BEIRUTE - O RENASCIMENTO DA PARIS DO ORIENTE


Num momento crítico em que o Oriente Médio afunda cada vez mais numa violenta espiral de conflitos que parecem insolúveis, uma cidade, justamente aquela que, nos anos 80, notabilizou-se internacionalmente como sinônimo de ódio, sangue e devastação, volta a encantar o mundo como um enclave ensolarado de calma e prosperidade numa região convulsionada. Beirute, a capital do Líbano, destruída e incendiada por uma longa guerra civil, está de cara nova graças a um bilionário esforço de reconstrução e, pouco a pouco, recupera a reputação que tinha antes da guerra, quando era conhecida como a “Paris do Oriente”.

Beirute, situada na costa leste do Mar Mediterrâneo, era a mais bela e desenvolvida cidade do Oriente Médio quando, em 1975, facções cristãs e muçulmanas entraram em choque, dando início a um confronto armado que se arrastou por quinze anos e deixou um saldo de mais de cento e cinqüenta mil mortos e prejuízos da ordem de bilhões de dólares. As causas do conflito remontam à independência do Líbano, nos anos 40, quando um pacto nacional foi firmado dividindo o poder entre as diversas comunidades religiosas cristãs e muçulmanas que compõem o país. Por serem a maioria da população na época, os cristãos tiveram direito a um percentual maior de cadeiras no parlamento e uma presença mais forte na política, na economia e nas forças armadas. Do mesmo modo, como ocorre até hoje, o presidente da República deveria ser sempre um cristão maronita; o primeiro-ministro, um muçulmano sunita e o presidente do parlamento, um muçulmano xiita. A partir de 1970, o estabelecimento no Líbano das dezenas de milhares de palestinos expulsos pela guerra civil na Jordânia – num episódio conhecido como “Setembro Negro” –, fez aumentar consideravelmente o contingente de muçulmanos no país, levando estes a reivindicar uma redivisão de poder. Também a presença de guerrilheiros da Organização para a Libertação da Palestina, a OLP, lançando ataques contra Israel a partir do sul do país, constituía um forte elemento desestabilizador. Os cristãos queriam expulsá-los, enquanto os muçulmanos manifestavam-se favoravelmente à sua causa. A tensão política chegou ao seu limite no dia 13 de abril de 1975, quando um comando cristão atacou um ônibus num subúrbio de Beirute matando mais de vinte palestinos e muçulmanos. Estava deflagrada a guerra.

Quando os combates, enfim, cessaram no final de 1990, Beirute encontrava-se completamente desfigurada. O centro histórico e os bairros ao longo da chamada “linha verde”, que durante anos dividiu a cidade em duas, tinham sido reduzidos a ruínas. Em maio de 1994, depois de quatro anos sem guerra, o governo animou-se a reerguer a cidade e uma empresa de capital privado, a
Solidere, foi aberta com esse propósito. Em vez de simplesmente pôr abaixo os escombros e levantar construções modernas no lugar, a Solidere investiu na restauração das fachadas originais dos antigos prédios de estilo otomano, paralelamente a um pesado investimento em infra-estrutura. Nas demais áreas de Beirute, pouco a pouco, edifícios avariados pela guerra foram sendo recuperados por iniciativa dos próprios moradores enquanto outros tantos eram demolidos para dar lugar a novos empreendimentos. Novos hotéis e empresas foram abertos, correspondentes da grande imprensa internacional tornaram a fazer da cidade a sua base no mundo árabe, o porto recuperou a importância estratégica do passado – quando fazia a ponte Europa-Oriente Médio –, um novo e moderno aeroporto foi inaugurado e os bancos readquiriram o status de que gozavam antes da guerra (Beirute foi um dos cinco principais centros financeiros do mundo até os anos 70, com um sistema similar ao da Suíça que atraía, sobretudo, investimentos dos ricos países árabes produtores de petróleo). Alguns resultados de todo este esforço podem ser conferidos no belo livro A Memória de Beirute, do fotógrafo Ayman Trawi, que mostra imagens da capital antes e depois dos trabalhos de reconstrução.

