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BETRANHA MÁGICA : DEUSES,DRUÍDAS,TEMPLÁRIOS,MITOS E LENDAS


Bretanha mágica

A Bretanha é a “terra da deusa Dana”, a mesma Danu dos primitivos Tuatha de Danand, povo mítico antecessor do celta que preenche a mitologia bretã, irlandesa e escocesa do qual diz-se ter vindo do Oriente, da Ásia Central, e por isso alguns orientalistas também lhe chamam Duat de Ananda, ou seja, o “Povo do Paraíso Terreal”. Apareceu tão subitamente como desapareceu de repente, diz-se, nas entranhas cavernosas da Terra. Mas deixou os sinais da sua passagem civilizadora aqui: os monumentos megalíticos, os deuses e a religião dos celtas posteriores, ou seja, as bases teológicas do druidismo, e até mesmo se lhes atribui a invenção das carroças, isto é, a divulgação da roda, inspirada no formato do disco solar de quem diziam ser morada da sua divindade suprema, indistintamente chamada Dagda ou Lug, consorte da mesma Danu.
O culto do deus Dagda, Lug, Lugus ou Lux sobreviveu através dos ligures, dos celtas e até se durante a romanização da Gália, período no qual os galos pós-celtas não deixaram de cultuar esse deus mágico, terapeuta, músico, alquimista e metalúrgico, afim ao início da era dos metais, que o Cristianismo veio a incorporar no seu santoral adaptando-o à hagiografia de um São Lucas ou de um São Lourenço, por exemplo, personagens com nomes de raiz “luz” em conformidade às suas vidas santificadas pelo pautado de vivências solares ou claramente espirituais, na demanda do mais elevado Deus do Universo.
Assim é o mesmo Lug, considerado próprio Deus do Sol que armado da sua lança mágica expulsou da Bretanha os maus demónios após uma batalha terrível em que conjurou os poderes celestes para levar à vitória o seu povo Tuatha de Danand, como contam as antigas sagas celtas. Mais tarde, durante a cristianização bretã, a lança mágica de Lug seria associada à espada de fogo do Arcanjo São Miguel e este mesmo, por sua primazia celeste e luminosa junto do Trono de Deus, vindo a ser identificado à pessoa solar e primordial do panteão céltico que era o deus Lug. Foi assim que este reapareceu no culto cristão sob a forma de Mikael ou Miguel, por ambos deterem o poderio divino junto dos homens.
A deusa Dana ou Danu, por sua vez, era reconhecida a divindade da Terra, da Vida e da Morte, sendo tão relevante que o seu grupo humano de semi-deuses é comummente apelidado “Povo de Dana ou Danu”, donde Thuat de Danand. A sua importância terá sido tão grande que deu o seu nome ao País de Dinan ou Danu, hoje sendo a bretã Côtes-d´Armor. Após a cristianização da Bretanha, a deusa Dana, iconografada como uma sereia ou mulher sobrenatural vinda de “Além-Mar”, o Ultramar designativo simbólico do “outro lado do Mundo”, ou melhor, do “Outro Mundo”, veio a ser incorporada à figura da Padroeira da Bretanha, Santana, mãe da Virgem Maria, adaptação feita para substituir o forte culto celta à deusa Lusina, a mesma Danu primitiva. No século XIV Jean d´Arras adaptou a figura de Lusina à sereia sobrenatural Melusina, personagem central do seu romance a qual se diz ter dado origem às Armas de Lusignan.
Uma outra santa caríssima ao Cristianismo é Brígida, mas também esta é uma “segunda versão” adaptada da primitiva deusa Brigite dos Tuatha de Danand e dos celtas. As sagas bretãs dizem que ela era filha do deus Dagda e que veio a ser a Musa da inspiração dos bardos, por possuir o Som que vibra no Universo, e também aquela que conduz as almas ao Awen, que era o Céu para esses povos antigos. Além disso, como grande druidisa ou sábia sabia das propriedades mágicas e medicinais das plantas, pelo que também a consideravam deusa curandeira. Ora a Brígida cristã veio a ser reconhecida como santa intercessora junto do Céu, curadora dos corpos e almas aflitos e é tradicionalmente associada à Luz, tal qual Brigite a filha de Lug.
Os Tuatha de Danand, a quem o rio Danúbio e mesmo o rio Guadiana em Portugal devem o seu nome, apareceram em três vagas distintas na Europa inaugurando uma nova era de civilização: 1.ª) vindos do Oriente em era incerta, desembarcaram na costa oeste da Irlanda por volta do 1.º de Maio, dizem as crónicas, que é a data do festival de Beltane ou comemoração da Primavera; 2.ª) da Irlanda ou Erin passaram à Escócia, onde impuseram a cultura e o culto do deus Lug, depressa alastrando ao restante território da actual Grã-Bretanha; 3.º) no ano 1000 a. C., data da aparição do alinhamento megalítico de Carnac e do santuário de Stonehenge, Sul de Inglaterra, vindos da Península Ibérica (Galiza, Norte e Centro de Portugal) os Tuatha de Danand instalam-se na Bretanha e Grã-Bretanha, ficando conhecidos como Milesianos. É a estes que se deve a maioria dos monumentos megalíticos da Idade do Bronze encontrados nesta parte do Norte de França. Estas três vagas civilizacionais ficaram conhecidas nas crónicas ogâmicas que falam deste povo mítico, como “as três guerras travadas pelos Tuatha de Danand contra os Fir Bolg, povos decadentes substituídos pela civilização daqueles”.
Aos Milesianos ou Mile Espaine se uniriam depois os Celtas gahélicos fundadores da actual Gália. Depois da conquista desta pelos Romanos, a Bretanha passou a fazer parte da Armórica (Aremoricae, “quie está defronte ao mar”). Cerca do ano 500 d. C. os Bretões da Ilha Grande Bretanha sendo atacados pelos Anglo-saxões emigraram para aqui, a Pequena Bretanha, trazendo os seus costumes e língua, cedo incorporando-se nos dos autóctones que nas Côtes-du-Nord eram o País de Dinan, o “Povo da deusa Dana”.
A presença céltica, substituta primitiva da Tuatha de Danand, é dominante na Bretanha, nomeadamente nas artes plásticas, na música e na religião. Nesta, é possível reconhecer na cruz celta símbolos druídicos coincidindo com o simbolismo cristão. A correspondência quaternária da cruz ilustra a repartição dos quatro elementos: ar, fogo, água e terra, e de suas qualidades tradicionais: frio, quente, húmido e seco. Ela coincide com a divisão medieval da região bretã em três reinos (Domnonée, Cornualha e Bro Waroch) incorporado ao quarto que era o próprio Ducado da Bretanha, independente do reino de França até 1532. Actualmente coincide com os cinco departamentos regionais criados a partir de 1790: Côtes-d´Armor, Finistère, Ille-et-Vilaine, Morbihan e finalmente o quinto ao centro da cruz, Loire-Atlantique, que é onde fica Nantes, capital da Bretanha.
Sobressaindo os braços da cruz celta, popularmente chamada “cruz solar”, de um círculo central que os irradia para fora, havendo outro círculo ao centro, os eixos vertical e horizontal formados pelos braços do cruzeiro lembram a passagem do tempo, os pontos cardeais do espaço, enquanto o círculo mantém a memória perene dos ciclos de manifestação da Vida Universal. Mas o centro, no qual não há mais nem tempo nem mudança de nenhuma espécie, é o sítio de passagem ou comunicação entre este e o Outro Mundo, que para celtas e cristãos corresponde ao Paraíso. É, pois, um ônfalo, um ponto de ruptura do tempo e do espaço que propício à passagem para outras dimensões espirituais que muitos druidas e até religiosos cristãos procuraram adentrar, e talvez alguns tenham conseguido, em suas vidas corporais procurando a respectiva imortalidade incorporal.
A estreita correspondência das antigas concepções celtas e de dados esotéricos cristãos, permite considerar que a cruz inscrita no círculo, propagada na Bretanha a partir do século VII, tenha representado, quiçá ainda represente, a síntese íntima e perfeita do cristianismo e da tradição celta que até hoje é imagem de marca característica da Bretanha mágica.
A Bretanha (Breizh, em bretão, Bretagne, em francês) ficou composta, em termos históricos, por duas áreas linguísticas: a Baixa Bretanha ou Breizh Izel, a Oeste (Finistére, Morbihan e a parte ocidental de Côtes d´Armor), onde se fala a língua céltica do grupo britânico (aparentado ao galês e ao cornualho) designada como bretão (ou bretão armórico); e a Alta Bretanha ou Breizh Uhel, a Leste (Ille-et-Vilaine, Côtes d´Armor e Loire-Atlantique), onde se falam dialectos românicos (langues d´oïl) conhecidos como “Gallo”.
Os nomes realmente bretões só aparecem nos últimos séculos da Idade Média, período no qual a língua bretã falava-se a oeste de uma linha indo de Saint-Brieuc a Saint-Nazaire, passando por Loudeac e Ploermel. Portanto, o limite entre os nomes bretões e os nomes franceses não era muito claro, porque numerosas migrações tiveram lugar no decurso dos séculos entre os dois lados dessa linha. Pode-se então estimar que os nomes mais antigos de famílias bretãs remontam ao século XI.
É nesse século que aparecem os nomes ditos “solenes”, ou seja, muito próximos ou mesmo ligados às lendas de Cavalaria, particularmente à do rei Artur e seus cavaleiros da Távola Redonda tendo por conselheiro o druida Merlim, saga essa que se diz ter transcorrido na “floresta mágica” de Brocéliand, aqui mesmo na Bretanha, onde cavaleiros andantes e magos druidas conviveram e deixaram fama envolta em halo de mistério. Então aparece um nome como o do cavaleiro Gwenole, nome bretão oriundo de gwenn, “branco”, e uual, “valoroso”. Pode-se igualmente citar Catuun, “o homem de combate”, formado de cat, “combate”, e de uun, “o homem”.
Mais alguns exemplos de nomes bretões correntes: Legoff (“ferreiro”), Prigent (provindo de prit, “bela”, e gent, “raça”), etc. Alguns prefixos podem ajudar a reconhecer um nome bretão: ab e ap na raiz de mab ou map, “filho de”, ou então ker, significando “o domínio”, “a cidade”, “o lugar”.
Nas diversas expressões das artes plásticas, e nomeadamente na música, ainda hoje a influência ancestral do espírito celta consegue a “anular” a presença cristã que veio com a romanização nos séculos V-VI. Ao nível musical, a música de dança cantada (kan ha diskan, ou canto e contra-canto) é interpretada com dois instrumentos tradicionais da Bretanha herdados, assim como as danças, da cultura celta: o biniou (espécie de gaita de foles, também chamada “cornemuse bretã”) e a bombarda (espécie de oboé), que são muito tocados tanto na Alta como na Baixa Bretanha. Os bailarinos juntam-se nas chamadas fest-noz (festas nocturnas) ou nas fest-deiz (festas diurnas), como primitivamente faziam as populações celtas para celebrarem alegremente o amor e a vida, ora à volta das fogueiras, ora em campos trigais celebrando a abundância e prosperidade.

Mistério iniciático dos 7 Santos fundadores da Bretanha

Os 7 Santos fundadores da Bretanha (cristã) parecem ser uma cópia fiel dos originais 7 druidas que assistiam à cabeça da religião celta na mesma Bretanha. As suas vidas quase improváveis deram-se nos séculos V e VI na época da emigração bretã na Armórica, e a sua história é aquela da passagem da Gália Armórica à Bretanha. Supondo-se que esses religiosos tenham pertencido à aristocracia britto-romana, por serem portadores de nomes latinos gentílicos, como por exemplo Paulus Aurelianus (Saint Pol Aurélien), vieram a instalar-se em sete lugares distintos que já eram espaços de peregrinação e culto celta, tendo aí fundado as suas dioceses, e depois de mortos esses religiosos foram proclamados “santos” pelo povo devido aos milagres que ocorriam junto às suas sepulturas.
 Tendo os sete santos fundado sete cidades episcopais, o itinerário de peregrinação a todos eles corresponde ao que a Tradição Iniciática das Idades apelida de Caminho da Iniciação, demarcado por sete etapas distintas onde em cada uma se adquire novo e mais amplo estado de consciência, correspondendo a determinado elemento da Natureza, rumo à Perfeição Divina assinalada pelo Centro Primordial, tanto no Homem como na Terra (o supremo estado interior simbolizado tradicionalmente pelo “túmulo milagroso” de algum santo falecido, ou então pela gruta ou a cripta simbólica do ônfalo, literalmente “umbigo”, indicativo do mesmo Centro Primordial).
Sendo o itinerário da peregrinação católica aos túmulos dos sete santos possível adaptação de igual roteiro sagrado pelos celtas, para todos os efeitos modalidade dinâmica ou móvel de encontro entre as duas tradições, as ditas cidades episcopais bretãs podem assim ser transpostas para os sete estados que demarcam o Caminho da Verdadeira Iniciação, que é sempre, seja sob que modalidade for, o da transformação da Vida Energia em Vida Consciência, tanto na Natureza como na sua partícula individualizada, o Homem.

