O ESPÍRITO DA ORAÇÃO OU COMO CARISMÁTICOS ENTRAM EM CONTATO COM DEUS - EDILSON PEREIRA



O espírito da oração ou como
carismáticos entram em contato
com Deus-Edilson Pereira*




 
RESUMO
Trata-se de um artigo sobre algumas orações e práticas religiosas desenvolvidas pelos membros da Renovação Carismática Católica, destacadamente na comunidade Canção Nova. Considerando a perspectiva nativa a respeito das situações e acontecimentos que envolvem o Espírito Santo, analiso a oração enquanto fenômeno social e reflito sobre as relações que se produziriam entre humanos e Deus através de eventos como a glossolalia, a profecia e o repouso no Espírito. Nessas relações, linguagem, corporalidade e sentimento operam como dispositivos de atualização e confirmação da presença e ação do Espírito neste mundo.
Palavras-chave: glossolalia, oração, renovação carismática católica

ABSTRACT
This is a article about some prayers and religious practices developed by the members of the Catholic Charismatic Renewal, mainly in the community Canção Nova. Considering the native perspective regarding the situations and events that involves the Holy Spirit, I analyze the prayer while social phenomenon and think over about the relationships that would be produced between human beings and God through events such as glossolalia, prophecy and resting in the Spirit. In these relationships, language, corporality and feeling operate as update and confirmation devices of Spirit's presence and action in this world.
Key-words: glossolalia, prayer, catholic charismatic renewal



O que acontece quando alguém invoca um ser sagrado? A essa pergunta relativamente simples o raciocínio sócio-antropológico provavelmente responderia que o que se dá é a mobilização de uma série de significados e práticas que são socialmente concebidos como eficazes na interação com os seres aos quais são atribuídas características e poderes não humanos, ou mesmo, sobre-humanos. Mas o que ocorreria se fizéssemos uma leitura da mesma questão de maneira a pensar não apenas os mecanismos sociais de produção da crença? E se levássemos em conta também os efeitos dessa invocação na relação que se forma entre a pessoa que profere algumas palavras e executa determinadas ações e o ser a quem essas palavras e ações se destinam?
Neste artigo analiso algumas orações que são proferidas e difundidas entre os membros da Renovação Carismática Católica (RCC), um dos movimentos religiosos de maior destaque no país atualmente. Minha proposta é pensar aquela primeira questão localizando-a nesse universo religioso, destacadamente nas práticas da comunidade Canção Nova1. Para tanto, pretendo observar a oração enquanto fenômeno social e, também, considerar a perspectiva nativa a respeito das situações e acontecimentos que envolvem o Espírito Santo. Figura central no catolicismo carismático, o Espírito Santo é percebido pelos seus membros como um ser que pode se manifestar no cotidiano da vida humana. E um dos meios privilegiados para invocar a sua presença, bem como para reconhecer a sua ação no mundo, seria justamente a oração.
Para os carismáticos o Espírito Santo não é tão somente um destinatário das mensagens contidas em uma oração. Mais do que isso, ele mesmo pode entrar em interação com o ser humano enquanto uma invocação é executada. A partir dessa premissa é que se realizam certos ritos como, por exemplo, o do batismo no Espírito, que visa infundir no ser humano uma renovação gerada pelo contato com Deus, servindo como uma forma de rito iniciático da espiritualidade carismática.2
Acompanhando essa entrada no universo simbólico da RCC, é possível observar uma modalidade de oração na qual se percebe o tipo de relação construída entre o ser humano e o Espírito: a glossolalia. Prática que excede a história da RCC e o próprio catolicismo, a glossolalia é uma prece na qual o sujeito falante profere a "língua dos anjos", assim chamada em referência ao seu caráter não lógico-narrativo e, em parte, não humano.
O que me chama a atenção aqui são as interrelações de uma coletividade orante que performatiza uma maneira de direcionar-se a Deus com uma divindade que também agiria de modo a se fazer sentir no mundo físico. Nessas relações, linguagem, corporalidade e sentimento operam como dispositivos de atualização e confirmação da presença e ação do Espírito entre nós. Desse modo, a prática carismática da oração será observada aqui particularmente nos aspectos que rompem com o caráter de mero rito oral das orações católicas tradicionalmente mais difundidas.3
Como nas orações observadas não se trataria de uma produção unicamente humana, posto que, em certo momento da oração, o Espírito Santo se manifesta, abordarei ainda dois outros eventos correlacionados à mística que caracteriza a glossolalia: a profecia, isto é, uma narrativa feita ao público carismático pela própria divindade por meio de um ser humano; e o repouso no Espírito, uma experiência marcada pela tomada de todo o corpo do sujeito pelo Espírito Santo - consequência simbólica e física, da entrega de si a Deus.
Ressalto que tal objeto amplo de análise se apresenta como profundamente desafiador, na medida em que equaciona normatizações sociais e ensinamentos doutrinários com momentos subjetivos de uma experiência religiosa nem sempre traduzível em nossa linguagem escrita. Por esse motivo, os eventos místicos observados foram pensados não somente em seus instantes decisivos (do encontro entre o homem e o Espírito), mas também em seus preparativos e efeitos, seja para o próprio sujeito que vivencia a mística, seja para o grupo que orienta a sua prática - ou, pelo menos, que a pretende orientar.

A comunidade Canção Nova

Em pouco mais de trinta anos de história, a comunidade Canção Nova passou da condição de um pequeno agrupamento de leigos e religiosos de uma cidade do interior paulista para a atual posição de destaque ao congregar centenas de membros, espalhados por diferentes cidades e países, além de ter se constituído num grandioso sistema de evangelização pelas mídias. Apoiada no alcance de seu canal de TV, da estação de Rádio, do portal na Internet e de sua editora própria, a Canção Nova foi progressivamente ganhando visibilidade pública graças aos seus retiros espirituais que, em sua sede, reúnem dezenas de milhares de pessoas.
A Canção Nova ficou conhecida, desse modo, por ter se formado em um importante centro de mobilização espiritual católico. Geograficamente próxima das cidades de Aparecida, onde se situa o Santuário Nacional, e de Guaratinguetá, onde nasceu Frei Galvão, o primeiro santo brasileiro, a cidade de Cachoeira Paulista passou a ser assunto entre os carismáticos graças ao status que a comunidade alcançou nesse meio. Todavia, de modo distinto dos centros espirituais vizinhos, para onde milhares de turistas e fiéis se direcionam periodicamente, a Canção Nova possui uma dinâmica própria de desenvolvimento e de vivência da religiosidade cristã.
Para ser um membro comunitário é preciso passar por um longo processo seletivo, que pode se estender por anos, para que se ateste que o(a) candidato(a) à comunidade possua, de fato, a vocação necessária, somente concedida por Deus, para aquele tipo de vida consagrada. Com isso, mesmo durante os retiros espirituais, onde visitantes e membros comunitários oram juntos, em busca de uma experiência religiosa comum, é possível perceber certas distinções operantes entre aqueles que vivem ali e os demais, que estariam apenas de passagem. Evidentemente, essa polaridade entre comunitários e visitantes é permeada por diversas diferenciações internas em cada um desses grupos, existindo, além disso, outras articulações que fazem com que eles, em determinadas ocasiões, sintam-se como membros de uma mesma família. A Família Canção Nova se define pelo compartilhamento de determinados valores morais e certos modos de comportamento (afetivo e sexual, inclusive), além da evidente e contínua busca de contato com o Espírito Santo, mediada pela oração.
Para os integrantes da Canção Nova, a oração constitui uma prática cotidiana obrigatória, seja em seus louvores e pedidos individuais ou em encontros coletivos, programados para determinadas horas do dia. Essa obrigatoriedade se justificaria pelo entendimento de que a oração é um importante passo na caminhada rumo ao "homem novo", renovado pelo Espírito Santo. Essa renovação é um compromisso assumido publicamente por aqueles que decidiram viver na e para a comunidade, de acordo com os preceitos de uma "vida no Espírito", um modo de vida definido pela obediência e adesão à hierarquia interna, inserção nas jornadas diárias de trabalho, estudo bíblico, sacrifícios dos desejos pessoais a favor das motivações comunitárias e, enfim, plena confiança de que tudo é regido por Deus, que provê suas necessidades.
Por sua vez, para que os visitantes expressem uma maior aproximação com os preceitos religiosos difundidos pelos membros comunitários é preciso que eles também mantenham a assiduidade de suas orações. Dessa forma, as pessoas que acompanham os retiros espirituais realizados na Canção Nova encontrariam na prática da oração um modo de vinculação com a espiritualidade carismática. De acordo com discursos correntes na comunidade, quanto mais o fiel reza, mais 'aberto' ele estaria às bênçãos divinas. Rezar torna-se uma maneira de o visitante aproximar-se mais de Deus (e das possíveis experiências místicas promovidas nos retiros carismáticos). A produção desse tipo de vínculo espiritual, mediado pela oração, seria fundamental na obtenção de uma graça divina, como uma cura (física ou espiritual), por exemplo.