O relógio art déco da Place de l'Étoile, fechada para os pedestres




A Beirute de hoje é uma cidade em busca de si mesma, uma mistura algo confusa à beira-mar de Paris com São Paulo, no que as duas cidades têm de melhor e pior. No entorno da Rue de Verdun, o endereço comercial mais elegante do Oriente Médio, butiques das mais sofisticadas grifes internacionais dividem espaço com restaurantes caros e opulentas galerias comerciais. No bairro de Achrafieh, especialmente ao longo da Rue Monot, animados bares e clubes varam a madrugada abertos, atraindo multidões de jovens e notívagos em busca de música e diversão. Após anos fechados, prédios importantes como os do Museu Nacional do Líbano e da Catedral Maronita de Saint-Georges foram restaurados e reabertos ao público. O Grand Serail, no coração da cidade, uma antiga fortaleza otomana erguida no alto de uma colina também foi recuperado e hoje é a sede do conselho nacional de ministros. A cidade conta, ainda, com um generoso número de cinemas, livrarias, teatros e galerias de arte, distribuídos por vários bairros e com uma grande afluência de público.

Por outro lado, são visíveis os problemas econômicos, políticos e sociais. Apesar dos esforços, o Líbano ainda não se recuperou totalmente da década e meia de conflitos. A dívida pública é considerável. O índice de desemprego beira os 20%. Nos arredores de Beirute, palestinos amontoados em campos de refugiados miseráveis que lembram favelas lúgubres, não conseguem ocupação por conta da baixa qualificação e da rigorosa legislação trabalhista do Líbano que restringe o emprego a estrangeiros e, de quebra, ainda sofrem uma pesada discriminação por parte da sociedade libanesa que, ainda hoje, os responsabiliza pelo início da guerra civil. Os militantes xiitas, ligados ao movimento Hezbollah, também são uma fonte de tensão permanente, embora, após a retirada das tropas de Israel do sul do país em 2000, seus arroubos belicistas tenham diminuído consideravelmente e sua atuação, hoje em dia, esteja circunscrita muito mais ao campo político e de assistência social.


Beirute sob pesado bombardeio aéreo, em 1982





A mesma área, duas décadas mais tarde




Para os libaneses, no entanto, poucas coisas são mais degradantes do que a eterna presença de tropas sírias no país e a influência decisiva que Damasco ainda exerce sobre o governo e a política do Líbano. O país, embora seja, em tese, uma democracia, ressente-se do fato de as eleições serem manipuladas e de a imprensa, volta e meia, sofrer perseguições e intimidações por parte dos sírios, como ocorreu, por exemplo, com a Murr Television (MTV), fechada por ordem da Justiça em 2002, por causa de um suposto descumprimento da legislação eleitoral. Coincidência ou não, a emissora pertencia ao deputado cristão Gabriel Murr, um notório inimigo dos sírios.

Nada é definitivo na Beirute atual, ainda mais considerando-se a história da cidade, destruída sucessivas vezes ao longo dos séculos por guerras, fogo e terremotos e sempre reerguida a seguir em cima dos próprios escombros, o que lhe valeu, inclusive, o apelido de “a cidade que nunca se renderá”. Graças a essa trajetória dramática e um tanto peculiar, foi possível, durante as recentes obras de reconstrução do centro, descobrir, oculto no subsolo, um vasto sítio arqueológico, com vestígios das várias Beirutes – fenícia, helênica, romana, bizantina e otomana – soterradas pelas intempéries do passado. A decisão de preservar essas ruínas a céu aberto, incorporando-as à paisagem da cidade, pode servir como um alerta permanente aos seus moradores. Assim como nos anos 70, por conta da sua prosperidade e neutralidade suíças, o Líbano acreditou que estava imune à instabilidade reinante na vizinhança, quem pode garantir que, no futuro, Beirute não se veja novamente convulsionada pela violência? Uma vez que a cidade encontra-se encravada numa região que, muito provavelmente, não conhecerá a paz tão cedo, não é uma hipótese que deva ser totalmente descartada.

