No Ocidente amorosamente celebramos certos dias para homenagearmos nossos pais. Esses dias são conhecidos como “Dia dos Pais” e “Dia das Mães”. Nestes dias, vamos ver nossos pais e os cumprimentamos. Estamos expressando assim nossa gratidão por eles terem sido os instrumentos de nosso nascimento em um templo corporal e por possibilitarem o jogo da alma no altar terreno. A gratidão encanta a vida, diminui o ego e traz o amor. No Taittariya Upanishad 1:11:2, está escrito: “-"Ame sua mãe como o Divino, ame o pai como o Divino e ame o guru-mentor como o Divino”. O guru-mentor é considerado como mãe e pai ao mesmo tempo, pois ele é o instrumento para o renascimento espiritual da pessoa. A iniciação é o renascimento é a direção, e as instruções práticas do guru são o alimento divino de nossa vida espiritual.
Há milhares de anos as pessoas na Índia têm celebrado o “Dia do Mestre” – que é chamado “Guru Purnima”. É um dia dedicado ao divino guru-mentor, que dedicou sua vida à evolução espiritual de seus discípulos-crianças. Neste dia, os discípulos visitam o guru-mentor e oferecem gratidão com amor e devoção por aquilo que lhes foi entregue pela graça do mestre e seus ensinamentos.
Este Guru Purnima, o Dia do Mestre, é comemorado no dia da lua cheia do mês de julho. É o aniversário do grande sábio Maharishi Vyasa, autor do épico Mahabharata, (que inclui o Bhagavad Gita), o Bhagavatam, o Brahmasutras, 18 Puranas, e editor dos Vedas.
No dia da lua cheia há luz tanto de dia como de noite, simbolizando conhecimento ou iluminação. Assim como a luz dispersa a escuridão, a ignorância desaparece através do conhecimento. O autoconhecimento é aquela luz que nos liberta da incerteza da escuridão do sofrimento e da infelicidade na vida.
O Mundaka Upanishad 1:2:12 diz: “Para adquirir o conhecimento d’aquilo, deixe-o somente aproximar-se com o combustível sacrifical na mão de um guru-mentor, que conhece a escritura e que está estabelecido em Brahma”. Aqui são sublinhadas duas qualidades do mentor divino: pessoa com autoconhecimento é aquele que está sempre imerso na consciência de Deus.
Fogo Oculto
Os rishis, da Idade Védica, viviam em eremitérios geralmente situados na floresta à margem de um rio ou ao lado de uma montanha, onde há abundância de madeira para o fogo. Assim também o discípulo se aproxima do guru-mentor com a madeira para o fogo sacrifical. O guru-mentor é uma chama ardente queimando com a luz eterna do conhecimento e com o calor do amor. Essa chama pode queimar tudo o que toca, inclusive as tendências negativas. Se o discípulo é como madeira seca para o fogo, livre de todo o ego, rapidamente pegará fogo e será purificado. O estudante repleto de ego é, pelo contrário, como madeira molhada, que só faz fumaça. Na madeira molhada o fogo se esconde, imanifesto.
Os Upanishads dizem: "como o óleo na semente de sésamo, manteiga no leite, água na corrente do rio e fogo na madeira, assim também a alma permanece invisível na vida de cada um”. Madeira seca e fogo se unem após encontrar o guru-mentor. Este é um fogo sacrifical – uma oferenda de toda negatividade com preces pela purificação. Quando a ignorância é oferecida à luz e ao calor do amor, torna-se uma comunhão sagrada de transformação.
Chaturmasyam, os Quatro Meses Sagrados
Esses quatro meses, de Junho a Setembro, são considerados na Índia os meses da monção, quando ocorrem chuva e enchentes extremas. Nos tempos antigos, os aspirantes espirituais e o guru-mentor, eram geralmente mendigos caminhantes que viajavam longas distâncias. Eram monges que nunca se apegavam a nenhum lugar, vagando e distribuindo o divino néctar da sabedoria. Mas, durante os quatro meses da estação chuvosa, o guru-mentor e os discípulos viviam em um lugar só e submetiam-se a um treinamento rigoroso. Essa tradição é conhecida como chaturmasya-vratam e continua ainda hoje. Começa com o dia do “Guru Purnima”.
Mesmo se a vida do professor e do discípulo são unidas pela vida inteira, estes quatro meses da monção têm verdadeiramente uma profunda mensagem espiritual. Após os escaldantes meses do verão, chega a chuva tropical e torrencial trazendo nova vida para as plantas, enchendo o rio e esfriando a terra. Cada pessoa é escaldada com três etapas: sofrimentos materiais, psicológicos e imprevisíveis. A mente do discípulo, pela graça do guru, é liberta do ódio, raiva, ciúme, ego etc. e regada pelo amor divino. Isso é chuva. A árvore da vida floresce e frutifica com torrentes de amor. O conhecimento surge na vida. E como o rio enche-se com águas correndo para o oceano, assim a vida-consciência individual funde-se no oceano da consciência cósmica.
Os quatro meses de treinamento permitem ao estudante equipar-se com as quatro qualidades do discípulo e purificar e até mesmo eliminar os quatro instrumentos interiores.