O Espírito age

Na Canção Nova, membros comunitários e visitantes rezam, e muitas vezes o fazem conjuntamente, não apenas de modo a direcionar uma mensagem, individual, a um destinatário divino. Mais do que isso, a oração é pensada como um dos elementos que fazem com que o sujeito consiga.não apenas comunicar algo para Outrem, mas, na realidade, que ele possa se envolver mais e mais com o Espírito Santo e com suas manifestações.
O desejo de difusão desse tipo de aprofundamento místico-espiritual no próprio catolicismo pode ser encontrado facilmente nas falas de diferentes lideranças do movimento carismático pelo país, bem como nas intervenções do fundador da Canção Nova. Ao tratar da época em que se identificou com a RCC, no início dos anos 1970, Jonas Abib conta sobre os ideais de mudança dentro da Igreja que passou a compartilhar com outros membros do movimento. Para ele, a experiência religiosa, mística, que estavam vivendo era uma:


Renovação que vinha cheia do carisma do Espírito, não com o objetivo de ser um movimento apenas, um movimento festivo que atraísse mais e mais pessoas para a Igreja, mas vinha com a proposta de fazer com que a Igreja permanecesse em movimento. [...] Era preciso fazer com que os batizados fossem cristãos de fato, que tivesse esta vida verdadeiramente nova. Não uma outra maneira de participar, mas uma nova postura, que não vinha simplesmente de uma doutrina, vinha de uma experiência. Era preciso uma experiência nova para ser uma criatura nova e entender, de fato, a beleza do cristianismo. (Chalita 2006:206)
Na fala do padre, que reivindica a legitimidade do conhecimento que se dá pela experiência pessoal (apelo recorrentemente identificado entre os carismáticos), encontramos uma tensão que excede a Renovação Carismática e se apresenta como amplamente vinculada à história do catolicismo, e talvez do cristianismo em geral. Trata-se da oposição que se identificou e ainda pode ser reconhecida entre, de um lado, a experiência subjetiva e imanente com aquilo que se reconhece como sagrado (experiência que, portanto, tende a uma descentralização), e de outro, a construção da religião, seu disciplinamento e institucionalização, que reforçaram a ideia de uma dinâmica transcendente de acesso ao Céu.
Pesquisadores como Raymundo Heraldo Maués (2002), Carlos Alberto Steil (2004) e Selma Baptista (1989) dedicaram-se, de modos diversos, a análises do universo religioso cristão e de suas práticas místicas. Inspirados em historiadores como Peter Brown, entre outros, eles retomaram e problematizaram essa tensão entre imanência e transcendência que parece ser, segundo suas próprias falas, intrínseca ao cristianismo: "Sustento (...) que a tradição judaico-cristã, que herdamos culturalmente no Ocidente, possui, em sua origem, dois elementos essenciais e inerentes, embora aparentemente contraditórios, que são o caráter extático e o 'germe' da secularização" (Maués 2002:58). Nesse mesmo sentido, outro autor comenta: "Essa tensão entre o conhecimento místico, que vem da experiência, e o conhecimento teológico, que tem origem na racionalidade da fé (...), é constitutiva da trajetória histórica do catolicismo" (Steil 2004:25).
Documentos eclesiásticos que tratam da Igreja contemporânea e de movimentos religiosos como a RCC reafirmam, para o presente, o caráter ambivalente dessa tensão constitutiva. A relação entre diacronia, que resulta da crença na existência física da pessoa de Cristo que se inseriu e, de certo modo, dividiu a história, e a sincronia, própria do Espírito Santo, que só se dá a conhecer como ação no presente, seja este qual for, é observada como central na teologia cristã na medida em que "(...) toda a obra salvífica de Deus se realiza pela dupla missão do Verbo-Filho e do Sopro-Espírito" (Comissão Episcopal para a Doutrina da Fé 2006:29). Em outras palavras, se foi Cristo que revelou a Boa Nova ao mundo (criado pelo Pai), é o Espírito Santo que a mantém viva, passível de ser continuamente atualizada, independente da história humana. Agência privilegiada nos processos de conversão e manutenção da fé carismática, o Espírito Santo é explicado em sua potência pela Igreja como tendo em sua raiz etimológica (do termo hebraico Ruah) os sentidos de sopro, ar, vento.
No universo carismático, o Espírito Santo e seus atributos podem se manifestar a qualquer instante. Observei um exemplo prático disso com Vicente4, um jovem ex-membro da comunidade. Tendo concordado em me ceder uma entrevista, pediu que antes fizéssemos uma oração - como num ritual de entrada. Concordei e ele, ali mesmo onde estávamos, numa área aberta da Canção Nova, iniciou:


Deus Pai Todo Poderoso, neste momento tão profundo de partilha, (...) vamos pedir a luz do Espírito Santo para que possa conduzir essa conversa de maneira simples, clara e objetiva. E que o Espírito Santo possa falar em nós as palavras que, ali, elas expressem melhor aquilo que nós queremos ouvir e o que for preciso para a sua pesquisa.
[Nesse exato momento da oração, eu e Vicente começamos a sentir um vento que passava por onde estávamos. E então ele continuou:]
Sim, Jesus, derrama o teu Espírito Santo sobre nós como esse vento que agora sopra! Que nós possamos ficar totalmente repletos e cheios da tua graça! Amém.
Já nesse pequeno exemplo, é possível observar que Vicente ora para falar com Deus, enquanto simultaneamente, na própria oração ele pede a Jesus que o Espírito Santo passe a falar por nós, guiando nossas palavras naquele momento de interação. Essa percepção sobre a ação do Espírito Santo, representado no cristianismo como sendo o "Sopro de Deus"5, é generalizada entre os carismáticos. Assim como o vento na situação descrita, muitos outros fatos cotidianos podem ser reconhecidos como sendo sinais da presença de Deus. E parte significativa dessa capacidade de reconhecimento e decodificação da ação divina no mundo se dá como resultado de rituais que visam construir uma interação entre ser humano e Espírito Santo.
Dentre esses rituais, um dos mais importantes é o de "imposição das mãos", no qual os fiéis experimentam a chamada Efusão no Espírito Santo. Nesse rito, um sacerdote fica diante dos leigos, que podem estar em pé ou sentados, expondo as palmas das mãos em direção a cada um deles, na altura de suas cabeças. Também chamado de Batismo no Espírito, esse evento atualiza o primeiro batismo dos católicos através do contato com o Espírito Santo.
Jonas Abib conta que no ano de 1971, ainda como seminarista, encontrou padre Haroldo Rahm (um sacerdote carismático reconhecido nacionalmente como sendo um dos primeiros responsáveis pela difusão do movimento no Brasil) e, através dele, soube da RCC. Nesse encontro, após a missa, padre Haroldo perguntou a Jonas Abib e outros colegas se eles queriam que ele os batizasse no Espírito Santo. Abib diz que, mesmo sem saber exatamente o que era aquilo, aceitou. Contudo, durante a imposição das mãos, afirma que não sentiu nada de extraordinário. "Quando padre Haroldo rezou por mim, não senti nada de especial, nenhuma emoção. Ele orou por mim e pronto". Mas ele continua contando sua história dizendo que:


Passei aquela noite - era uma noite muito bonita - nos pátios do Colégio São Joaquim, rezando como nunca tinha rezado na minha vida. Não era oração em línguas. Nem sabia ainda como era isso. Embora padre Haroldo tivesse falado em pessoas que oravam em línguas, eu não conseguira entender como isso era possível. Mas a oração brotava no meu íntimo. E o mais importante: sumiu aquela revolta, aquele ressentimento, aquele vazio que havia dentro de mim. Eu não era capaz de explicar, mas havia sumido. Permaneci ali sozinho, andando pelos pátios. Depois, fui à capela que havia ali próximo, sempre rezando espontaneamente, o que não era costume. Já quase de madrugada, quando fui para o quarto deitar, parecia um passarinho voando, tal a mudança que havia ocorrido dentro de mim. Ao acordar no dia seguinte, embora tivesse dormido muito pouco, minha impressão era a de que tudo tinha sido lavado, o Céu, as árvores, o colégio. Tudo estava diferente, para mim. Colorido, bonito. Tudo isso foi me questionando... Eu pensava: 'Mas o que aconteceu comigo? Foi isso que padre Haroldo falou? É isso que é o batismo no Espírito?' Não havia ninguém com quem eu pudesse conferir. (Chalita 2006:201-201).
Padre Jonas, que narra o ressentimento que o dominava naquela época, decorrente de seu afastamento involuntário, obedecendo a ordens eclesiais, dos retiros de jovens que antes acompanhava, trata esse momento como sendo de profunda "cura espiritual". Análogo a dinâmicas de conversão de outras religiões, o preenchimento de um "vazio interior", ocupado pela pessoa divina do Espírito (Steil 2004), teria efetivado uma transformação em sua vida.
Segundo padre Jonas, após seu batismo no Espírito, a primeira consequência que ele percebeu, em seus próprios termos, foi: "eu, que não rezava, já tinha passado aquela noite rezando. Peguei de novo meu breviário. Rezar com ele passou a ser muito diferente. Não era mais uma coisa mecânica, ali escrita, que eu rezava por obrigação. Aquilo era vivo" (Chalita 2006:202). Essa vivacidade dos objetos, o deslumbramento com tudo aquilo que lhe rodeava, são características comuns dos estados de êxtase em diferentes tradições religiosas (Lewis 1977; Maués 2002; Oliveira 2003; Rehen 2007). A partir da experiência mística, o mundo parece como que transformado junto com o sujeito. No caso do padre, o Espírito, ainda que não tenha sido sentido no momento do rito, teve suas obras reconhecidas, pois a mudança no modo de ver o mundo e o novo apego à oração podem ser tidos como um resultado da ação divina.6
Essa transformação no modo de ver remete a uma intensa mudança ocorrida naqueles que passaram por rituais como o batismo no Espírito Santo. Entretanto, esse rito não produz necessariamente por si só uma oposição absoluta entre o antes e o depois, fazendo com que o presente apague o passado. Ao relatar a alteração ocorrida em sua vida, o sujeito se apresenta como um "outro eu", renovado. E essa busca pela transformação de si, mediada pelo Espírito Santo, revela-se crucial para que um sujeito se aproxime da Canção Nova e da espiritualidade carismática. Isso porque, tanto integrantes da comunidade, como visitantes e membros de grupos de oração, todos buscam atualizar seu contato com Deus, tornando-se consequentemente diferentes daqueles que estão afastados dos planos e bênçãos divinos.
Entretanto, tal distinção produzida com os resultados da interação com o Espírito Santo possui certo caráter provisório, pois a graça, que distingue, depende no final das contas da ação do Espírito, agência que excede o controle humano. Por isso, em hipótese, o mais antigo membro da comunidade e um novato poderiam igualmente ser atingidos pelo Espírito Santo, sentindo sua presença em suas vidas. Ou seja, é como resultado da ação do Espírito que todos, comunitários e visitantes, podem se sentir, mesmo que apenas por alguns instantes, mais iguais entre si, fortalecendo um sentimento de união.
Para que esse sentimento de proximidade entre aqueles que experimentam a Deus se mantenha, a oração se apresenta como um instrumento privilegiado para a manutenção do vínculo com o Espírito Santo. Para os carismáticos, o sujeito "renascido" ou que esteja desejoso desse renascimento precisa se comunicar com Deus para se manter próximo das coisas reconhecidas como sagradas. De acordo com a co-fundadora da Canção Nova, Luzia Santiago (2006:133) "(...) em todo o tempo, o que deve dirigir o nosso coração é a força do Espírito Santo por meio da oração, pois Deus não se manifesta a quem não fala com Ele".

