BHAGAVAD-GITA : A ESSÊNCIA DO CONHECIMENTO VÉDICO

  
Os Vedas são a fonte original de todo e qualquer conhecimento e sua origem é transcendental. Desse modo, não há ramo de conhecimento material ou espiritual que não esteja contido nos textos védicos originais. O conhecimento de uma pessoa sob a influência da energia material está sempre sujeito a quatro tipos de defeitos: sua mente e intelecto têm a forte tendência de se iludir, seu comportamento está sempre manchado de erros, seus sentidos de percepção são defeituosos e limitados e, para satisfazer seus interesses pessoais, ela é capaz de enganar as outras pessoas. Na verdade, é comum que uma pessoa na plataforma material manifeste um ou mais destes defeitos de uma só vez. No entanto, devemos compreender que o conhecimento védico não possui nenhum destes defeitos, pois foi transmitido pela Pessoa Suprema – uma fonte completamente transcendental. O receptor original deste conhecimento foi o primeiro ser vivo, o Senhor Brahma, o qual existiu antes mesmo da criação material. Brahmaji foi dotado de poder pelo Senhor para criar o mundo material com o propósito de dar uma nova oportunidade às almas condicionadas que não alcançaram a liberação na criação anterior. Depois de cumprir esta missão, Brahma transmitiu este conhecimento védico ao sábio Narada que, por sua vez, o transmitiu a seu discípulo Vyasadeva que, com o propósito de preservá-lo, registrou-o na forma literária.
  Uma vez que os Vedas têm como propósito último fornecer conhecimento sobre a auto-realização espiritual, os seus temas são compreendidos apenas por pessoas com excepcionais qualidades de bondade, e não podem compreendê-los as pessoas sob a influência da paixão e da ignorância. Por este motivo, no início da era de Kali, o grande sábio Vyasa dividiu os Vedas em vários ramos, tornando-os acessíveis às pessoas menos inteligentes, situadas na paixão e na ignorância. Especialmente, o sábio Vyasa preparou o Mahabharata, uma compilação admirável repleta de histórias que prendem a atenção de qualquer tipo de pessoa, e, dentro do Mahabharata, incluiu a essência do conhecimento védico na forma do Bhagavad-gita. A realidade é que as pessoas comuns se interessam muito mais por histórias fascinantes do que por filosofia profunda. Assim, Vyasadeva compôs o Mahabharata, e prendeu a atenção dos leitores menos inteligentes com a incrível história da disputa pelo trono entre as dinastias Kaurava e Pandava. O interessante é que no momento mais crítico da história, exatamente quando a Batalha de Kurukshetra está por começar, o Senhor Krishna entra em cena e transmite Sua mensagem maravilhosa, ou seja, o Bhagavad-gita. Na verdade, toda a trama política e envolvente do Mahabharata não passa de um arranjo divino para prender a atenção dos leitores para que o Senhor Krishna possa derramar um oceano infinito de instruções sublimes sob a forma do Bhagavad-gita, o resumo da verdadeira essência dos Vedas.
  As próprias escrituras védicas não se cansam de glorificar as qualidades singulares do Bhagavad-gita. Isto porque o Bhagavad-gita emanou diretamente da boca da maior autoridade em conhecimento, Sri Krishna, o qual é glorificado em todos os Vedas como Mahaprabhu, o Mestre Espiritual Supremo, e Purushottama, a Maior de Todas as Personalidades. Devemos ser entusiastas em estudar o Bhagavad-gita e compreender que ele é a manifestação da ilimitada bondade do Senhor, que, em apenas 700 versos, apresentou toda a essência do conhecimento contido em todos os Vedas.
  Nesta era atual, as pessoas têm uma curta duração de vida e não são muito entusiastas e qualificadas para estudar a imensidão de textos védicos, tais como os Puranas, Upanishads, Vedanta-sutra, etc. Desse modo, ao estudarem simplesmente o Bhagavad-gita, todos poderão se elevar ao estado de sabedoria e iluminação transcendental. Portanto, assim como os Vedas, o conhecimento apresentado no Gita é eterno e imaculado e se destina ao homem fiel que tem o desejo sincero de compreender o tema de como se livrar das garras da existência material e alcançar uma existência eterna e plena de felicidade. O Bhagavad-gita é o primeiro livro de valores espirituais e eleva o seu estudante para que ele possa iniciar seu estudo da filosofia Vedanta para, finalmente, ingressar no bhagavata-dharma, ou seja, serviço devocional amoroso ao Senhor.
  Segundo os Vedas, o cosmos material se manifesta em ciclos de quatro eras: Satya, Treta, Dvapara e Kali. A era de Satya é caracterizada pelas boas virtudes e todos os seres humanos que vivem na Terra são repletos de qualidades divinas. Na era de Treta, há um declínio das virtudes e a Terra passa a abrigar ao mesmo tempo seres divinos e seres demoníacos. Na era de Dvapara, o aumento da irreligião e da impiedade se acentua e o divino e o demoníaco passam a viver na mesma família. Finalmente, na era de Kali, ou era das trevas, há um predomínio total de irreligião, hipocrisia e desavenças, e a natureza divina e demoníaca habitam lado a lado no mesmo corpo.
  Desse modo, foi há cinco mil anos, entre o final da era de Dvapara e o começo da era de Kali, que a Pessoa Suprema, Bhagavan Sri Krishna, veio à Terra e transmitiu para Arjuna este conhecimento sublime do Bhagavad-gita, removendo, assim, todas as suas dúvidas, ansiedades e lamentações. O cenário do Bhagavad-gita foi o campo sagrado de Kurukshetra, minutos antes da batalha mais violenta já registrada pela história dos últimos tempos. Naquela época, a Terra e seus habitantes estavam sendo atormentados pela influência perturbadora de indivíduos materialistas e cobiçosos e, como é confirmado no Capítulo Quatro do próprio Bhagavad-gita, em tais situações, o próprio Senhor sempre desce a este ou qualquer outro planeta para eliminar os elementos indesejáveis e proteger diretamente as pessoas piedosas.
  Sendo um companheiro eterno do Senhor Krishna, o guerreiro Arjuna está sempre livre de qualquer classe de ilusão. Entretanto, ele foi colocado em ilusão pessoalmente pelo Senhor, porque o Senhor desejava transmitir os ensinamentos do Bhagavad-gita para as futuras gerações. Desse modo, representando o papel de uma pessoa absorta em sofrimento material, Arjuna pôde formular perguntas relevantes sobre os verdadeiros problemas da vida.
  Devemos entender que Arjuna está representando a nossa posição, pois, quer compreendamos ou não, na existência material convivemos frequentemente com ansiedades e temores. Portanto, temos de primeiramente seguir o exemplo de Arjuna que admitiu sua incapacidade de, sozinho, solucionar os problemas que surgiram diante dele no Campo de Batalha de Kurukshetra. Depois disso, temos de aceitar o abrigo do Senhor e seguir Suas instruções divinas, independente do nível de educação ou inteligência que possamos ter. A realidade é que não temos a capacidade de encontrarmos as devidas soluções para os problemas que surgem na vida, pois, em nossa vida prática, é como se estivéssemos no Campo de Kurukshetra, onde a batalha entre o bem e o mal acontece a todo momento. Arjuna mostrou-nos que, se quisermos vencer esta grande batalha interna, temos de nos armar com o conhecimento transcendental do Bhagavad-gita, o qual não foi destinado apenas ao guerreiro. Na realidade, tais instruções sublimes não se aplicam apenas àquele momento ou lugar específico, mas servem para todos os tipos de pessoas, em todas as épocas e lugares. Isto significa que, ainda hoje, se uma pessoa for inteligente o bastante para compreender o Bhagavad-gita do mesmo modo que Arjuna o compreendeu, ela será tão beneficiada como Arjuna, o qual estava na presença pessoal do Senhor.
  Faz parte do conhecimento transcendental compreender que, uma vez que o Senhor é absoluto, não existe diferença entre Ele e Suas instruções. Materialmente falando, a associação entre uma pessoa e outra depende do contato pessoal físico, mas na plataforma espiritual a situação é diferente. Na verdade, o Senhor Krishna transmitiu estes ensinamentos sublimes, os quais foram registrados pelo grande sábio Vyasadeva, para que sempre tenhamos a oportunidade de estar recebendo instruções do Senhor mesmo que Ele esteja fora de nossa visão material. Por si sós, nossos sentidos materiais limitados nunca nos darão acesso à compreensão do Senhor ilimitado. Entretanto, justamente por ser ilimitado, o Senhor pode Se revelar mesmo àqueles que possuem sentidos limitados, pois, caso Ele não pudesse, o próprio Senhor também seria limitado como um de nós.
  O Senhor possui poderes inconcebíveis. Desse modo, sendo uma das energias do Senhor, a energia material pode ser espiritualizada pelo Seu desejo transcendental. Desse modo, a representação de uma escritura como o Bhagavad-gita é uma representação sonora autêntica do Senhor e é especialmente destinada à percepção sensorial que possuímos neste momento.

Fonte:ChandramukhaSwami-http://gita.vraja.net/




Bhagavad Gita


A epopéia Mahâbhârata, de que faz parte o Bhagavad-Gîtâ, foi compilada na forma atual entre os séculos 5 e 1 a.C.
A epopéia se reporta à grande Índia de outrora, unificada política e culturalmente, estendendo-se do Himalaia ao cabo Camorim.
Os kurus formavam um importante kula (clã) dessa época. Quando seu rei Dhritarâshtra, o rei cego, envelheceu, decidiu ceder o trono, não a seu filho Duryôdhana, mas ao primogênito de seu irmão Pându, Yudishtira; pois Duryôdhana, dado ao mal, não era digno de governar. Mas Duryôdhana apoderou-se do trono através de intrigas e traições e tratou de tentar liquidar Yudishtira e seus quatro irmãos.
Krishna, o Deus encarnado, chefe do clã Yâdava, amigo e parente dos kurus, tentou reconciliar os dois partidos, reclamando para os príncipes pândavas apenas cinco cidades. Duryôdhana recusou-se a entregar sem luta a menor parcela de terra. Tornou-se então necessário combater pela justiça e pelo direito. Todos os príncipes da Índia tomaram um ou outro partido. Krishna, imparcial, ofereceu uma escolha aos dois partidos: Duryôdhana escolheu ter aos seu lado todo o exército de Krishna, enquanto que o próprio Krishna, sozinho, passou para o outro campo, não como guerreiro, mas como simples condutor do carro de Arjuna.
Drôna, que instruíra os kurus e os pândavas na arte militar, tomou o partido de Duryôdhana, porque seu velho inimigo Drupada escolhera o outro campo. Bhîshma, tio-avô dos príncipes kuravas e pândavas, o homem que sempre vivera em castidade e era o homem mais forte de seu tempo, era o chefe do partido que tentara reconciliar kurus e pândavas. Quando fracassaram as tentativas pacíficas e a guerra tornou-se inevitável, ele decidiu, depois de examinar escrupulosamente seus deveres e sua obrigação, tomar o partido de Duryôdhana. Sabia que este estava errado e se a batalha envolvesse apenas os dois ramos da mesma família, teria permanecido neutro; mas quando viu que todos os antigos inimigos dos kurus estavam se aliando aos pândavas, decidiu lutar apenas dez dias ao lado de Duryôdhana e depois se retirar para uma morte voluntária (obtida por meios não violentos).
Do ponto de vista estritamente militar, o exército de Duryôdhana era claramente superior ao de seu adversário. Mas esta superioridade era compensada pela presença de Krishna no campo oposto.
Sanjaya, o condutor do carro do velho rei Dhritarâshtra, relata-lhe o que aconteceu no campo de Kurukshetra, onde os dois exércitos se reuniram para uma luta sem precedentes na história da antiga Índia.
É então que começa o Bhagavad-Gîtâ, o Canto Divino, assim chamado por conter as palavras de Krishna, a divindade encarnada, e por ensinar o homem a elevar-se acima da consciência humana, até uma consciência divina superior, realizando desta forma na Terra o reinado dos céus.

Canto I
IGNORÂNCIA E SOFRIMENTO DE ARJUNA
Fala Krishna:
25. Eis aí reunidos os parentes dos Kurus!
Fala Sanjaya (o narrador):
26. Então viu Arjuna, nos dois exércitos, homens ligados a ele pelos vínculos do sangue: pais, avós, mestres, primos, filhos, netos, sogros, colegas e outros amigos - todos armados em guerra contra ele:
27. Com o coração dilacerado de dor e profundamente condoído, assim falou ele:
Fala Arjuna:
28. Ó Krishna! Ao reconhecer como meus parentes todos esses homens, que devo matar, sinto os meus membros paralisados, a língua ressequida no paladar, o coração a tremer e os cabelos eriçados na cabeça... Falha a força do meu braço... Cai-me por terra o arco que tendera...
29. Mal me tenho em pé... Ardem-me em febre os membros... Confusos estão os meus pensamentos... A própria vida parece fugir de mim...
30. Nada enxergo diante de mim senão dores e ais... Que bem resultaria daí, ó Keshava (um dos muitos apelidos de Krishna), se eu trucidasse os meus parentes?
31. Não, Krishna, não quero vencer. Não quero, deste modo, conquistar soberania e glória, riqueza e prazer.
32. Ó Govinda, como poderia semelhante vitória dar-me satisfação? Como me compensariam esses espólios da perda que sofreria? E que gozo teria ainda a minha vida, se a possuísse pelo preço do sangue dos únicos que me são caros, e sem os quais a vida me seria sem valor?
33. Avós, pais e filhos, aqui os vejo. Mestres, amigos, cunhados, parentes - não, não os quero matar, ó Senhor dos mundos! Nem que eles anseiem por derramar o meu sangue.
34. Não os matarei, Madhusudana, ainda que com isto lograsse domínios sobre os três mundos - menos ainda me seduz a posse da terra.
35. Dores somente me caberiam por semelhante mortandade.
36. Mesmo que os filhos dos Dhritarashtras sejam pecadores, sobre nossa cabeça recairia a culpa, se os matássemos. Não, não é lícito matá-los. E como poderíamos ser felizes, sem os nossos parentes, ó Madhava?
37. E se eles, obsedados de cobiça e cólera, não vêem pecado na rebeldia e no sangue derramado,
38. Como poderíamos nós fazer o mesmo, ó Santo? Nós que vemos pecado em matarmos nossos parentes?
39. Quando uma tribo se corrompe, perece a piedade, e com ela perece o povo - a impiedade é contagiosa!
40. Corrompe a mulher, mesclando o puro com o impuro, e abre-se o inferno ao destruído e ao destruidor.
41. Até as divindades, privadas dos sacrifícios, tombam dos céus.
42. E essa mescla de puros com impuros produz a ruína das famílias.
43. E o destino do destruidor é o inferno, consoante as escrituras.
44. Ai, que desgraça seria se trucidássemos nossos parentes, levados pela ambição do poder!
45. Bem melhor seria se nos rendêssemos aos inimigos armados e nos deixássemos matar na luta, sem armas nem defesa.

