Sincronicidade
Você está em casa, pensando em alguém. De repente, o telefone toca. Do outro lado, a voz que responde ao seu “alô” é a da pessoa na qual você estava pensando. Na noite da véspera do seu aniversário você sonha com uma borboleta. Um dos presentes que recebe no dia seguinte é um brinco em forma de borboleta! Coincidências desse tipo já podem ter ocorrido com você ou não, mas certamente você conhece alguém que já narrou esse tipo de experiência. Para os mais racionais fenômenos assim não passam de simples coincidência. Para os outros, aqueles que tendem a fazer uma leitura “mágica” da vida, as coincidências podem ter inúmeras interpretações e significados, e até mesmo serem vistas como “sinais divinos”. O psiquiatra suíço Carl Jung (1875-1961), contudo, acreditava que as coincidências poderiam ser entendidas como fenômenos psicológicos caracterizados pela ocorrência simultânea de pensamentos/eventos geograficamente distantes. Jung chegou a cunhar uma teoria para tentar explicar esses fenômenos, a qual deu o nome de “Teoria da Sincronicidade”. As reflexões junguianas sobre o tema foram sistematizadas no trabalho “Sincronicidade: um princípio de conexões acausais”, publicado em 1952 junto com um artigo do físico Wolfgang Pauli.
As primeiras ideias a respeito do conceito de Sincronicidade surgiram com o estudo feito por Jung da filosofia oriental, principalmente do I Ching. Muito antes, na sua prática clínica como terapeuta, Jung havia observado fenômenos reais que não se enquadravam na visão ocidental causalista. Causalidade é a relação entre um evento (a causa) e um segundo evento (o efeito), sendo que o segundo evento é uma consequência do primeiro. Por exemplo, ao estudar os sonhos, Jung notou que os motivos oníricos tendem a coincidir relativamente com situações reais com um significado semelhante ou mesmo com situações reais idênticas. Ou seja, para Jung, é como se o conteúdo do sonho não dependesse de uma experiência prévia específica, mas fosse produzido paralelamente a ela, em conssonância com o tempo da vida “real”. Ele, contudo, só se expressou oficialmente a respeito disso no final dos anos 20, quando falou a respeito do princípio tradicional chinês, que é baseado numa ideia totalmente diferente de nossa hipótese da causalidade e que é particularmente importante em conexão com o I Ching. A filosofia oriental, com seu pensamento não linear, ofereceu a Jung a perspectiva de que o acaso e a coincidência podem ser levados em consideração e que a causalidade é meramente uma hipótese, não uma verdade absoluta.
Com o passar do tempo, porém, a partir de algumas conversas que ele teve com Eistein, Jung sentiu a necessidade de buscar uma base teórica dentro da física moderna para o princípio. Esse contato com as recentes proposições teóricas da física moderna criou em Jung a necessidade de ampliar o conceito de Sincronicidade para uma ideia mais abrangente: a das “ordenações não causais”. Mais especificamente, o envolvimento de Jung com a física moderna se deu a partir de uma relação muito próxima com o físico alemão Wolfgang Pauli. Em 1930, Pauli, que estava sofrendo com problemas emocionais em decorrência do luto e de um casamento desfeito, procura Jung para fazer um acompanhamento terapêutico. Jung não trata Pauli, mas o encaminha para uma jovem analista. Porque Jung faz isso? Na visão dele, uma mulher seria melhor para ajudar Pauli a vencer as dificuldades que ele tinha nas suas relações com as mulheres e com o sentimento. Além disso, Jung acreditava que Pauli era uma personalidade excepcional, alguém com um material inconsciente rico e incomum. Nesse caso, uma terapeuta principiante não teria conhecimento aprofundado o suficiente para interferir ou influenciar no material que Pauli trazia.
Assim, Jung e Pauli passam a se corresponder com frequência. Pauli apoiou o princípio da Sincronicidade como sendo científico. O Princípio de Exclusão, pelo qual Pauli recebeu o Prêmio Nobel, implicava a descoberta de um padrão abstrato que se oculta debaixo da superfície da matéria e que determina seu comportamento de modo “acausal”. Jung auxiliou Pauli na sua compreensão dos fatores coletivos e arquetípicos da psique. A partir dessa confluência de interesses e ideias desenvolve-se uma longa colaboração entre os dois pensadores. Esse trabalho conjunto dará origem à obra “The Interpretation of Nature and the Psyche” com dois textos: um escrito por Pauli, outro por Jung. A colaboração com Pauli, portanto, permitiu a Jung dar ao conceito de Sincronicidade e de suas aplicações posteriores um melhor embasamento, que apesar de não poder ser considerado necessariamente científico pode ser associado a algumas postulações teóricas de origem física. Dessa forma, alguns pesquisadores advogam que o conceito de Sincronicidade e a conceituação de uma “ordenação acausal geral” pode ter exercido certa influência na ciência desde então. O físico Charles R. Card, por exemplo, alega que a colaboração Jung/Pauli tem implicações que podem ser vistas como relevantes a algumas das maiores preocupações das bases da física moderna, em particular no tratamento de fenômenos não-locais na mecânica quântica e em fenômenos “caóticos” na dinâmica não-linear.
Apesar de gerar inúmeras controvérsias, alguns admiradores e muitos detratores, a Teoria da Sincronicidade de Jung provoca certa curiosidade e muitas indagações sobre a natureza daquilo que convencionamos designar como “coincidência”. Por um lado, não se pode dizer que as postulações junguianas, baseadas na premissa de que os conteúdos da mente inconsciente podem se “comunicar” com o mundo físico, são capazes de oferecer uma explicação indubitável sobre o tema, longe disso! Por outro lado, a ousadia de suas ideias, ao suscitar reações apaixonadas de ambos os lados, podem forçar tanto os entusiastas quanto os críticos a buscarem provas que façam valer suas posições. Seja como for, a possibilidade de que os eventos distribuídos no fluxo do tempo possam estar em sintonia com o que pensamos/sentimos é realmente tentadora. Pensar nisso nos fornece uma perspectiva sedutora da vida, que pode ser entendida como uma cadeia de acontecimentos que têm sempre um significado, ou seja, que nada acontece por acaso e que tudo o que nos ocorre cumpre a função de nos colocar onde devemos estar para vivermos as experiências que precisamos.
Acaso ou não, a ideia junguiana de Sincronicidade nos leva a refletir sobre os eventos coincidentes, e pode ser que ela seja só o delírio de alguém que alimentava uma expectativa sobrenatural da existência, mas pode ser também que ela seja o vislumbre de uma mente brilhante muito a frente do seu tempo. Mais uma vez, é Chronos, o Ceifador, quem dará o veredito!
Fonte : Angelita Viana Corrêa Scardua - Mestre em Psicologia Social pela USP/SP, Especialista em Psicologia Junguiana (PUC), pós-graduada em Neurociências e Comportamento (USP).
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