Fonte:Luis Eduardo Matta-http://www.digestivocultural.com




BEIRUTE, A CIDADE QUE TEIMA EM REVIVER DAS CINZAS

Quando o ônibus chegou na fronteira, após pagar a taxa de saída da Síria a primeira coisa seria conseguir o visto Libanês, mas esse deveria ser e foi menos complicado que o Sírio (dessa vez segui viagem no mesmo ônibus, e não se paga para sair do Líbano). Porém, meu dinheiro era insuficiente, não tinha como sacar, e acabei dando sorte pois havia outro forasteiro no ônibus que me emprestou grana na boa. Chegando em Beirute, fomos procurar um teto barato e rachamos um quarto nesse hotel; o forasteiro era americano (havia fugido da China por ter veiculado uma matéria anti-governo), e os caras do hotel não poupavam 'elogios' ao coitado por todo suporte que os EUA fornecem a Israel e pelo bombardeio Israelense que arrasou Beirute em 2006. No mesmo hotel, cujo dono ia em breve visitar um primo que morava no Brasil, residia um australiano fazendo parte de seu doutorado em Conflitos do Oriente Médio, e que conseguia ser mais anti-Israel do que eu. Obviamente nós três saíamos para nossas cervejas e narguiles, e o papo era bem interessante!

Beirute é mesmo uma cidade singular, passou e passa por tanta destruição e reconstrução, e ao mesmo tempo carrega (e talvez por isso) uma das juventudes mais vívidas do Velho Mundo. E o Líbano tem tanta proximidade conosco pelo enorme número de imigrantes forçados que aportaram no Brasil. A chegada em Beirute já valeria a visita. Passada a fronteira, a pista primeiro sobe uma serra enorme; do topo, já se avista o Mediterrâneo azul lá embaixo, as demais montanhas ao redor da cidade, algumas cobertas de neve, enquanto a capital Libanesa vai se abrindo aos poucos conforme descemos a serra.

O pequeno país possui inúmeros sítios históricos, como as cidades Fenícias de Biblos e Tyrus no litoral, e Baalbek no interior. O atual Líbano foi morada dos antigos Fenícios (1200-539 AC) que se espalharam pelo Mediterrâneo, fundando povoados por toda a costa, principalmente Cartago; criaram o alfabeto tido como o precursor dos alfabetos modernos, como o Grego e o Romano. Em 539 AC o império Persa sob Ciro conquistou os Fenícios, e dois séculos depois foi a vez do Macedônio Alexandre O Grande. O atual Líbano passou depois por mãos Assírias, Gregas, Romanas, Árabes, Turcas Seljuk e finalmente Otomanas em 1516. Com a derrota dos Otomanos na primeira guerra mundial e a posterior divisão do Oriente Médio entre França e Inglaterra o Líbano, assim como a Síria, entrou no mandato Francês. A influência Francesa é visível em Beirute onde parte da população, principalmente as classes mais altas, fala Francês. A independência Libanesa veio em 1941, embora as tropas Francesas só se retiraram após o fim da segunda guerra mundial em 1946.