Assim dizendo, em pleno campo de batalha, deixou-se Arjuna tombar no assento da carruagem, e das mãos lhe caíram arco e flechas, porque trazia o coração repleto de amargura.
Canto II
REVELAÇÃO DA VERDADE
Fala Sanjaya:
1. A ele, que estava repleto de amargura e com os olhos cheios de lágrimas, dirigiu-se Madhusudana e o consolou com as seguintes palavras:
Fala Krishna:
2. Neste momento decisivo, ó Arjuna, por que te entregas a semelhante desânimo, indigno de um Ariano e que te fecha os céus?
3. Não cedas à fraqueza, que de nada serve. Enche-te de coragem contra teus inimigos e sê o que realmente és!
Fala Arjuna:
4. Mas, como posso lutar, ó Madhusudana, e lançar flechas contra Bhisma e Drohna, que ambos merecem reverência e simpatia?
5. Bem melhor seria comer pão mendigado neste mundo do que trucidar esses grandes chefes. E, se os matasse, manchado de sangue, que seriam toda minha riqueza e os prazeres da Terra?
6. Melhor seria sucumbir às mãos deles, donde deriva gozo e felicidade, do que matá-los, a esses, sem os quais não teria fim o vácuo da minha vida.
7. Com a alma repleta de temor e compaixão, eu te suplico, Senhor, faze-me saber qual o caminho certo. Eu, teu discípulo, me refugio a Tí para saber o que devo fazer e deixar de fazer.
8. De que me serviria um reino próspero, se não me libertar da culpa? De que me serve possuir o mundo, se os que amo não mais existem?
Fala Sanjaya:
9. Assim falava Arjuna ao Senhor dos corações. "Não, não quero lutar!", suspirou - e calou-se.
10. Krishna, porém, sorrindo benevolamente, ali mesmo, em face dos dois exércitos, assim falou ao desanimado:
Fala Krishna:
11. Andas triste por algo que tristeza não merece - e tuas palavras carecem de sabedoria. O sábio, porém, não se entristece com nada, nem por causa dos mortos nem por causa dos vivos.
12. Nunca houve tempo em que eu não existisse, nem tu, nem algum desses príncipes - nem jamais haverá tempo em que algum de nós deixe de existir em seu Ser real.
13. O verdadeiro Ser vive sempre. Assim como a alma incorporada experimenta infância, maturidade e velhice dentro do mesmo corpo, assim passa também de corpo a corpo - sabem os iluminados e não se entristecem.
14. Quando os sentidos estão identificados com objetos sensórios, experimentam sensações de calor e de frio, de prazer e de sofrimento - estas coisas vêm e vão; são temporárias por sua própria natureza. Suporta-as com paciência!
15. Mas quem permanece sereno e imperturbável no meio do prazer e do sofrimento, somente esse é que atinge a imortalidade.
16. O que é irreal não existe, e o que é real nunca deixa de existir. Os videntes da Verdade compreendem a íntima natureza tanto disto como daquilo, a diferença entre o ser e o parecer.
17. Compreende como certo, ó Arjuna, que indestrutível é aquilo que permeia o Universo todo; ninguém pode destruir o que é imperecível, a Realidade.
18. Perecíveis são os corpos, esses templos do espírito - eterna, indestrutível, infinita é a alma que neles habita. Por isto, ó Arjuna, luta!
19. Quem pensa que a Alma, o Eu, que mata, ou o Eu que morre, não conhece a Verdade. O Eu não pode matar nem morrer.
20. O Eu nunca nasceu nem jamais morrerá. E uma vez que existe, nunca deixará de existir. Sem nascimento, sem morte, imutável, eterno - sempre ele mesmo é o Eu, a alma. Não é destruído com a destruição do corpo (material).
21. Quem sabe que a alma de tudo é indestrutível e eterna, sem nascimento nem morte, sabe que a essência não pode morrer, ainda que as formas pereçam.
22. Assim como o homem se despoja de uma roupa gasta e veste roupa nova, assim também a alma incorporada se despoja de corpos gastos e veste corpos novos.
23. Armas não ferem o Eu, fogo não o queima, águas não o molham, ventos não o ressecam.
24. O Eu não pode ser ferido nem queimado; não pode ser molhado nem ressecado - ele é imortal; não se move nem é movido, e permeia todas as coisas - o Eu é eterno.
25. Para além dos sentidos, para além da mente, para além dos efeitos da dualidade habita o Eu. Pelo que, sabendo que tal é o Eu, por que te entregas à tristeza ó Arjuna?
26. Se o ego está sujeito às vicissitudes de nascer e morrer, nem por isto deves entristecer-te, ó Arjuna.
27. Inevitável é a morte para os que nascem; todo morrer é um nascer - pelo que, não deves entristecer-te por causa do inevitável.
28. Imanifesto é o princípio dos sêres; manifesto o seu estado intermediário; e imanifesto é também o seu estado final. Por isto, ó Arjuna, que motivo há para a tristeza?
29. Alguns conhecem o Eu como glorioso; alguns falam dele como glorioso; outros ouvem falar dele como glorioso; e outros, embora ouçam, nada compreendem.
30. Eterno e indestrutível é o Eu, que está sempre presente em cada ser. Por isto, ó Arjuna, não te entristeças com coisa alguma.
31. De mais a mais, visando o teu próprio dever, não vaciles, porquanto, para um príncipe da classe dos guerreiros, nada é superior à uma guerra justa.
32. Felizes deveras são os guerreiros chamados a lutar numa batalha dessa natureza, que lhes vem espontaneamente como uma porta aberta para os céus.
33. Mas, se você se negar a cumprir o seu dever de combater nesta luta, incorrerá em pecado e perderá para sempre sua fama de guerreiro.
34. Todos irão comentar sua infame conduta e para quem se respeita, desonra é pior que a morte.
35. Todos estes generais que lhe têm em alta conta, por seu nome e sua fama, certamente irão pensar que foi somente por medo que você não quis lutar.
36. Todos seus inimigos falarão mal de você, demonstrando menosprêzo pelas suas qualidades. O que poderia ser mais doloroso que isso?
37. Ó bravo filho de Kunti, ou você morre na luta e vai viver outra vida nos mundos celestiais ou, se vencer, você vive para gozar nesta Terra. Por isso, lute com fé.
38. Lute apenas por lutar sem pensar em perda ou ganho, em alegria ou tristeza, em vitória ou em derrota, pois, agindo desse modo, você nunca pecará.
39. Até aqui Eu lhe falei do conhecimento obtido pelo estudo analítico da filosofia Sankhya. Ouça agora o que direi ó descendente de Bhárata, sobre o trabalho que é feito sem apego a resultados, que livra do cativeiro do trabalho mercenário.
40. Nesta via não há perda e nenhum esforço é em vão, e um pequeno avanço nela liberta do grande medo.
41. Amado filho dos kurus, quem segue por esta via de maneira resoluta possui a mente indivisa. Mas a mente do indeciso segue muitas direções.
42-43. Falsos adeptos dos Vedas desejosos de prazeres, de riqueza e de poder, faze ritos para entrar nos mundos celestiais. Eles ficam fascinados pelo linguajar florido dos antigos textos védicos, e só crêem no que existe para o gozo dos sentidos.
44. Na mente dos apegados aos prazeres dos sentidos e à riqueza material e que por isso se iludem, não ocorre a decisão de prestar serviço a Deus.
45. Os Vedas tratam das três qualidades da matéria. Eleve-se acima delas, livre-se das dualidades e do desejo de posse, Arjuna, e fixe-se no Eu.
46. O propósito cumprido pela pequena cisterna cumpre-se melhor ainda pela fonte abundante. Igualmente as intenções expressas nas escrituras cumprem-se completamente por quem conhece os propósitos que se ocultam por trás delas.
47. O direito que é devido é o de cumprir a missão e não o de reclamar o resultado da ação. Não considere a si mesmo o objetivo dos seus atos nem se prenda à inação.
48. Fixando a mente na yoga, abandonando o desejo de vitória ou de derrota, execute o seu trabalho sem apego ao resultado.
49. Ó ganhador de riquezas, liberte-se do trabalho motivado pelo lucro mantendo-se bem distante das ações abomináveis. Os míseros avarentos é que querem desfrutar dos resultados da ação. Quem é consciente de Mim serve-Me com devoção.
50. A pessoa que se ocupa em servir com devoção encontra-se liberada de todas as reações. Por isso pratique yoga que é fazer tudo com arte.
51. Os que fazem seu trabalho com inteira devoção, sem apego a resultados, conseguem se libertar do nascimento e da morte atingindo a perfeição.
52. Quando sua inteligência conseguir ultrapassar a floresta da ilusão, você então se tornará totalmente indiferente ao que se disse ou dirá.
53. Se sua mente resiste ao florido linguajar dos antigos textos védicos e permanece fixada em transe transcendental, então você realiza a consciência divina.
Arjuna fala:
54. Como se mostra a pessoa que atingiu a transcendência, em que língua ela se expressa, como se senta e caminha?
O Supremo Senhor fala:
55. Quando um homem renuncia aos desejos dos sentidos engendrados pela mente, obtendo contentamento unicamente no Eu, diz-se então que alcançou a consciência divina.
56. Quem está sempre tranquilo apesar das três misérias; quem não se deixa exaltar quando há felicidade; quem está livre do apego; quem não tem ódio nem medo; merece o nome de Sábio.
57. Neste mundo transitório quem não se deixa afetar pelo bem ou pelo mal que poderão sobrevir, sem louvá-lo ou maldizê-lo, já se encontra situado na consciência divina.
58. Aquele que for capaz de retirar os sentidos de todos os seus objetos assim como a tartaruga recolhe os membros no casco, deve ser considerado um ser auto-realizado.
59. A alma corporificada consegue renunciar aos prazeres dos sentidos muito embora ela não perca o sentido do prazer. Porque, depois de provar o gozo transcendental, ela fixa a consciência.
60. Os sentidos são tão fortes que conseguem arrastar mesmo a mente do homem sóbrio que se esforça por domá-los.
61. Quem controla os seus sentidos concentrando-se em Mim pode ser considerado um homem de mente estável.
62. Ao contemplar os objetos a eles nos apegamos, do apego vem a luxúria, e da luxúria a ira.
63. Da ira vem a ilusão, a ilusão turba a memória. A memória confundida desbarata a inteligência, e quando esta se destrói cai-se de novo no poço.
64. Quem controla os seus sentidos por praticar os princípios da liberdade regrada recebe misericórdia e então fica liberado da aversão e do desejo.
65. E para quem recebeu misericórdia divina já não existem misérias, e a inteligência fixa-se nessa condição feliz.
66. Sem consciência divina a mente não se controla nem se fixa a inteligência, sem o quê, não existe a paz. E onde não existe paz, pode haver felicidade?
67. Assim como um vento forte leva um barco mar afora, apenas um dos sentidos em que a mente se detenha pode levar para longe a inteligência do homem.
68. Arjuna de braços fortes, aquele cujos sentidos estão livre dos objetos, tem a inteligência firme.
69. O que é noite para todos é tempo de despertar para os autocontrolados. E o que é manhã para todos, para o pensativo é noite.
70. Quem não se deixa agitar pelo fluir dos desejos que entram qual rios no mar, que no entanto fica estável, é o único que tem paz; não aceite aquele que se esforça por saciar seus desejos.
71. A pessoa que abandona o sentimento de posse e os desejos dos sentidos, desprovida de egoísmo, alcança a paz verdadeira.
72. Eis o caminho da vida, divina e espiritual, onde não existe engano. Indo por este caminho, mesmo na hora da morte, chega-se ao Reino de Deus.
Canto III
Yoga da Ação
Arjuna disse:
1. Por que queres me engajar nesta terrível batalha, se achas que a compreensão é superior ao trabalho, ó Keshava, ó Jnardana?
2. Minha mente está confusa com Tuas palavras dúbias; dize-me, pois, com clareza o que é melhor para mim.
O Supremo Senhor disse:
3. Eu acabei de explicar que há dois tipos de pessoas tentando entender o Eu. Umas através da mente, outras por servir à Deus.
4. Não se é livre do dever porque se deixa de agir nem se atinge a perfeição somente pela renúncia.
5. Todo mundo tem que agir de acordo com o seu carma. Nem mesmo por um momento pode algúem deixar de agir.
6. Quem reprime os seus sentidos mas não livra sua mente dos objetos do desejo está enganando a si mesmo e não passa de um farsante.
7. Mas aquele que usa a mente no controle dos sentidos praticando a devoção e agindo com desapego, é digno de ser louvado.
8. Execute o seu trabalho pois esse procedimento é melhor que a inação. Sem trabalhar não se pode nem sequer manter o corpo.
9. Deve ser feito o trabalho como um sacrifício a Deus. Pois se é feito de outro modo, ele leva ao cativeiro do mundo material. Por isso ó filho de Kunti, execute o seu trabalho para a satisfação d'Ele, e assim você será livre.
10. No início da criação o Pai de todos os seres enviou muitas gerações de homens e semideuses com o fim de executar sacrifícios para Vishnu e abençoou-os dizendo: "Que vós sejais bem felizes; através dos sacrifícios tereis o que desejardes.
11. Agradando aos semideuses eles vos serão propícios. E assim - os deuses e os homens cooperando mutuamente - haverá muita fartura".
12. Os semideuses contentes com os vossos sacrifícios saciarão vossos desejos. Mas quem desfruta das dádivas sem ofertá-las aos deuses é certamente um ladrão.
13. Os devotos do Senhor estão livres do pecado porque comem alimento ofertado em sacrifício. Os que preparam a comida para o gozo dos sentidos apenas comem pecado.
14. Nossos corpos materiais são nutridos pelos grãos produzidos pelas chuvas. As chuvas são produzidas por força dos sacrifícios, os quais são provenientes das obrigações prescritas.
15. Todas as obrigações estão prescritas nos Vedas, e os Vedas se manifestam diretamente de Deus. Por isso o Brahman Supremo é presente eternamente no rito de sacrifício.
16. Quem não adota a sequência de sacrifícios prescritos pelas escrituras védicas decerto vive em pecado. Vive em vão quem vive apenas como um servo dos sentidos, ó descendente de Pritha.
17. Mas para aquele que encontra contentamento no Eu, e se ilumina no Eu, já não há obrigação.
18. Ele já não tem razão para cumprir dever algum. Nem tampouco tem razão para não fazer o que deve. Ele também não precisa depender mais de ninguém.
19. Por isso deve-se agir sem apego a resultados, mas apenas por dever, pois agindo sem apego, o homem atinge o Supremo.
20. Mesmo os reis como Janaka chegaram à perfeição por cumprirem seus deveres. Do mesmo modo você deve fazer seu trabalho para ensinar pelo exemplo.
21. Qualquer ação praticada por um homem superior é tomada como exemplo por toda a comunidade como se fosse um padrão que todos querem seguir.
22. Ó descendente de Pritha, não há dever que me obrigue em qualquer um dos três mundos. Não sinto falta de nada nem necessito de nada, mas mesmo assim Eu Me ocupo em cumprir o que é prescrito.
23. Se alguma vez Eu deixasse de ocupar-Me com cuidado da execução dos deveres decerto todos os homens seguiriam o Meu exemplo.
24. Se Eu deixasse de cumprir os Meus deveres prescritos arruinaria os três mundos criando prole indesejada, destruindo assim a paz de todos os seres vivos.
25. Assim como os ignorantes executam seus deveres com apego aos resultados, igualmente os que são sábios também cumprem seu dever, sem desejar nada em troca, apenas com o propósito de conduzir as pessoas para o caminho correto.
26. Que o sábio não confunda a mente dos ignorantes que trabalham pelo ganho, procurando encorajá-los a abster-se de trabalhar. Ele só deve ensiná-los a servir com devoção.
27. A alma estando confundida pelo mundo material coloca-se como autora do que na verdade é feito pela ação da natureza.
28. Quem possui conhecimento da Realidade Absoluta, Arjuna de braços fortes, não se ocupa na procura dos prazeres dos sentidos, pois bem sabe a diferença entre agir por devoção ou apegado aos resultados.
29. Por estarem confundidos pelas três qualidades da matéria, os ignorantes se ocupam com os assuntos mundanos, ficando muito apegados. Não deve, no entanto, o sábio por causa disso agitá-los. Eles agem desse modo por falta de entendimento.
30. Por esse motivo, Arjuna, com a mente fixa em Mim, sem desejar nada em troca, e ofertando-Me os teus atos, lute sem deanimar!
31. Quem executa os deveres conforme os Meus preceitos, quem segue Minhas lições com muita fé e devoção, sem se levar pela inveja, fica livre da prisão do trabalho interesseiro.
32. Mas os que, devido à inveja, não praticam Meus preceitos, privam-se completamente de todo o conhecimento, malogrando seus esforços de atingir a perfeição.
33. A té mesmo os eruditos não podem deixar de agir de acordo com os ditames de sua própria natureza. Que adianta se reprimir?
34. Todo mundo experimenta atração ou repugnância pelos objetos sensíveis; mas ninguém deve servir ao império dos sentidos que são pedras no caminho que leva à libertação.
35. É muito melhor cumprir, embora imperfeitamente, as próprias obrigações do que cumprir as dos outros da maneira mais perfeita. Morrer cumprindo o dever é correr menos perigo do que perder seu caminho.
Arjuna disse:
. Ó descendente de Vrishni, o que faz o homem pecar, embora contra a vontade, como se fosse forçado?
O Supremo Senhor fala:
. É tão-somente a luxúria gerada pela paixão que mais tarde se transforma em ira, a grande inimiga pecaminosa e voraz devoradora de tudo.
38. Como o fumo cobre o fogo, a poeira cobre o espelho e o útero cobre o feto, de maneira similar o ser vivo está coberto por camadas de luxúria.
39. Desse modo a consciência é coberta de luxúria, que é sua eterna inimiga, pois nunca se satisfaz e arde tanto como o fogo.
40. A mente e os cinco sentidos, assim como a inteligência, são moradas da luxúria, que cobrindo a consciência do ser vivo, o desnorteia.
41. Sendo assim, filho de Bhárata, subjugue desde o princípio o causador do pecado controlando os seus sentidos, e aniquile o matador da alma e do conhecimento.
42. Os sentidos se situam acima dos seus objetos. Mais acima dos sentidos está situada a mente. Em posição superior se situa a inteligência e, acima desta, está a alma.
43. Sabendo então que transcende, tanto aos sentidos e à mente, assim como à inteligência, deve por isso a Pessoa, Arjuna de braços fortes, domar o eu inferior e, com a força do espírito, vencer de vez a luxúria, esse inimigo terrível.
Canto IV
Da Experiência Espiritual