A língua dos anjos: a glossolalia

Na vontade de se atualizar o contato com Deus, que pode impelir o sujeito a um novo horizonte de vida, são direcionadas ao Espírito Santo ações e palavras eficazes. Considerada como um elemento fundamental para a manutenção do acesso ao universo das coisas e seres sagrados, a oração se revela então como chave para a compreensão de dinâmicas de pertencimento, reconhecimento de si e interação em grupos religiosos como os que circulam pela Canção Nova.
Destacada como parte fundamental dos momentos de experiência religiosa carismática, a chamada "oração em línguas", "glossolalia" ou "língua dos anjos", revela o modo instigante pelo qual o pentecostalismo católico - assim como o evangélico - procura superar a dicotomia teológica cristã de corpo versus espírito. Analiticamente aproximada das práticas de êxtase religioso e por vezes até mesmo do transe ou possessão por espíritos, a glossolalia é para seus praticantes um tipo de oração que faz comunicar, de modo imediato, o ser humano com a pessoa divina do Espírito Santo. Nessa relação mística, o sujeito experimenta Deus, enquanto, simultaneamente, Este preenche todo o corpo do primeiro.
Rito vivenciado nos primeiros tempos da Igreja (Mauss 1979) e identificado historicamente também fora do cristianismo (Lewis 1977; Baptista 1989; Maués 2003), a glossolalia se revela hoje como uma prática plenamente difundida no universo carismático, chegando a desempenhar uma importante função nesse meio, visto que conseguir orar em línguas é, pela concessão do dom ao sujeito, uma prova de bênção pelo Espírito. Desse modo se confirma a iniciação da pessoa, ou pelo menos sua aproximação, nessa expressão do catolicismo e de sua "abertura" às graças divinas. Tal inserção, mesmo que relativa (sem ter que necessariamente implicar uma adesão completa à RCC), é tratada como consequência de uma "experiência pessoal com Cristo", pensada num sentido específico de reconhecimento da ação do Espírito Santo sobre a vida do sujeito.
O incentivo dos grupos carismáticos à construção de uma intimidade com Deus por seus adeptos encontra na oração em línguas um eficaz instrumento para tal tarefa: nela, a dimensão coletiva da reunião de oração confunde-se com um envolvimento subjetivo, íntimo, por parte dos orantes. Confirmando o lugar central das orações no cotidiano da comunidade, o site da Canção Nova apresenta uma explicação do fundador da comunidade sobre como se realiza o "dom de línguas", responsável pela oração em línguas:


Nós damos o combustível, que é o nosso ar. Movemos nossas cordas vocais, movemos a boca, a língua, geramos sons; e o que acontece? O Espírito Santo ora, fala e canta em nós. Fornecemos a expressão palpável, mas quem dá o conteúdo, o fogo e a oração é o Espírito Santo. Você não imagina o valor dessa oração! Porque não somos nós orando simplesmente. É o Espírito Santo orando em nós! Que acontece no dom de línguas? Quem entra em ação não é a nossa inteligência. Movimentamos as cordas vocais, soltamos o ar, mexemos a língua, a boca, e produzimos som; mas o conteúdo vem do Espírito Santo.
Considerada um marco elementar da espiritualidade carismática (Csordas 1997), a oração em línguas se configura como sendo um tipo de prece onde as dimensões do ouvir e do falar estão simultaneamente imbricadas. Por isso, ela se destaca das outras orações por poder produzir mais do que uma invocação propriamente dita, como ocorre com as preces direcionadas de um emissor rumo a um receptor divino. Já no plano da linguagem, a glossolalia se diferencia de todas as outras orações que são formuladas pela instituição religiosa e ensinadas pela tradição da catequese - onde se acumulam, de acordo com o histórico religioso pessoal, diferentes orações com finalidades variadas.
A glossolalia privilegia a sensibilidade do sujeito e a sua incapacidade de controlar racionalmente o encontro com o Espírito Santo. Essa oração, que não possui um conteúdo doutrinário, atravessa a instituição alcançando em cheio o sujeito carismático, inclusive numa dimensão linguística subjetiva. Sinteticamente, poderíamos dizer que a glossolalia é uma manifestação "(...) na qual o falante/crente, no contexto da oração e tomado pelo êxtase, produz uma linguagem emocional, ritmada, silábica, quase -melódica, cuja característica fundamental é ser expressiva e não intelectiva: bastam-lhe os sons e os gestos" (Baptista 1989:17).
Com isso, "orar em línguas" torna-se para os carismáticos uma maneira de atualizar o Pentecostes a cada nova oração. Na medida em que os sujeitos afirmam identificar em seu cotidiano os sinais da presença de Deus (tais como arrepios, imagens, sons, movimentos corporais e demais sensações internas) podem enfim reconhecer esses mesmos sinais como indícios físicos da ação do Espírito Santo. De modo significativo, a própria glossolalia é considerada também como uma prova da interação com o Espírito, pois, como em Pentecostes, o sujeito não controla, num sentido lógico-narrativo, o que é dito - é o Espírito que sopra, onde e como ele quer.
Pode-se observar, portanto, que tal prática religiosa conjuga aspectos humanos e não-humanos, e remete simultaneamente à posse e ao descontrole por parte do sujeito. Não obstante, esse antagonismo presente na oração glossolálica pode ser verificado também no caráter ambivalente daquilo que se reconhece como sagrado (Callois 2004; Bataille 1993) e ainda na própria linguagem religiosa como um todo, como afirma o antropólogo Webb Keane (1997:65-66):


Como tem sido frequentemente observado, a linguagem pode parecer ao mesmo tempo profundamente subjetiva (como um meio aparente do pensamento interior), e eminentemente social (como um sistema preexistente e um meio de comunicação). (...) Entre essas diferentes instâncias há um ponto limítrofe implícito: que a agência humana não é sempre algo que as pessoas querem celebrar ou reclamar inteiramente para si; elas podem preferir encontrar a agência em outros mundos. Para o âmbito, contudo, em que aquele acesso ao outro mundo é mediado pela linguagem, isso envolve tensões persistentes entre a transcendência e o presente pragmático.7
Desse modo, a oração em línguas mantém o sujeito tanto como centro da ação quanto como objeto de uma ação que se pensa como exterior ao ser, ou melhor, superior a ele, mas que em certos momentos o invade, confundindose com ele. A glossolalia constitui-se, dessa forma, em um produto humano e divino, onde o fiel ou o próprio Espírito Santo pode se destacar como agência responsável pela intensidade da oração. Quanto menor for o controle humano, mais profunda se revela, consequentemente, a experiência mística que a oração é capaz de gerar.
Além disso, ao atentarmos à dimensão social da prece, notamos que, embora a glossolalia possa ser produzida individualmente, ela também se configura como uma prática coletiva. Se considerarmos o relativo caráter pedagógico que envolve a glossolalia, na medida em que ela não é um domínio imediato, inato, poderemos então observar que os Acampamentos de Oração na Canção Nova e os grupos de oração carismáticos acabam por produzir o que Baptista chamou de "uma comunidade sonora" (1989:281), onde se ensina que para saber dizer é preciso, pois, saber ouvir. Assim, a oração em línguas pode abrir as portas para as relações entre as pessoas com o Espírito Santo, mas também das pessoas umas com as outras, entre as que narram suas experiências e as que desejam passar pelos estados místicos que a glossolalia proporciona.
A subjetividade que se expressa na criatividade presente em cada situação glossolálica está continuamente relacionada com um contexto social específico. Essa interação entre aspectos objetivos e subjetivos da vivência religiosa na Canção Nova é continuamente atualizada e performatizada, desde as relações cotidianas entre os membros comunitários até as situações onde cada um destes deve mostrar ao público o que significa ser um "homem novo". Essa última situação, geralmente ambientalizada no palco-altar frente às câmeras, muitas vezes ocorre apoiada em melodias, canções e acordes suaves.
Cantor e autor de inúmeros livros, Pe. Jonas também dedicou parte de sua obra à didática da imersão no Espírito Santo, o chamado "mergulho no Espírito de Deus", tido como prática obrigatória para uma plena inserção no território simbólico da Canção Nova. Seu livro Orando com Poder (2005) é direcionado principalmente para aqueles que pretendem se formar como intercessores: um tipo de especialistas da oração, que oram em função de outras pessoas para que elas sejam curadas, recebam as graças pedidas etc. Em uma parte de seu livro, intitulada "Oração no Espírito", Jonas Abib trata da ação do Espírito Santo sobre o sujeito que "ora em línguas":