1.ª Etapa – Quimper, fundada por Saint Corentin
Atributo: Peixe
Significado: Firmação da Fé
Estado e Elemento: Físico e Terra

2.ª Etapa – Vannes, fundada por Saint Patern
Atributo: Igreja
Significado: Afirmação da Fé
Estado e Elemento: Vital e Água

3.ª Etapa – Dol, fundada por Saint Samson
Atributo: Serpente
Significado: Vencer a heresia
Estado e Elemento: Emocional e Fogo

4.ª Etapa – Saint-Malo, fundada por Saint Malo (Melaine)
Atributo: Barca
Significado: Evangelização
Estado e Elemento: Mental Concreto e Ar

5.ª Etapa – Saint-Brieuc, fundada por Saint Brieuc
Atributo: Lobo
Significado: Dons dos sacramentos
Estado e Elemento: Mental Superior e Éter

6.ª Etapa – Tréguier, fundada por Saint Tugdual
Atributo: Pomba e pergaminho
Significado: Sabedoria da Palavra
Estado e Elemento: Intuicional e Subatómico

7.ª Etapa – Saint-Pol-de-Léon, fundada por Saint Pol Aurélien
Atributo: Dragão
Significado: Posse da Sabedoria
Estado e Elemento: Espiritual e Atómico

A fama dos sete santos originou a criação do Tro-Breizh, a “peregrinação aos Sete Santos”, devido aos numerosos milagres produzidos em torno dos seus túmulos, o que veio a popularizar este primitivo itinerário iniciático contribuindo fortemente para a identidade religiosa bretã.
Esta tradição dos “Sete Santos fundadores da Bretanha” tem origem nessas outras bizantina e muçulmana referentes aos “Sete Adormecidos de Éfeso” e aos “Sete Adormecidos da Caverna”. Na versão cristã, os “sete Adormecidos” eram sete nobres cristãos (Maximiano, Malchus, Marciano, Dinis, João, Serapião e Constantino) que escapando às perseguições de Décio, o imperador romano, refugiaram-se numa caverna da montanha próxima da cidade de Éfeso, e aí Deus adormeceu-os por tempo indeterminado. Na versão muçulmana, esses mesmos “Sete Adormecidos de Éfeso” são chamados Ahl-a-Kahf ou Ashâb-al-Kahf, literalmente, “as gentes da caverna ou a gruta”, citadas na 18.ª surata do Al Corão.
Será na tradição transhimalaia referente aos Sete Rishis ou “Reis Divinos” que desde o Mundo Subterrâneo de Agharta dirigem os destinos da Humanidade, que os cristãos e árabes terão recolhido e adaptado às suas doutrina o conceito dos “Sete Sábios e Santos Adormecidos na Caverna”, ideia também explanada por Platão, tendo a gruta secreta o significado de “oculta e inviolável”. O sentido de “adormecer” equivale ao estado de “inactivo”, o que, pegando ainda na tradição transhimalaia, significa que está “acordado” ou “activo” um determinado Rei Divino durante determinado ciclo, enquanto os outros “dormem”. No Final dos Tempos ou do Ciclo de Manifestação Universal, todos os Sete Reis estarão despertos e implantarão a Concórdia Universal sobre a Terra, tal é a mensagem derradeira desta mesma tradição espiritual comum às religiões cristã e islâmica. Nesta, é ainda um cão, chamado Qitmir, quem guia os peregrinos até à entrada da Caverna de acesso ao Paraíso Perdido onde estão os “Sete Adormecidos”. Posto assim e vendo que Saint Brieuc tem por atributo um lobo ou um cão, assim como Saint Malo a barca alusiva da mesma Agharta, ou até mesmo Saint Samson e Saint Pol tendo por atributos a serpente cuja expressão superior é o dragão, mas ambos expressivos do Fogo da Sabedoria oculta no seio da Terra, acaso não é tudo isto por demais significativo?

Monte Saint-Michel, um Centro Cósmico na Terra

O Monte de Saint-Michel é sem dúvida a expressão de um Centro Cósmico no mapa gnoseológico de França para os estudiosos da Tradição Primordial, os quais chegam a situar aí a “cabeça” espiritual de França, dispondo o seu “coração” em Paris, a “cidade-luz”, e o “ventre” em Lyon, a cidade eleita pelos ocultistas dos últimos três séculos para fundarem e propagarem os seus movimentos e ideias esotéricas para toda a França, Europa e até o Mundo, como foi o caso da famosa Maçonaria Egípcia de Cagliostro (século XVIII), iniciada nessa cidade no sul do país.
Fazendo fronteira da Normandia com a Bretanha, na embocadura do rio Couesnon, no departamento da Mancha, desde muito cedo (século IV-V) esta ilhota rochosa foi consagrada a Saint-Michel e Notre-Dame Sous-Terra, “debaixo da Terra”, portanto, subterrânea. Inicialmente habitada por druidas ou sacerdotes da religião céltica que chamaram ao local Monte Tombe, da palavra celta tun, significando “elevação”, mas que depois os eremitas cristãos usando do latim converteriam em tumba, ou seja, a “tumba ou sepulcro”, contudo prevalecendo até hoje a raiz do filólogo original celta por que se conhece esta ilha de Tombelaine ou o Monte Dol, a ver com dólmen, o “jazigo funerário” dos antigos celtas.
No princípio do século VIII o Arcanjo São Miguel apareceu em sonhos a Aubert, bispo de Avranches, cidade próxima do Monte, e ordenou-lhe que construísse um mosteiro nessa ilhota granítica. Ele assim fez, depois das provas de veracidade que pediu ao Ser divino e este lhe deu, desde tocar com o seu dedo o crânio do religioso incrédulo, significando que lhe transmitiu a iluminação espiritual, até descobrir-se um touro roubado no alto da ilhota, como lhe predissera o Arcanjo, mas que é alegoria de uma nova religião, cristã, substituir a primitiva celta representada no touro “roubado”, animal totémico dessa primitiva sociedade agrária. Após, em 16 de Outubro de 708 consagrou ao Arcanjo de Deus o recém fundado mosteiro beneditino no Monte da sua evocação, originalmente chamado “Monte Saint-Michel em perigo do mar” (Mons Sancti Michaeli in periculo mari), epíteto dando a entender que seria sobretudo evocado por alguma confraria piscatória local.
Esse mosteiro recebeu reformas românicas nos séculos XI-XII e em sua volta nasceu uma pequena cidade fortificada, a que se dá o nome convencional de “bastide”, e no século XIII recebeu a influência magnífica do gótico a ponto de até ao presente chamar-se a esta construção a “Maravilha”.
No cimo do pináculo mais elevado do mosteiro, cerca de 80 metros de altura, destaca-se a estátua dourada do Arcanjo São Miguel elevando na destra a espada e tendo aos pés o dragão, aparentemente representativo da heresia, realmente expressivo do tellos-draconis latino ou wouifre em celta, que é dizer, as energia telúricas correndo no seio da Terra mantendo a vida nesta, tal qual as veias no corpo humano são os condutos do sangue vital à sobrevivência orgânica.
O Arcanjo Miguel ou Mikael vem a ser Metraton, “a medida (meta, metra) perpendicular da Terra ao Sol (Aton)”, pelo que é o intermediário entre o próprio Eterno e a Humanidade mortal. Este facto regista-se em alguns pormenores da estátua alada do Ser sobrenatural: a sua espada erguida em perpendicular ao corpo; a ponta bainha da arma tocando a cauda do dragão, designando a função intermediária ou psicopompa; finalmente a rodela céltica apontando para baixo, simbólica do Sol que alumia a Terra, justificação reforçada pela cor dourada ou solar do conjunto com o Arcanjo dardejando raios de luz de sua cabeça, auréola esta decerto inspirada na primitiva iconografia mitraica, a do deus solar Mitra que o igualmente solar Cristo substituiu pela adopção católica dos primitivos símbolos daquele.
Se Mikael ou Miguel é quem liga a Terra ao Céu, essa assinala-se neste lugar na cripta românica de Nossa Senhora Subterrânea, ligada aos primitivos cultos ctónicos dos celtas e primeiros cristãos eremitas daqui, a qual é consignada na Cabala judaica Shekinah, a “Presença Real de Deus” na Terra, tradicionalmente assumida como aspecto feminino da Divindade, e é assim que se liga às águas, à mulher, à Mãe Divina associada ao próprio Espírito Santo. Já Miguel representa o aspecto masculino da Divindade, a terra, o homem, o Pai Eterno. Terra e água são, com efeito, os elementos predominantes que dão o dom de “Maravilha” a este Mons Saint-Michaeli.
Vários indícios apontam este mosteiro beneditino como importante centro espiritual, talvez o mais importante de toda a França medieval dos primeiros tempos do cristianismo europeu. É aqui que entra a doutrina oculta da Shekinah para os hebreus, ou Sakinah para os árabes, tendo o seu principal ponto de referência no Antigo Testamento, nas passagens onde se trata da instituição de um centro religioso e espiritual: a construção do Tabernáculo, a edificação dos Templos de Salomão e de Zorobabel. Tal centro, constituído em condições regularmente definidas, devia ser efectivamente o lugar da Manifestação Divina, da “Presença Real de Deus”, Shekinah, sempre representada como “Luz” tornando o lugar da sua implementação verdadeiro Centro Cósmico na Terra, “cabeça” original da Fé que vai expandir-se a outras partes. Foi precisamente isso que aconteceu aqui no Monte Saint-Michel, em cuja Shekinah está a causa da Influência Espiritual presidindo a todas as modalidades de Iniciação e Iluminação. Ainda que a Igreja Cristã lhe chame Bênção, o sentido exacto é Influência Espiritual, como se traduz no termo hebraico original, berakoth, e no árabe barakah.
 Tão importante era este centro religioso e espiritual que ficaram célebres as peregrinationes michaelis para ele durante a Idade Média: os peregrinos proviam-se de um bordão de madeira com um nó no centro e um cajado curvo no extremo, carregavam um alforge de couro, vestiam uma capa vermelha chamada pelerina, e por alguma das cinco rotas principais chegavam ao Monte. Seguiam pelos montais ou “caminhos do Paraíso”. Chegado à meta, diante de São Miguel no altar-mor da igreja, quase sempre o peregrino fazia-lhe uma oferta: uma concha de molusco ou uma insígnia de peregrinação; estes objectos de pano ou estanho coziam-se na roupa e representavam o Arcanjo.

Saint Melaine e o Rei sagrado (Saint-Pierre de Rennes)