O Supremo Senhor fala:
1. Eu ensinei a Vivasvan esta ciência da Yoga eterna e trancendental, Vivasvan passou-a a Manu, o pai de todos os homens, e este então a transmitiu a Ikhsvaku, rei deste mundo.
2. Esta ciência suprema foi transmitida através da cadeia sucessória, e ela assim foi recebida também pelos reis devotos. Mas com o passar dos tempos, a cadeia se interrompeu, e a ciência como tal ficou como que perdida.
3. Hoje estou lhe revelando esta ciência antiquíssima da união com o Supremo, por você ser Meu devoto e ser também Meu amigo, podendo, pois, entender seu trancendental mistério.
Arjuna disse:
. O deus do Sol Vivasvan é mais velho do que Tu; como posso compreender que num tempo tão remoto Tu tivesses lhe ensinado essa ciência suprema?
Krishna disse:
5. Tanto você como Eu já vivemos muitas vidas, posso lembrar-Me de todas; você, no entanto, não pode, ó vencedor de inimigos!
6. Mesmo sendo não nascido e Meu corpo imperecível não possa se corromper; embora Eu seja Senhor de todos os seres vivos; ainda assim Eu manifesto Minha forma original quando se faz necessário.
7. Em qualquer lugar e sempre que a verdade vacilar e a mentira dominar, Eu me manifestarei, ó descendente de Bharata.
8. Para restabelecer os princípios religiosos, para salvar os devotos e aniquilar os canalhas, Eu surjo em cada milênio.
9. Quem conhece realmente Meu nascimento divino e Minhas atividades, quando abandona este corpo não renasce neste mundo, mas passa a viver Comigo, ó ganhador de riquezas.
10. Estando livres do apego, sem sentir ódio nem medo, e pensando sempre em Mim, muitos se purificaram, por saber ou penitência, alcançando amor por Mim.
11. Cada um recompenso conforme se rende a Mim, ó descendente de Pritha. Mas, de todas as maneiras, todos seguem Meu caminho.
12. Desejando ter sucesso neste mundo material, os que trabalham por ganho fazem dádivas aos deuses, alcançando bem depressa tudo aquilo que desejam.
13. Eu instituí as quatro castas, segundo a divisão das qualidades e ações. Saiba que sou seu autor. Eu que sou, no entanto, inativo e imutável.
14. As obras não me contaminam, nem seu fruto é objeto do desejo para mim; aquele que Me conhece não se prende por suas ações.
15. Sabendo disso, os homens de outrora que buscavam a libertação executaram suas obras. Portanto, aplica-te também à ação, como fizeram teus antepassados.
16. "Que é a ação? Que é a inação"? Mesmo os sábios se confundem quanto a isso. Vou, portanto, explicar-te o que é a ação e graças a tal conhecimento estarás liberto do mal.
17. É preciso saber distinguir a ação da ação proibida e da inação. É muito intrincado o caminho da ação.
18. Sábio entre os homens, devoto e perfeito realizador de toda a obra é aquele que pode ver a inação na ação e a ação na inação.
19. Aquele que age sem ser impelido pelo desejo e cujas obras são consumidas pelo fogo do conhecimento, é considerado sábio pelos inteligentes.
20. O homem que não tem apego ao fruto da ação e vive sempre satisfeito e independente não age em absoluto, apesar de se engajar na ação.
21. Livre de anseios e esperanças, mantendo disciplinados o corpo e a mente, renunciando a todo tipo de possessividade e executando apenas os atos corporais o homem se liberta do mal.
22. Aquele que está sempre satisfeito com tudo que recebe, que superou os "pares contrários", liberto da má vontade, inalterável no sucesso e na adversidade, mesmo que execute alguma obra não fica preso a ela.
23. A ação executada pelo homem, cujos desejos estão extintos, se desvanece por completo. Livre e com a mente fixa no conhecimento executa suas obras só por sacrifício.
24. Brahma é o sacrifício; Brahma é a oblação oferecida por Brahma no fogo, que é Brahma; e à Brahma se encaminha aquele que em sua obra medita em Brahma.
25. Alguns devotos oferecem sacrifícios apenas aos deuses, outros oferecem até o sacrifício por sacrifício, no fogo de Brahma.
26. Existem os que sacrificam o ouvido e os demais sentidos no fogo da continência, outros sacrificam o som e os demais objetos dos sentidos no fogo dos sentidos.
27. Há também os que sacrificam todas as funções dos sentidos e da vida no fogo místico do domínio de si mesmo, avivado pelo conhecimento espiritual.
28. Outros praticam sacrifícios oferecendo suas riquezas, submetendo-se a privações numa vida austera, ou executando práticas piedosas. Existem ascetas que, ligados por votos rígidos, fazem sacrifício de leitura silenciosa e de conhecimento.
29. Há quem sacrifique a expiração na inspiração e a inspiração na expiração, ou reprime ambos movimentos respiratórios, fazendo do exercício do prânayâma sua tarefa principal.
30. Existem ainda os que, sujeitando-se a uma alimentação regrada sacrificam seus alentos vitais nos alentos vitais. Todos estes devotos sabem o que é o sacrifício e através dele se purificam do pecado.
31. Sustentados com os resíduos dos sacrifícios, alimento da imortalidade, vão unir-se ao eterno Brahma. Aqueles que não praticam nenhum sacrifício não podem gozar este mundo; como poderão pois, gozar o outro, ó melhor dos kurus?
32. Assim, pois, muitos sacrifícios são oferecidos à boca de Brahma. Saiba que todos eles emanam da ação, compreendendo bem isto, serás livre.
33. Superior a todo sacrifício material é o sacrifício da sabedoria, ó perseguidor de teus inimigos. Toda ação em sua integridade, filho de Pritha, está consumada no conhecimento.
34. Aprende a buscar esse conhecimento prostrando-se aos pés dos sábios, interrogando-os e servindo-os; e os sábios, os que vêem a verdade irão iniciar-te na sabedoria.
35. Desde que alcances tal conhecimento, não cairás novamente em confusão, filho de Pandu; pois graças a ele verás todos os seres em ti mesmo, e consequentemente em mim.
36. Ainda que fosses o maior dos pecadores, cruzarias a salvo o oceano dos pecados na barca do conhecimento espiritual.
37. Assim como o fogo flamejante reduz a lenha a cinzas, Arjuna, o fogo do conhecimento reduz a cinzas todas as ações.
38. Na verdade, não há neste mundo purificador comparável ao conhecimento. Aquele que atingiu a perfeição pela Yoga, irá encontrá-lo dentro de si mesmo no decorrer do tempo.
39. O homem cheio de fé obtém o conhecimento aplicando-se a ele e subjugando os sentidos. Atingindo o conhecimento, logo alcançará a paz suprema.
40. Pelo contrário o homem ignorante, sem fé, em cuja alma fermenta a dúvida, caminha para a perdição; pois aquele que está dominado pela dúvida não goza deste mundo nem do outro, nem da bem-aventurança.
41. As ações, Dhananjaya, não aprisionam aquele que, submetido ao Eu, renunciou à ação pela Yoga e destruiu a dúvida através do conhecimento.
42. Assim, depois de matar com a espada do conhecimento essa dúvida nascida da ignorância e arraigada em tua alma, apica-te à Yoga. Levanta-te, pois, filho de Bharata.
Canto V
A Sabedoria do Desapego

Arjuna disse:
1. Por um lado, Krishna, exaltas à renúncia à ação, por outro exaltas a Yoga (da ação). Diga-me claramente dos dois qual o melhor caminho.
Krishna disse:
2. Tanto a renúncia como a yoga da ação conduzem à beatitude suprema, mas, dos dois, a Yoga da ação é sem dúvida superior.
3. Deve considerar-se como perseverante renunciante aquele que não sente nem aversão nem desejo; pois aquele a quem não afetam os "pares contrários" se livra com facilidade das cadeias da ação.
4. Ao contrário do sábio o ingênuo acredita que o método Sankhya e a Yoga são coisas distintas. Quem se aplica devidamente a um deles colhe o fruto de ambos.
5. A condição que alcançam os sankhyas é também alcançada pelos yogues; vê claramente aquele que considera Sankhya e Yoga como uma coisa só.
6. Mas sem Yoga é difícil chegar à renúncia, ó tu de braço possante. O sábio que se aplica à Yoga logo alcança Brahma.
7. Aquele que, vivendo entregue à Yoga é puro de coração, vence a si mesmo, refreia seus sentidos e identifica seu Eu com o de todas as criaturas, mesmo que execute uma ação, não se prende a ela.
8. "Eu nada faço" deve pensar o devoto instruído na verdade quando vê, ouve, toca, come, anda, dorme, respira.
9. fala, segura ou solta alguma coisa, abre ou fecha os olhos, considerando que "são os sentidos que se relacionam com os objetos sensíveis".
10. Quem age sem o menor apego depositando suas ações em Brahma não se macula com o pecado, da mesma forma que a água não adere à folha do lótus.
11. Os yogues executam seus atos exclusivamente com o corpo, pensamento, intelecto, e mesmo com os simples sentidos, sem abrigar qualquer desejo, a fim de purificar seu coração.
12. O devoto que renuncia ao fruto de suas ações consegue a paz eterna. Ao contrário, o homem sem devoção, que fustigado pelo desejo se apega ao fruto de suas obras, mantém-se prisioneiro (de seus próprios atos).
13. O Habitante do Corpo, renunciando a toda ação, através da mente, se mantém sereno, como feliz vencedor, na cidade de nove portas (o corpo), sem agir e sem ser causa de qualquer ação.
14. O Senhor não cria a atividade nem os atos do mundo, nem tampouco a conexão entre o ato e suas conseqüências. A natureza individual é que age.
15. O Senhor não assume nem as boas nem as más ações de alguém. O conhecimento está encoberto pela ignorância e por isto os mortais vivem em êrro.
16. Aqueles, cuja ignorância se desvaneceu através do conhecimento espiritual, são iluminados pelo conhecimento que, resplandecente como o Sol, revela-lhes o supremo.
17. Pensando n'Ele, unidos de coração a Ele, e fazendo d'Ele sua meta suprema, permanecem limpos de pecado através do conhecimento e vão para o lugar de onde não se volta.
18. Os sábios vêm com igualdade o brâmane, dotado de saber e de modéstia, a vaca, o elefante, o cão e o pária.
19. Mesmo aqui na Terra, aqueles cuja mente está firme na igualdade triunfam deste mundo de matéria, pois o Brahma incorruptível é a própria igualdade e dessa forma descansam em Brahma.
20. Não se regozija com o que é agradável, nem se aflige com o desagradável o homem de entendimento firme e livre de confusão que conhece Brahma e em Brahma repousa.
21. Aquele cujo coração não se atém às impressões exteriores encontra em si mesmo a felicidade; em união mística com Brahma através da Yoga, desfruta perpétua bem-aventurança.
22. Porque os prazeres que emanam das impressões exteriores são verdadeiros mananciais de dor, porque tem princípio e fim. O sábio, ó filho de Kunti,não se deleita com semelhantes prazeres.
23. Aquele que, neste mundo, antes de livrar-se do corpo aprende a resistir aos impulsos do desejo e do ódio, goza de união espiritual e vive feliz.
24. O homem que encontra satisfação, deleite e luz em seu interior é um yogue que, unido a Brahma, alcança o nirvana em Brahma.
25. Os santos sábios, cujas culpas foram apagadas e cuja dualidade foi destruída, que conseguiram vencer-se a si mesmos e se dedicam ao bem-estar de todas as criaturas, alcançam o nirvana em Brahma.
26. Muito próximos do nirvana em Brahma estão aqueles que extirpam de seu coração os desejos e o ódio, aqueles que disciplinaram o corpo e a mente e conhecem o Eu.
27. Evitando que cheguem ao interior as impressões exteriores, concentrando a visão entre as sombrancelhas, deixando passar o alento de modo uniforme pelas narinas na inspiração e na expiração,
28. com os sentidos, o pensamento e o intelecto subjugados por completo, consagrado unicamente à liberação final, e isento de anseios, aversões e temores, o sábio é livre para sempre.
29. Sabendo que sou Eu que recebo os sacrifícios e que sou o senhor de todos os mundos e o amigo de todos os seres, encontra a paz.
Canto VI
Exercício de Meditação