Não sabemos orar, então nos colocamos na presença de Deus e realizamos a nossa parte que é emitir os sons. Quem se põe diante de Deus por nós, como nosso advogado, é o Espírito Santo. Assim como um advogado sabe falar com o juiz, o Espírito Santo sabe falar com o Pai e com Jesus. (...) Realmente, não sabemos como orar, mas o mesmo Espírito Santo intercede por nós com gemidos inefáveis. A palavra 'inefável' é derivada de um verbo latino e quer dizer 'aquilo que não se pode exprimir em palavras'. São gemidos que não podemos traduzir, falar ou explicar, porque não são resultado da mente humana. É o próprio Espírito Santo orando em nós
Na glossolalia, o sujeito exprime uma tentativa de passagem de uma oração para Deus a uma oração de Deus. Se, por um lado, essa passagem poderia fazer a glossolalia deixar de ser uma oração, posto que a porção humana poderia se perder, por outro, a produção de uma linguagem ininteligível e inefável, segundo padre Jonas, pode direcionar o sujeito a estados nos quais a palavra, concebida como elemento humano, ao se aproximar intimamente de Deus, desmancha-se em sua forma e conteúdo linguísticos. Afinal, é a divindade que passa a falar e a agir através do corpo humano.

Outras línguas dos/nos homens: da ofensa à profecia
 
Fenômenos como a glossolalia e o batismo no Espírito Santo são relatados na Canção Nova através da metáfora de um encontro místico no qual o sujeito se eleva e o Espírito encarna, manifestando-se no mundo. Talvez exatamente na junção entre esse duplo movimento de encontro é que resida a preocupação eclesial sobre a experiência subjetiva dos fiéis. Isso porque no instante do encontro, assim como Crapanzano (2005) observa, é formulada uma situação liminar que parece se apresentar como fora de classificação: durante o instante específico de encontro, o sujeito que é invadido pelo Espírito Santo é o quê? É deus? É homem? Sua experiência é êxtase ou possessão?
A singularidade desse momento, em que o sujeito e Deus se encontram de modo fluido, fica evidente pela pressa e preocupação da atribuição de sentido ao evento místico por parte do grupo que envolve o sujeito em questão. Se a experiência, por mais subjetiva que seja, for vivenciada conforme os parâmetros coletivos de legitimidade, ela é considerada mística e edificante. Há, dessa forma, a construção de certos modos legítimos de vivenciar o encontro e, por conseguinte, a manutenção desses mesmos modos. De acordo com Maués (2003:33), ao pesquisar técnicas corporais de louvor em grupos carismáticos, a experiência mística de certos membros era algumas vezes, interpretada como "resultado da ação do demônio". Vale ressaltar que em certos casos, segundo os carismáticos, a diferença entre a ação do Espírito e do demônio é somente distinguida com segurança por pessoas que possuem um status reconhecido para tal atribuição.
Na Canção Nova, também já foram presenciadas situações de possessão, todavia incomuns. Fátima, uma jovem voluntária que, em 2006, fazia o "caminho" pra entrar na comunidade, contou que estava no posto de acolhida da comunidade em Cachoeira Paulista quando, num dado momento, a notícia de que haveria uma mulher possuída por algum espírito maligno dentro da chácara se espalhou rapidamente entre voluntários, funcionários e membros da comunidade.


Ela tinha uns vinte e poucos anos, não sei... Fazia três dias que ela não deixava os pais dela dormir, e ela tava possessa mesmo. O padre Manuel teve que fazer, intervir, três orações em cima dela. Teve uma oração quando ela chegou, de madrugada. De manhã cedo, logo cedo, porque tava impossível, ninguém conseguia segurar ela. Nem mesmo o padre conseguiu segurar ela. Tava impossível mesmo. E [a última oração ocorreu quando] ela tava no meio da missa.
Isso foi aberto pra todo mundo?
Todo mundo viu porque ela tava na missa. Os pais dela levaramna pra missa. Com a fé que eles tinham, levaram-na pra missa crendo que ela ia ser curada lá. Levaram-na pra missa e ela continuou com a possessão lá, falando coisas horríveis...
Falava palavrão?
É, falava palavrão, maldizendo a sagrada eucaristia... tudo, maldizendo tudo. E tava possessa mesmo. Todo mundo via que ela falava em línguas estranhas; que ninguém entendia o que ela falava.
O sacerdote em questão, que teria resolvido o problema da possessão, é um padre exorcista chamado Manoel Sabino, de origem angolana. Esse padre, no ano anterior a esse episódio na Canção Nova, teve seu ministério suspenso durante alguns meses pelo seu arcebispo correspondente. Ele fora acusado, em seu país, de envolvimento com práticas rituais que fugiriam às normas católicas. De volta à atividade, passou pelo Brasil e permaneceu duas semanas na Canção Nova. Nesse período, foi entrevistado pela equipe do site da comunidade para uma reportagem em que explica as características que facilitam o reconhecimento de pessoas em estado de possessão, evitando a confusão entre essas e outras pessoas que estariam "apenas" psicologicamente perturbadas. De modo instigante, ele reforçou o que Fátima havia identificado como característica de pessoa em estado de possessão:


A pessoa possuída pelo demônio, a princípio, tende a apresentar sintomas característicos, como falar línguas estranhas. Um exemplo, é alguém que nunca tenha estudado francês, inglês, latim ou grego e, de repente, começa a falar um desses idiomas, como o grego, por exemplo, de forma fluente e clara. Isso é um sintoma de que há uma entidade estranha nela. Ela também poderá adotar atitudes externas como agressividade e ira exageradas, fúria e agressão física. Estes são também sintomas que nos fazem pensar que essa pessoa já esteja possuída por alguma entidade estranha, que é o espírito do mal.
Falar em línguas "estranhas", elemento primordialmente atribuído ao evento de Pentecostes, toma nesse caso um outro sentido bastante diverso. Se no início da era cristã a ininteligibilidade da oração glossolálica retratou uma experiência de encontro com Deus, neste caso, a capacidade de falar outros idiomas (inteligíveis, como as ofensas religiosas) é reconhecida como vinculada às pessoas demoníacas. Note-se, pois, que o mesmo território eucarístico que é representado como ambiente privilegiado de interação com Deus é, também, o lugar onde pode irromper a ação demoníaca.
Para distinguir a possessão, associada à experiência demoníaca, do êxtase, relacionado, por sua vez, a uma experiência com o Espírito Santo, os carismáticos adotam diferentes medidas, como, entre outras, a observação do tipo de linguagem empregada e a intensidade da performance corporal. Assim, partindo de signos oferecidos pelo sujeito afetado busca-se decifrar qual agência espiritual estaria presente.
É importante acentuar que, no meio carismático, os eventos místicos resultantes da mediação da glossolalia não se realizam como algo extraordinário. Ao contrário, essa e outras situações de comunicação entre os homens e Deus são entendidas como próprias aos lugares de reunião dos grupos carismáticos, tal como ao "território eucarístico" que a Canção Nova afirma ser. Grande parte do público que se dirige à comunidade em Cachoeira Paulista o faz motivado exatamente por esse caráter místico permanente mantido pela comunidade. Contudo, apesar do frequente deslocamento de milhares de pessoas aos retiros espirituais da Canção Nova, e em contraste com o caráter iniciático que a glossolalia pode assumir - embora não se resuma a essa função -, há certos modos de dizer e de ouvir Deus que estão disponíveis apenas para alguns poucos.
Fenômeno frequentemente acompanhado ou precedido pela glossolalia, o dom da profecia marca outra dimensão da espiritualidade carismática. Na profecia, assim como nas chamadas locuções interiores em lugares de aparição mariana analisadas por Cecília Mariz (2003), há a transmissão de um sentido de alerta, de recomendação, como um "sinal dos tempos", para que os sujeitos se convertam antes do Juízo Final.
Esse evidente caráter instrutivo da profecia revela que na RCC não se reza unicamente para Deus e para os santos. Reza-se também para os outros, para aqueles que podem compartilhar o mesmo patamar simbólico de filhos de Deus, como irmãos, mas que são identificados como estando em desigualdade hierárquica com esse ouvinte especial das palavras de Deus, que geralmente coordena ou centraliza o grupo.8
Tal dimensão diferenciadora viabilizada pela oração pode, por vezes, se fazer presente em diversos instantes na Canção Nova. Padre Jonas Abib, líder reconhecido da comunidade, desenvolveu, ou melhor, permitiu que Deus desenvolvesse nele a habilidade de transmitir as palavras da pessoa de Cristo. Eliane Oliveira (2003) transcreveu parte de um desses momentos onde as pessoas de Jonas Abib e de Jesus ocuparam a mesma boca e a mesma fala. Foi durante uma palestra no Acampamento de Músicos, em 2002.