No frontão da igreja de Saint-Pierre de Rennes, capital da Bretanha, está um grupo escultórico cujo simbolismo e significado liga-se inteiramente à saga mítica de Saint Melaine e à própria fundação da monarquia cristã pelo rei merovíngio Clóvis (cerca de 466 – 27.11.511), neste território cedo alastrando a todo o espaço da actual França.
Saint Melaine, considerado o Padroeiro da Bretanha, nasceu em data incerta em Plaz no Cérebro, perto de Redon, e morreu em data igualmente incerta, talvez 6 de Novembro de 535, ou 572 ou mais provavelmente 530, sendo enterrado sobre a colina do Campo de Repouso onde foi construída a pró-catedral de Notre-Dame em Saint Melaine de Rennes.
No frontão em causa tem-se ao centro um globo com três flores-de-lis encimado por uma coroa real suportada por dois anjos laterais apontando abaixo a Cruz com a Pomba do Espírito Santo. Expressivo das Armas da Monarquia francesa inaugurada pelo rei Clóvis que teve por conselheiro Melaine, diz-se que a mesma foi fundada por obra e graça do Espírito Santo, acontecimento centralizado na pessoa do santo padroeiro da Bretanha encabeçando um tipo peculiar de iniciação senhorial ou mariana. O seu próprio nome Melaine, em latim Melanius ou Mellanus, é o derivado do antigo bretão Mael, que quer dizer “príncipe” e vem a revelar a sua origem nobre galo-romana, cuja casa familiar ainda jovem transformou num mosteiro, ou seja, da sua descendência consanguínea sairia a ascendência espiritual dum colégio mestral, sob a sua chefia humana e o Orago sobre-humano de Santa Maria e o Espírito Santo, por certo destinado à constituição de uma realeza bretã independente do jugo político do império romano, o que só conseguiria pela conversão ao Cristianismo da soberania gallo-romana vigente.
Sucedendo a Saint Amand como bispo de Rennes no século VI, Melaine privou com o soberano Clóvis, e como seu conselheiro secular decerto influenciou a este e a sua mulher Clotilde que no ano 496 viu aparecer-lhe um Anjo que lhe ofereceu um lírio, reprodução hagiográfica do episódio primaz ocorrido com a Virgem Maria quando lhe apareceu Gabriel, o Anjo da Natividade trazendo o lírio e assinalando-a como portadora da semente que frutificaria como Realeza Divina. Com efeito, aqui será Clotilde a primeira a converte-se ao Cristianismo pela possível afiliação ao colégio de Melaine, e depois o marido, de quem se diz que foi ungido rei cristão com o santo óleo trazido do Céu no bico de uma Pomba que era o próprio Espírito Santo, facto que neste frontão se assinala na Pomba no centro da Cruz de Malta ou dos Hospitalários, também conhecida por Cruz de São João, o mesmo que baptizou Cristo e lhe reconheceu a legitimidade Divina, facto que transposto para este quadro bretão significa o reconhecimento cristão de Clóvis, cujo reinado colocou sob o padroado do Espírito Santo assinalado nas três flores-de-lis em triângulo invertido, simbólico da vulva feminina dando à luz um novo estado psicossocial, aqui a monarquia cristã cuja fundação se atribuiu à própria Santa Maria incarnação do Espírito Santo, desta maneira cabeça da Santíssima Trindade, regime esse que viria a submeter a população galo-romana da Bretanha.
A unção divina como rito de passagem confirmando que além de rei temporal se é também rei espiritual ou ungido, a ministração dos óleos poderá ser feita por um pontífice homem, mas para todos os efeitos quem os traz é a mulher, neste caso de Clóvis, o Espírito Santo.
Os galo-romanos bretãos daqui eram os Redones (donde Rennes herda o seu nome, a latina Civitas Redonum na Gália romana, mas que antes chamava-se Condat em celta), nome da tribo gaulesa que povoou esta parte da Armórica no século II a. C., dizendo-se que esta igreja de Saint-Pierre está construída sobre um antigo santuário do povo Redone, raiz do termo celta red, “ir a cavalo” ou “ir em carro”, possível alusão às primitivas peregrinações que sairiam daqui rumo ao Monte de Saint-Michel, cujo símbolo do Arcanjo lanceando o dragão também está aqui assinalado num medalhão, entre o globo real e a Cruz de Malta, esta que parece conter um enigma relacionado com esse facto.
A Cruz mostra-se cortada muito propositadamente por duas linhas cruzadas e segundo vários autores parece tratar-se de uma cabala gemátrica ou jogo criptado de letras, onde aparecem o E e o S que se cruzam para formar as palavras Esse e Sees de dois lugares muito conhecidos: Esse, perto de Rennes, para o célebre dólmen da Rocha das Fadas (Roche aux Fées), e Sees, na Normandia, para a roda medieval da sua catedral gótica. O conjunto codifica as latitude e longitude dum lugar celebérrimo: o Monte Saint-Michel! O “rei Sol”, Luís XIV, foi Grão-Mestre da Ordem de Saint-Michel, fundada por Luís XI. E neste frontão aparece, também muito significativamente, a divisa do “rei Sol”: Nec pluribus impar, “a nenhum outro comparável”, encimada pela cabeça humana que representa o Astro-Rei.
A vida de Saint Melaine está recheada de factos extraordinários que atestam a sua envergadura de personagem civilizador e político. Contudo a sua popularidade deve-se sobretudo aos milagres que se produziram após a sua morte, enquanto o seu corpo era transportado de barca sobre a Vilaine até Rennes. O mais espectacular deles é bastante espantoso: ele libertou vários prisioneiros doentes encerrados numa torre, na qual se abriu uma brecha à passagem da barca enquanto os prisioneiros viam as suas cadeias cair. O sentido desta lenda é claramente político: refere-se à libertação do povo galo-romano do jugo do império latino.
A viagem marítima, neste caso fluvial, depois de morto, ainda assim fazendo milagres e conduzindo sobrenaturalmente a nau ou barca, converte o santo em nauta, ou seja, em hábil nas artes sagradas do mar que se confunde com o Além, o Mundo dos Imortais, o que significa na linguagem esotérica que em vida alcançou o grau elevado do Mestrado transcendente. Dirigir a barca e operar milagres sobre as águas, equivale a ter alcançado o domínio absoluto das forças desconhecidas da Natureza, que só pode ser alcançado por aquele que, mediante o processo iniciático, se identifique com ela.
Em Rennes actualmente Saint Melaine tem três dias de festa em sua memória: 6 de Novembro (morte), 6 de Janeiro (enterro) e 11 de Outubro (transladação).

Saint-Thélo e o cervo de Daoulas (Finistére)

Num recanto da igreja da abadia de Santa Maria de Daoulas, em Finistére, vê-se uma curiosa imagem dum bispo com báculo e mitra montando um veado, tudo em madeira policromada do século XIII, o que tem suscitado as mais variadas interrogações sobre quem seja e o que significa.
Trata-se de Saint-Thélo, um dos santos bretões mais ou menos míticos cuja santidade não é reconhecida oficialmente pela Igreja Católica. Thélo ou Théliau foi bispo de Landaff, no País de Gales, sendo filho de Ensic e de sua mulher, Guenhaff. Nasceu perto do ano 485 na parte meridional de Inglaterra, perto da cidade de Monmouth, e acostou a Dol (Ille-et-Vilaine), na Bretanha, onde foi acolhido cerca de 549 pelo bispo Samson. A sua morte é comummente fixada nos anos 560 ou 565. De notar ainda que fora sagrado bispo de Landaff para substituir o seu mestre entretanto falecido, Saint Dubrice, no ano 520, e depois quando se retirou substituiu-o o seu sobrinho, Saint Oudocée.
O nome deste santo anda associado ao sentido da cidade de Saint-Thélo, comuna francesa da região administrativa da Bretanha Norte, no departamento Côtes-d´Armor, nascida do desmembramento da paróquia primitiva de Cadelac, por causa da redução ou detrimento da floresta de Loudéac, onde os celtas tinham importante santuário dedicado ao deus Cernunnos, representado com cabeça de veado.
É por essa razão que alguns vêem em Saint-Thélo, como em Saint Edern, o deus celta Cernunnos cristianizado. Com isso, deu-se o mais elevado significado ao próprio cervo, animal associado a Thélo que vem a ser um derivado hipocorístico de Eliud (to-eliud) significando “Ungido de Deus”, ou seja, o próprio Cristo. É assim que o cervo ou veado aparece na iconografia medieval relacionada ao tema dos “santos caçadores”, por norma reis, com uma cruz brilhante entre as suas hastes, indicativo de animal sagrado perseguido em montarias reais que depois se deixa imolar e após ressuscita, tal qual a Paixão, Morte e Ressurreição de Cristo.
Portador do Lenho Sagrado na sua cornadura, o cervo é assim sinal de renovação cíclica e, precisamente por isso, intermediário entre o Homem e a sua Transcendência (tal qual o Cristo é intermédio entre Deus Pai e a Humanidade); conhecedor das plantas, tanto medicinais como místicas, e divindade em si mesma entre os celtas, que o representavam em Cernunnos e o dignificavam como portador de abundâncias e de agilidade, tanto física como espiritual.
O facto de Thélo montar (donde “montaria”, que é uma modalidade da Iniciação obtida após demanda ou peregrinação, portanto, Iniciação activa ou “guerreira” (kshatriya, em sânscrito) própria para reis e cavaleiros, donde as artes venatórias da falcoaria e montaria serem exclusivas da nobreza e por isso chamadas iniciação real, igualmente iniciação senhorial ou mariana, por ser Santa Maria quem assiste ao cavaleiro de demanda cuja profissão de armas dá-lhe como vizinha constante a morte, donde ele evocar constantemente: “Ave Maria, orai por nós na hora da nossa morte”…) o cervo, tem o duplo significado dele ter-se unido com Cristo, passando também a ser “Ungido de Deus”, um Ser Crístico, e igualmente a passagem cíclica da religião celta à cristã, o que se representa nesse santo bretão sobre o animal.
Sendo o cervo animal de abundância e agilidade para os celtas, sinal de exteriorização das próprias e divinizadas forças telúricas animando a Terra, só as poderia “montar” um Hommo-Teluricus, isto é, o próprio Thélo ou Thelos, nova versão cristianizada do primitivo deus da abundância Cernunnos, agora celebrado anualmente a 9 de Fevereiro, disposto assim no calendário litúrgico muito apropriadamente para não se confundir com o Imbolc ou Oilmec, que a cultura celta celebrava a 2 de Fevereiro como uma das suas principais festividades agrárias, celebrando a recuperação da terra do Inverno e o Sol fortalecendo-se para a Primavera. Era a época de início do processo de aragem da terra e do plantio, processo cujo êxito punham sob a protecção da deusa Brígida (Brigith ou Briga), que era quem abençoava as semeaduras para que frutificassem e dessem boas colheitas.
Igualmente não deixa de ser significativo o facto dos antigos cavaleiros da Ordem do Templo terem uma especial veneração por Saint-Thélo, inclusive aparecendo o nome deste (Saint Theliaut) numa acta de 1182 enumerando os bens dos Templários na Bretanha, particularmente em Saint-Thélo cujo primitivo mosteiro de Daoulas, fundado no século VI, foi substituída pela abadia de Santa Maria cerca de 1167-1173, dos cónegos regulares de Santo Agostinho. Esta casa religiosa esteve sob a protecção directa do Templo, podendo até aventar-se a hipótese da imagem de Saint-Thélo e o Cervo serem produção templária.
Assim como Saint-Thélo aparece iconografado junto ao cervo divino, igualmente aparecem outros santos, como São Conrado, São Eustáquio, Santa Genoveva, São Frutuoso de Braga, São Mamede e Santo Huberto, este o mais famoso dos santos “reis caçadores”, mas que também em Portugal se retrata na lenda templária do sítio da Nazaré, onde o almirante-mor da frota templária, D. Fuas Roupinho, ao perseguir um cervo, foi salvo de cair num precipício pela própria Virgem Maria que lhe apareceu fazendo o cavalo estacar.