Fala Krishna:
1. Aquele que executa um ato obrigatório sem esperar por seu fruto é o renunciador e ao mesmo tempo o yogue e não aquele que simplesmente descuida do fogo sagrado e deixa de praticar obras piedosas.
2. Sabe, filho de Pandu, que o que chamam de renúncia é Yoga, pois ninguém pode chegar a ser yogue sem anter ter renunciado a todas as intenções.
3. Para o asceta que deseja alcançar a Yoga, a ação é o meio, enquanto que para aquele que já a alcançou, o meio é o repouso.
4. Quando o homem renuncia a todas as intenções e não tem nenhum apego aos objetos sensíveis nem às suas obras, diz-se que atingiu a Yoga.
5. Procure o homem elevar o eu através do Eu, não permitindo que este afunde. Porque, na verdade, o Eu é amigo do eu, que mesmo assim é seu inimigo.
6. O eu é um amigo para o homem cujo eu foi conquistado pelo Eu; mas para aquele que não está de posse de seu Eu, o eu é como um inimigo..
7. O Eu supremo daquele que vive tranqüilo e submetido a seu Eu mantém-se inalterável em meio ao calor e ao frio, alegrias e pesares, honra e desonra.
8. O yogue satisfeito com o conhecimento de si, tranqüilo, que realizou seu próprio equilíbrio, senhor de seus sentidos, que vê da mesma forma o barro, a pedra e o ouro é considerado o verdadeiro místico.
9. Superior é aquele que mantém a igualdade de sua alma diante de amigos e inimigos, indiferentes e neutros, estranhos e parentes, homens bons e maus.
10. Trate o yogue de aplicar-se com afinco ao recolhimento espiritual, vivendo isolado em solitário retiro, com o pensamento e o corpo subjugados, livre de anseios, esperanças e possessividade.
11. Em um lugar puro prepare um assento para si, nem muito alto nem muito baixo, preparado com Kuza (uma planta indiana), uma pele e uma tela.
12. Então com a mente concentrada num único ponto, reprimindo a ação do pensamento e dos sentidos pratique a Yoga para purificar sua alma.
13. Mantendo-se firme, com o corpo, o pescoço e a cabeça eretos e imóveis, olhando fixamente para a ponta de seu nariz, sem desviar os olhos,
14. com ânimo sereno e livre de temor, a mente disciplinada, perseverando no voto de brahmachâri (celibato), permaneça recolhido e medite só em Mim, considerando-Me como o Supremo.
15. Vivendo assim continuamente concentrado em si mesmo, com o pensamento coibido, o yogue obtém a paz suprema do nirvana, que está em Mim.
16. A Yoga não é para quem come em excesso ou jejua com exagero, Arjuna; nem tampouco para quem dorme demais ou se entrega a prolongadas vigílias.
17. A Yoga, bálsamo de todo sofrimento e dor, só a atinge aquele que é sóbrio em alimentar-se e divertir-se, regrado em todos os seus atos e moderado no sono e na vigília.
18. Quando o homem mantém o pensamento disciplinado fixo no Eu e se mostra indiferente a tudo que é apetecível, diz-se que goza de união espiritual.
19. O yogue que tem a mente dominada e, recolhido em si mesmo pratica a yoga, é como uma chama luminosa que, ao abrigo do vento, não sofre nenhuma oscilação.
20. Quando sua mente, disciplinada pelo exercício da Yoga, está tranqüila; quando, percebendo o eu através do Eu, encontra satisfação em si mesmo;
21. quando saboreia o infinito deleite que está fora do alcance dos sentidos e só pode ser desfrutado pela inteligência e não se afasta nunca mais da realidade;
22. e quando, depois de ter alcançado esse estágio, julga que não há tesouro mais valioso e se firma nessa situação, nem mesmo a dor mais intensa pode abalá-lo.
23. Esta ruptura de toda relação com a dor é chamada Yoga. Esta Yoga deve ser praticada com ânimo constante e sem desalento.
24. Depois de abandonar sem exceção todos os anseios e desígnios engendrados pela fantasia e de reprimir com o poder da mente todos os sentidos e órgãos de ação, quaisquer que sejam os objetos a que se dirijam,
25. deve o yogue chegar ao repouso através de uma vontade tenaz; e uma vez concentrada a mente no Eu, não deve pensar em coisa alguma.
26. Sempre que a mente inquieta e volúvel se desvie, trate de refreá-la, subordinando-a logo ao domínio do Eu.
27. Porque a suprema beatitude está reservada ao yogue cuja mente está tranqüila, dominada a natureza passional, limpo de pecado, participando da essência de Brahma.
28. Assim, consagrando-se sem cessar à união mística e estando puro de pecado, o yogue obtém sem dificuldade o infinito deleite da comunhão com Brahma.
29. Quem se aplica de coração à Yoga, vê o espírito em todos os seres e todos os seres no espírito, pois por toda parte percebe a identidade.
30. Aquele que Me vê em todas as coisas, nunca será abandonado por Mim, nem Me abandonará jamais.
31. O yogue que, estabelecido na unidade, adora Meu ser que habita todas as criaturas, vive em Mim, qualquer que seja sua condição de vida.
32. Aquele que, através da identidade do Eu, vê o mesmo em toda parte, no prazer e na dor, Arjuna, é o yogue perfeito.
Fala Arjuna:
33. Sendo a mente inquieta e volúvel, ó Madhusudana, não compreendo a estabilidade dessa Yoga que, como me declarastes, baseia-se no equilíbrio mental.
34. Porque na verdade a mente é leviana, ó Krishna; é turbulenta, imperiosa e obstinada. A meu ver é tão difícil de dominar como o vento.
Fala Krishna:
35. Sem dúvida, ó tu de braço poderoso, a mente é movediça e difícil de subjugar. Contudo, filho de Kunti, pode ser dominada através de esforços contínuos e da indiferença.
36. Para aquele que não conseguiu vencer-se a si mesmo, é difícil de alcançar a Yoga, mas aquele que é dono de si mesmo e luta com afinco pode alcançá-la, valendo-se dos meios adequados.
Fala Arjuna:
37. Que destino aguarda, ó Krishna, aquele que está cheio de fé, mas demonstra fraqueza, cuja mente divaga e não consegue perfeição na Yoga?
38. Privado de um e de outro, vacilante e confuso no caminho de Brahma, não se perde como a nuvem desgarrada que desaparece no espaço?
39. Eu te peço Krishna, apague por completo essa dúvida em meu espírito, pois ninguém além de Ti pode dissipá-la.
Fala Krishna:
40. Nem neste mundo nem no outro, um homem como esse encontra a perdição, ó Pârtha, pois aquele que age com retidão, meu filho, jamais toma o caminho do mal.
41. Depois de atingir a região dos justos e ali permanecer anos sem conta, aquele que não progrediu na Yoga renasce num lugar puro e feliz;
42. ou nasce em uma família de sábios yogues. No entanto é difícil obter tal nascimento neste mundo.
43. Recobrando então a mesma disposição de ânimo, adquirida em seu corpo anterior, luta com maior empenho para obter a perfeição, filho de Kuru,
44. pois é irresistivelmente impelido a isso por sua prática anterior. Apenas pelo desejo de conhecer a Yoga, torna-se superior à palavra divina.
45. Mas o yogue que se esforça sem descanso e, purificado de toda a culpa, atingiu a perfeição através de vários nascimentos, alcança a meta suprema.
46. O yogue é superior aos ascetas, superior aos sábios e também superior aos homens de ação. Assim sendo, Arjuna, torna-te yogue.
47. Mas entre todos os yogues, aquele que, cheio de fé, abandonando a Mim todo o seu ser interior, Me rende adoração, é considerado por Mim como o maior dos místicos.
Canto VII
Sabedoria da Visão Espiritual

Fala Krishna:
. Escuta agora, filho de Pritha, como, mantendo o pensamento amorosamente voltado para Mim, aplicando-te à Yoga e fazendo de Mim teu refúgio, chegarás sem dúvida a conhecer-me por completo.
2. Vou revelar-te sem reservas este conhecimento e o superconhecimento. Desde que os adquira, nada resta por aprender neste mundo.
3. Entre milhares de mortais, poucos se esforçam para atingir a perfeição, e entre os que conseguem atingi-la poucos são os que Me conhecem em essência.
4. Terra, água, fogo, ar, éter, pensamento, intelecto e consciência pessoal são os oito componentes que integram a Minha natureza material.
5. Esta é Minha natureza inferior. Conhece agora, ó tu de braço poderoso, Minha outra natureza, a superior, o elemento vital que mantém o Universo.
6. Sabe que esta (Minha dupla natureza) é a fecunda matriz de todos os seres. Sou o princípio do Mundo e Sou também seu fim.
7. Não há absolutamente nada superior a Mim, Dhananjaya. Todo Universo está preso a mim, como as pérolas de um colar estão presas ao fio que as mantém unidas.
8. Eu sou, filho de Kunti, o sabor da água, a luz do Sol e da Lua, das palavras sagradas Eu sou o pranava OM (=OM). O som no éter e a virilidade nos homens.
9. Sou puro perfume na terra, o brilho do fogo, a vida dos vivos, a santidade dos santos.
10. Sabe, filho de Pritha, que Sou a semente de toda a manifestação, sou a sabedoria dos sábios e o poder dos poderosos.
11. Sou a força dos fortes, livre de apego; Eu Sou o puro amor dos amantes, ó príncipe dos bharatas.
12. Entende que de Mim procedem todas as coisas - consciência, energia e matéria; Eu não estou nelas mas elas estão em Mim.
13. Iludido pelos três atributos da natureza (satwa, rajas e tamas), que se revelam em todas as coisas, não sabe que Eu estou acima delas e sou imperecível e imutável.
14. Difícil, ó príncipe, é romper o véu de ilusão que cerca a manifestação. Somente aquele que se aproximam de Mim superam a ilusão.
15. Os maus e os insensatos não Me procuram; seu entendimento foi arrebatado pela ilusão e eles participam da natureza demoníaca.
16. Quatro espécies de homens Me adoram, Arjuna: os aflitos, os que buscam a sabedoria, os que desejam riquezas e os sábios, ó príncipe dos bharatas.
17. Entre eles, o sábio, sempre consagrado à união mística e adorando o Uno, excede todos os demais; pois o sábio Me ama acima de todas as coisas e Eu o amo da mesma forma.
18. Todos eles são nobres, mas considero o sábio como a Mim mesmo, pois consagrado à união espiritual ele vem a Mim, meta suprema.
19. Ao fim de numerosos nascimentos, o homem dotado de sabedoria chega a Mim pensando: Vasudeva é o Todo. "Um homem com tão grande alma é difícil de encontrar".
20. Aqueles, cujo desejo foi arrebatado por um desejo qualquer, procuram outras divindades, adotando tal ou qual forma de culto, de acordo com a sua própria natureza.
21. Qualquer que seja a forma de divindade a que um devoto pretenda render culto com verdadeira fé, sou Eu realmente quem inspira essa fé inquebrantável.
22. Cheio dessa fé. o devoto procura agradar tal divindade, servindo-a com esmêro e dela consegue a satisfação dos seus desejos. Mas sou Eu que lhe ofereço tais bens.
23. No entanto, a recompensa obtida por esses homens de pequeno entendimento é limitada. Quem adora os deuses vai aos deuses; quem Me adora vem a Mim.
24. Os ignorantes, desconhecendo minha natureza de ser supremo e imperecível, pensam que Eu, imanifesto como sou, tenho uma forma visível e manifesta.
25. Oculto por Meu poder criador de ilusão, não me manifesto a todos, e por isso o mundo, vítima do engano, Me desconhece. Eu que não estou sujeito ao nascimento nem à morte.
26. Eu conheço todos os seres, passados, presentes e futuros, Arjuna, mas nenhum deles Me conhece.
27. Pela ilusão dos "pares contrários", originada da atração e repulsão, ó descendente de Bharata, toda criatura, ao nascer, é conduzida ao engano, ó terror de teus inimigos.
28. Mas aqueles homens de atos virtuosos, cujos pecados chegaram ao fim, libertam-se da ilusão dos pares contrários e Me adoram com vontade perseverante.
29. Aqueles que se refugiam em Mim, esforçando-se para livra-se da velhice e da morte, conhecem Brahma, o espírito supremo e a ação em sua integridade.
30. E aqueles que, com o pensamento concentrado, Me conhecem como ser supremo, suprema divindade e supremo sacrifício, também Me conhecem verdadeiramente na hora da morte.

Canto VIII

Integração na Suprema Divindade


Fala Arjuna:
. O que é esse Brahma, o que é o espírito supremo, o que é a ação, ó Puruchottama? A que se dá o nome de ser supremo, suprema divindade?
2. Que é supremo sacrifício, como está aqui no corpo, ó Madhusûdana? Dize-me, enfim, como podem conhecer-Te na hora da morte aqueles que se dominam a si mesmos?
Fala Krishna:
3. Brahma é o Imperecível e o Supremo; sua natureza essencial é denominada espírito supremo; e a emanação que dá origem a todos os seres chama-se ação.
4. Ser supremo é minha natureza perecível; suprema divindade é o princípio criador masculino e Eu mesmo, encarnado neste corpo, sou o supremo sacrifício, ó tu o melhor dos mortais.
5. Aquele que nos últimos instantes de sua vida pensa unicamente em Mim, ao desembaraçar-se de seu corpo entra em Meus ser.
6. Mas quem abandona seu corpo pensando em algum (outro) ser, a ele se encaminha, filho de Kuntî; pois absorto sempre em tal pensamento, amoldou-se a esse ser.
7. Por isso pensa sempre em Mim e luta. Tendo o coração e o entendimento sempre voltados para Mim, virás a Mim sem dúvida.
8. O homem que com assiduidade medita no espírito supremo, e mantém sem cessar a mente aplicada à Yoga, sem voltar-se para nenhum outro ser, dirige-se a Ele.
9. O Eu supremo é o onisciente, o eterno, o governador soberano, mais sutil que o sutil, sustém o Universo. Sua forma é inconcebível, é fulgurante como o Sol que brilha sobre as trevas.
10. Aquele que medita no eterno, no momento de sua morte, com a mente imóvel, fortalecida pela Yoga e com o alento vital (prâna) concentrado entre as sombrancelhas, dirige-se ao divino espírito supremo.
11. Vou revelar-te em breves palavras a mansão que os conhecedores dos Vedas chamam de indestrutível, em que entram aqueles que venceram a si mesmos e estão livres de paixões.
12. Fechadas todas as portas dos sentidos, a mente concentrada no coração, retendo na cabeça o alento vital, concentrado na Yoga,
13. pronunciando o monossílabo sagrado OM, e concentrado em Mim, quem deixa o Mundo desta forma, ao abandonar seu corpo encaminha-se à meta suprema.
14. Fácil é atingir a suprema perfeição quando o homem anda na minha presença, constantemente consciente de Mim, em todos os caminhos de sua vida e alheio a outros deuses.
15. Essas grandes almas, conscientes da sua união comigo, não tornarão a nascer para esta vida perecível de sofrimentos, mas vêm a mim, a eterna Beatitude.
16. Esses mundos todos, ó Arjuna, desde o mundo de Brahma, estão sujeitos a um retorno ao nascimento; mas o homem que chegou a Mim nunca mais será exposto ao renascimento, ó filho de Kuntî.
17. Aqueles que sabem que o dia de Brahma tem a duração de mil idades e que a noite dura outras mil, são os que conhecem o dia e a noite.
18. Com a vinda do dia, o universo do manifesto surge do imanifesto, e ao chegar a noite, tudo se desvanece no imanifesto.
19. Toda essa multidão de seres, vindos repetidamente à existência, desaparece ao chegar a noite, filho de Prithâ e surge novamente, sem vontade própria, quando vem o dia.
20. Mas, acima deste imanifesto, há na verdade outro ser imanifesto que é eterno e não perece quando perece todo o existente.
21. Aquele que é dito imanifesto é imperecível, é a meta suprema; quem chega a alcançá-la, jamais retorna. Esta é a minha morada.
22. Por uma devoção exclusiva a Ele, filho de Prithâ, pode-se chegar a este espírito supremo, que contém todos os seres e que preenche todo o Universo.
23. Vou revelar-te agora o momento em que os yogues partem para não mais voltar e também o momento em que partem para retornar.
24. Fogo, luz, dia, quinzena em que cresce a Lua e os seis meses em que o Sol segue sua rota no norte: este é o tempo em que os homens que morrem conhecendo Brahma, se dirigem a Brahma.
25. Fumaça, noite, a quinzena em que a Lua míngüa e os seis meses em que o Sol está no sul, então o yogue alcança somente a luz lunar para nascer de novo entre os mortais.
26. Luz e trevas: eis aqui dois eternos caminhos deste mundo. Por um seguem aqueles que partem para não mais voltar e por outro, aqueles que devem retornar.
27. Conhecendo estes dois caminhos, filho de Prithâ, o yogue não se engana. Procura, pois, Arjuna, aplicar-te constantemente à Yoga.
28. Por maior que seja a justa recompensa prometida pelos Vedas aos sacrifícios, austeridades e atos de caridade, o yogue a supera em virtude de tal conhecimento, pois se encaminha à morada suprema e original.