(...) Eu vos falo por amor. Convertam-se e comecem hoje a vida nova. Acorda filho, acorda filha. [nesse momento, o público aplaude]. Não aplaudam, não! Isso é muito sério! É o Senhor que fala por mim (...). Com muita humildade, mas eu não posso negar que eu falei em profecia. Ou melhor, o Senhor acabou usando de mim, quem sou eu? (...) O Senhor acabou de falar a você através dos meus lábios, eu fui apenas o alto-falante. Ore em línguas, ore, ore. (...) Eu ponho em vossas mãos as verdadeiras armas que são as armas do Meu Espírito. Os dons do Meu Espírito Santo. Eu lhe estou dizendo hoje: use todos os seus dons, desde os dons menores que é o de línguas, cantem e ensinem a cantar assim (Abib apud Oliveira 2003:121).
Durante a oração em línguas, o padre participou pelo microfone junto com o público presente em frente ao palco-altar. O reconhecimento de ter falado como Jesus me parece desempenhar uma espécie de duplo efeito. Primeiro, de confirmar, ao lado da glossolalia, outro dom atribuído ao Espírito Santo, o da profecia, pois a existência de pessoas que desempenham esse dom é um reforço, uma confirmação do poder atribuído a Deus, que distribui seus dons entre os fiéis. E, segundo, o da distinção de status naquele universo; afinal, em quem mais além dele haveria de se manifestar o dom da profecia? Assim como Pierre Clastres observou em outro contexto etnográfico, é possível notar também no cenário aqui analisado que "falar é antes de tudo deter o poder de falar" (2003:169).
Ora, o próprio nascimento da Canção Nova é tratado como resultado de uma profecia: apesar da descrença de muitos, padre Jonas foi perseverante em insistir na formação do agrupamento, afirmando que esse projeto era desejo de Deus (Abib 2003). Seria justamente por isso que, nos mais de trinta anos de comunidade, os seus membros têm superado os desafios impostos pelo mundo. Sobre esse sentido de superação, vale acrescentar que no último trecho transcrito padre Jonas trata o dom da glossolalia, praticado pela maioria das pessoas (alguns milhares) que compõem o público presente no retiro religioso, como um "dom menor". Menor porque é o mais difundido, podendo ser acionado por pessoas que se envolvem com a RCC ma não se converteram a ela, servindo mais para igualar do que distinguir as pessoas; ou menor porque seria um dom de "abertura" aos demais, numa gradação de complexidade, responsabilidade e graça? Embora a segunda opção seja recorrente nas falas legítimas da Canção Nova, creio que ambas as possibilidades indicam caminhos valiosos para uma interpretação das falas do padre. Como se observa de modo mais evidente no dom da profecia, as práticas religiosas abordadas podem indicar, entre outras coisas, o grau de proximidade de uma pessoa em relação à comunidade. Dessa forma, a oração e as experiências com o Espírito Santo servem tanto para uma tentativa de integração do público carismático, quanto para distinguir os seus membros uns dos outros.

