O DESAPEGO SEGUNDO O BUDISMO

 
O Desapego

O desapego é um dos mais importantes ensinamentos budistas. Na verdade, a vida de iluminação é o caminho do desapego. Muitos dos problemas da vida são causados pelo apego. Ficamos com raiva, preocupados, tornamo-nos ávidos, faze
mos queixas infundadas e temos todos os tipos de complexos. Todas estas causas de infelicidade, tensão, teimosia e tristeza são devidas ao apego. Se você tem algum problema ou preocupação, examine a si mesmo e descobrirá que a causa é o apego.

Existe uma famosa história zen sobre um mestre e seu discípulo. Os dois estavam a caminho da aldeia vizinha quando chegaram a um rio caudaloso e viram na margem, uma bela moça tentando atravessá-lo. O mestre zen ofereceu-lhe ajuda e, erguendo-a nos braços, levou-a até a outra margem. E depois cada qual seguiu seu caminho. Mas o discípulo ficou bastante perturbado, pois o mestre sempre lhe ensinara que um monge nunca deve se aproximar de uma mulher, nunca deve tocar uma mulher. O discípulo pensou e repensou o assunto; por fim, ao voltarem para o templo, não conseguiu mais se conter e disse ao mestre:

— Mestre, o senhor me ensina dia após dia a nunca tocar uma mulher e, apesar disso, o senhor pegou aquela bela moça nos braços e atravessou o rio com ela.

— Tolo – respondeu o mestre – Eu deixei a moça na outra margem do rio. Você ainda a está carregando.

Desapego não é desinteresse, indiferença ou fuga. Não devemos nos tornar indiferentes aos problemas da vida. Não devemos fugir da vida; não se pode fugir dela quando somos sinceros. A vida e seus problemas devem ser encarados e lidados de frente, mas não são coisas às quais devamos nos apegar. É verdade que o dinheiro tem sua importância, mas a pessoa que se apega a ele torna-se avarenta e escrava do dinheiro. É muito fácil nos apegarmos à nossa beleza, às nossas aptidões ou às nossas posses, e assim nos sentirmos superiores aos outros. É igualmente fácil nos apegarmos à nossa feiúra, à nossa falta de aptidões ou à nossa pobreza, e assim nos sentirmos inferiores aos outros. O apego às condições favoráveis leva à avidez e ao falso otimismo, enquanto que o apego às condições desfavoráveis leva ao ressentimento e ao pessimismo. Sem dúvida, nosso apego às coisas, condições, sentimentos e idéias é muito mais problemático do que imaginamos.

Quando adoecemos, chegamos até mesmo a nos apegar à doença. É melhor não fazermos isso. Todas as doenças serão curadas, exceto uma, que é a morte. Quando você estiver doente, aceite a doença e faça o possível para se recuperar. Aceite a doença e a transcenda... ou melhor, aceite-transcendendo. A vida é mutável; todas as coisas são mutáveis; todas as condições são mutáveis. Por isso, “deixe ir” as coisas. Todos os abusos, a raiva, a censura – deixe que venham e que se vão. Tudo o que fazemos, devemos fazer com sinceridade, com honestidade e com todas as nossas forças; e uma vez feito, feito está. Não nos apeguemos a ele. Muitas pessoas se apegam ao passado ou ao futuro, negligenciando o importante presente. Devemos viver o melhor “agora”, com plena responsabilidade.

Quando o sol brilha, desfrute-o; quando a chuva cai, desfrute-a Todas as coisas nesta vida – deixe que venham e deixe que se vão. Este é um segredo da vida que nos impede de ficar aborrecidos ou neuróticos. Buda disse que todas as coisas na vida e no mundo estão em constante mutação; por isso, não se torne apegado a elas.

Pergunta: Qual é o significado de desapego?

Resposta: O significado budista de desapego é ligeiramente diferente daquele que a palavra geralmente significa em inglês [ou português]. Desapego, no budismo, está ligado à renúncia. A palavra “renúncia” em inglês [ou português] também gera confusão, pois implica que tenhamos de desistir de tudo e ir viver para uma caverna. Apesar de existirem exemplos de pessoas como Milarepa, que de fato desistiu de tudo e foi morar para uma caverna, para descrever o que elas fizeram usamos uma palavra diferente, não a palavra que é traduzida como “renúncia” ou “desapego”. A palavra que tem sido traduzida como “renúncia” quer dizer na verdade “a determinação de ser livre”. Temos uma forte determinação: “Eu tenho de me livrar dos meus próprios problemas e dificuldades. Minha mente está totalmente firme nesse objetivo”. Queremos desistir dos jogos dos nossos egos, pois estamos determinados a nos livrar de todos os problemas que eles nos causam. Isso não significa que nós tenhamos de desistir de uma casa confortável ou das coisas que gostamos. Em vez disso, estamos tentando eliminar os problemas que temos em relação a esses objetos. Isso leva-nos ao desapego.

Ser desapegado não significa que não podemos apreciar nada ou gozar o prazer da companhia de alguém. Na verdade, refere-se ao fato de que se nos apegarmos fortemente a qualquer coisa ou pessoa isso nos causará problemas. Tornamo-nos dependentes dessa coisa ou pessoa e pensamos: “se eu perder isso ou não puder tê-lo para sempre, ficarei infeliz”. Desapego significa: “se eu conseguir a comida que eu gosto, ótimo. Mas se a não conseguir, tudo bem. Não é o fim do mundo”. Não há apego por aquilo.

Na psicologia moderna, a palavra “apego” tem uma conotação positiva em certos contextos. Diz respeito aos laços que surgem entre uma criança e seus pais. Os psicólogos dizem que se uma criança não tiver um apego inicial aos pais, haverá dificuldades no desenvolvimento da criança. Uma vez mais, é complicado encontrar a palavra adequada em inglês [ou português] para transmitir o significado budista, uma vez que no budismo a conotação de apego é muito específica. Quando os ensinamentos budistas se referem à necessidade de desenvolver o desapego, isso não significa que não queiramos desenvolver um laço entre pais e filhos. O que queremos dizer com “desapego” é deixarmos de estar aferrados ou sedentos por algo ou alguém.

Fonte 2:
http://www.berzinarchives.com/web/pt

Fonte 1: http://www.honganji.org.br/essencial19.htm

O desapego, como sabemos, não é uma rejeição, mas uma liberdade que prevalece quando deixamos de nos atar às causas do sofrimento. Em um estado de paz interior, com conhecimento lúcido de como funciona a nossa mente, um prazer que não obscurece sukha não é indispensável nem temível.

Livro“Felicidade”, cap. 4

* sukha: (sânscrito) êxtase espiritual. Nesse livro, o autor usa o termo em um sentido de “felicidade e plenitude verdadeiras”

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