A milagrosa Virgem Negra de Folgoet

A devoção à milagrosa Virgem Negra de Folgoet datará do século XIV, época da cristianização desta Deusa Mãe por via da propaganda milagrosa de uma estranha lenda relacionada com Ela e um tal de Salaün que na floresta próxima descobrira a sua imagem enegrecida pela terra onde estivera enterrada durante séculos.
Conta a lenda que um eremita chamado Salaün, a quem o povo alcunhava de “For ar Coat” (Louco do Bosque), vivia junto de uma fonte encantada na floresta próxima de Lesneven (consumida por um incêndio em 1427). Este Salaün era devotadíssimo da Virgem Maria e tinha uma imagem da mesma, que dizia ter descoberto enterrada junto a essa fonte. Pouco depois da sua morte em 1358, com a idade de 48 anos, descobriu-se que uma flor-de-lis tinha criado raízes na sua boca e que sobre a mesma escrava escrito em letras de ouro: Ave-Maria. A devoção ao santo eremita e à santa imagem milagrosa cresceu rapidamente e em breve trecho deu-se início à construção da basílica de Folgoet.
Salaün será sobretudo a conversão em eremita cristão do “espírito da floresta” para os antigos celtas, o deus Cernenus, que os latinos chamaram Silvano (do latim silva, “floresta”) e era a divindade dos povos pastoris. A floresta ou bosque é a forma adoptada para exprimir a própria Natureza Mãe origem da vida e dos seres, inclusive dos deuses menores do gallo-romano, e que veio a tomar a cor negra por sua condição de Divindade Primordial. O próprio topónimo Folgoet reforça esse sentido mágico-florestal, pois provém do latim folum, “folhagem”, e do bretão coat, “árvore”.
A flor-de-lis que saía da boca de Salaün, Silvano ou Cernenus como estilização da flor do lírio, assinalava a passagem definitiva do culto ancestral ao cristão por via da devoção mariana que constituía uma espécie de nascimento religioso pré-anunciado pela aparição milagrosa da imagem da Virgem, sendo que tradicionalmente o lírio é a flor da anunciação.
Mesmo anunciando a nova forma cultual da Mãe Divina, esta mantém a sua cor negra original de Deusa Mãe Primordial, herança iconográfica dos cultos ancestrais dos celtas relacionados com a Mãe Terra, o Útero Gerador, a Deusa da Fertilidade e Fecundidade. Quando é fértil está manifestada, tem a cor branca. Quando é fecunda encerra a semente ocultada, tem a cor negra. Portanto o atributo de fecundidade está primeiro que o de fertilidade, pois nada é fértil sem ser primeiro fecundado.
Com esse atributo de fecundidade vem a ser a Matéria-Prima, a Primordial Negra ou ante-Manifestação dos alquimistas, em conformidade à prerrogativa bíblica de que “antes da Luz (branca, dia) havia a Treva (negra, noite)”. Isto mesmo é corroborado pelo enigmático Jean-Julien Champagne (1839 – 1953) que usou o pseudónimo Fulcanelli, alquimista francês contemporâneo autor de duas magníficas obras de Alquimia: O Mistério das Catedrais (1926) e As Mansões Filosofais (1930).
Famosa pelo seu grande poder de realizar milagres sempre a ver com a vida e a morte e tornando os lugares da sua aparição pólos de peregrinação intensa e de grande poder, no contexto da sociedade rural medieval a Virgem Negra era sobretudo uma deusa agrícola por cuja imagem se manifestavam os atributos benéficos da Grande Deus Mãe Primordial, cujo culto original tinha honras maiores que ao Deus Filho, por ser Ela a origem da Fé, e assim mesmo da Natureza fecunda de que dependiam os povos. Dizer-se que esteve muito tempo escondida na terra, é o mesmo que a consignar Deusa Oculta, Negra, o que se assinala na Lua expressiva do Útero, da Matriz da Criação cujas fases regulam os períodos agrários de semeadura e colheita, e também o da gestação dos seres.
Por isso a cor negra da Virgem é a mesma primordial apontando o Grande Útero da Vida gerada nele e a ele, no final da existência, a mesma Vida se recolhe. Com isso, a Grande Mãe, com o seu potencial de gestação e geração, possibilita todas as manifestações, transformações e evoluções da Vida, a qual recolhe a si no final de cada manifestação, seja ela a de um homem ou a de um mundo. Razão porque personifica a Magna Dea, a Grande Deusa, Maha-Shakti para o Oriente, a Força Vital que gera, mantém, anima e unifica, que sendo Ela o Oceano da Vida conduz aos seres imersos nas suas correntes através dos movimentos das suas Águas da Vida, donde ser apelidada da Conceição ou Concepção, sobreposta à Lua crescente que, como astro da noite ou do negro, representativo do Caos ou Noite Cósmica, o mesmo Pralaya do Oriente, assiste aos ciclos de vida e morte de todos os seres. O período de existência destes vem a ser o Cosmos ou Dia Cósmico, Manvantara para os orientais, marcado pela cor branca e a Lua Cheia, para todos os efeitos, antecedido pelo negro primordial.
Por essa razão a Virgem Negra simboliza a Terra Virgem, ainda não fecundada ou povoada, pelo que vem a valorizar o elemento passivo do estado virginal. O escurecimento das imagens das Virgens, enaltecido na Europa ocidental no final da Idade Média, também se deveu à cor sombria dos ícones orientais da religião bizantina, nessa época exercendo grande influência na arte religiosa latina.
Por outro lado, no período medieval coincidente com a aparição de qualquer Virgem Negra, houve sempre uma reactivação social, artística e cultural no seio da sociedade pela aproximação do Ocidente ao Oriente, e assim mesmo uma irrupção do elemento feminino, não só com o culto mariano mas também de forma idealizada no amor cortês, apesar das grandes discussões dos teóricos escolásticos sobre a Natureza, a carne e o pecado, a alma e a virtude, semeando uma improdutiva disfunção entre o Espírito e a Matéria que chegou aos nossos dias.
Finalmente, para o Islão a virgindade de Deus como Mulher é a Luz inviolada que ilumina os Eleitos; a esse título, é chamada de Virgem-Mãe a hora da vida que é a primeira. Mas é também a última. É Ela que abre o caminho da Iluminação e leva a termo o místico caminhar. A Virgem de Luz revela ao Eleito a forma espiritual que nele é o Novo Homem, tornando-se seu Guia e conduzindo-o em direcção às Alturas da Cidade Celeste que aqui, no Folgoet, estaria representada na floresta encantada onde morou Salaün e morreu com a Ave- Maria na boca.

O Graal de Saint-Michel-en-Grève

Saint-Michel-en-Grève é lugar bretão testemunho flagrante da substituição quase abrupta do culto primitivo às divindades ancestrais por outras novas cristianizadas possuídas de atributos idênticos aos daquelas. É assim que aparece aqui São Miguel ocupando o lugar original do deus celta Lug herdeiro da tradição de Dagda ou Daga Devos, o “deus bom”, dos Tutha-de-Danand.
Na igreja de Saint-Michel-en-Grève suspeita-se que o beatíssimo São Miguel vencendo aos pés o Demónio emblemático da heresia e das crenças heréticas, como se vê no seu altar, poderá muito bem ser a imagem substituta do primitivo deus Lug, e que o Demónio vencido possa ser a figuração diabolizada pelas forças dominantes do império latino da primitiva religião celta.
Essa transformação cultual de Lug em Miguel representa-se na águia esculpida no altar a qual significativamente foi um dos símbolos desse deus da primitiva religião solar celta, sendo ela mesma símbolo eminentemente solar, emula da ave Fénix que ressuscita das suas próprias cinzas ao calor do Sol. Sendo subsidiariamente símbolo imperial, e nos santos sinal de adscrição a uma concreta mística activa capaz de superar todos os embaraços que possa antepor-lhe o mundo profano. O seu domínio é o do ar, ou seja, o dos céus que conquista nos quais carece de rivais. A águia é a excelsa mensageira de Deus, e considera-se mensageiro de Deus quem a tem como atributo ou sinal, como Mikael ou Lug.
Na base da arcada dentro da igreja de Saint-Michel-en-Gréve, aparece o relevo do Cálice Eucarístico, de forma súbita um tanto inusitada. Objecto litúrgico cristão expressa aqui a memória dum outro similar ancestral: o caldeirão de Dagda. Tal caldeirão tinha propriedades “mágicas”, isto é, terapêuticas e espirituais. Terapêuticas por os Tuatha-de-Danand possivelmente servirem-se dele para fabricar medicamentos herbários; e espirituais pelo significado transcendente do objecto pomo central da função sacerdotal assegurada pelo deus Dagda, justamente até aparecer na forma de Lug entre os celtas bretãos. O “caldeirão mágico” de Dagda é reproduzido fielmente no mito do Saint Vaisel, o “Santo Vaso” que os Cavaleiros da Távola Redonda demandaram incansavelmente nas florestas encantadas da Bretanha, chamando-lhe Santo Graal.
É aí que o Graal assume duplo sentido interligado: como Graal-Consciência ou estado de consciência espiritual, e como Graal-Objecto, representativo dessa mesma condição consciencial demandada cuja revelação ou meta final corresponde sempre à aparição da Virgem Maria ou até mesmo a do Espírito Santo, quando não pelo próprio São Miguel.
Graal tem afinidade filológica com o grego Krater, literalmente, “copo, vaso ou vasilha grande”, onde se misturava o vinho com a água e depois era despejado nos copos dos comensais, pelo que também tem a vez com a raiz Kera, “misturar”. Mas esta mistura também tem um sentido alquímico que a liturgia lhe impôs: o vinho dionisíaco ou crístico junto à água mercurial opera a transformação corporal do Homem, ou seja da Matéria, o que é representado pela Virgem revelada. É assim que Graal, Krater e Kera originam as expressões provençais Graalz e Grazale, “prato”, que pela afinidade com o latino Gradalis deu “gradual”, isto é, gradualmente servido ou transmitido, sobretudo na sua função iniciática. Por transformação e adaptação filológica em conformidade a conter algum líquido ou seiva vital que com o Cristianismo se identificou como o Sangue de Cristo, em breve o Saint Vaisel é chamado de Sang Real ou San Greal (Saint Graal), para todos os efeitos significando “vaso”, como o caldeirão de Dagda, o vaso alquímico e até mesmo o útero iniciático da Mulher, microcosmo do maior da Mãe-Terra.
Alguns trovadores medievais (Robert de Boron, Chrétien de Troyes e Wolfram d´Eschenbach) também interpretaram o Graal como uma pedra, chamando-lhe Garal, literalmente, “Pedra de Deus”, assim dando igualmente sentido graálico ao altar da liturgia, como “pedra ou mesa do sacrifício divino”. Vai neste sentido a versão mais esotérica de tendência cristã relativa aos elementos célticos da narrativa do Santo Graal onde se mostra o sentido baptismal, eucarístico e pentecostal da água hermética ou mercurial transformada em vinho da Salvação, símbolo gnóstico da própria Sabedoria Divina que, desfeche a mesma tradição, é quem revela o Graal em Glória junto a Galaaz, epíteto arturiano do próprio Cristo.
A pedra santa é aqui, nesta paróquia de Saint-Michel-en-Grève, igualmente alusiva ao culto primitivo às pedras, algumas talhadas em forma antropomórfica, pela população celta da Bretanha, o que foi severamente condenado, com posterior perseguição feroz mas pouco eficaz, nos concílios toledanos dos anos 681 e 682, e no concílio de Rouen em 698, tornando proscritos os veneratores lapidum, “adoradores das pedras”, através do anatema sit veneratoribus lapidum, “anátema aos veneradores das pedras”.
As primitivas lendas cristãs da Bretanha dão José de Arimateia como o portador do “Evangelho do Graal” aí, ou seja, da sua Tradição que disseminou em pouco por toda esta região mágica cedo alastrando à Europa inteira e até chegando ao Novo Mundo, a América, seguindo um itinerário secreto por sete catedrais cristãs desde cedo ligadas ao mesmo Saint Vaisel, como sejam: 1.ª) Abadia de Westminster, Londres, Inglaterra; 2.ª) Santa Maria Maggiore, Roma, Itália; 3.ª) Catedral do Precioso Sangue, Bruges, Bélgica; 4.ª) Catedral de Santa Maria Maior (Sé Patriarcal), Lisboa, Portugal; 5.ª) Catedral de S. Pedro e S. Paulo, Washington, E.U.A.; 6.ª) Catedral da Cidade do México, México; 7.ª) Basílica do Salvador, S. Salvador da Bahia, Brasil.
A paróquia de Saint-Michel-en-Grève era a Locmikel en Haye, possuindo a raiz loc o significado comum de “lugar”, mas com a especificidade religiosa de “lugar consagrado”, assim se identificando ao temo hindustânico loka, que significa o mesmo. Loc como “lugar” associa-se a Lug-ara, “altar de Lug” ou “lugar do deus Lug”, como o seria aqui. A verdade é que o culto a Saint-Michel propaga-se na Bretanha entre o final do século X e a primeira metade do século XII, destinado a suceder às antigas divindades pagãs ou campesinas às quais os altares druidas estavam consagrados, sobretudo a Lug, o supremo deus “Luminoso” do panteão gallo-celta. É exactamente a partir dessa época que em torno do “lugar consagrado” (Locmikel) fixou-se população fundando paróquia. É também na mesma época que os nomes em loc foram estabelecidos na Bretanha.