Canto IX

Santificação Interna pelo Mistério Sublime


Fala Krishna:
1. Vou revelar-te agora, a ti que me ouves com respeito, o maior dos segredos, o conhecimento acompanhado do superconhecimento. Desde que estejas neles instruído, estarás livre do mal.
2. É o conhecimento máximo, o máximo mistério, o purificador supremo, o conhecimento justo e verdadeiro pela percepção clara e imediata, fácil de realizar e inesgotável.
3. Os homens que não tem fé nesta prática piedosa não chegam a Mim, ó perseguidor de teus inimigos; entram novamente nos caminhos deste mundo mortal.
4. Em minha forma invisível, preencho todo este Universo; todos os seres estão em Mim, mas Eu não estou neles.
5. Mas tampouco os seres estão em Mim: este é o mistério do meu poder divino. Sendo sustentáculo de todos os seres e a causa de sua existência, meu espírito não está neles.
6. Da mesma forma que o ar incomensurável, movendo-se por toda parte, permanece sempre no espaço etéreo, todos os seres estão em mim.
7. Quando um kalpa chega a seu fim, filho de Kuntî, todos os seres são absorvidos em minha natureza material, e de Mim emanam outra vez ao principiar um novo kalpa.
8. Com ajuda de Minha natureza material Eu emano, repetidas vezes, toda essa multidão de seres que surgem sem vontade própria, obedecendo ao poder da natureza.
9. No entanto, Dhananjaya, Eu não permaneço ligado por tais atos, pois Me mantenho acima deles, indiferente.
10. Sob meu comando a natureza engendra todos os seres, animados e inanimados; e assim, filho de Kuntî, o mundo cumpre seu ciclo.
11. Os insensatos, desconhecendo minha natureza superior, quando estou revestido por uma forma humana, Me desprezam, a Mim, soberano senhor de todas as criaturas.
12. Privados de entendimento, toda sua ação, seu conhecimento, suas esperanças são vãs; eles participam da natureza râkshasas e asuras.
13. Mas os homens de alma elevada, filho de Prithâ, participando de minha natureza divina e sabendo que Eu sou a fonte eterna e inesgotável de todos os seres, Me adoram com o pensamento fixo em Mim.
14. Glorificando-Me sem cessar, lutando com afinco, firmes em seus votos e prosternando-se diante de Mim. Me adoram com devoção fervorosa e constante.
15. Outros me oferecem o sacrifício do conhecimento e Me adoram em minha unidade e em minha multiplicidade, como presente em toda parte e em diferentes formas.
16. Eu sou a oblação, o sacrifício, a oferenda aos antepassados, a erva bendita, o hino sagrado, a manteiga purificada, o fogo e também a vítima consumida em holocausto.
17. Sou pai, mãe, sustentador, avô deste Universo. Sou o objeto do conhecimento, o purificador, a sílaba OM e também o Rik, o Sâma e o Yajur.
18. Sou meta, sustentáculo, senhor, testemunha, mansão, refúgio, amigo, princípio, fim, fundamento, receptáculo e semente eterna.
19. Eu dou o calor, retenho e envio a chuva, sou a imortalidade e a morte, sou o ser e o não-ser, Arjuna.
20. Os que conhecem os Vedas, os que bebem o soma, limpos de pecados e oferecendo-me sacrifícios imploram a Mim o caminho dos céus. Chegando ao glorioso mundo de Indra participam do banquete celestial dos deuses.
21. Depois de gozar ali as delícias do vasto mundo paradisíaco, esgotados seus méritos, retornam a este mundo mortal. Quem segue a lei dos livros sagrados, alimentando desejos em seu coração, alcança apenas o transitório.
22. Aqueles que, vivendo com a atenção sempre fixa em Mim. Me adoram sem pensar jamais em outro ser, ofereço plena segurança de bem-aventurança perpétua.
23. Mesmo aqueles que adoram outras divindades com fé e devoção ardorosas, Me adoram, ó filho de Kuntî, mas não de acordo com a verdadeira lei.
24. Porque Eu sou o senhor de todos os sacrifícios e aquele que os recebe, mas tais homens não Me conhecem em essência e por isso caem.
25. Aqueles que adoram os deuses vão aos deuses; aqueles que servem os antepassados vão a eles, aqueles que cultuam os espíritos elementares vão aos espíritos elementares, mas aqueles que Me adoram vêm a Mim.
26. Se alguém Me oferece com devoção uma folha, uma flor, um fruto ou apenas água, aceito tal presente de uma alma piedosa e sincera.
27. Assim, pois, filho de Kuntî, qualquer coisa que faças, qualquer alimento que comas, qualquer objeto que ofereças em sacrifício, qualquer esmola que dês, qualquer mortificação a que te submetas, faça-o como uma oferenda a Mim.
28. Desta forma estarás livre das cadeias da ação, sejam seus frutos bons ou maus. Aplicando-te com fervor à Yoga e à renúncia, estarás livre e virás a Mim.
29. Eu sou o mesmo para todos os seres, ninguém Me é querido ou odioso; mas aqueles que Me adoram com devoção estão em Mim e Eu estou neles.
30. Mesmo o homem mais depravado, se Me adora com dedicação exclusiva, deve ser considerado um justo, porque anseia pela verdade.
31. Um homem assim logo se torna virtuoso e se encaminha para a paz eterna. Tem certeza, filho de Kuntî, que quem Me ama, não se perde jamais.
32. Porque aqueles que buscam refúgio em Mim, ó filho de Prithâ, mesmo que tenham sido engendrados no pecado, mulheres, vaishyas e até os shüdras chegam ao fim supremo.
33. Com muito mais razão, pois, os santos brâmanes e os piedosos rishis reais! Adora-Me, pois, neste mundo transitório e cheio de amarguras.
34. Fixa teu pensamento em Mim, prostra-te diante de Mim adorando-me e rendendo-Me culto devoto. Assim unido de coração comigo e considerando-Me como meta suprema, virás a Mim.

Canto X

Das Manifestações de Deus no Universo


Fala Krishna:
1.Meu querido Arjuna, guerreiro de braços fortes, escute mais uma vez Minha palavra suprema. O que vou dizer agora é para seu benefício e dar-lhe-á grande alegria.
2.Nem os deuses nem os grandes rishis conhecem minha origem pois Eu sou o princípio absoluto dos deuses e dos grandes rishis.
3.Aquele que Me conhece como inato e sem origem, senhor soberano do Universo, está livre do erro e do pecado.
4.Entendimento, sabedoria, libertação do erro e da ignorância, paciência, sinceridade, domínio de si mesmo, tranqüilidade de ânimo, prazer e dor, miséria e prosperidade, coragem e medo,
5.mansidão, eqüanimidade, alegria, ascetismo, liberalidade, glória e infâmia: todas essas qualidades dos seres procedem de Mim.
6.Os sete grandes rishis, os quatro kumâras e também os Manus de quem emanam todas as gerações do mundo, participando de Meu ser, nasceram de Minha mente.
7.Quem conhece em essência Minha magnitude e Meu poder místico goza de uma Yoga inalterável. Quanto a isso não há nenhuma dúvida.
8.Eu sou a origem de todo ser, de Mim procede a obra do universo. Sabendo disto, os sábios Me adoram em amorosa contemplação.
9.Com o pensamento fixo em Mim, tendo em Mim concentrada a sua vida, instruindo-se uns aos outros e falando de Mim sem cessar, vivem satisfeitos e felizes.
10.A estes homens que se consagram à união mística e Me servem com amor. Eu lhes inspiro aquela devoção baseada no conhecimento, através da qual chegam a mim.
11.Movido pela compaixão e residindo em sua alma, dissipo neles as trevas nascidas da ignorância, através da luz refulgente da sabedoria.

Fala Arjuna:
12.Tu és o supremo Brahma, a glória suprema, a suprema pureza, o espírito perpétuo e divino, a divindade original, sem princípio, onipresente e o Senhor todo-poderoso.
13.Os sábios mais eminentes, Nárada, Assita, Devala e Vyassadeva, declaram tudo isso a Teu respeito. E agora ouvi de Teus lábios a mesma declaração.
14.Creio firmemente na verdade de Tuas palavras, ó Keshava, porque nem os deuses nem os dânavas Te conhecem, Senhor bendito.
15.Apenas Tu conheces a Ti mesmo, por Ti mesmo, ó Puruchottama, autor de todas as coisas, rei dos seres, deus dos deuses, Senhor do Universo.
16.Apenas Tu podes mostrar-me sem reservas teus divinos atributos, graças aos quais penetras estes mundos.
17.Como poderei eu conhecer-Te, através de meditação contínua. Senhor de poderes misteriosos? Sob que forma especial me será dado considerar-Te, divino Senhor?
18.Fala-me em detalhe de teu poder misterioso e de tuas divinas perfeições, Janârdana, e fala mais e mais, pois tuas palavras são para mim o néctar da imortalidade e por mais que eu Te ouça, nunca me sacio.

