A INICIAÇÃO CRISTÃ




O termo ‘iniciação’ – Hoje, o termo ‘iniciação’ não nos é mais habitual. Ele nos remete instintivamente às religiões mistéricas da época helenista, por exemplo, culto de Mitra, quase contemporâneo à entrada do cristianismo em Roma.



Na realidade, a iniciação cristã se refere às etapas indispensáveis para entrar na comunidade eclesial e no seu culto em espírito e verdade.



As catequeses dos Padres nos demonstram que a explicação em pormenores dos ritos ocorria quando os catecúmenos já haviam passado pela experiência vital dos sacramentos da iniciação. Esta catequese era essencialmente ‘mistagógica’.



‘Iniciação’ significa também inicio, ingresso em uma vida nova, justamente a vida do homem novo no seio da igreja. Como em toda vida, também aqui temos progresso por meio de etapas que – neste caso – são representadas pelos sacramentos da iniciação.



A antiga tradição da igreja viveu esta iniciação aos três sacramentos exatamente como iniciação a todos os três juntos: eles eram conferidos em celebração única, mesmo às crianças. A sucessão dos três ritos nos é descrita desde o séc. II em texto já clássico de Tertuliano: “O corpo é lavado, para que a alma seja purificada; o corpo é ungido para que a alma seja consagrada; o corpo é assinalado (com o sinal da cruz) para que a alma seja fortificada; o corpo é sombreado (pela imposição das mãos) para que a alma seja iluminada pelo Espírito Santo; o corpo é alimentado com o corpo e sangue de Cristo para que a alma se nutra de Deus”.



Teologia bíblica e liturgia do nexo entre estes três sacramentos – para estudar o vínculo que mantém unidos os três sacramentos da iniciação, o melhor modo não é aquele – frequentemente usado – que parte da analise dos efeitos, mas antes o que tem presente a ação do Espírito na historia da salvação e o plano de Deus para a restauração da aliança.



O Espírito está tipologicamente presente desde a criação do mundo em unidade. A criação já se apresenta como sinal do amor de Deus e da aliança, como sinal de unidade: unidade entre as criaturas infra-humanas; unidade entre o homem e estas criaturas que obedecem a vontade de Deus e lhe dão louvor através da mediação do homem; unidade do homem consigo mesmo, sendo o seu corpo como que a ‘tradução’ da alma; unidade do homem com Deus, a ponto de ser sua imagem. O pecado intervém para destruir esta unidade e é a origem da divisão, o que leva Orígenes a concluir: “Ubi peccatum, ibi multitudo”. Mas o AT não se cansa de mostrar-nos Deus empenhado e comprometido em restabelecer a aliança e a unidade do mundo.



Em sintonia com a tradição testemunhada por muitíssimos Padres podemos afirmar que na confirmação também nós recebemos, depois do ‘ser’ segundo Deus (batismo), o ‘agir’ segundo sua vontade, isto é, somos designados e destinados a anunciar com o nosso testemunho e, sobretudo com a celebração da eucaristia – que é a realização do mistério pascal – a morte e a ressurreição do Cristo, a reconstrução do mundo inaugurada pelo Espírito no dia de pentecostes com a constituição da igreja. Por meio destas considerações é fácil compreender quanto os três sacramentos da iniciação estão intimamente ligados entre si.





A evolução histórica da iniciação cristã



Do séc. I ao V – a. A época apostólica – esta época oferece-nos poucos dados precisos sobre a iniciação cristã: não há descrição que se refira à preparação para os três sacramentos; sabemos, porém, que toda a pregação dos apóstolos tem como fim a fé e o batismo (Mt 28, 19-20; Mc 16,15-16; At. 2, 14-36; 8, 12-36; 10, 34-43; 16, 13-14; 18,5; 19, 4-5). O batismo entra evidentemente no ensinamento dos apóstolos que o distinguem do batismo de João (Mt 3, 11; Mc 1, 8; Lc 3, 16; Jô 1, 33; At. 19, 1-5). O batismo de João é rito de conversão (Mt 3, 13-17; Mc 1, 9-11; Lc 3, 21-22; Jô 1, 32-34), mas o Cristo, ao recebe-lo, transformou-o, fazendo-o passar de rito de purificação para dom da vida nova (Jô 3, 5-6).