A Capela do Graal em Tréhorenteuc

A Lenda Áurea de Jacobo Voragine e os chamados Evangelhos Apócrifos, particularmente os Evangelhos de Filipe, Maria Madalena e José de Arimateia os quais a Igreja não reconhece no seu dogma oficial, falam unanimemente que após a Paixão do Senhor diversos Apóstolos vieram para a Europa, dentre eles Maria Madalena e José de Arimateia, uma trazendo o Vaso do Bálsamo com que ungiu o divino Mestre e que desembarcou no Sul de França, e o outro carregando o Cálice Sagrado que recolheu o Sangue do Salvador e que desembarcou no Norte de França, na Bretanha. Daqui incansável peregrinou até ao Sul do País pregando a Palavra e fundando igrejas. Depois desapareceu, dizem uns que voltou ao Norte e daí passou para a Grã-Bretanha, e outros afirmam que está sepultado na catedral de Nicósia, em Chipre, onde é venerado como São Trófimo.
O facto é que a lenda da Linhagem Sagrada dos Apóstolos tem por finalidade retratar a primitiva diáspora apostólica ao Ocidente europeu para nele implantar e expandir o Cristianismo, facto que aqui na Bretanha se revestiu de mitos maravilhados por sua união à religião original dos celtas. Foi assim que o Caldeirão de Dagda dos sábios druidas se transformou no Santo Graal dos bardos cristãos, cuja prova mais flagrante tem-se nesta igreja de Sainte Onenne de Tréhorenteuc, mais conhecida por Capela do Graal.
A decoração e imobiliário da mesma transmite a mensagem da passagem do celticismo ao cristianismo através do mito do rei Artur e do mago Merlim, este representando o sacerdócio druida e aquele a cavalaria cristã, assegurada por paladinos em número igual aos 12 Apóstolos de Cristo, tendo fundado a Ordem da Távola Redonda em cujo centro se colocava a Taça do Graal, símbolo da sua demanda mística cujo fim era o seu encontro com Deus Espírito Santo representado no mesmo Saint Vaisel, o qual lhes concederia a luz da imortalidade espiritual a quem chamavam “Santo Amor” ou “Suma Caridade”. Interessante que Tréhorenteuc significa em bretão “País da Caridade”, e está próximo da floresta mágica de Brocéliand palco da demanda do Santo Graal pelos druidas e cavaleiros deste mais célebre e misterioso de todos os mitos medievais.
Nesta igreja de Sainte Onenne, os seus símbolos celtas estão convertidos em iconologia cristã, mas sem lhes retirar o halo mágico que envolve todo o espaço sagrado, cuja riqueza encontra-se nas diferentes ilustrações evocando as lendas arturianas confundidas com as celtas através dos seus vitrais e pinturas, onde num quadro vê-se a aparição do Santo Graal aos cavaleiros da Távola Redonda que, dizem alguns, era feita de carvalho e de freixo. Ora este último nome, freixo ou onn, em celta, veio a dar One, Onnen e Onenne, afinal o nome da santa eremita do lugar.
Num mosaico, vê-se o cerf volant aureolado com o colar crucífero no pescoço, tendo em sua volta quatro leões aureolados. Representam Cristo e os quatro Evangelistas, ou seja, é alegoria da cristianização do povo da floresta de Brocéliand vista atrás do cervo, o qual seguia os seus druidas cujo maior de todos, Merlim, dizem estar aí sepultado e cuja pedra de sepultura aparece entre os leões da pintura.
Numa pintura em vitral, os Anjos seguram o Santo Graal para onde Jesus Cristo verte o Seu Sangue, alanceado no peito pela lança do centurião romano Longino, lança essa identificada aqui à outra lança mágica de Lug, deus supremo do panteão celta. Toda essa cena paira sobre o rei Artur e seus pares que à mesa ou távola comungam da ceia de pão e vinho, prerrogativa celta da Eucaristia cristã.
Num outro quadro, apresenta-se uma cena de amor cortês: num banquete com o rei Artur à cabeça de uma mesa repleta de iguarias, vêem-se donzelas e trovadores tendo à frente de todos Sainte Onenne segurando o bastão de freixo com uma mão e com a outra abraçando um bouquet de rosas, flores do Amor cuja filosofia os trovadores, como fiéis do mesmo, divulgaram por toda a Europa junto das cortes e do povo.
Há ainda a pintura alegórica do lugar próximo do Vale sem Retorno, lugar das últimas predições de Merlim quanto ao desaparecimento da religião celta até então a única que havia, e também o lugar onde a fada Morgana aprisionou os seus amantes infiéis dentro de uma muralha de fogo guardada por um gigante barbudo armado de uma maça, fogo esse saído de dois dragões que vomitam chamas um ao outro: o dragão branco do Bem, e o dragão vermelho do Mal. Por fim, aparece na cena Lancelot du Lac, o “melhor cavaleiro do mundo”, que vence as provas colocadas sobre o seu caminho e liberta os prisioneiros.
Esta igreja única no seu género, não deixando adivinhar exteriormente a sua riqueza interior, emana uma permanente mensagem de tolerância aos seus visitantes. Foi para esta pequena comuna que em 1942 veio desterrado o abade Gillard, porque contrariava o clero com as suas ideias heterodoxas que raiavam a «heresia» do mundo esotérico ou iniciático, muito particularmente quanto à Linhagem Sagrada dos Apóstolos em que acreditava. Ele decidiu reconstruir esta igreja românica, e o primeiro vitral chamado da “Távola Redonda” foi realizado e posto em 1943 por um pintor de Nantes, Henri Uzureau. A partir de 1945, o abade foi ajudado por dois prisioneiros de guerra alemães, o ebanista Peter Wissdorf, que fabricou os bancos e a abóbada de madeira, e o artista pintor Karl Rezabeck, que realizou quatro quadros representando o mundo celta, a lenda arturiana e o cristianismo. Os vitrais, os quadros e o mosaico do “Cervo branco com colar de ouro” criado por um artista contemporâneo, Jean Delpech, representam os vários elementos desses três mundos, unificados harmoniosamente pelo abade. Para isso, ele encontrou um elo comum entre eles: o Santo Graal. Este é frequentemente representado, e por isso esta igreja também tem o nome de capela do Graal. Actualmente, o abade falecido está sepultado sob a igreja.

“Deploração do Cristo” em Chapelle-de-Brain

Na igreja paroquial de Chapelle-de-Brain consagrada a Saint Melaine, está um grupo escultórico de cerâmica policromada retratando a “Deploração do Cristo”. Retrata a passagem sacrificial em que após retirado da Cruz o corpo inerte de Jesus jaz no regaço de sua Mãe dolorosa amparada por Maria Madalena ajoelhada a seus pés, e por João Evangelista atrás dela confortando-a. Ladeando a cena trágica, está à direita Nicodemus portando a caixa dos bálsamos destinados a perfumar o corpo de Cristo, e à esquerda José de Arimateia apresentando o sudário com que se envolveria o mesmo corpo inerte.
Esta cena clássica do Cristianismo parecendo nada ter de heterodoxa e estar dentro dos cânones ortodoxos da doutrina católica, contudo oculta uma mensagem que é das mais importantes apesar de todas as controvérsias à sua volta: a da “linhagem sagrada” pressupostamente iniciada por Jesus Cristo e Maria Madalena.
Escusando penetrar o terreno movediço das efabulações fantasistas e cingindo à linguagem viva dos símbolos tradicionais, antes de tudo o mais impõe-se indicar que o episódio da Mater Dolorosa foi propagado a partir do século XIII pelos Franciscanos, interpretando-o como o “sacrifício do inocente Cordeiro de Deus”, mensagem de entrega incondicional desses Espirituais às dores do mundo e que veio a ser concretizada como Misericórdias ou casas religiosas de socorro social, e sobretudo como promessa de Ressurreição, base da Fé cristã e justificativa do Segundo Advento do Senhor.
José de Arimateia (celebrado a 17 de Março) é uma das primeiras figuras da lenda e tradição do Santo Graal, pois terá sido ele quem recolheu o Sangue de Cristo no Cálice da Última Ceia, após a morte do Mestre no Calvário, e depois o terá trazido para o Ocidente. Envolver o corpo santo no sudário e depois depô-lo na cripta fúnebre, é sinal de sabedoria secreta entretanto cessada de revelar-se directamente por o corpo do seu emissor, Jesus, estar desfalecido. Recolhendo-se o Sangue Real ou Sang Greal no Cálice Sagrado, como a mais pura essência vital que o Homem tem, significa a manutenção da tradição secreta ou esotérica do Cristo, já não como Revelação directa pelo Próprio mas como Culto permanente da celebração de promessa de Ressurreição e Advento ou Parúsia Universal, realização a consumar-se quando um dia Homem e Deus serão um só: Humanidade divinizada. Esta é a mensagem carregada pela figura de José de Arimateia com o sudário, tendo encabeçado a diáspora dos Apóstolos ao Ocidente europeu como “linhagem sagrada”, segundo a lenda áurea, e tendo na cabeça o barrete frígio ou “livre” o mesmo aponta-o simbolicamente como Adepto Perfeito ou Iniciado na Tradição Secreta revelada por Jesus Cristo, a mesma de que falam por metáforas os quatro evangelhos canónicos e abertamente o número vultuoso dos ditos evangelhos apócrifos, termo grego que quer dizer “secreto”, não reconhecidos oficialmente mas que eram estudados no movimento dos gnósticos ou “filhos da Sabedoria” (teósofos) dos primeiros tempos do Cristianismo.
Nicodemus (celebrado a 3 de Agosto) segundo o relato no Evangelho de João fazia parte do sinédrio judaico e opôs-se à condenação de Cristo, de quem era considerado o Seu “discípulo secreto”. Iconograficamente figura nos Descimentos da Cruz e nos Enterros de Cristo, junto aos pés de Jesus. Lavar e perfumar com bálsamos o corpo inerte, tem o sentido simbólico de reconhecer Cristo como Santo verdadeiro em vida e assim reconhecendo a santidade do cadáver, prestando veneração a esse que, por algum motivo transcendente, mantém os valores espirituais muito além da sua própria putrefacção. Com a unção fúnebre, Nicodemus reconhece no corpo desfalecido que fora animado efectivamente pelo Ungido de Deus, o Cristo. Essa extrema-unção perpetua-se até hoje como derradeiro sacramento da Igreja Católica.
A presença de João Evangelista na “Deploração de Cristo” e por se lhe atribuir o livro do Apocalipse que refere o Advento de Cristo e da Jerusalém Celeste sobre a Terra, representa o “discípulo amado” ou o conservador da doutrina do Amor, sentido dada à mesma Gnose como conhecimento da natureza de Deus e crença de salvação pela sabedoria espiritual. Esta salvação pressupõe a ressurreição corporal. Ciente disso, conforta a Mater Dolorosa, expressiva da própria Mãe-Terra, Mater-Rhea ou Matéria por momentos separada do seu Princípio Espiritual assinalado no Cristo imolado, e por isso chora e geme sendo confortada também por Maria Madalena, esta e João espiritualmente “Filhos de Viúva”. Maria Madalena é quem encerra a promessa de ressurreição e eternidade do Cristo, e por isso ao terceiro dia da Morte do Salvador é ela a primeira a vê-lo ressuscitado.
Não é importante que acaso Maria Madalena e Jesus de Nazaré tenham casado e dado geração. Se aconteceu, é muito natural que assim fosse porque era de lei judaica que os rabinos, e Jesus era rabino, casassem. O importante é que Maria Madalena, ainda segundo a lenda áurea, veio para a Europa, para França e deu início ao seu apostolado que marcou decisivamente a presença da Mulher na Igreja, como Apóstola da Palavra e como Profeta de Advento.
É muito significativo que esta “Deploração de Cristo” (transferida para aqui em 1886 dum oratório situado no cemitério local que a tradição oral diz ter sido oferecida pelo cardeal Richelieu (1585-1642) a uma família de Brain, que o canónico Guillotin de Corson diz ter vivido neste lugar em 1781 e atribui a feitura da peça ao escultor Tavau Pierre-Jean) esteja precisamente aqui, na antiga Plaz berço natal de Saint Melaine e que é hoje Brain, termo proveniente do bretão bren ou brenno, significando “pinhal extenso” que havia aqui no século XII. Nesta época o culto céltico ainda não se desvanecera completamente, pelo que a Cruz do Senhor era então uma mistura de elementos decorativos da arte celta o que vinha a distingui-la notavelmente doutros formatos de cruz.
A cruz celta inscrevesse num círculo que as suas extremidades ultrapassam, de modo que ela conjugue o simbolismo da cruz e do círculo. Pode-se acrescentar ainda o elemento central, a pequena esfera no centro geométrico da cruz e no meio dos braços. No primeiro período da arte celta as cruzes eram completamente inscritas no círculo e sem qualquer decoração. Depois os braços passaram a ultrapassar ligeiramente o círculo. Finalmente, as cruzes são feitas maiores, cobertas e rendilhadas. É possível reconhecer neste tipo de cruz símbolos celtas coincidindo com o simbolismo cristão.
Por essa via poderá ser que a “Deploração de Cristo” também seja referência à tradição celto-cristã, que sem a presença maior dos Apóstolos talvez nunca conseguisse estabelecer-se na França druida e vencer a tarasca, o dragão mítico simbólico da “heresia”, isto é, da primitiva religião celta aos olhos da nova cristã.