Fala Krishna:
19.Assim seja: vou enumerar-te meus atributos divinos, ainda que me limite aos principais, ó melhor dos kurus, pois não há limites para minha grandeza.
20.Eu sou, ó Gudâsheza, o espírito entronizado no coração de todas as criaturas.
21.Entre os adityas sou Vishnu; entre as luzes, o Sol radiante; sou Marîchi entre os maruts; a Lua, entre as estrelas.
22.Entre os Vedas sou Sâma-Veda; Vâsava, entre os deuses; o sentido eterno, entre os sentidos; a inteligência nos seres vivos.
23.Sou Zankara entre os rudras e Vitteza entre os yakshas e râkshasas; Pâvaka entre os vasus e o Meru entre os picos elevados.
24.Sabe, filho de Prithâ, que entre os sacerdotes Eu sou Brihaspati; entre os chefes guerreiros sou Skanda e entre as águas, sou o oceano.
25.Sou Brighu entre os grandes rishis; entre as palavras sou a sílaba OM (); entre os sacrifícios sou japa; entre as montanhas, o Himalaia.
26.A figueira sagrada entre as árvores; Nârada entre os rishis divinos; Chitraratha, entre os cantores celestes e o inspirado asceta Kapila entre os siddhas.
27.Sabe que entre os cavalos sou Uchchaizravas, ó tu que nasceste do néctar; sou Airâvata entre os nobres elefantes e entre os homens sou o soberano.
28.Entre as armas Eu sou o raio; Kamadhuk entre os rebanhos; Kandarpa, entre os que têm descendentes e Vâsuki entre as serpentes.
29.Sou Ananta entre os nagas; Varuna entre os habitantes da água; Aryaman entre os antepassados e Yama entre os juízes.
30.Entre os daityas sou o Prahlâda; entre as medidas, o tempo; entre os animais selvagens sou o rei dos animais e entre os seres alados, Vainateya.
31.Entre os agentes purificados sou o vento; sou Râma entre os guerreiros; Makara entre os peixes e Jâhnavi entre os raios.
32.Sou princípio, meio e fim de todas as coisas criadas, Arjuna; entre as ciências sou a ciência do espírito supremo e sou o argumento Vâda entre os que discutem.
33.Sou a vogal A entre as letras; o composto copulativo entre as palavras compostas. Sou o tempo infinito, o mestre ordenador, cujas faces estão em toda parte.
34.Sou a morte que tudo arrebata e o nascimento de tudo que adquire vida. Entre os atributos femininos sou a glória, a beleza, a eloqüência, a memória, a inteligência, a constância e a misericórdia.
35.Sou também o grande hino entre os hinos do Sama-Veda; entre as formas métricas sou Gâyatri; sou Mârgazircha entre os meses, e a primavera entre as estações.
36.No aventureiro sou o espírito de risco; no forte, a força. Sou a resolução, a perseverança e a vitória; a verdade do verdadeiro e a bondade do bem.
37.Entre os descendentes de Vrishni sou Vâsudeva; entre os filhos de Pându sou Dhananjaya; Vyâsa entre os munis e, entre os sábios, o sábio Ushanâ.
38.Soua soberania dos que reinam, a tática dos que querem triunfar. Sou o silêncio do segredo e a sabedoria dos sábios.
39.Sou o germe de todos os seres, Arjuna. Sem Mim não há coisa alguma, animada ou inanimada que possa existir.
40.Meus atributos divinos não tem fim, ó perseguidor de inimigos. O que acabo de mostrar-te é apenas uma amostra de minha glória infinita.
41.Tudo quanto há de sublime, perfeito e poderoso, entende, Arjuna, que é produto de uma partícula de minha grandeza.
42.Mas que necessidade tens de conhecer todos esses detalhes, Arjuna? Sabe que o Universo se constituiu e se mantém apenas com uma parcela infinitesimal de Mim mesmo.
Canto XI
A Visão da Forma Cósmica de Deus
Fala Arjuna:
1. Meu erro se desvaneceu ao escutar tuas palavras sobre o supremo mistério do Adhyâtma, que para meu bem me revelastes.
2. De Teus lábios aprendí em detalhe a origem e a dissolução dos seres, ó Tu de olhos de lótus, assim como sua eterna grandeza.
3. Gostaria de contemplar tua forma soberana, Senhor supremo, tal como me foi descrita por Ti, ó Puruchottama.
4. Se julgas possível para mim semelhante visão, mostra-Te a meus olhos, senhor da yoga, em Tua totalidade.
Fala Krishna:
5. Contempla, filho de Prithâ, minhas centenas de milhares de formas divinas, todas variadas, de diversas cores e formas.
6. Contempla os adytyas, os vasus, os rudras, os ahvins e os maruts. Admira, filho de Bharata, esta multidão de maravilhas até agora nunca vistas.
7. Contempla hoje aqui o Universo inteiro, animado e inanimado, reunido em Meu corpo, Gudâkesha, e tudo aquilo que desejes ver.
8. Mas não é possível que me vejas com teus olhos. Dou-te, pois, um olho divino. Contempla-Me agora em minha Yoga divina.
Fala Sanjaya:
9. Tendo assim falado, ó Rei, Hari, Senhor da Yoga, mostrou a Pârtha Sua forma suprema de divindade infinita, com rostos voltados para toda parte,
10. que contém em si todas as maravilhas do existente, que multiplica infinitamente todas as esplêndidas manifestações de Seu ser, uma divindade vasta como o Mundo, que vê através de inumeráveis olhos e fala através de inúmeras bocas, brandindo armas refulgentes,
11. gloriosa em seus ornamentos divinos, vestida com um raio celeste de divindade, suave com suas guirlandas de flores divinas, envolta em divinos aromas.
12. Tão luminoso era aquele ser magnânimo como mil sóis que surgissem juntos no firmamento.
13. O Mundo inteiro, múltiplo e no entanto uno era visível no corpo do Deus dos deuses.
14. E então, maravilhado, estupefato e amedrontado Dhananjaya prosternou-se e, juntando as mãos, dirigiu-se à divindade:
Fala Arjuna:
15. Em Teu corpo, ó Deus, contemplo todos os deuses e as inúmeras variedades de seres ao lado de Brahma, sentado em seu trono de lótus, e todos os rishis e serpentes divinas.
16. Vejo braços, ventres, olhos e bocas inúmeros, mas não vejo em Ti, origem, meio ou fim, ó Senhor do Universo, forma universal.
17. Vejo-Te com a fronte cingida pela tiara e armado com a maça e o disco, mas mal posso distinguir-Te pois és por toda parte a meu redor uma massa luminosa de energia, imensurável, resplandescente como o fogo e como o Sol.
18. Tu és o imortal e o mais sublime de todos os seres que se possa conceber, sustentáculo e morada do Universo; perene guardião da lei eterna e causa perpétua de tudo quanto existe.
19. Em Ti não há princípio, meio ou fim; Teu poder é imenso; infinitos são Teus braços; Tens por olhos o Sol e a Lua; Teu rosto é flamejante como o fogo do sacrifício e com Tuas irradiações abrasas este Universo.
20. Apenas Tu preenches o espaço entre o céu e a Terra. Os três mundos estremecem, ó ser magnânimo, ao contemplar Tua forma tremenda e prodigiosa.
21. A Ti acorrem as legiões de deuses; alguns deles cheios de temor Te invocam, juntando as mãos. "Salve!", exclamam em coro as multidões de grandes rishis e siddhas, louvando-Te em cânticos sublimes.
22. Os rudras, adityas, vasus, sâdhyas, vishvas, ashvins, maruts e uchmapas, assim como os músicos celestes, yashkas, asuras e sidhas Te contemplam todos maravilhados.
23. Os mundos se amedrontam como eu, ó Tu de braços poderosos, ao ver Tua forma monstruosa, com tamanha profusão de bocas e olhos, tantos braços pernas e pés, tantos ventres e dentes ameaçadores.
24. Pois ao ver-Te tocando o céu, resplandecendo em diversos matizes, ao contemplar Tuas bocas desmesuradamente abertas e Teus olhos enorme e fulgurantes, minha alma estremece, ó Visnhu, perco a paz e sinto-me desfalecer.
25. Quando vejo tuas bocas armadas de dentes ameaçadores e ardentes como o fogo devorador do fim do mundo, meu ânimo se conturba e a alegria me abandona. Tem piedade de mim, Senhor dos deuses, coluna do Universo.
26. Os filhos de Dhritarashtra juntamente com os exércitos dos reis e dos heróis, Bhisma, Drona, Suta e Karma, com o escol dos nossos guerreiros.
27. Todos eles somem nas terríveis fauces, nesse abismo eriçado de dentes - ai! quantos vejo de membros dilacerados, suspensos por entre esses dentes pontiagudos!...
28. Quais torrentes, em veloz demanda do mar, assim vejo a flor de nossos heróis a precipitarem-se, irresistíveis, nas fauces hiantes de fogo...
29. Como mariposas enlouquecidas pela luz encontram morte súbita na chama, assim vão esses mundos, sem cessar, ao encontro da destruição...
30. Devorando com teus lábios de fogo, engoles todos os mortais; tua luz pervade os mundos, Senhor, e teus raios aniquilam todos os povos.
31. Quem és tú, nessa forma terrífica?... Curvo-me diante de Ti... De todo o coração anelo por conhecer-Te - mas não compreendo a Tua revelação...
Fala Krishna:
32. Eu sou o tempo eterno, o destruidor dos mundos; eu destruo qualquer gênero humano; de todos os guerreiros que aqui contemplas, não sobreviverá um só.
33. Ergue-te, pois, e reveste-te de coragem! Conquista vitória e glória! O meu poder já derrotou o inimigo - seja teu braço apenas o instrumento do meu poder!
34. Esmaga-os todos. Drona e Bhisma, Jayadratha e Karma e todos os demais guerreiros valentes. Eu já os matei. Não temas! Lança-te à luta - e serás vencedor!
Fala Sanjaya:
35. Depois de ouvir estas palavras, ergueu Arjuna as mãos com reverência ao Senhor dos mundos e, repleto de temor, com os lábios trêmulos, assim falou a Krishna:
Fala Arjuna:
36. Com razão, ó Krishna, exulta o mundo em Tua luz e glória. Fogem espavoridos, os gigantes, e os anões tombam a Teus pés.
37. Só a Ti compete a glória, ó soberano dos mundos; mais alto que Brahman, o criador, és Tu a causa primeira, o Ser Supremo, o Deus dos deuses que habitam o Universo. Tu, o uno, que existes e inexistes, porque trancendes um e outro.
38. Tu és a divindade primordial, o antigo princípio gerador, o supremo receptáculo de todo o cosmo; és aquele que conhece e o objeto do conhecimento, a morada suprema; o Universo está pleno de Ti, ó senhor todo-poderoso.
39. Tu é o Deus do ar, o Deus do fogo, o Deus dos oceanos e o Deus dos mortos; és a Lua, o gerador e o bisavô do mundo. Louvado sejas mil e mil vezes!
40. Adoro-Te diante de Ti, a Tuas costas, e por toda a parte, ó Tu qie és o todo! Imenso é Teu poder, infinita Tua força; em Ti se encontram todas as coisas, portanto és o todo.
41. Se considerando-Te como simples amigo fui irreverente dizendo:"Krishna, Yâdava, meu amigo"; se desconhecí Tua inefável majestade, seja por inadvertência, seja porque me cegara o afeto;
42. Se Te odendí algum dia, brincando, estando deitado ou à mesa, a sós ou em companhia de outros, imploro o Teu perdão, Deus imenso e inconcebível.
43. Tu és o pai do mundo animado e inanimado, és digno de veneração e o mais respeitável mestre espiritual. Não há nada que possa igualar-Te, como poderia alguém superar-Te, se nos três mundos é sem par Tua grandeza?
44. Prostrado pois, humildemente a Teus pés, imploro Tua clemência, ó ser digno de louvor. Perdoa-me senhor, como o pai perdoa o filho; o amigo, o amante, sua amada!
45. Meu coração se rejubila ao ver a maravilha até agora oculta a todos os olhares, mas ao mesmo tempo se sobressalta temeroso. Mostra-Te pois, em Tua forma; ouve meus rogos, Senhor dos deuses, sustentáculo dos mundos.
46. Anseio por ver-Te como antes, coroado com a tiara empunhando a maça e o disco. Assume de novo Tua forma de quatro braços, ó Tu que estás dotado de mil braços e formas inumeráveis.
Fala Krishna:
47. Por uma graça especial e em virtude de meu poder místico, revelei-te, Arjuna, minha forma suprema, gloriosa, infinita, universal e primitiva, que até o presente, ninguém além de ti pôde admirar.
48. Nem pelo estudo dos Vedas, nem através de sacrifícios, dádivas, obras piedosas e mortificações acerbas, nenhum mortal, além de ti, pode alcançar semelhante visão, ó príncipe dos kurus.
49. Não tenhas receio, nem te conturbes por essa visão terrível. Afasta o temor, alegra-te e contempla Minha outra forma.
Fala Sanjaya:
50. Dizendo isso, Vâsudeva manifestou-Se novamente em sua forma humana. Mostrando-Se assim em sua forma plácida, o Senhor magnânimo tranqüilizou o aterrado Arjuna.
Fala Arjuna:
51. Ao ver-Te novamente em Tua aprazível forma humana, ó Janârdana, minha razão serena e a calma renasce em meu peito.
Fala Krishna:
52. A forma superior que acabas de admirar, raramente pode ser percebida. Mesmo os deuses anseiam por contemplá-la.
53. Mas ninguém pode ver-Me tal como Me vistes, nem pelo estudo dos Vedas, nem à custa de mortificações, esmolas e oferendas.
54. Somente através de uma dedicação exclusiva a Mim é possível conhecer-Me em essência e entrar em Meu ser, ó terror de teus inimigos.
55. Aquele que se torna instrumento de minhas ações, que faz de Mim a meta suprema de seus anseios e Me serves com devoção, livre de apegos e de inimizade por qualquer criatura vem a Mim, ó filho de Pându.

Canto XII

Do Amor Universal


Fala Arjuna:
1. Entre os homens piedosos, quem tem maior conhecimento da Yoga: os que Te adoram com devoção constante, ou os que adoram o imperecível imanifesto?
Fala Krishna:
2. Aqueles que com o pensamento fixo em Mim, Me servem com assídua devoção e fé inquebrantável, são a meu ver os que melhor praticam a Yoga.
3. Mas aqueles que adoram o imperecível e o inefável imanifesto, que é onipresente, inconcebível, excelso, imutável e eterno,
4. Dominando todos os sentidos e órgãos de ação, guardando perfeita equanimidade, regozijando-se com o bem de todas as criaturas, esses certamente também chegam a Mim.
5. Aqueles, cujo pensamento se dirige ao Imanifesto, enfrentam grandes dificuldades, pois os seres encarnados, só com muito trabalho, alcançam a meta imanifesta.
6. Mas aqueles que Me entregam todos os seus atos, para quem Eu sou a meta suprema de suas aspirações, e que, meditando em Mim, Me adoram com devoção exclusiva,
7. Eu os salvo sem demora do oceano da existência ligada à morte, filho de Prithâ, pois seu pensamento está fixo em Mim.
8. Dirige pois, só a Mim teu pensamento, deposita em Mim tua razão e, sem dúvida, viverás em Mim depois da morte.
9. Mas se não tens aptidão para fixar com persistência teu pensamento em Mim, procura alcançar-me, ó Dhananjaya, com a Yoga da perseverança.
10. Se tampouco te sentires capaz de tal esforço, dedica-te à ação em minha honra; executando tuas obras por amor a Mim, chegarás à perfeição.
11. Mas se isso ainda exceder as tuas forças, recorre então à devoção a Mim e subjugando-te a ti mesmo, renuncia ao fruto de tuas obras.
12. Porque, na verdade, melhor que o esforço perseverante é o conhecimento; melhor que o conhecimento é a meditação, e preferível à meditação é a renúncia ao fruto de tuas obras.
13. O homem que não odeia nenhum ser vivente, benévolo e compassivo, desinteressado e isento de amor-próprio, inalterável na ventura e na desventura, sofrido,
14. sempre contente e aplicado à Yoga, dono de si mesmo, firme em seu propósito, com o coração e o entendimento dedicados a Mim. tal homem é amado por Mim.
15. Aquele que não perturba o mundo, nem se deixa perturbar por ele, que está livre das emoções nascidas da alegria, aversão, temor e inquietude, é amado por Mim.
16. O homem indiferente (às coisas terrenas), puro, correto, desapaixonado, de ânimo sereno, que renunciou à toda ação e é Meu devoto, é amado por Mim.
17. Aquele que não sente prazer ou aversão, não abriga tristeza ou desejos, que não distingue acontecimentos felizes e infelizes e é Meu devoto, é amado por Mim.
18. Aquele que se mostra o mesmo diante do amigo e do inimigo, inalterável na honra e na desonra, impassível no frio e no calor, no sofrimento e no prazer; aquele que está livre de afeições,
19. que vê da mesma forma a lisonja e o insulto e vive silencioso, contente e feliz com tudo que lhe acontece, sem lugar, mantendo a mente firme e o coração cheio de fervor, tal homem é amado por Mim.
20. Mas aqueles que fazem de Mim sua finalidade suprema e única e que seguem até o fim, com fé e perseverança, o dharma que acabo de expor e que leva à imortalidade, esses são amados com predileção

Canto XIII 

Relação entre corpo e alma 


Fala Arjuna:
1. O que é matéria e o que é espírito? O que significa "meio", e "conhecedor do meio"?. O que é conhecimento e ojeto do conhecimento? Eis o que desejo saber, ó Keshava. 
Fala Krishna:
1. Este corpo, filho de Kuntî, é chamado meio e aquele que o conhece é chamado pelos sábios de conhecedor do meio. 
2. Sabe também que Eu sou o conhecedor do meio em todos os meios, filho de Bharata. A ciência que abarca o meio e o conhecedor do meio, é a meu ver o que constitui a verdadeira sabedoria. 
3. Escuta agora o que vou expor-te sobre o que é o meio, suas qualidades, modificações e origens, assim como sobre o que é o espírito e quais são seus poderes. 
4. Ele já foi celebrado de várias maneiras pelos rishis nos diversos hinos védicos e também nos Brahma-sûtras que dele apresentam a análise racional e filosófica. 
5. A energia imanifesta, indiscriminada; os cinco estados elementares da matéria; os dez sentidos e o sentido interno e os cinco domínios dos sentidos; 
6. atração e aversão, prazer e dor, consciência, resistência e o organismo; eis o que constitui o meio e suas diversas modificações. 
7. Modéstia, sinceridade, mansidão, paciência, retidão, submissão ao mestre, pureza, constância, domínio de si mesmo; 
8. indiferença pelos objetos dos sentidos, falta de egoísmo, reflexão sobre os males inerentes ao nascimento, decrepitude, enfermidade, dor e morte; 
9. desinteresse, ausência de idolatria pelos filhos, esposa, moradia e tudo o mais; contínua igualdade de ânimo nos acontecimentos agradáveis e desagradáveis; 
10. constante, fervorosa e exclusiva devoção a Mim, retiro em lugares solitários, aversão ao Mundo; 
11. aplicação assídua ao conhecimento do supremo espírito e reflexão sobre o bem que decorre do conhecimento da verdade; eis em que consiste a sabedoria; tudo que se opõe a isso é ignorância. 
12. Vou mostrar-te agora o que se deve conhecer; aquele, através de cujo conhecimentos se alcança a imortalidade: o eterno e supremo Brahma, que não é qualificado nem como ser, nem como não-ser. 
13. Suas mãos e seus pés estão por toda parte à nossa volta, suas cabeças, seus olhos e suas bocas são esses rostos inúmeros que vemos por toda a parte, seus ouvidos estão em toda parte, seus ouvidos estão em toda parte; incomensurável Ele preenche e envolve todo o Universo. Ele é o ser universal e nele vivemos.
14. Carecendo de sentidos, reflete-se em todas as funções sensitivas; desligado de todas as coisas, é seu suporte e isento de qualidades, participa de todas elas.
15. Encontra-se dentro e fora de todos os seres, é imóvel e ao mesmo tempo dotado de movimento, é imperceptível em sua sutileza extrema, e está ao mesmo tempo próximo e distante.
16. Indivisível, parece dividir-se em formas e criaturas distintas, sustentáculo de todos os seres, éo que as engendra e devora.
17. Luz de todas as luzes, brilha acima das trevas profundas. É o conhecimento e o objeto do conhecimento que reside em todos os corações.
18. Assim, brevemente expliquei-te o que é o meio, o conhecimento e o objeto do conhecimento. Meu devoto, sabendo isto, entra em minha essência.
19. Entende que tanto a matéria como o espírito não tem princípio e sabe igualmente que as modificações e qualidades nascem da matéria.
20. A matéria é considerada o agente produtor de causa e efeitos, enquanto que o espírito é o princípio que experimenta as sensações de prazer e dor.
21. Pois desde que o espírito reside na matéria, experimenta as (influências das) qualidades nela originadas; e seu apego a tais qualidades é causa de sua reencarnação em uma matriz boa ou má.
22. Testemunha, fonte de assentimento, experimentador, Senhor soberano e também Eu supremo, assim é o supremo espírito que habita este corpo.
23. Aquele que assim conhece o espírito e a matéria com suas qualidades, seja qual for sua condição, deixa de estar sujeito ao renascimento.
24. Este conhecimento pode ser alcançado pela meditação anterior, através da qual o Eu eterno se revela em nós mesmos, ou pela Sânkhya-yoga, ou ainda pela ypga da ação.
25. Existem alguns que, ignorando estes caminhos da yoga, meditam sobre o que ouviram de lábios alheios. Também eles, atendo-se de coração ao que ouviram, libertam-se da morte.
26. Sabe, príncipe dos Bhâratas, que todos os seres existentes, animados ou inanimados, são produto da união do meio e do conhecedor do meio.
27. Vê a verdade aquele que percebe o Senhor excelso presente da mesma forma em todas as criaturas, imperecível no seio do perecível.
28. Aquele que vê o senhor sempre igual, como habitante espiritual de todas as forças, todas as coisas e todos os seres, não se perde a si mesmo e, desta forma, atinge a meta suprema.
29. Também vê a verdade aquele que percebe que todas as ações são executadas pela matéria, e que o espírito permanece ativo.
30. Quando reconhece que todas as numerosas variedades de seres radicam no Uno e somente d'Ele procedem, alcança Brahma.
31. Carecendo de princípio e estando isento de qualidades, o imperecível espírito supremo não age, nem é maculado pela ação, ainda que esteja alojado no corpo, filho de Kuntî.
32. Assim como o éter, que tudo penetra, não é afetado por nenhuma impureza graças a sua sutileza, o espírito, presente em todas as partes, permanece imaculado no corpo.
33. Como um único Sol ilumina toda a terra, o Senhor do meio ilumina todo o meio, ó descendente de Bhârata.
34. Aqueles que, com o olho da sabedoria, vêem desta forma a diferença entre o meio e o conhecedor do meio, e como os seres se libertam da matéria, atingem o supremo.