Do séc. II ao V – nos escritos de Justino – estamos no ano 150 – constatamos que, para administrar o batismo são necessários dois elementos: a catequese e, quando o batismo já se acha próximo, a oração e o jejum. Este jejum era provavelmente prescrito para a quarta e a sexta-feira, como é atestado pela Didaque.



No séc. III, o tempo de preparação ao batismo tem organização própria: os catecúmenos, na verdade, para ele se preparam geralmente durante o período de três anos: é o que atesta Hipólito de Roma na sua tradição apostólica. Tertuliano exorta os catecúmenos a se prepararem para o batismo “com orações assíduas, jejuns, prostrações e vigílias”. Ele distingue nitidamente o batismo com a água do dom do Espírito que se recebe com a imposição da mão; assim sendo, no batismo ele parece ver somente o efeito negativo: a remissão dos pecados, pois o Espírito é dado com a imposição da mão.



Do séc. VI ao X – para este período possuímos duas importantes fontes sobre a iniciação cristã em Roma. A primeira é uma carta que o diácono João – talvez o futuro papa João I (523-526) – escreve a Senário, funcionário de Ravena, respondendo ao pedido de uma exposição sobre o assunto. A outra é o sacramentario Gelasiano que contém além dos textos para a iniciação, também algumas indicações rituais. Ao Sacramento Gelasiano está unido um texto que é adaptação dele e seu contemporâneo: o Ordo romanus XI.



A carta do diácono João a Senário – Não só enumera os ritos, mas também tenta fazer uma interpretação deles: daí a sua grande importância. Nesta carta são descritos com particular atenção os ritos do catecumenato. É importante realçar a formulação do diácono João: “quare tertio ante pascha scrutentur infantes”. Trata-se, portanto, de iniciação que se fará na páscoa; existem três reuniões, que tomam o nome de “escrutínios”.



Do séc. X ao Vat. II – mesmo havendo abandonado as varias “traditiones” (entregas), o pontifical da cúria romana do séc. XIII ainda conservava a recitação do Pater e do Credo. Constatamos, porém, a presença de toda uma série de acréscimos que tornam o rito bastante complexo e desconexo: acréscimos de sinais-da-cruz e multiplicação de exorcismos e de outros elementos isolados tomados de empréstimo de vários Ordines. Deste modo, alguns ritos são repetidos pelo menos duas vezes. No séc. XI a entrega da veste branca ao batizado, que é rito antiqüíssimo, passa a ser acompanhada de oração de origem franca, e no Ordo de Jumiège, do mesmo século, entrega-se ao batizado uma vela, rito que o pontifical romano do séc. XII porá em evidência. No séc. XIV, o batismo por imersão é raro e já se generalizou o batismo por infusão.







A iniciação no oriente



A evolução histórica do ritual do catecumenato no oriente reflete a experiência ocidental. Quando passaram a ser batizadas exclusivamente as crianças, desapareceram os ritos do catecumenato, que foram integrados no ritual batismal. Para alguns ritos ficara reservada particular atenção; entre eles o da renúncia foi comentado por inúmeros Padres da igreja oriental. A renúncia compreendia dois momentos: o primeiro, negativo, consistia em rejeitar o demônio, e era simbolizado pelo escarro lançado na direção do ocidente (apotáxis); o segundo positivo consistia na adesão a Cristo, dirigindo o olhar para o oriente (syntáxis).



O rito do Vaticano II



O Vat. II, ao querer fazer sua reforma litúrgica no campo da iniciação, viu-se diante da necessidade de revisão profunda; mas esta revisão, se de um lado podia ser facilitada pelas edições existentes de muitíssimas fontes litúrgicas, de outro lado tornava-se difícil por causa das discussões teológicas – sobretudo sobre a confirmação – e por certas tomadas de posição pastorais.