Corpos dóceis ao Espírito

Até aqui, acompanhamos diferentes modos de interação dos carismáticos com o Espírito Santo. Do que foi observado, podemos destacar a linguagem como meio fundamental para esse contato. Seja em sua forma ininteligível (pela glossolalia), seja pela enunciação comandada pelo ser divino, (no caso da profecia), nesses dois modos de "abertura" à ação divina, um elemento comum se destaca: o caráter performático que faz com que o sujeito represente para si e para os demais sua própria experiência mística. Ao observar os modos socialmente definidos para se atestar ou refutar a legitimidade de um êxtase religioso, nota-se que a atenção voltada para o corpo humano revela a sua importância nas relações entre os homens e o Espírito.
A relação dos carismáticos com o corpo se realiza analogamente à maneira pela qual eles praticam a glossolalia. Em primeiro lugar, isso quer dizer que o corpo não é apenas um acessório da oração: ele se revela como sendo fonte e via da comunicação com Deus, ou seja, existem orações produzidas pelo próprio corpo9. Em segundo lugar, mais do que utilizar seu corpo como um instrumento de oração a fim de acessar uma realidade outra, o sujeito carismático tem em si um lócus de reconhecimento da ação do Espírito: isto é, em certos casos, o corpo pode se tornar um objeto da ação divina, independente da intervenção e controle humanos.
Todavia, como veremos, essa forma de entrega de si está relacionada a determinadas técnicas corporais que se vinculam aos mecanismos de integração e de diferenciação social operantes no contexto carismático analisado.
Durante minha pesquisa de campo, acompanhei um breve diálogo entre um grupo de visitantes na Canção Nova, ocorrido em novembro de 2006. No quarto masculino da hospedaria, situada na sede da comunidade, presenciei uma conversa entre alguns jovens, que formavam um grupo de amigos, e um outro rapaz, que estava sozinho. Logo de início percebi que o rapaz sozinho havia chamado a atenção do grupo por ser um novato nos retiros da Canção Nova e nas práticas carismáticas. O diálogo que eles travaram abordava os momentos pessoais de oração, de contemplação e de contato com o Espírito Santo. Em dado instante, um dos jovens do grupo de amigos afirmou num tom didático para o novato: "Você tem que deixar o Espírito Santo agir em você". E, contando de sua própria experiência religiosa, disse: "Eu tô conversando com o Senhor e, de repente, eu tô chorando". Na sequência, começaram a falar a respeito da ação de Deus sobre a pessoa, especificamente no que se refere ao "repouso no Espírito". O mesmo jovem tentou explicar ao novato como se realiza esse tipo de experiência: "Acontece... mas você fica ouvindo as pessoas; você sabe o que está acontecendo".
A conversa prossegue até que, chamando a atenção de todos, inclusive do novato que acabara de ser chamado de "amado" por outra pessoa do grupo, o mesmo jovem continua: "O Senhor vai falar com ele hoje. Ele falou que não acredita no repouso do Espírito Santo". Nisso, outro integrante do grupo de amigos interrompe, também tentando explicar para o novato o que ocorre nesse tipo de evento: "[você fica] igual pedra. Você não se machuca; mas tem que abrir o coração. Você tem que abrir o coração pra isso acontecer". Então, o rapaz que começou o assunto, retoma: "Porque Jesus não é ditador, é amor". Ao fim da conversa, o grupo de amigos tentava ensinar ao jovem como orar, mesmo nas ocasiões íntimas, pessoais. Insistiram que ele não deveria ficar repetindo "eu duvido, eu duvido", mas que ele deveria substituir isso por "eu creio, eu creio".
Mesmo sem conhecer, sem compreender plenamente o que era o repouso no Espírito, o rapaz foi incentivado a acreditar em sua eficácia - afinal, a comprovação pessoal do que os demais lhe contavam somente poderia ser alcançada pela passagem por uma experiência pessoal, e esta, por sua vez, somente ocorreria se, a priori, ele estivesse aberto à ação divina. Justamente por isso é que o grupo o impelia a "se entregar" à verdade revelada pelo Espírito.
Vale ressaltar que a possibilidade dessa experimentação mística não se realiza de modo aleatório. Existem parâmetros sociais definidores dos modos legítimos de interação com Deus. No começo do diálogo entre os jovens, um dos rapazes contou como ele expressava certos sinais do contato com o Espírito. Um desses sinais seriam as lágrimas, que lhe pareciam involuntárias - e que podem nos ajudar a identificar a obrigatoriedade da expressão de certos sentimentos na Canção Nova (Mauss 2005).
Considerando o caráter pedagógico presente mesmo nesse curto diálogo narrado, é possível observar como esses jovens colocaram em ação, através do discurso, determinadas sensibilidades e noções que se reconhecem como comuns a todos aqueles que se propõem a uma maior vinculação com a espiritualidade carismática. A vergonha, por exemplo, que segundo Lévi-Strauss (1973:208), seria o "sentimento social por excelência", deveria ser superada. "Não pode ter vergonha de chorar", disse um dos jovens ao novato. É preciso expressar-se e se emocionar publicamente para que a ação do Espírito se realize de maneira plena sobre a vida do sujeito.
O que fazer e como fazer para realizar a comunicação com Deus e a inserção naquele espaço social constituem, dessa maneira, uma espécie de fatos de educação. Em sua conversa, os jovens ensinavam ao outro rapaz a existência de um conjunto de técnicas (como o choro, por exemplo) necessárias para uma correspondente eficácia do contato com o sagrado. Sobre esse aspecto, pareceme valioso o ensinamento de Mauss ao dizer que toda imitação é prestigiosa. Imita-se o que se aprende que é imitável, reconhecido socialmente como tal (Mauss 2003:405); exatamente por isso é que se compartilham histórias pessoais de experiências místicas. Essas histórias, por sua vez, foram e são orientadas por outras histórias exemplares, como os testemunhos de conversão que recorrentemente se produzem nos palcos e altares da Canção Nova.
Nesse processo educativo, caso o sujeito consiga enunciar, manipular, performatizar as técnicas socialmente concebidas como corretas, ele então terá se inserido no universo simbólico em questão e poderá, consequentemente, acessar as graças decorrentes da eficácia de seus atos. Quando um dos jovens afirma que, no momento em que está conversando com o Senhor, ele começa a chorar "de repente", esse testemunho nos dá uma amostra da eficácia em ação, que não permite que ele reconheça a motivação de suas próprias lágrimas. Em sua comunicação com Deus, o encontro parece ser tão profundo que, de certo modo, ele deixa de ter o pleno controle de si, pois seu pensamento e seu corpo são atingidos, afetados pelo Espírito.
De volta ao diálogo entre os jovens, há ainda outro evento religioso de franca interação com o Espírito Santo que também foi posto em evidência: o repouso no Espírito. Associado à transformação do corpo humano em "templo do Espírito", esse fenômeno ocorre a partir da imposição das mãos de um sacerdote durante um momento de louvor e oração glossolálica. O repouso no Espírito é considerado pelos carismáticos como um momento especial da experiência religiosa, quando o Espírito invade todo o corpo humano, rende-o de suas resistências e o torna tão livre a ponto de que nem o próprio sujeito o consegue controlar e, por isso, acaba caindo ao solo, ou seja, "repousando no Espírito".
Os rapazes enfatizaram ao novato que ele deveria crer: ele precisava crer e "abrir o coração" para a ação de Deus. Trata-se aí da necessidade de que o ser humano participe e crie condições para que se realize a ação divina. Afinal, sem que o sujeito performatize corretamente a técnica de comunicação com Deus, "permitindo" a sua ação, nada ocorrerá.
Tratando dessa experiência mística, Maués (2003) observou, por exemplo, que os sentimentos de felicidade e paz interior narrados pelos sujeitos que acabaram de passar por um "repouso no Espírito" não são apenas vividos pelo corpo, eles são também pensados pela ideia de uma força vital: o Espírito que dá vida nova se sobrepõe à física humana. Tal fato, a meu ver, torna ainda mais evidente a importância da performance no interior desses eventos religiosos, pois o "repouso" e a glossolalia ocorrem através de sujeitos que se pensam como "receptáculos divinos". Ao relatarem que, em um repouso no Espírito, o sujeito ficaria "igual pedra" e cairia "sem se machucar", os rapazes, em sua conversa, nos indicam a existência de técnicas relacionadas a certos modos de cair, orar e de como tratar o evento ocorrido (testemunhando-o).
Resta notar ainda nesse caso que, embora todos ali fossem visitantes, mesmo entre eles era possível perceber determinados marcadores de diferenças. Assim como foi possível observar nas dinâmicas sociais que envolvem a oração baseada na linguagem (inteligível ou não), quando se observa a oração corporal (Bastide 2006) também se nota que a experiência subjetiva se relaciona com algum grau de normatização religiosa (grupo religioso, comunidade e/ou Igreja) sem necessariamente se opor a ela.