Os Templários na Bretanha

A Ordem dos Cavaleiros Pobres de Cristo e do Templo de Salomão, vulgo Ordem dos Templários (aprovada pelo Papa Honório II em 1128 e abolida pelo Papa Clemente V em 1314), foi o primeiro instituto de monges cavaleiros que o mundo ocidental conheceu. Conhecidos por sua valentia nas batalhas em que eram quase invencíveis, assim como pelas suas riquezas que todos lhes confiavam, ricos e pobres, por os considerarem de honestidade imaculada, e também conhecidos pelas manobras político diplomáticas que mantinham com todo o mundo civilizado, mormente com o Oriente islâmico, o que mais distinguiu os Templários foi sobretudo a fama de que possuiriam conhecimentos esotéricos ou iniciáticos heterodoxos muito superiores à comum ortodoxia da religião católica convencional. Esta fama veio a ser a causa principal da sua ensombração e abolição no século XIV.
Apesar da Ordem dos Templários ter sido fundada na Terra Santa, em Jerusalém, a sua organização jurídica e militar aconteceu na Europa, em França donde era originário o seu 1.º Mestre Hugo de Payens (1070-1136). Durante o século XII os Templários expandiram-se rapidamente por toda Bretanha, indo edificar castelos, palácios e igrejas graças às numerosas doações de terrenos que a nobreza e o eclesiástico bretão lhes fez. Em 1217 o duque Pierre Mauclerc e Alix de Bretagne, sua mulher, confirmaram aos cavaleiros do Templo todas as doações feitas pelos seus predecessores: Conan III e Conan IV, Alain Le Noir, conde de Penthièvre, Hoël, conde de Nantes, o que Geoffroy III e a duquesa Constance. Eles acrescentaram a oferta de uma terra em Messac que se tornou do Templo da Coëffrie, e alguns direitos nas vilas de Châteaulin, Châteauneuf, Lannion, Morlaix… No mesmo ano, Pierre Mauclerc isentou os Templários de pagarem direitos de passagem nos territórios ducais da Bretanha.
Quando os cavaleiros Templários foram acusados de heresias por Filipe o Belo, rei de França, presos, torturados, condenados às galés ou executados, como aconteceu a Jacques de Molay, último Mestre Geral do Templo queimado vivo na ilha dos Judeus, em Paris, em 14 de Março de 1314, ninguém acreditou na culpa apontada aos Templários pelo rei francês que todos sabiam estar muito endividado com o Templo e cobiçava as suas riquezas, enquanto o papa Clemente V, que o monarca colocara no trono de S. Pedro, não passava de um luxurioso fraco manipulado à-vontade por Filipe IV.
Na Bretanha não se encontrou o menor indício a respeito dos crimes monstruosos atribuídos aos Templários, que começaram a ser detidos em toda a França em 13 de Outubro de 1307. Os habitantes do Templo de Carentoir dizem até que os cavaleiros que aí viviam, após serem presos foram massacrados junto a um carvalho que ainda existe não longe da sua residência. Quando os comissários de Filipe o Belo foram a Nantes, em 10 de Agosto de 1308, para apresarem os bens dos Templários em nome do rei, o povo sublevou-se contra eles e expulsou-os da cidade.
É na Bretanha que se tem o melhor testemunho da proximidade da Ordem do Templo à cultura druida dos celtas, mormente na inter-relação Homem, Natureza e Cosmos, que era parte vital da mundivivência de uma sociedade agrária tradicional, cultura que os Templários herdam daqueles, nomeadamente:
– As bases geométricas da arquitectura, como se repara, por exemplo, na composição dos cromeleques “quadrados” com o menir fálico, da pujança viril, cravado ao centro, que viriam a estar na inspiração geométrica do “quadrado da terra” e do “padrão” ou mundus da arquitectura românica nascida dos colegium fabrorum ou de artífices da Roma Antiga. Há mesmo casos repetidos de antas primitivas terem sido posteriormente adaptadas a ermidas e capelas cristãs, como também o do aproveitamento do espaço de antigos cromeleques para sobre eles se assentarem as bases de igrejas e castelos, e assim igualmente o aproveitamento de muitas mamoas para “mães d’água”.
– O conhecimento geomântico exacto do movimento das linhas telúricas da Terra e os pontos de encontro de várias delas como nódulos telúricos, assim sabendo onde estavam as terras e águas boas para semeadura e consumo, como igualmente o lugar preciso para plantar um edifício, sacro ou não, que ficasse isolado das correntes hidro-telúricas negativas afectando o espaço ambiental e meteorológico, e assim aos temperamentos humanos e dos restantes seres vivos (animais, vegetais e minerais).
– O conhecimento exacto das propriedades medicinais das plantas e minerais, ou seja, a farmacognosia, aplicada como farmacologia natural sendo claramente um saber taumatúrgico ou terapêutico herdado dos celtas. Foram os médicos da Ordem do Templo quem descobriram a causa da lepra negra (assim chamada por deixar os corpos enegrecidos, em putrefacção ainda vivos, contaminando de imediato outros): estaria no centeio (com que se fazia o pão) plantado em zonas pantanosas próximas do mar, contaminado pelo salitre e os insectos.
Esses são exemplos da recolha feita do saber celta pelos mais doutos do Templo, e que tanto a arte, como a religião e a medicina populares, do conhecimento dos mais antigos, ainda preserva.
Tendo os Templários existindo numa sociedade sobretudo rural, foi assim que herdaram os conhecimentos celtas relativos ao entendimento geomântico da Terra como um Ente vivo, cujas veias sanguíneas no ser humano têm o seu equivalente nos veios telúricos por onde discorre a energia vital do Globo. Esses conhecimentos tradicionais foram chamados de leys. Na Idade Média e durante a Renascença, as leys consistiam em padrões ou alinhamentos de faixas ou linhas invisíveis cuja potência teoriza, demarca e liga entre si determinados espaços sagrados e naturais como lugares mágicos. Hoje essa teoria antiga geomântica já perdeu o seu foro de ciência tradicional e é apresentada pelas hodiernas crenças neo-espiritualistas que a popularizam como radiestesia, energia psíquica, mística, cósmica, etc., que vale o que vale como crença urbana desconhecida da Tradição Primordial.

Santo Sudário dos Templários (Sainte-Marie du Menez Home)

Na região de Plomodiern (Finistére), a algumas centenas de metros da capela templária de Sainte-Marie du Menez-Hom, encontra-se o lugar chamado “Croas Rhu” ou “Campo da Cruz Vermelha” (alusão à cor vermelha tradicional da Cruz Templária), onde pode ver-se um calvário muito estranho que indica, segundo a tradição popular, o sítio dum tesouro oculto pelos Templários antes da sua detenção entre 1307 e 1314 no reinado de Filipe IV, o Belo.
Esse calvário templário está no meio de vegetação abundante e é só conhecido do povo local, que o mostrou a François Gazay, em Setembro de 2001, investigando a pista já mencionada em 1997 no livro Les Sites Templiers de France, editado pelas Editions Ouest-France. O curioso monumento está à beira dum pequeno caminho que leva à capela de Sainte-Marie du Menez-Hom, cuja sacristia leva o curioso nome “Câmara dos Monges Vermelhos”, evocando a presença dos Templários na região.
Para facilitar a visita ao lugar do calvário e não se perder no caminho, o visitante deve obrigatoriamente informar-se junto da Associação dos Amigos de Sainte-Marie du Menez Hom.
O calvário templário dizem uns que é anterior a 1307, e outros contrapõem que data de 1544, ainda que nesta altura só tenha recebido beneficiamentos, mormente na coluna e cruz mas não na imagem que a ilustra, que essa é anterior e templária, como se nota na diferença entre materiais utilizados. O mesmo vale para a capela templária, reconstruída em 1570 e enriquecida a partir de 1663.
No calvário vê-se a figura de um Anjo mostrando o Santo Sudário com o rosto de Cristo, e é nisto que se liga ao sentido profundo da Bandeira Templária cujo significado transcendente, afinal de contas, vem a ser o pressuposto “tesouro templário” escondido debaixo do monumento.
O emblema de Advento para a Ordem dos Cavaleiros Pobres de Cristo e do Templo de Salomão era a sua própria bandeira, a Balsa ou Balsão com o signo da Cristandade ao centro – a cruz pátea vermelha sobre campo axadrezado branco e negro. Ela ia adiante no itinerário cíclico da Ordem no Oriente e no Ocidente, tanto no exercício das Armas como no culto da Fé.
Os Templários tinham também uma bandeira secundária ou Gonfalão, com uma cruz negra sobre campo branco. Cada comando tinha a sua bandeira própria (e ainda uma segunda, de reserva, que era desenrolada e desfraldada no caso da primeira se perder na refrega da batalha). Em marcha, a Balsa era levada pelo escudeiro da Ordem, e não pelo gonfaloneiro. Em combate também não era levado pelo gonfaloneiro. Esse porta-bandeira oficial, balsão ou signífero, comandava dez cavaleiros que defendiam a Balsa – empunhada por um cavaleiro de reconhecida valentia. Quem perdesse a Balsa em batalha era irremediavelmente expulso da Ordem. Compreende-se essa medida drástica pelo facto de, por regra, ser o Balsão dos Templários o último a abandonar o campo de batalha em caso de derrota.
Tanto pela importância militar da Balsa quanto e principalmente pelo seu sentido sagrado, tal importância viria a ser posta em pé de igualdade com o famoso Sudário de Cristo que diz-se ter pertencido aos Templários que o recolheram em Bizâncio e levaram para França, juntamente com outras relíquias sagradas. Com efeito, segundo Ian Wilson  o Santo Sudário parece ter estado durante algum tempo na posse dos Templários, e seria uma peça dobrada de maneira a só apresentar o Rosto ensanguentado de Cristo e que teria sido enviada para Edessa (actual Urfa, na Turquia), ainda em vida dos Apóstolos, como um retrato do Senhor destinado à devoção dum rei local. De Edessa, após várias vicissitudes, teria passado para Constantinopla (Bizâncio) em 944 d. C., e aí foi recebido como a mais importante relíquia no mundo religioso conhecido, já nessa altura conhecida por Mandylion. Permaneceu entre os bizantinos durante vários séculos e desapareceu da catedral de Boucoleon (Balsão?) durante o saque de Constantinopla pelos cruzados (da 4.ª Cruzada) em 12 de Abril de 1204.
Posteriormente o Mandylion apareceu na posse dos Templários, cerca de 1208, através dos religiosos do Mosteiro de Santa Maria de Blachernes, e era exposto aos fiéis todas as Sextas-Feiras Santas. Tendo sido desdobrado o pano santo, após mais de mil anos, ficou a descoberto (ou redescoberto) a sua forma actual, mostrando a dupla imagem do corpo de Cristo (frente e costas) conforme Ele jazia no seu túmulo.
A preciosa relíquia passou para a família do Mestre do Templo na Normandia, Geoffroy de Charnay, que morreu com Jacques de Molay na fogueira ateada em Paris por ordem do rei Filipe IV. Tempos depois (1357) a família de Charnay através do seu representante, o outro conde Geoffroy de Charney, apresentou à veneração dos fiéis em França a relíquia já como Santo Sudário (primeiro em Lirey, diocese de Troyes, e depois em Montfort, mais precisamente em Saint-Hipolyte-sur-Doubs). Nos meados do século XV (1452) Margarida de Charney, herdeira do espólio da família, cedeu a relíquia a Ana de Lusignan, esposa do duque Luís de Sabóia, em troca do usufruto do castelo e das terras de Mirabel. O Santo Sudário ficou assim na posse da Casa de Sabóia e, eventualmente, é exposto em vários locais, estando desde 1613 em Turim, Itália, onde é venerado e exposto ao culto até hoje. Tecnicamente propriedade da Casa de Sabóia, acabou sendo legado à catedral de Turim pelo rei de Itália, Umberto II de Sabóia e Lorena.
Reza a lenda dourada pertencente ao ciclo literário do Graal, que Santa Verónica enxugou o suor (donde sudor e sudário) e o sangue do rosto de Cristo enquanto carregava o madeiro pesado a caminho do Calvário, e que nesse tecido de linho ficou impressa, a modo de “negativo” de fotografia, a Santa Face. Depois, após a descida da Cruz, o morto do Senhor foi envolvido com essa mesma mortalha por José de Arimateia e Nicodemus, e todo o corpo suado e sangrento também ficou impresso no pano.
Apesar dos recentes testes químicos com “carbono 14” provarem que o Sudário de Turim não é anterior ao século XII, contudo a mesma lenda dourada mantém ter sido o próprio José de Arimateia a trazer o Santo Sudário ou a Santa Verónica para o Ocidente, muito antes de para Edessa indo primeiro para o País de Gales, precisamente para Glastoubury, onde se perdeu a sua pista até ser reachada já na mesma Edessa.
Quanto a Verónica de Edessa, de Jerusalém e de Soulac (4 de Fevereiro), é uma santa fictícia identificada muitas vezes com a mulher que sofria de fluxo de sangue e que se curou tocando na orla das vestes de Cristo. Aparece, episodicamente, limpando com um pano a face ensanguentada de Cristo, a caminho do Calvário. Miraculosamente, a Santa Face de Jesus ficou impressa nesse panejamento. Segundo a lenda áurea, terá casado com Santo Amador e vindo para a Gália, passando da Grande para a Pequena Bretanha. É representada tendo nas mãos um panejamento com a vera Efígie de Cristo.
Tal como a Bandeira Templária representa com a sua Cruz o Espírito de Cristo e a cabeça espiritual da Ordem, também o Sudário com o rosto do Senhor expressa a santidade mental representando a cabeça da Igreja, de que afinal a Ordem era guardiã. Por isso a associação entre Cruz e Cristo, porque aquela era considerada a verdadeira da Salvação, tal como a “Verónica” com o retrato directo de Cristo estampado era considera a Verdade (donde Vera e Verónica) testemunhal da Paixão, Morte e Ressurreição de Jesus Cristo. Nisto, os Templários tinham o vermelho da Cruz para a Paixão, o negro da Bandeira para a Morte, e o branco da mesma Bandeira para a Ressurreição, a Vida Eterna. Vera e Crux vem a dar Verdadeira Cruz, o mesmo que Cristo Verdadeiro incarnado no espírito da Regra de Vida da Ordem dos Templários.
Fica subentendido que o Santo Sudário, como arquétipo, teria o protótipo drapejante na que seria a Bandeira Templária, a Balsa ou Beaucéant, cujo significado em francês expressa isso mesmo: “beleza interior” (beau+céans) ou “o mais belo espiritual”, verdadeiro tesouro de riqueza celeste, o próprio Cristo, representado neste calvário ignorado do enclave templário de Sainte-Marie du Menez-Home.