O pacto nacional nesse pequeno e tão diverso país estabelece que o presidente seja um cristão maronita, o primeiro ministro um muçulmano sunita, e o parlamento tenha dois líderes, um muçulmano shiita e um grego ortodoxo. Quase inevitável, a guerra civil estourou em Beirute em 1975 e durou quinze anos; ela ainda foi agravada pela invasão Israelense no lado Muçulmano (oeste) da cidade, enquanto os Cristãos se concentravam no lado leste da chamada Linha Verde. Foram cerca de 200 mil mortos, 900 mil deslocados (20% da população), e uma enorme diáspora Libanesa se seguiu. Após longo período de reconstrução, um ano após a saída das tropas Sírias que ocuparam o país até 2005, os Libaneses celebravam seus melhores momentos; foi quando o Estado Terrorista Israelense invadiu o país por causa das atividades terroristas do grupo Hezbollah, destruindo novamente Beirute e ceifando a vida de milhares de civis inocentes.

A diáspora fez haver mais Libaneses no exterior do que no próprio país. São atuais 4 milhões de habitantes no país, enquanto cerca de 11 milhões vivem no exterior, a maioria disparada no Brasil, 6 milhões, principalmente Sul e São Paulo. Sua história recente é tão marcada por essas guerras internas e invasões que nenhuma geração Libanesa sabe o que é viver em paz. Boa parte do centro de Beirute estava reconstruída quando eu estive por lá, menos de 4 anos após a selvageria covarde Israelense, mas isso se restringindo mais ao centro moderno, às margens do Mediterrâneo, morada de uma classe mais alta, de prédios do governo, e hoje abarrotado de estabelecimentos comerciais americanos e europeus. Em certas ruas mal se lembra que estamos no Oriente Médio, diversos prédios novinhos em folha com uma arquitetura fria e descaracterizada, ao menos para mim; mas como dizem, bem melhor assim do que com bombas caindo do céu. Afastando-se do litoral mergulhamos em uma Beirute mais real, que tem também muitos traços modernos ao lado dos tradicionais, e onde se vê ainda marcas de suas recentes guerras em prédios levemente esburacados ou completamente destruídos.

Sua cultura, arte, música, comida não me eram assim tão estranhos dada a enorme imersão Libanesa que há no Brasil e no Canadá, onde vivi e mantive boas amizades com alguns de seus descendentes. Há muito que nutro enorme admiração por esse povo e sua alma, sofrido e rica como poucos, e estava muito contente por ter me dado a oportunidade de conhecer um pouco do país. E realmente eu não me surpreendia com a enorme quantidade de pessoas que ficavam contentes quando eu falava que era Brasileiro, e que inevitavelmente falavam de algum parente que morava no Brasil, por vezes arriscando algumas palavras em Português; inclusive os donos do hotel disseram que em copa do mundo se reunem com os amigos para assistir e torcer pela seleção. Sinceramente acho que não damos o devido valor a essa gente calorosa em nosso próprio país. É difícil um forasteiro entender como essas gerações conseguem viver, conviver e superar seus traumas, sejam cristãos ou islâmicos, de costumes mais ocidentalizados ou mais tradicionais.

Beirute é naturalmente belíssima. Quase metade dos Libaneses vivem na capital, coração cultural e econômico do país, e a cidade religiosamente mais diversa de todo Oriente Médio. Seus pontos altos são o passeio pelo litoral, incluindo o Corniche, a Raouché e o bairro Hamra, a zona mais boêmia da cidade; estava louco para entrar no Mediterrâneo mas a chuva trouxe um frio infeliz por aqueles dias. Depois, ir conhecer a parte mais distante da costa e ter contato com o dia a dia mais real. Pela área mais reconstruída, no centro novo e nas proximidades das sedes governamentais, destacam-se a Torre do Relógio, a sede da ONU, o Parlamento Libanês, as ruínas do Forum Romano, e a suntuosa mesquita Al-Omari com seu domo azul, inicialmente do século XII. Pouco além fica o Grand Serail, um complexo que inclui palácio do presidente e sede do primeiro ministro, no topo de uma pequena colina, construído inicialmente como sede do poder Otomano; também valem uma visita a catedral Maronita de São Jorge e o Museu Nacional, localizado ao redor da antiga Linha Verde.

Fonte:http://entreancoraeasas.blogspot.com/



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