados pela luz. O processo começa com a luz laser, que se propaga em ondas coerentes: todos os picos e vales estão alinhados uns com os outros como as colheres numa gaveta de talheres (ver Fig. 3). Isso é diferente da luz de uma lâmpada comum, onde as ondas de luz não são coerentes.
Na construção de um holograma, o raio laser é repartido em dois. Uma metade, chamada raio de referência, é dirigida diretamente à chapa fotográfica, enquanto a outra metade, o raio de controle, atinge a chapa após refletir um objeto. O que é impresso na chapa é um padrão de interferência, um remoinho de ondulações que Peter Russell, em The Brain Book, comparou à pintura de uma zebra. O padrão é comparável às ondulações na placa de gelo na analogia anterior. Quando o padrão de interferência na chapa é iluminado por um raio laser cujas propriedades são idênticas ao original, uma imagem tridimensional do objeto aparece no espaço. Essa é uma recriação exata do campo de luz do objeto, e só é possível devido às ondas coerentes do laser. (Na luz comum, vemos apenas um caos de linhas.) E a imagem pode ser reconstruída a partir de apenas uma pequena seção da chapa, porque o todo está de algum modo contido em cada parte. A única perda é de detalhe e claridade, e somente se a parte for muito pequena.
O modelo holográfico está para a nossa concepção anterior do cérebro assim como um holograma está para uma fotografia. Não existe correspondência ponto-a-ponto entre os objetos “lá fora” e a imagem na chapa, e não existe correspondência unívoca entre a experiência humana e os pontos do cérebro. De alguma forma, segundo a teoria holográfica, o cérebro absorve informações do exterior na forma de ondas e as armazena de alguma maneira análoga ao modo como a chapa fotográfica armazena uma imagem holográfica. As descobertas de pesquisas recentes mostram que o cérebro realmente recebe informações na forma de ondas: toda a codificação sensória é uma forma de análise de ondas.
Mudando-se o ângulo da chapa fotográfica e a freqüência do raio laser, milhares de imagens podem ser registradas e depois recriadas como hologramas. Talvez o cérebro, com sua tremenda capacidade de captar e armazenar informações, faça algo semelhante, em certo sentido criando um conjunto de padrões de interferência. Quando aprendemos ou recordamos, podemos decodificar e recodificar ondas, de maneira muito semelhante àquela pela qual a televisão transforma imagens em ondas e estas de volta em imagens. Talvez nossa atenção, um desejo, uma necessidade, ou uma pergunta não respondida, possa agir como o equivalente do “raio de reconstrução” que gera a imagem holográfica quando é direcionado ao padrão de interferência. O resultado na mente poderia ser a recriação de uma imagem ou idéia, como na memória, ou, indo além das atuais capacidades do holograma, uma imagem ou pensamento inteiramente novo que combine elementos do conjunto de padrões de interferência armazenados.
Nosso instrumento de cognição, chame-se ele cérebro ou mente, começa a lembrar um ressonador oscilatório que coleta, processa e transmite vibrações. Embora isso em si possa ser difícil de imaginar, a teoria holográfica torna um pouco mais fácil compreender como diversos padrões sem qualquer relação óbvia podem mesclar-se simultaneamente numa nova unidade de conhecimento, sem uma série linear de etapas.
Se o cérebro funcionar como um holograma, armazenando informações de maneira tal que qualquer partícula de informação seja acessível em todas as partes, então o conhecimento pode não depender inteiramente de uma seqüência de conexões neurônicas ao longo do tempo e através do espaço físico. Isso poderia ajudar a explicar a impressionante rapidez da intuição. Talvez a mente decodifique e simplifique a experiência da maneira como os cientistas reduzem matematicamente complexos padrões de ondas em simples ondas compostas. Se for assim, então, como afirma Pribram, “tudo o que é necessário é armazenar algumas regras em vez de uma vasta quantidade de detalhes”. Talvez isso ajudasse a explicar como a mente, deixando de fora a percepção, apreende princípios, leis, verdades únicas, ou eventos futuros de uma constelação de impressões ou de muitos conjuntos de constelações. A holografia é um método muito eficiente de codificação; seus princípios poderiam muito bem aplicar-se a algo tão eficiente como a mente intuitiva.
Previsivelmente, a teoria de Pribram estimulou reações extremas. Ela vai contra a imagem mecanicista de realidade que tem dominado o pensamento ocidental nos últimos séculos. Muitos cientistas conservadores rejeitaram a teoria sumariamente, excetuando o que eles acreditam ser grandes generalizações por parte de Pribram. Mas Pribram observa que físicos e outros acostumados a interpretar o mundo físico em termos de ondas não acham a idéia tão descabida. O mundo da física quântica é precisamente esse: um universo de ondas interligadas que se solidificam em um número infinito de maneiras para criar o que percebemos como matéria e objetos separados.
Ao mesmo tempo, há pessoas que abraçaram entusiasticamente o modelo holográfico. Alguns o aceitam como fato, não hipótese, e tomam-no literalmente em vez de metaforicamente. Embora o modelo possa, de fato, vir a ser muito mais que uma analogia provocativa, neste ponto talvez seja melhor pensar nele dessa maneira. É possível que a teoria seja modificada logo, ou mesmo substituída por outra nova, o que sem dúvida irá representar um passo adiante na direção a um entendimento menos mecânico e mais metafísico de como a mente interage com o mundo de modo a saber o que sabe.
O neurobiologista Oliver Sacks prolonga ainda mais o assunto nesta declaração quase mística: “Nossa consciência é como uma chama ou uma fonte, ascendendo de profundezas infinitas. Nós transmitimos, mas não somos a causa primeira. Somos condutores ou funis para o que existe além de nós. Basicamente nós espelhamos a natureza que nos fez.” Na análise final, qualquer teoria sobre a intuição terá de relacionar a mente com “o que existe além de nós”. Alguns pensadores deram o primeiro passo com o modelo holográfico.
David Bohm, um antigo colega de Einstein e professor de física teórica da Universidade de Londres, afirma que o mundo familiar de causa e efeito, de objetos e formas separadas, o que ele chama de ordem explicada, deriva de um campo mais profundo que existe fora do espaço e do tempo. Fora do alcance da percepção sensorial e dos instrumentos da ciência, a ordem implicada de Bohm é “envolvida” na ordem explicada e constitui um todo integral e unificado. Como em um holograma, cada parte do campo implicado conteria tudo do todo, e a mente humana teria acesso a essas informações. Talvez possamos pensar no universo como um vasto padrão de interferências, com cada acontecimento e cada pensamento contribuindo para isso, como pedrinhas jogadas em uma poça. Se a analogia for verdadeira, cada mente conteria todas as informações que já houve em todo o universo. Nós seríamos, na verdade, peças de uma chapa holográfica que a tudo contém.
É aquela maneira de pensar que promete explicar como a mente intuitiva sabe o que ela sabe. Vamos levar essa noção conosco para o próximo capítulo, onde tentaremos tecer todos os fios que já reunimos.

Fonte: O que é intuição e como aplicá-la na vida diáriaPhilip Goldberg, Ed. Cultrix,São Paulo, 1983.

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