Canto XIV

Vitória sobre as Três Forças da Natureza


Fala Krishna:
1. Vou continuar te expondo a ciência das ciências, a mais eminente de todas, através da qual todos os sábios contemplativos atingiram a perfeição suprema.
2. Recorrendo a tal conhecimento, identificados comigo, não renascem ao chegar o tempo da emanação, nem são atingidos pela dissolução universal.
3. O grande Brahma é minha matriz e nela eu deposito a semente que dá origem a todos os seres, fillho de Bhârata.
4. Qualquer que sejam as matrizes em que tenham sido engendrados os corpos, o grande Brahma é a vasta matriz de todos eles, filho de Kuntî, e Eu sou o pai que atira a semente.
5. As três qualidades, nascidas da natureza material, sattva, rajas e tamas, aprisionam no corpo o imperecível e imutável Senhor do corpo, ó tu de braço poderoso.
6. Entre elas a qualidade sattva, po sua pureza, luminosa e saudável, prende (o Eu) pelo apêgo à felicidade e à sabedoria, ó tu que não tens pecado.
7. Sabe que rajas, cuja natureza é passional, sendo origem de afeições e desejos, filho de Kuntî, encadeia o senhor do corpo pelo apego à ação.
8. Mas sabe também, ó descendente de Bhârata, que a qualidade tamas, nascida da ignorância, confunde todas as almas, escravizando-as pela negligência, indolência e pelo sono.
9. Sattva produz apego à felicidade; rajas à ação; enquanto tamas, turvando o conhecimento, prende à insensatez.
10. Subjugadas rajas e tamas, predomina sattva, ó filho de Bhârata, dominadas sattva e tamas, predomina rajas e subjugadas sattva e rajas, predomina tamas.
11. Quando em todas as portas do corpo resplandece a luz da sabedoria, pode-se saber que sattva está em seu apogeu.
12. A ambição, a cobiça, a atividade, o ardor das empresas, a inquietação e o desejo do predomínio de rajas, ó príncipe dos Bhâratas.
13. A cegueira, a inércia, a insensatez e a confusão nascem do incremento de tamas, ó filho de Kuntî.
14. Se prevalece sattva quando o mortal chega à dissolução do corpo, ele se encaminha às regiões puras daqueles que possuem grande sabedoria.
15. Se, ao ocorrer a morte, se encontra sob o domínio de rajas, renasce entre aqueles que estão afeitos à ação; mas se em tal momento, prepondera tamas, se reencarna em matrizes de criaturas irracionais.
16. O fruto de uma boa obra é qualificado de puro e sáttvico, enquanto a dor é conseqüência de rajas e a ignorância resulta de tamas.
17. De sattva provém a sabedoria; de rajas se origina a cobiça e de tamas nascem a insensatez, a confusão e a ignorância.
18. Quem está sob a influência de sattva se eleva; quem se apega a rajas permanece na região intermediária e quem está submerso em tamas desce às regiões inferiores, sob o peso da pior das qualidades.
19. Quando o homem percebe que não há outro agente além das três qualidades e descobre Aquele que está acima delas, entra em meu ser.
20. Quando a alma se eleva acima destas três qualidades, de que se originam os corpos, liberta-se da sujeição ao nascimento e à morte, decrepitude e sofrimento e bebe o néctar da imortalidade.
Fala Arjuna:
21. Quais são os sinais que distinguem o homem que se elevou acima das três qualidades, Senhor? Qual é a sua conduta de vida e como chega a superar essas três qualidades?
Fala Krishna:
22. Aquele que em presença da lucidez, atividade e confusão não sente aversão por elas, nem as deseja em sua ausência;
23. aquele que permanecendo passivo, não se sente impulsionado pelas três qualidades e se mantém tranqüilo e alheio a elas dizendo: "Isto é a ação das três qualidades";
24. aquele que, inalterável no prazer e na dor, vive no Eu, contemplando com a mesma indiferença o barro, a pedra e o ouro, mostrando-se o mesmo no prazer e desprazer, no elogio e no insulto, firme,
25. indiferente na glória e na ignomínia, assim como emface do amigo e do inimigo, alheio a todo tipo de ação, esse homem superou as qualidades.
26. E quem Me serve com devoção amorosa e exclusiva, superando as qualidades e está pronto para participar da essência de Brahma.
27. Porque Eu sou o fundamento de Brahma, do inesgotável néctar da imortalidade, da lei eterna e da felicidade suprema

Canto XV

YOGA DO ALCANCE DO PRINCÍPIO SUPREMO


Fala Krishna:
1. Eterno é chamado o ashvattha, a figueira sagrada que tem suas raízes para cima e os ramos para baixo; suas folhas são os hinos védicos, Quem o conhece, conhece os Vedas.
2. Seus ramos se espalham para cima e para baixo, nutridos pelas três qualidades; suas folhas são os objetos dos sentidos. Suas raízes se estendem para baixo, os vínculos da ação no mundo dos mortais.
3. Neste mundo não é possível compreender sua forma real, seu começo, seu fim e sua base. Quando o homem consegue derrubar esta árvore de raízes profundas com o poderoso machado do desinteresse,
4. pode ir à procura daquela meta, da qual desde que se consiga alcançá-la, não se retorna jamais. Refiro-me àquele princípio primordial, de que brotou a antiga emanação.
5. Aqueles que, isentos de orgulho e erro, venceram o mal das afecções mundanas e vivem concentrados no espírito supremo, tendo extinguido seus desejos, libertos dos pares contrários denominados prazer e dor, encaminham-se sem desvio à meta perdurável;
6. aquela esplendorosa meta que não é iluminada nem pelo Sol, nem pela Lua, nem pelo fogo e de onde não retornam aqueles que a alcançaram. Esta é minha morada suprema.
7. Uma parte eterna de mim mesmo, convertida em espírito individual no mundo dos viventes, atrai o sentido interno e os outros cinco sentidos que têm sua sede na natureza material.
8. Quando o Senhor toma posse de um corpo, ou quando o abandona, leva consigo o sentido interno e os demais, assim como a brisa transporta o perfume das flores.
9. Pelo domínio que tem sobre o ouvido, visão, tato, olfato e paladar, assim como sobre o sentido interno, entra em relação com os objetos dos sentidos.
10. Os que vivem em erro não vêem o Senhor ausentando-se ou permanecendo no corpo, ou experimentando sensações, influenciado pelas qualidades; mas percebem-no, aqueles que estão dotados do olho da sabedoria.
11. Através de seus esforços os yogues o vêem situado neles mesmos; mas os insensatos, tendo a mente mal preparada não o percebem, por mais que o desejem.
12. O esplendor desprendido pelo Sol e que ilumina toda a Terra, assim como o da Lua e o do fogo, sabe que procedem de Mim.
13. Penetrando na Terra, sustento todas as criaturas com minha energia vital e transformado em soma suculento, nutro todas as plantas e lhes dou sabor.
14. Transformado em calor penetro no corpo de todos seres que respiram e, unindo-me ao ar inspiratório e expiratório, produzo a digestão dos quatro tipos de alimentos.
15. Habito o coração de todos e de Mim provêm a memória, o conhecimento e a provação de ambos. Sou o que se deve conhecer em todos os Vedas; sou o autor da Vedanta e o conhecedor dos Vedas.
16. Neste mundo há dois princípios: um perecível e outro imperecível. O perecível é a totalidade dos seres viventes; o imperecível é denominado o imutável.
17. Mas há outro princípio, o mais elevado, a que se dá o nome de espírito supremo, o senhor eterno e infinito que preenche e mantém os três mundos.
18. Porque sou superior ao perecível e ao imperecível, o mundo e os Vedas me proclamam princípio supremo.
19. Aquele que, livre de ilusão, Me conhece como espírito supremo, Me adora com um conhecimento completo e em todas as condições de seu ser natural.
20. Assim acabo de revelar-te a mais misteriosa doutrina, ó tu que não tens pecado. Quem chega a conhecê-la, merece o nome de sábio e toda sua obra está consumada, ó descendente de Bhârata.

Canto XVI

O Destino dos insensatos


Fala Krishna:
1. Valor, sinceridade, perseverança na yoga do conhecimento, benevolência, domínio de si mesmo, devoção, estudo dos livros sagrados, austeridade, retidão,
2. mansidão, veracidade, ausência de cólera, abnegação, tranqüilidade de ânimo, ausência de maledicência, compaixão por todos os viventes, impassibilidade diante da tentação, doçura, modéstia, circunspecção,
3. energia, paciência, firmeza, pureza, misericórdia, recato - tais são os dotes daquele que nasceu na condição divina.
4. Hipocrisia, soberba, presunção, ira, insolência e ignorância - tais são, filho de Prithâ, as qualidades daquele que nasceu na condição demoníaca.
5. A qualidade divina conduz à libertação; a demoníaca leva à escravidão. Mas não temas, filho de Prithâ, tu nasceste na condição divina.
6. Neste mundo há duas linhagens de seres: a divina e a demoníaca. A divina foi longamente descrita por mim; escuta agora, filho de Prithâ, o que é a demoníaca.
7. Os homens de condição demoníaca não sabem o que se deve e o que não se deve fazer; neles não se encontra a pureza, nem boa conduta, nem veracidade.
8. "No Universo", dizem eles, "não há verdade, nem base moral, nem Deus. Seu desenvolvimento não obedece a um plano ordenado; é produto da união sexual. Não tem outra causa além da sensualidade".
9. Baseados nessas idéias, esses homens, de alma perdida, de fraco entendimento e de atos brutais, aparecem como inimigos nascidos para ruína do gênero humano.
10. Escravos de desejos insaciáveis, dissimulados, arrogantes e orgulhosos, o erro os induz a noções falsas em todos atos de suas vidas agem movidos por desígnios impuros.
11. Aferrado à sua perene idéia de que tudo acaba com a morte, persuadidos de que o bem supremo consiste na satisfação de seus desejos e que tudo se resume nisso;
12. aprisionados por centenas de cadeias de expectativas, deixando-se arrastar por seus desejos e paixões, procuram, apelando a meios ilícitos, acumular riquezas para satisfazer seus apetites desordenados.
13. "Isto", dizem, "adquiri hoje, satisfiz tal desejo; amanhã terei muito mais.
14. Matei este inimigo, assim também me livrarei dos outros. Sou senhor dos homens, saboreio prazeres, sou rico, poderoso e feliz;
15. Sou privilegiado e de berço nobre. Quem pode se igualar a mim? Oferecerei sacrifícios, distribuirei esmolas, gozarei a vida". Enganados por sua insensatez,
16. dispersos por uma multidão de pensamentos, presos nas malhas da ilusão e entregues aos prazeres sensuais, terminam caindo no inferno de seus próprios vícios.
17. Imbuídos de si mesmos, obstinados, orgulhosos e posuídos pela embriaguez das riquezas, oferecem hipócritamente sacrifícios vãos, por mera ostentação, sem ater-se às prescrições do ritual.
18. Egoístas, violentos, vaidosos, lascivos e coléricos esses maledicentes Me odeiam em seu próprio corpo e no corpo alheio.
19. Mas esses homens cheios de ódio, cruéis, impuros, escória da humanidade, Eu os condeno perpétuamente às misérias da vida transmigratória, atirando-os em matrizes demoníacas.
20. Caídos em tais matrizes demoníacas, submergindo gradualmente no erro, de geração em geração, sem nunca alcançar-Me, esses infelizes vão caindo até a condição mais baixa.
21. São três as portas do inferno e todas elas são causa de perdição para a alma: luxúria, avareza e ira. Por isso é preciso fugir delas.
22. O homem que consegue escapar destas três portas das trevas, filho de Kuntî cultiva sua própria salvação, alcançando assim a meta suptrema.
23. Mas aquele que, desdenhando os preceitos das escrituras, se entrega aos impulsos do desejo, não alcança nem a perfeição, nem a felicidade, nem a meta suprema.
24. Faze pois, com que os livros sagrados sejam tua norma na determinação do que se deve e do que não se deve fazer. Conhecendo as regras das escrituras, age neste mundo de acordo com elas.