Quanto ao batismo das crianças, não bastava certamente ‘ajustar’ o que se fizera anteriormente em rituais como o de Paulo V (1614). Devia-se, ao invés, enfrentar uma situação real, não mais permitindo batizarem adultos e crianças, segundo o uso de outros tempos, com os mesmos ritos e as mesmas fórmulas. Outro problema era preciso restabelecer o sentido da iniciação cristã na sua globalidade, isto é, redescobrir o sentido do sacramento realizado em três etapas sacramentais, problema este que se tornou particularmente difícil devido a algumas situações pastorais. Além do mais, era preciso provocar, pelo menos uma tomada de consciência sobre a unidade entre os três sacramentos.



Foi para corresponder a estas exigências que a reforma litúrgica pós conciliar preparou o rito da iniciação cristã dos adultos (RICA) e o novo rito do batismo das crianças (RBP). Este último em particular é uma criação totalmente nova e, mesmo restringindo-se apenas ao rito do batismo, estabelece as premissas para a ‘iniciação cristã das crianças’, abrangendo também a confirmação e a eucaristia, como deduzimos do fato que ele começa com a introdução geral sobre toda a iniciação cristã. (Essa introdução geral foi depois inserida também no início do RICA).



A eucaristia como sacramento da iniciação



Como antigamente, também hoje no ritual para a iniciação dos adultos está prevista e é considerada normal a participação dos neófitos à eucaristia. Na sua caminhada em direção ao altar, conclusão obrigatória da sua iniciação, outrora os neófitos eram acompanhados pelo canto dos salmos 22 e 44. S. Ambrosio, comentando o salmo 22, vê na eucaristia o sacramento que nos faz “entrar” definitivamente no corpo de Cristo. O batismo e a confirmação nos dão a possibilidade de incorporar-nos definitivamente no corpo do senhor; são a preparação indispensável àquilo que na eucaristia encontra seu cumprimento pleno.



Atenta à exigência da responsabilidade, a pastoral atual optou para que também a confirmação seja recebida com plena consciência. Em tal sentido deve ser considerada a opção de deslocar a confirmação para a idade mais madura. Acha-se que, se a criança pequena consegue compreender o sentido da eucaristia, lhe é mais difícil compreender o que é a confirmação.





Catequese e pastoral litúrgica



Como já recordamos o OBP com razão insistiu na necessidade de transmitir uma catequese preparatória aos pais e aos padrinhos e madrinhas dos candidatos ao batismo; infelizmente, porém, não apresentou sugestão alguma de conteúdo e de forma sobre o assunto. Estas sugestões ou indicações podem ser obtidas por meio de uso inteligente do OICA.

Podemos pensar em uma série de cinco reuniões, para as quais se utilizarão as liturgias da palavra dos cinco domingos da quaresma do ciclo A, mesmo fora do tempo quaresmal. Cada domingo oferece um quadro excelente em que a catequese pode inspirar-se.



As cinco celebrações sugeridas podem ser enriquecidas com orações contidas no OICA, tendo-se o cuidado de adaptar cada coisa à situação concreta dos pais.



Como o sacramento da iniciação, a eucaristia é conferida aos adultos em estreita conexão com o batismo e a confirmação. Para as crianças, porém, o uso latino atual prevê a primeira comunhão na idade da razão e somente mais tarde a confirmação. Em todo caso, surge o problema da confissão e da comunhão.



A igreja tem manifestado o desejo de que antes da primeira comunhão as crianças celebrem a confissão. Não há dificuldade alguma para a catequese a respeito desta penitencia, entendida como segunda penitencia, ligada à primeira penitencia que é o batismo.



A dificuldade maior surge a propósito da catequese sobre a eucaristia, quando se trata de explicar a relação que liga a primeira comunhão ao batismo e a confirmação. Todavia o próprio s. Tomás ensina que cada um de nós tem com a eucaristia uma relação que depende da situação em que se encontra. Assim sendo, a catequese em preparação à primeira comunhão anterior à recepção da confirmação poderá insistir na eucaristia como alimento e sustento do caráter recebido no batismo; ao passo que a catequese que tem como objetivo a primeira eucaristia recebida depois da confirmação verá a própria eucaristia como atividade do ‘sacerdócio’ de cada batizado, explicitado no ‘confirmado’ mediante a unção do Espírito.










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