As quatro qualidades do discípulo são:
1. Viveka: discriminar o que é bom do ruim, saber o que é real e irreal.
2. Vairagya: não apego, viver a vida do desapego interior.
3. Shramadamadi shatsampati: seis riquezas como o controle mental, o controle sobre os sentidos, o amor de um objetivo maior na vida, fé nos ensinamentos das escrituras e dos professores, paciência e equilíbrio na vida.
4. Mumukshutvam: desejo pela liberação.
Os quatro instrumentos interiores são: a mente, o intelecto, o ego e a memória.
O Guru e o Discípulo
A relação entre o Guru-mentor e o discípulo é divina, visando somente o auto-desabrochar. Eles servem um ao outro com suas capacidades e o objetivo é sempre espiritual. Durante os quatro meses de treinamento, o discípulo, através do serviço e da humildade, aprende o estilo espiritual da vida, sob a supervisão direta do mestre. O mestre trabalha para transformar a vida do estudante, removendo o ego e a ignorância.
Há uma linda história relacionada com a vida do sábio Vyasa e de seu discípulo Jaimini.
Jaimini era um grande estudioso e um discípulo sincero de Vyasa, mas tinha orgulho de seu conhecimento intelectual. Um dia, Vyasa ditava uma escritura e Jaimini fazia anotações. Vyasa compôs um verso para sublinhar uma questão: “valavad indriya gramam panditan apakarshanti”-"os sentidos são tão poderosos que o homem de conhecimento às vezes comete erros”.
Após escutar isso, Jaimini pensou: "Não é possível. Se alguém é um homem de conhecimento, como poderia ser dominado pela tentação dos sentidos? Pelo contrário, ele os vencerá”. Pensando assim, ele modificou o verso para: "Mesmo se os sentidos são poderosos, o homem de conhecimento está livre de erros".
Onisciente, Vyasa não revelou nada. Ele queria ensinar ao discípulo a verdade da vida de forma diferente. Naquela tarde, Vyasa disse a Jaimini que tinha de ir fazer um trabalho urgente em um lugar distante e que ficaria ausente por vários dias. Confiou a Jaimini os cuidados com o fogo sacrifical. Então Vyasa partiu. Naquela noite, após a oração, Jaimini retirou-se para o quarto do fogo sacrifical para meditar. Fora, havia uma tempestade e chuva e um vento muito forte. Jaimini escutou alguém batendo na porta. Ele abriu a porta e viu uma jovem e bonita senhora. Perguntou o que podia fazer por ela.
Ela disse: "Estou a caminho de minha aldeia, mas não posso ir por causa da chuva e da tempestade. Você poderia me dar abrigo durante essa noite?” Jaimini, pela hospitalidade, permitiu que ela entrasse e passasse a noite na cabana. A jovem senhora disse que não era bom que um brahmachari (celibatário) ficasse no mesmo quarto que ela durante a noite. Assim Jaimini saiu e tentou dormir fora.
Agora começou o jogo da ilusão. Jaimini estava sentado em silêncio, mas sua mente ia para essa jovem senhora e sua beleza. Ele pensou com seus botões: “Seria bom passar a noite solitária conversando com ela. Assim ele bateu na porta e disse-lhe que estava frio fora e que seria bom ficar dentro.
Ela protestou, mas Jaimini forçou a entrada. Ele tentou falar olhando-a constantemente, o que a desgostou. Lentamente seus sentidos cresciam e poderosamente ofuscavam sua consciência. Ele se aproximou dela e a tocou, lhe disse que ficassem juntos por uns momentos, para divertir-se e terem prazer.
Ela respondeu: "Você é um brahmachari, você não deveria pensar assim. Isso não está certo”. Cego de paixão ele tocou seus pés e pediu sua aprovação. Finalmente ela concordou, sob a condição de que ele se ajoelhasse como um cavalo. Então, ela se sentaria em suas costas e ele daria sete voltas junto ao fogo sacrifical. Então poderia tê-la. Jaimini concordou.
Enquanto Jaimini tentava andar como um animal com uma senhora sentada em suas costas, ela começou a murmurar o verso que Vyasa havia ditado de manhã e que Jaimini tinha modificado: “Mesmo se os sentidos são poderosos, um homem de conhecimento não comete erro”. Ao escutar isso Jaimini se deu conta de sua própria fraqueza. Ele se levantou para deixá-la, porém seus dois fortes braços o agarraram e seguraram. Não eram os tentadores braços da jovem, mas os braços de seu amado guru Vyasa.
Assim, Vyasa ensinou a seu discípulo a verdade e como estar sempre cuidadoso e atento em cada passo da vida. O guru transforma a vida do discípulo para torná-lo mais espiritual e precioso.
Que as bênçãos de Deus, de Vyasa e de todos os mestres divinos caiam sobre a vida de cada buscador espiritual e lhe dê o poder de alcançar o objetivo da vida. Com abundância de paz, êxtase e alegria, por ocasião do “Guru Purnima”, o Dia do Mestre. Que possamos oferecer a flor da devoção e do amor aos pés Divinos do Mestre e buscar sua orientação divina em cada passo de nossa vida.
Por Paramahamsa Prajnanananda
Comentários
Postar um comentário