Considerações finais

Entre os diferentes eventos e ritos apresentados (glossolalia, profecia, batismo e repouso no Espírito), o que se destaca em comum é a possibilidade de o ser humano atualizar seu contato com Deus. E, como vimos, esse encontro místico se dá, em diferentes casos, através da linguagem religiosa, que abrange inclusive o corpo, pois os sujeitos não apenas falam sobre eventos bíblicos, mas, propriamente, os refazem.
É justamente a partir disso que Bruno Latour (2004) identifica na eficácia relacionada à fala religiosa, isto é, no poder gerador, criador, que ela possui, sua característica mais marcante. Segundo o autor, a linguagem religiosa não remete a um aprendizado sobre um além-mundo, ou sobre uma lógica sobrenatural, mas, ao contrário, trata de centrar na realidade experimentada pelos sujeitos toda a veracidade de suas histórias e mitos. "A meta não é acrescentar um mundo invisível ao visível, mas distorcer, opacificar o mundo visível até que não se possa ser levado a desentender as Escrituras, e sim a re-encená-las fielmente" (Latour 2004:365).
Desse modo, para ingressar no universo carismático, para saber orar em línguas e poder repousar no Espírito é preciso conceber tais práticas como ações movidas por Deus. De modo mais preciso, é necessário, como ocorre com aqueles que vivem ou que visitam a Canção Nova, reconhecer que o Espírito Santo age sobre a vida das pessoas e que essa ação pode ser percebida pela decodificação de certos sinais. Conforme o sujeito apreende as formas de compreensão da experiência religiosa, que se dá inclusive pelos sentimentos, ele pode progressivamente se inserir naquele espaço povoado de seres divinos.
Entre os carismáticos, a oração é proferida/performatizada para se comunicar com os seres celestiais que povoam o real e que se manifestam cotidianamente. As diversas orações aqui observadas não servem, portanto, para remeter ou aludir a um outro mundo, sobrenatural, mas para fazer dialogar e interagir, continuamente, seres humanos e o Espírito Santo - que convivem "naturalmente" neste mundo. Nesse sentido, a prece não se resume à função de ser um simples meio ritualizado de acesso a um campo sagrado transcendente: de fato, ela pode se realizar como uma verdadeira materialização da ação divina sobre a vida humana. A oração se apresenta, assim, como um modo do Espírito Santo se expressar, ao mesmo tempo em que é proferida, sentida, performatizada por algum sujeito.
Ao acompanhar a perspectiva nativa sobre a oração, observamos que ela se constitui como um instrumento de relação entre homem e Deus. Relação essa que pode ter diferentes mediadores, como a fala consciente (de uma oração "tradicional"), a fala desordenada da glossolalia, a própria boca e as cordas vocais utilizadas na profecia, ou o corpo todo, em evidência no repouso no Espírito. Corpo, linguagem e sentidos constituem-se, portanto, como elementos de uma totalidade produtora de orações e de situações que conduzem a experiências místicas. Sob esse aspecto, a oração carismática não se limita à forma do rito oral conforme definido por Mauss. Além disso, na Canção Nova, a oração pode ser feita não para agir sobre os seres sagrados (Mauss 1979:272), mas, ao contrário, para permitir que eles atuem no ser humano. Não obstante, na medida em que atentamos ao aspecto social da prece, a clássica reflexão maussiana continua apresentando-se como um importante instrumental. Espero ter demonstrado que a subjetividade ou mesmo o caráter pessoal de cada oração não nos permite dizer que seu conteúdo seja propriamente individual, nem, muito menos, aleatório. Quando o Espírito fala pela boca de um fiel ou "invade" o seu corpo, transbordando-o, os modos de ação da divindade são socialmente esperados, interpretados e avaliados - o que, todavia, não elimina, por outro lado, o sentimento de originalidade vivenciado pelo sujeito religioso em cada experiência pela qual ele passa.
Na tentativa de decifrar alguns códigos imbricados nessa contínua movimentação entre um sujeito que experimenta, uma coletividade que pode lhe envolver e uma divindade que se manifesta à materialidade humana é que a oração e suas práticas associadas se apresentaram como um valioso conjunto de análise. Espero que pela compreensão de certas circunstâncias nas quais as dimensões humana e divina se relacionam, se é que não se confundem, possamos ter novos elementos para continuar a interpretar, cada vez com mais profundidade, o cenário da vivência religiosa carismática. Cenário esse responsável pela mobilização de milhares de sujeitos que colaboram na manutenção e difusão de um tipo de religiosidade que nas últimas décadas ganha cada vez mais visibilidade pública e número de adeptos no país.

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Notas

1Este artigo é, em parte, resultado da minha pesquisa de mestrado sobre a Canção Nova. Para maiores detalhes, conf. Pereira (2008). 2Vale considerar, desde agora, que ritos como esse do batismo no Espírito constituem não somente uma via de iniciação individual de um sujeito religioso, mas se relacionam mais amplamente com a própria formação do movimento carismático. Thomas Csordas (1997) fez uma interessante observação sobre isso, ao considerar que enquanto a antropologia habitualmente observou nas "sociedades tradicionais" como os ritos refletiam ou iluminavam estruturas sócio-culturais mais profundas, na RCC, ao contrário, o ritual é que produziria o social. Em suas palavras: "Ritual events like prayer meetings are both historically and structurally prior to generation of distinctive patterns of thought, behavior, and social organization. The events provide the earliest models for the organization of community life: ritual creates society as a self-affirmation." (1997:21). 3Ou seja, no presente trabalho, não me ocuparei de orações como a Ave-Maria ou o Pai-Nosso, por exemplo. 4Nome fictício, assim como o de Fátima, mais à frente. 5Trata-se de uma referência à conversa entre Jesus e Nicodemos descrita no Evangelho de São João: "Em verdade em verdade te digo: quem não renascer da água e do Espírito não poderá entrar no Reino de Deus. O que nasceu da carne é carne, e o que nasceu do Espírito é espírito. Não te maravilhes de que eu te tenha dito: Necessário vos é nascer de novo. O vento sopra onde quer; ouves-lhe o ruído, mas não sabes de onde vem, nem para onde vai. Assim acontece com aquele que nasceu do Espírito." (João 3, 5-8). 6Parece-me bastante relevante o fato de que, nessa época, o padre só havia ouvido sobre tais eventos extáticos, sem ter presenciado nenhuma ação do Espírito Santo (conforme observada na RCC) pessoalmente. 7Transcrevo o original: "As has often been observed, language can seems both deeply subjective (as an apparent medium of inner thought), and eminently social (as a preexisting system and a medium of communication). (...) Implicit in these differing stances is a brother point, that human agency is not always something people want entirely to celebrate or claim for themselves; they may prefer to find agency in other worlds. To the extent, however, that there access to other worlds is mediated by language, it involves persistent tensions between transcendence and the pragmatic present." (Keane 1997:65-66). 8Para pensar essa questão do reforço de diferenças, utilizo-me da reflexão de Pierre Bourdieu sobre A produção e a reprodução da fala legítima. Para o autor: "Os usos sociais da língua devem seu valor propriamente social ao fato de se mostrarem propensos a se organizar em sistemas de diferenças (...), reproduzindo o sistema das diferenças sociais na ordem simbólica dos desvios diferenciais. Falar é apropriar-se de um outro dentre os estilos expressivos já constituídos no e pelo uso, objetivamente marcados por sua posição numa hierarquia de estilos que exprime através de sua obra a hierarquia dos grupos correspondentes" (Bourdieu 1996:41). 9Roger Bastide é a principal referência que utilizo para desenvolver essa reflexão. Buscando alargar a definição maussiana da prece (que acabaria reproduzindo mesmo que indiretamente a ideia cristã de divisão entre a alma, que reza, e o corpo, que apenas a acompanha), ele afirmou: "Em suma, não podemos definir a oração como um simples rito oral; trata-se de um rito total que engloba a totalidade do homem orante" (Bastide 2006:158).


Recebido em maio de 2009
Aprovado em outubro de 2009



*Edilson Pereira (edilperei@yahoo.com.br)
Doutorando em Antropologia Social pelo PPGAS/Museu Nacional/UFRJ. Mestre em Sociologia e Antropologia pelo PPGSA/IFCS/UFRJ.

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