Canto XVII

Os Três Motivos de Agir


Fala Arjuna:
1. Qual é, ó Krishna, a condição daqueles que, sem ater-se aos preceitos das escrituras, praticam o culto com fé? É a de sattva, rajas ou tamas?
Fala Krishna:
2. Entre os mortais há três tipos de fé, nascidas de sua natureza individual. A fé pode ser sattvica, rajasica ou tamasica. Escuta adescrição das três.
3. A fé de cada pessoa, ó filho de Bhârata, concorda com seu caráter. Cada um se constitui por sua própria fé: tal é a fé, tal é o homem.
4. Os homens de índole sattvica, adoram os deuses; os que têm caráter rajasico adoram os yashkas e os râkshasas; e os de natureza tamasica prestam culto às sombras e aos espíritos elementares.
5. Os homens que praticam acerbas penitências, não prescritas nos livros sagrados, estando por outro lado cheios de hipocrisia e egoísmo, deixando-se arrastar pela violência de seus desejos e paixões;
6. torturando em sua insensatez o conjunto de elementos do corpo, e também a Mim, que nele resido, entenda que tais homens têm intenções demoníacas.
7. Os alimentos preferidos pelos homens, assim como os sacrifícios, as penitências e as esmolas, são de três tipos, correspondentes às disposições individuais. Ouve o que os distingue.
8. Os alimentos que fortalecem a vida, a energia, a saúde, a alegria e o bem-estar; os que são saborosos, suaves, nutritivos e agradáveis são os alimentos preferidos dos homens de temperamento sattvico.
9. Os homens dotados de um temperamento rajasico preferem os alimentos ácidos, amargos, salgados, picantes, muito quentes, áridos e ardentes, que propiciam moléstias, dores e enfermidades.
10. Os alimentos passados, rançosos, corrompidos, insípidos, restos de comida e pratos impuros são os preferidos pelos homens de temperamento tamasico.
11. O sacrifício oferecido segundo as prescrições da lei, sem esperança de recompensas, na convicção de que tal ato é um dever, é de natureza sattvica.
12. O sacrifício oferecido com intenção de obter favores, ou por hipocrisia, ó melhor dos Bhâratas, é um ato de índole rajasica.
13. O sacrifício que é oferecido de forma contrária à lei, sem fé, sem distribuição de alimentos, recitação de textos sagrados, e sem o estipêndio do sacerdote, é um ato de índole rajasica.
14. A veneração aos deuses, dvijas, mestres espirituais e sábios; a pureza, retidão, castidade e mansidão constituem a ascese do corpo.
15. A linguagem comedida, honesta, verídica, agradável e proveitosa e também a leitura habitual dos livros sagrados são a ascese da palavra.
16. Serenidade mental, doçura, placidez, silêncio, domínio de si mesmo e pureza de ânimo é no que consiste a ascese da mente.
17. Esta ascese tripla, praticada pelos homens piedosos, com fé fervorosa se visar recompensa é dita sattvica.
18. A ascese praticada com hipocrisia, com a intenção de obter agasalho, respeito e honra, é dita rajasica.
19. A ascese praticada com o tolo propósito de torturar-se a si mesmo, ou de fazer mal a alguém, é dita tamasica.
20. A esmola oferecida a uma pessoa merecedora de tal benefício e que não possa retribuí-lo, com a idéia de cumprir um dever e em tempo e lugar adequados, é sattvica.
21. Mas a esmola dada com expectativa de retorno ou recompensa, ou dada de má vontade, é rajasica.
22. A esmola distribuída a pesoas indignas, com ar desdenhoso, sem guardar as devidas atenções e em tempo e lugar inoportunos, é tamasica.
23. OM, TAT, SAT; é esta a tríplice designação de Brahma, por ela foram criados em tempos antigos os brâmanes, os Vedas e os sacrifícios.
24. Por essa razão os conhecedores de Brahma jamais iniciam os atos de sacrifício, caridade ou mortificação ordenados pela lei, sem antes pronunciar o monossílabo OM.
25. Pronunciando o monossílabo TAT e sem visar os frutos de suas obras, aqueles que anseiam pela libertação aos diversos atos de sacrifício, penitência e esmola.
26. O monossílabo SAT é usado para exprimir realidade e bondade; esta palavra também se aplica a obras meritórias, filho de Prithâ.
27. A constância no sacrifício, na penitência e na escola é também designada com a palavra SAT. Da mesma forma, toda ação executada em honra daquele que se denomina SAT.
28. Todo sacrifício, toda escola, toda mortificação, ou qualquer outro ato praticado sem fé é chamado a-sat, filho de Prithâ, e é completamente nulo, tanto nesta vida como na futura.

Canto XVIII

Yoga da Libertação Total


Fala Arjuna:
1. Gostaria de saber, ó Tu de braço poderoso, qual é a verdadeira natureza da renúncia, ó Hrishîkesha, a do abandono, assim como o que diferencia um do outro, ó matador de Keshin.
2. Os sábios entendem por renúncia a abstenção das ações sugeridas pelo desejo; e por abandono entendem os que conhecem a renúncia ao fruto de todas as ações.
3. Afirmam alguns pensadores que toda ação deve ser abandonada como um mal; enquanto outros declaram que não se podem abandonar os atos de sacrifício, esmola e ascetismo.
4. Escuta, pois, ó príncipe dos Bhâratas, minhas conclusões acerca do abandono. Este é de três tipos, ó esforçado guerreiro.
5. Não se deve abandonar os atos de sacrifício, esmola e ascetismo. Tais obras devem ser praticadas, pois o sacrifício, a esmola e o ascetismo são meios de purificação para o sábio.
6. Mas mesmo essas obras devem ser executadas de forma desinteressada, sem o menor apego a ela ou a seus frutos. Esta é, filho de Prithâ, minha suprema e firme convicção.
7. Na verdade, não é justa nem conveniente a renúncia aos atos obrigatórios. O abandono de tais atos, nascidos do erro, é de natureza tamásica.
8. Aquele que por temor a moléstias corporais abandona alguma obra dizendo:"Isto é penoso", pratica um abandono de natureza rajásica, enão recolhe o fruto de tal abandono.
9. Se alguém pensando: "Tal coisa deve ser feita",executa uma obra prescrita, sem se apegar a ela ou a seu fruto, Arjuna, pratica um abandono sattvico.
10. O homem sábio que, livre de toda dúvida, pratica o abandono sob a luz de uma mente inteiramente sattvica, não tem aversão às obras desagradáveis, nem apego às agradáveis.
11. Na verdade não é possível um ser encarnado abandonar completamente a ação, mas quem abandona o fruto de suas obras é considerado um tyâgin (renunciador).
12. Pode ser de três tipos o fruto da ação que, depois da morte, colhe o homem que não pratica o abandono: bom, mau e misto. Mas não o recolhe em parte alguma aquele que renuncia à ação.
13. Escuta agora, ó tu de braço poderoso, meus ensinamentos sobre os cinco fatores que, segundo o sistema Sânkhia, são necessários para a consumação de todo ato:
14. o corpo, o agente, os diversos órgãos, as múltiplas funções e em quinto lugar a intervenção divina.
15. Toda ação, justa ou injusta que o homem execute através do corpo, da palavra ou do pensamento, tem por causa esses cinco fatores.
16. Assim, pois, aquele que, por falta de conhecimento, considera seu Eu como único agente, tem a inteligência distorcida e não vê.
17. Aquele que está livre de egotismo e cujo entendimento não está ofuscado, ainda que mate todos esses homens, não mata e não se prende a semelhante ação.
18. O conhecimento, o objeto cognoscível e o conhecedor constituem o impulso para a ação. O órgão, a operação e o agente são os três elementos que integram a ação.
19. O conhecimento, a obra e o agente são de três tipos, correspondentes a cada uma das três qualidades. Ouve qual é a sua natureza.
20. Aquele conhecimento, graças ao qual se percebe em todos os seres a mesma essência, única, imutável e imperecível, indivisível no seio do divisível, é de natureza sattvica.
21. Mas o conhecimento que vê apenas a multiplicidade das coisas em sua existência distinta é um conhecimento de natureza rajásica.
22. O conhecimento tamasico se aplica a um objeto particular como se fosse o todo; é um conhecimento mesquinho, desprovido de razão e alheio à realidade.
23. Uma ação obrigatória, executada com desapego, sem prazer nem repugnância e sem expectativa de recompensa, é chamada sattvica.
24. Mas aquela que é levada a cabo com grande esforço pelo homem ansioso pela satisfação de seus desejos, ou dominado pelo egotismo, é chamada uma ação rajasica.
25. Aquela que, originada do êrro, é empreendida sem que se considere suas conseqüências, o dano ou o prejuízo que possa acarretar a outros, e sem que se considere as próprias forças, é chamada uma ação tamásica.
26. O agente, livre de afecções e egoísmo, dotado de firmeza e energia, que não é afetado pelo êxito nem pelo fracasso, é um agente sattvico.
27. O agente apegado, que aspira aos frutos de suas obras, ambicioso, impuro e escravo da alegria e da tristeza, é um agente rajasico.
28. O que se mostra negligente, preguiçoso, torpe, teimoso, falso, malévolo, desanimado e moroso, é um agente tamasico.
29. Há também três tipos de juízo e de firmeza, correspondentes às três qualidades, conforme vou expor-te em ordem e sem reserva, Oh Dhananjaya.
30. Aquele juízo que distingue a ação e a inação, o que se deve e o que não se deve fazer, o temor e a coragem, a escravidão e a libertação, é o juízo sattvico.
31. Aquele através do qual o homem não distingue devidamente o bem e o mal, o justo e o injusto, o que se deve e o que não se deve fazer, ó Pârtha, é um juízo rajasico.
32. Aquele que, envolto em trevas, considera o mal como bem, o injusto como justo e vê todas as coisas numa nuvem de concepções falsas, ó filho de Prithâ, é um juízo tamasico.
33. Sattvica, ó Partha, é a firmeza através da qual se reprime a ação do pensamento, dos alentos vitais e dos órgãos dos sentidos em inalterável yoga.
34. Rajasica, no entanto, é a firmeza, graças à qual o homem se atém aos deveres piedosos, ao prazer e às riquezas, movido pelo desejo da recompensa, filho de Prithâ.
35. É de natureza tamasica, ó Parthâ, a firmeza obstinada que mantém o homem insensato imerso em letargia, temor, tristeza, abatimento e embriaguez.
36. Escuta agora de meus lábios, ilustre Bhâratha, o que se refere aos três tipos de. prazer. Aquele prazer, que é obtido pela disciplina de si mesmo e que põe fim aos pesares do homem;
37. aquele que de início parece amargo veneno, mas que ao fim é como o néctar, sendo resultado da placidez e do claro conhecimento do espírito, é um prazer sáttvico.
38. Aquele que, originado da relação dos sentidos com os objetos sensíveis, é de início saboroso como o néctar, mas ao fim se transforma em veneno amargo, é um prazer rajásico.
39. Aquele que tanto no início como ao final turva o ânimo e provoca letargia, indolência e insensatez, é um prazer tamásico.
40. Nem na Terra, nem no céu entre os deuses, existe uma só criatura que se ache isenta destas três qualidades, nascidas da natureza material.
41. Entre os brâmanes, kshatriyas, vaishyas e shûdras, ó terror de teus inimigos, foram distribuídos os karmas, de acordo com as qualidades predominantes em suas respectivas naturezas.
42. Serenidade, domínio de sí mesmo, austeridade, pureza, paciência, retidão, conhecimento e superconhecimento, fé nas coisas divinas, tal é o karma dos brâmanes.
43. Heroísmo, arrojo, firmeza, resolução, sagacidade, coragem no combate, generosidade e domínio, tal é o karma dos kshatriyas, de acordo com sua natureza.
44. A agricultura, o pastoreio e o comércio são o karma natural dos vaishyas. Finalmente, a servidão constitui o karma inerente aos shûdras, originado de sua própria natureza.
45. O homem que se aplica com prazer a seu próprio karma, qualquer que seja, alcança a perfeição. Escuta como alcança a perfeição aquele que se atém a seu karma.
46. Venerando, através do cumprimento de seu próprio karma, Aquele de que emanaram todos os seres e que preenche todo o universo, o homem alcança a perfeição.
47. Mais vale cumprir o dever próprio, ainda que de modo imperfeito, do que o dever alheio, ainda que com perfeição. Cumprindo o karma imposto por sua própria natureza, o homem não incorre em pecado.
48. Ninguém deve recusar o karma que lhe é inato, ainda que seja inferior, filho de Kûnti, pois toda empresa está rodeada de imperfeições, como a chama é envolvida pela fumaça
49. O homem cuja mente está livre de todo apêgo, que se venceu a sí próprio e em quem estão extintos os desejos, chega através da renúncia à perfeição suprema da inação.
50. Vou revelar-te em breves palavras, filho de Kûnti como aquele que conseguiu tal perfeição alcança a divindade, fim supremo do conhecimento.
51. Dotado de uma mente pura, refreando- se com firmeza, isolado do ruído e dos demais objetos dos sentidos, extirpando do peito o afeto e o ódio;
52. freqüentando paragens solitárias, sendo frugal, dominando a palavra, o corpo e o pensamento, consagrando-se assiduamente à yoga da contemplação, fugindo de anseios e paixões;
53. livre de egoísmo, violência, orgulho, concupiscência, cólera e de sentimento de posse, vivendo com o ânimo tranqüilo, está pronto para unir-se a Brahma.
54. Unido a Brahma e mantendo o animo sereno, o homem cessa de gemer e ansiar e mostrando-se igual a todas as criaturas, alcança a suprema devoção a Mim.
55. Através dessa devoção, ele me conhece em realidade: em minha verdadeira essência e em toda minha grandeza. Desde que consiga conhecer-Me entra em mim.
56. Refugiado em Mim, ainda que se aplique sem cessar a todo tipo de obras, chega, graças a Mim, à morada eterna e imutável.
57. Renuncia, pois, mentalmente em Mim a todas as obras, concentra em Mim todas as tuas aspirações e entrega-te à devoção do conhecimento, mantendo o pensamento fixo em Mim.
58. Pensando em Mim, vencerás por minha graça todo tipo de perigos e dificuldades. Mas se levado pelo orgulho te recusares a ouvir minhas palavras, perder-te-ás irremissivelmente.
59. Se, confiando em ti mesmo, pensas "eu não lutarei", inútil será tua resolução, pois a natureza irá obrigar-te a lutar.
60. Preso por teu karma, nascido de tua própria natureza, filho de Kuntî, farás exatamente o que te obstinas em não fazer, ainda que contra tua vontade.
61. O Senhor, que mora no coração de todos os seres, Arjuna, constrange-os, graças a seu poder de ilusão, a executar sua revolução, como se estivessem presos a um disco giratório.
62. Dirige-te a Ele com toda a alma, em busca de refúgio, ó descendente de Bharata, e por sua graça, obterás a paz suprema e perdurável.
63. Com isso, dei-te a conhecer aquela sabedoria que é o mais recôndito dos mistérios. Medita com vagar sobre ela e age como quiseres.
64. Mas escuta ainda minhas palavras supremas que contém o maior dos mistérios. És meu amado e tens firmeza de ânimo, por isso quero revelar-te o que resulta em teu bem.
65. Concentra em Mim teus pensamentos, serve-me devotadamente, rende-me fervoroso culto, prostra-te diante de Mim e virás a Mim. Eu te prometo, pois é meu amado.
66. Abandona toda prática religiosa e refugia-te em Mim somente. Não temas: Eu te libertarei de todos os teus pecados.
67. Não reveles jamais estas minhas palavras ao homem sem devoção e sem ascetismo, ao que se recusa a ouvir ou ao que me ultraja.
68. Mas aquele que revelar a meus devotos este supremo mistério, servindo-me com esse ato de sublime devoção, sem dúvida virá até Mim.
69. Pois ninguém entre os mortais poderá oferecer-Me algo que Me seja mais caro, nem nenhum outro homem na Terra será tão amado por Mim.
70. Quem se aplicar ao estudo de nosso santo diálogo, estará Me oferecendo o sacrifício da sabedoria, tal é minha determinação.
71. E mesmo o homem que, cheio de fé, escutá-lo sem crítica ou menosprezo, livre, encaminhar-se-á às regiões serenas e gloriosas dos justos.
72. Escutastes atentamente minhas palavras, filho de Prithâ? Desvaneceu-se tua confusão, nascida da ignorância, ó Dhananjaya?
Fala Arjuna:
73. Desvaneceu-se minha confusão. Por Tua graça, Senhor Imortal, recebi a iluminação. Estou firme, minhas dúvidas se dissiparam. Seguirei Teus preceitos.
Fala Sanjaya:
74. Assim ouvi o diálogo entre Vâsudeva e o magnânimo filho de Prithâ; diálogo maravilhoso que fez com que meus cabelos se eriçassem.
75. Por graça especial de Vyâsa pude ouvir esse supremo mistério da yoga, revelado pelo Senhor da yoga, pelo próprio Krishna, em minha presença.
76. Ó Rei! Cada vez que relembro esse maravilhoso e santo diálogo entre Keshava e Arjuna, renova-se o deleite em meu coração.
77. E sempre que me lembro daquela prodigiosa transfiguração de Hari, aumenta o meu assombro, ó Rei e se renova o prazer em meu peito.
78. Onde quer que esteja Krishna, Senhor da yoga, e onde quer que esteja o arqueiro, filho de Prithâ, lá reinam permanentemente a grandeza, a vitória, a prosperidade e a justiça.
FIM

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