Raridades de Notre-Dame du Temple (Pléboulle)

Pléboulle é um dos mais notáveis enclaves templários da Bretanha Norte onde ainda subsistem muitos vestígios da antiga presença da Ordem dos Cavaleiros Templários, a começar pela capela da Santa Cruz do Templo, que a partir da metade do século XVII passou a ser conhecida como capela de Nossa Senhora do Templo.
A origem desta capela templária recua ao século XII, sendo datada de 1150 a parte Este do edifício edificado poucos anos após o Papa Inocêncio II, em 1139, ter concedido aos Templários o direito de construir capelas para seu próprio uso nas quais, em princípio, o povo não era admitido aos ofícios, o que tem a explicação imediata de tratar-se de uma Ordem Militar em cujo espaço reservado a sociedade civil não era admitida.
Com as perseguições à Ordem do Templo e ficando ao abandono as suas possessões, em 1312 o nome Pierre du Guesclin, senhor de Montbran e Plancoët, tomou posse da propriedade e cerca de 1350 a família du Guesclin restaurou e ampliou a antiga capela templária. O brasão de Pierre du Guesclin está por cima do pórtico de entrada na capela e consta de uma águia bicéfala sobre um escudo. Segundo a lenda, este nobre foi associado aos Templários e até considerado Grão-Mestre dos mesmos depois de abolida a Ordem, o que parece um exagero óbvio da sua simpatia por eles.
A capela abriga as estátuas em madeira policromada da Virgem (século XVI) e da Virgem e o Menino (século XVIII), esta que é considerada milagrosa até se dizendo ser uma cópia fiel da primitiva dos Templários. No antigo cemitério dos leprosos anexo à capela, está uma cruz de data desconhecida que recebeu melhoramentos no século XVII mas cuja origem também é atribuída aos Templários.
Mercê da inclemência temporal, entretanto desapareceram outros testemunhos da presença Templária em Pléboulle, como foi o caso da capela de São João Baptista, demolida. O portal dessa acha-se no presbitério de Hénanbihen. Houve também uma esmolaria que pertenceu aos Templários, cujos responsáveis pela Ordem aqui foram: Henry du Vergier (em 1261), Pierre de Banhol (em 1286), Barthelemy Morlet (de 1302 a 1303), Sergent Hélio Raynald (de 1307 a 1308). O mosteiro da Santa Cruz de Montbran (assim denominado em 1201) foi igualmente uma possessão da Ordem do Templo.
Desse mosteiro da Santa Cruz ainda resta a torre dos Templários em Montbran, datada do século XII mas que foi alcunhada no século XVIII de “torre sarracena”, pretendendo a tradição popular que junto a ela os antigos cavaleiros-monges enterraram um tesouro. Octogonal por fora e circular por dentro, esta torre ergue-se no promontório que domina o vale de Frémur, próxima da antiga via romana ligando Aleth (Saint-Servan) a Carhaix. Coberta de vegetação e havendo o risco permanente de cair uma pedra, a visita a esta ruína é livre e gratuita apesar de estar numa propriedade privada.
Os Templários tiveram Santa Maria como o seu “maior Tesouro” por “estar presente no princípio e no fim da nossa Religião”, como consta da sua Regra, procurando a ressurreição espiritual pela Graça da Mãe Divina. É por isto que a lenda local diz que os Templários instalaram-se no alto lugar de Pléboulle e Montbran esperando com isso facilitar a sua ressurreição por estarem mais próximos do céu.
Sendo igualmente sinónima de Sabedoria fosse sob que forma cultual tivesse (Dana, Lusina, Cibele, etc.), Maria expressava a reunião de todos os saberes antigos e novos num tellos loci ou “lugar telúrico”, desde os tempos imemoriais assinalado pólo de atracção e concentração das várias correntes religiosas e espirituais do saber por que se buscava a Luz da Alma Universal assinalada na mesma Mãe Divina, sob que nome tivesse. Entra nisto Pléboulle (do latim Plebes Pauli, “Paróquia de Paul”), primitivo enclave mágico depois tomado e tornado enclave templário.
Tais enclaves como pontos nevrálgicos no mapa da Tradição Primordial onde a conquista espiritual era facilitada por maior “afrouxamento” da fronteira entre a Terra e o Céu, caracterizam-se como lugares de cultos remotos, encruzilhadas de pontos seculares de crenças, sítios mágicos para o comum das gentes, todos foram as metas secretas da Milícia Templária. Nesses enclaves que continha a mensagem da Sabedoria Ancestral, não reconheciam fronteiras territoriais, com a mesma não as tem.
O facto inúmeras vezes repetido de ser precisamente nesse tipo de lugares – pobres, agrestes, de acesso difícil – que se encontram os restos mais valiosos do Passado remoto, subentende que tais restos não correspondem tanto ao facto de neles se haver desenrolado noutros tempos a vida comunal, mas sobretudo por terem sido núcleos culturais, deliberadamente afastados dos centros populacionais pelo seu próprio carácter sagrado.
O sagrado acha-se intimamente ligado ao secreto. Isto porque o sentido da transcendência para o qual converge toda a crença religiosa e espiritual representa, para o ser humano comum, um mistério total intransponível. A crença originou o temor, ou melhor, é uma fonte desse temor: o medo último da morte e do que se possa encontrar por detrás dela. E esse mesmo medo visceral criou a dependência do homem comum em relação àqueles que tiveram – ou aparentaram ter – conhecimento certo do chamado Além, ou por outra, dos Mistérios da Vida, como foi o caso de vários Templários que além de ilustrados eram iluminados.
Esses Templários sabiam que existe uma realidade que nada tem a ver com o bem supremo nem com o mal mais abominável, embora seja atribuída a um ou outro segundo a circunstância imperante. O fundo dessa realidade é o conhecimento, um conhecimento sagrado em que o homem penetra muitas vezes e, quando o fez, vê-se inevitavelmente classificado de santo ou demónio, sem que chegue a ser uma coisa nem outra, mas um ser essencialmente humano que ousar levantar o “Véu de Ísis” em algum enclave cultural consignado pela Tradição.
Todos esses enclaves típicos das manifestações religiosas e espirituais ancestrais, significativamente estão representados nas áreas onde houve Mestrado Templário de um modo ainda mais específico, restrito e vivo. Observa-se isso na Bretanha Templária, cujos enclaves reclamados, desejados, exigidos pelo Templo, quase sempre duramente, custosamente conquistados, encontram-se sempre nas proximidades ou em contacto íntimo com esses lugares sagrados, com esses núcleos de magia milenar cuja intensidade é mais forte e se sente em toda a Pléboulle.

Capela Templária do Mestre Jacques (Saint-Alban)

Os “monges vermelhos” encontram-se um pouco por toda a parte na Bretanha. Eles são malditos. Envoltos em mortalhas e montados em esqueletos de cavalos, galopam à noite ao acaso nos bosques e a maldição abate-se sobre aquele que, por desgraça, cruze o seu caminho. Esses fantasmas maléficos são, nas crenças populares, aqueles dos antigos Templários.
Diz-se que a memória colectiva bretã atribui-lhes os crimes mais atrozes, e isto depois dos agentes de Filipe IV terem envenenado o povo com as maiores mentiras sobre a Ordem do Templo, cujas riquezas e poder esse rei francês ambicionava. Dessa má fama também não escapa a capela templária de Saint-Jacques em Saint-Alban, Bretanha Norte.
A construção deste templo de Saint-Jacques le Majeur é efectivamente atribuída aos Templários, donos da comenda de Saint-Alban de Verulam (mártir inglês do século III decapitado em Verulamium, na Grã-Bretanha) que é um desmembramento da paróquia primitiva de Pléneuf. A carta de aforamento de 1182 refere a aldeia próxima daqui, Hôtellerie, como propriedade do Templo, e a carta de aforamento de 1256 cita explicitamente esta capela e lugar como pertencendo à mesma Ordem.
Plantada sobre um antigo espaço cultual celta, esta capela foi utilizada pelos Templários como albergue dos peregrinos a Saint-Jacques de Compostelle que tinham de passar por este caminho gallo-romano de Aleth a Carhaix, já secularizado no tempo de Saint-Guillaume Volpiano ou de Cluny, que por volta do ano 1000 recebeu a hospitalidade em Saint-Alban do senhor de Coron. Por esta razão a capela foi consagrada a Saint-Jacques le Majeur.
Este templo românico gótico ainda conserva testemunhos artísticos cuja feitura se atribui aos próprios Templários: no interior, tem-se debaixo das arcadas uma escultura representando um javali perseguido por cães. Na sociedade tradicional celta o javali representava a autoridade espiritual detida pelo druida, o sacerdote dessa religião, pelo que os cães retratados dentro da capela serão os domini-cannes, os “cães do Senhor” como guardiões da própria Igreja, simbólicos dos próprios monges templários que perseguiam e asseguravam a legitimidade a autoridade espiritual daquela. No exterior, tem-se o grupo esculpido da “Virgem e do Menino” protegendo um peregrino compostelano, datado do início do século XIV.
Este caminho gallo-romano de Saint-Alban e Saint-Jacques e até mesmo a capela, diz a vox populi que aquele era percorrido por fadas e esta feita pelas mesmas. Depois de terem percorrido durante muito tempo outras partes do mundo, as fadas passaram a percorrer o caminho de Saint-Alban procurando um lugar para descansar eternamente. Como eram fadas cristãs, diz a lenda, começaram a construir uma capela para si. Mas uma manhã, enquanto procuravam materiais para a edificação do templo, encontraram no caminho uma pega morta, de patas para o ar. Procuraram uma mulher velha, sábia, e perguntaram-lhe o que significava aquilo. Ela respondeu-lhes que a eternidade terrena não existe ao contrário do que acreditavam. Então as fadas deixaram este lugar abandonando a sua obra. Desde esse dia nunca mais ninguém de Saint-Alban as viu e a capela de Saint-Jacques permaneceu inacabada.
As fadas como entes sobrenaturais que povoam a Natureza etérica, são uma maneira simples e até poética de exprimir a condição sobrenatural ou fora do comum que dotava a natureza dos peregrinos que passavam por Saint-Alban a caminho de Compostela, muito longe daí, na Galiza hispânica, cuja firmeza de vontade em chegar à meta era realmente sobre-humana. Por outro lado, refere-se aos conhecimentos avançados dos Templários sobre arquitectura e a maneira perfeita de construírem os seus edifícios, facto atribuído pelo homem vulgar a “forças sobrenaturais”. O facto da capela ter ficado inacabada tem uma explicação muito óbvia:
Até hoje há quem não saiba bem se esta capela de Saint-Alban era consagrada ao Apóstolo Saint-Jacques ou ao Mestre Jacques de Molay, que foi o último a ocupar o Mestrado Geral da Ordem do Templo. Isto porque no início do século XIV Jacques de Molay começou as obras de construção de uma torre dianteira da capela, mas que foram subitamente interrompidas com a prisão do Mestre e dos Templários em 13 de Outubro de 1307, por ordem de Filipe IV, e este domínio do Templo reverteu de imediato, quase instantaneamente, para o duque da Bretanha, Jean III. Este realizou algumas obras na capela, mas a torre ficou para sempre inacabada, possivelmente por os conhecimentos arquitectónicos dos Templários terem morrido com estes e o seu último Mestre.
Sem dúvida que se perdeu a chave do sentido real das lendas sobre o Templo na Bretanha, mas através das mesmas pode reter-se que os Bretões, herdeiros dos Celtas, vieram a associar na sua alma colectiva o vermelho, cor do fogo, aos próprios Templários, adeptos do Espírito Santo. A presença desses “monges vermelhos” (assim apelidados por causa da cruz vermelha que traziam estampada nos seus mantos e capas) é reencontrada essencialmente junto às suas antigas comendas outrora edificadas sobre lugares celtas, por vezes nas proximidades de menires e de dolmens, indo constituir além de enclaves sagrados igualmente mágicos.
Mais espantoso ainda: os Bretões atribuem frequentemente aos Templários santuários construídos muito depois da sua desaparição, ocorrida em 1312 com a abolição da Ordem pelo papa Clemente V. Neste caso, a origem do edifício é sempre misteriosa ou pelo menos obscura, e o lugar onde está é frequentado e venerado desde os tempos mais remotos. Isto significa que, apesar da desaparição da Ordem do Templo, poderá muito bem ter sobrevivido alguma facção operativa sua, ou então formada dentro dela tendo saído antes da abolição papal, possuída dos pressupostos saberes secretos ou esotéricos dos Templários sobre a arte arquitectónica, por exemplo, como foi o caso dos Monges-Construtores, a maioria beneditinos e clunienses a que pertenceu Saint-Bernard de Claraval, inspirador espiritual da Milícia de Cavaleiros-Monges.

O misterioso templo de Lanleff

Em Lanleff existe um monumento muito antigo que tem intrigado os estudiosos que não encontram uma resposta definitiva sobre quem o edificou e o que terá sido, mas sendo muitas as teorias e algumas delas bastante extravagantes.
Trata-se de uma construção circular formada por uma cintura dupla de muralhas, uma exterior e outra interior; aquela ocupa um espaço de trinta pés de diâmetro e a outra, construída a nove pés da precedente, é concêntrica. O muro interior desta é aberto por doze arcadas, cada uma com a largura de cinco pés e a altura de nove; cada arcada forma uma abóbada completa e é sustida lateralmente por pilastras de três pés, e cada um dos seus lados está decorado por numa coluna adossada de cinco polegadas. No muro exterior vêem-se doze aberturas de janelas que correspondem às doze arcadas do muro interior. Estas janelas são de tamanho e grandeza diferentes que minguam à medida que se avança para o fundo, sendo o espaço que as separa também decorado de colunas. Este monumento foi construído com bastante solidez e a pedra utilizada, o granito róseo, foi da melhor qualidade e beleza.
Está-se perante um edifício em labirinto, que hoje talvez servisse de vestíbulo à igreja sucursal. Realmente labiríntica e enigmática tem sido a sua presença até hoje.
Diz-se que foi construído pelos primitivos celtas bretãos para celebrarem os solstícios e equinócios durante os quais faziam a circunvalação ritual para o centro, ou então pelos gallo-romanos, ou ainda como um baptistério merovíngio. Poderia ser alguma dessas teorias, mas o facto é que o edifício não é tão velho quanto isso, logo, essas teorias ficam sem efeito. Também se diz que foi edificado pelos “monges vermelhos”, isto é, os cavaleiros templários, mas não há documento algum atestando casas da Ordem do Templo aqui, e logo outros dizem que não foram templários mas cavaleiros da Ordem de São João do Hospital quem de facto estiveram aqui, mas igualmente não há provas de tal… Em que se fica?
Este monumento de traça bizantina misturada à românica, constitui-se da rotunda de uma antiga igreja circular beneditina dedicada à Virgem Maria, como atesta uma carta de 1148 informando de uma doação feita à igreja de Santa Maria de Lanlem (o Lem é o antigo nome do rio Leff) dos monges beneditinos. Os especialistas pensam que ela foi construída nos finais do século XI ou no início do XII à imitação do Santo Sepulcro de Jerusalém, aceitando como prova a carta de do duque Conan IV que é a única a referir os templários como tendo em 1160 vários bens nesta parte do bispado de Tréguier, os quais terão andado de ligações com os beneditinos e lhes comunicado os conhecimentos orientais cuja arquitectura que veio a caracterizar este monumento que, de facto, é a réplica exacta da rotunda do Santo Sepulcro, em Jerusalém.
Igualmente a ciência etimológica dá Lanleff como fundada por eremitas cristãos, os quais foram os beneditinos dos primeiros séculos do cristianismo na Europa, pois que caracterizou-se então por um tipo eremita e anacoreta. Com efeito, Lanleff provém do antigo bretão lann, “eremitério”, passando a ser citado pelo nome actual nas cartas da abadia de Beauport a partir do século XIII.
O formato labiríntico do edifício vem a expressar o caminho cristocêntrico que caracterizou a vida monástica dos beneditinos medievais, ou seja, percorrerem interiormente o caminho tortuoso da sua condição humana, o que se representava no labirinto, até alcançarem o Grande Centro, ou seja, a derradeira União Mística com Cristo em suas consciências espirituais. O labirinto era uma combinação de dois motivos: o da espiral e o da trança, e exprimia uma vontade muito evidente de representar o Infinito sob os dois aspectos de que ele se reveste na concepção humana, isto é, o Infinito eternamente na mutação da espiral, pelo menos teoricamente, pelo que pode ser pensado como sem fim, e o Infinito do eterno retorno figurado pela trança, mas aqui pelo Sepulcro vazio do Salvador que entretanto ressuscitou e a humanidade dos fiéis procura o encontro final com Ele. Quanto mais difícil é a viagem pelo labirinto, quanto mais numerosos e árduos são os obstáculos, mais o adepto se transforma e, no decurso desta iniciação itinerante, adquire um novo ser.
É assim que o labirinto expressa o caminho que conduz o homem ao interior de si mesmo, a uma espécie de santuário interno ou escondido, no qual reside o mais misterioso e santo da pessoa humana, o seu Espírito Imortal. Pensa-se aqui em Mens Sana, “Mente Sã”, o Templo do Espírito Santo na alma em estado de graça. A chegada ao centro do labirinto, como ponto final de uma iniciação, introduz o iniciado numa “cripta ou cela invisível”, representação simbólica do seu próprio Ser Espiritual com quem se une marcando o final do caminho cristocêntrico, como testemunham estas misteriosas ruínas do templo-labirinto de Lanleff.
O apelo beneditino a uma vida desprendida da cobiça material e que fazia parte da sua catequese humanista junto do povo simples deu lugar à lenda da “troca com o Diabo”, que ainda hoje corre em Lanleff e conta assim:
Uma pobre e infeliz mulher fez uma troca com o Diabo: o seu filho em troco de moedas de ouro. Lúcifer aceitou de imediato o negócio e depositou um punhado de moedas na borda da fonte próximo do templo de Lanleff, pois que desejava a criança para si. Quando a mãe indigna foi recolher o dinheiro, ela queimou-se gravemente: das moedas saíam as chamas do Inferno. Com gritos de dor ela afastou-se abandonando as moedas de ouro que se incrustaram para sempre no granito da borda. Quem desde então passa por Lanleff e vai à fonte, se molhar a sua borda pode ser que as 14 moedas de ouro apareçam. Mas deve reflectir bem antes de as ver e as tocar…

O “Lapidário” de Marbod de Rennes

A catedral de Rennes, capital da Bretanha, ainda hoje evoca aí a presença de um dos mais famosos hagiógrafos da Antiguidade que à cultura megalítica pré e proto-histórica bretã substituiu por um singular Lapidário judaico-cristão que foi dos mais famosos da Idade Média: Marbod, Marbodus ou Merboldus (Angers, 1035 – Rennes, 1123).
Este famoso teólogo beneditino Marbod de Rennes, em cuja catedral foi bispo em 1096 nomeado pelo Papa Urbano II (1088-1099), pouco antes dessa data redigiu aí o seu Lapidário (Liber Lapidum) depressa traduzido para outras línguas, incluindo a hebraica, e a sua enorme celebridade tornou-o o modelo obrigatório dos tratados ulteriores sobre minerais.
O Liber Lapidum ou Lapidibus, importante Lapidário hexamétrico escrito em latim, trata das virtudes e propriedades terapêuticas das pedras preciosas ou gemas, sendo composto de um prólogo, 60 estrofes consagradas cada uma a uma pedra, e um epílogo onde justifica o seu termo latino Lapidum para designar o seu tratado, que hoje a Biblioteca de Geociências da Universidade de Rennes possui uma cópia da tradução do mesmo.
As virtudes terapêuticas das gemas preciosas, atribuindo-lhes até propriedades miraculosas, são descritas pelo bispo Marbod nos seguintes e literais exemplos:
A ágata é boa para a vista;
O jaspe é soberano contra a febre;
A safira rejuvenesce o corpo, tranquiliza as almas receosas e alivia as cóleras do céu;
A esmeralda é útil aos advogados e devolve a razão aos insensatos;
O berilo é utilizado contra perturbações do fígado e para evitar rompantes intempestivos;
A ametista evita a ebriedade.
Esses são exemplos da enorme quantidade de propriedades terapêuticas das pedras preciosas catalogas por Marbod, o primeiro a sistematizar a gemologia ou ciência que estuda as gemas minerais, mas aí acrescida do sentido taumatúrgico característico da mentalidade mágica medieval, muito mais no ambiente bretão da época ainda trescalando por toda a parte a presença da religiosidade céltica dos druidas, para quem os minerais e vegetais possuíam sempre propriedades sobrenaturais associadas aos deuses do seu panteão, que eram quem as atribuía.
Em geral, distinguem-se três tipos de lapidários: os lapidários mágicos ou astrológicos, que Marbod expõe recorrendo à heterodoxia das crenças astrolátricas celta e judaica; os lapidários simbólicos cristãos, que ele sistematiza associando as virtudes de cada gema a cada um dos Apóstolos de Cristo, ficando o ouro para Este mesmo, tomando por fonte de inspiração as pedras preciosas de que se compõe a Jerusalém Celeste descrita no Apocalipse (21:18-22); os lapidários científicos, e nisto ele pretendeu dar sistematização científica à gemologia, no que terá tido êxito por a sua obra ser a mais popular da literatura científica medieval.
Neste seu Lapidário Marbod de Rennes estabelece a relação entre o Cristianismo e o Judaísmo ao interpretar as doze gemas do peitoral do Sumo-Sacerdote do Templo de Jerusalém e a relação das mesmas com as 12 tribos de Israel, dando consecução literária ao que era usual na liturgia católica medieval, ou seja, costumava-se colocar ao lado do racional estufado um peitoral de metal imitado directamente do “Peitoral do Julgamento” do Sumo-Sacerdote (Kohen Gadol), ordenado canonicamente conforme está descrito no Antigo Testamento, em Êxodo 28: 15-29.
O Sumo-Sacerdote da religião judaica tinha como insígnia maior da sua função de supremo testemunho da vida e julgador da morte ou destino das 12 tribos de Israel, o peitoral, que era uma bolsa de 22 cm2 feita de material formosamente tecido. Na frente do peitoral foram firmadas as doze pedras preciosas em quatro filas de três, e em cada uma destas pedras foi gravado o nome de uma das tribos de Israel:
Primeira fileira: Rubi – Ruben; Esmeralda – Simeão; Topázio – Levi.
Segunda fileira: Carbúnculo – Judá; Safira – Isaac; Diamante – Zebulão.
Terceira fileira: Jacinto – Dan; Ágata – Naftali; Ametista – Gad.
Quarta fileira: Crisólito – Asher; Ónix – José; Jaspe – Benjamim.
No Cristianismo, a racional ou peitoral era uma peça ornamental que caiu em desuso; consistia em duas peças rectangulares ornamentadas, uma sobre o peito e outra sobre as costas, ligadas por ombreiras circulares, ou em gola; gozou de popularidade na Alemanha a partir do século XII. Este paramento era um tanto semelhante a uma peça de indumentária usada pelos sumos sacerdotes judeus dos tempos bíblicos. A racional era um paramento característico dos arcebispos de Reims, considerados como os sucessores dos sumos sacerdotes de Israel, devido ao privilégio de sagração dos reis franceses. Também era usada pelos bispos de Liége e de Toul.
Dispondo-se o peitoral ao lado da racional na primitiva liturgia católica, significava que assim eram unidas simbolicamente as Escrituras Velha e Nova, os Profetas e os Apóstolos, respectivamente representados por Jacob, “pai” de Israel e da Jerusalém Terrestre, e por Cristo, “pai” da Palavra e da Jerusalém Celeste, aos quais os antigos davam o atributo do Sol e do ouro, ficando os Apóstolos relacionados a signos astrológicos em simpatia com as doze gemas preciosas descritas. O peitoral cristão no altar vinha a descrever:
Primeira fileira: Carneiro – Pedro; Touro – Lucas; Gémeos – Tomé e Judas Tadeu.
Segunda fileira: Caranguejo – Judas Iscariotes; Leão – Marcos; Virgem – Simão Cananeu.
Terceira fileira: Balança – Bartolomeu; Escorpião – Mateus; Sagitário – Filipe e André.
Quarta fileira: Capricórnio – Paulo; Aquário – João; Peixes – Tiago Maior e Tiago Menor.
As pedras preciosas acabam sendo o símbolo da transmutação do opaco em translúcido, e num sentido espiritual, das trevas em luz, da imperfeição em perfeição. É assim que a Nova Jerusalém é toda revestida de pedrarias, significando que dentro desse universo novo todas as condições e todos os níveis de existência terão passado por uma transmutação radical no sentido de uma perfeição sem igual na Terra de hoje e de natureza toda luminosa ou espiritual.
Essa foi a mensagem de Advento que Marbod de Rennes, o implacável acusador público das consciências pecaminosas do seu tempo, pretendeu transmitir no seu Lapidário. E em certa medida conseguiu.

Fonte:http://lusophia.portugalis.com/

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