SOBRE CLIENTES E COISAS - ANDRÉ LUIZ MARCHIORI


primeiro-alento
Sobre Clientes e Coisas
“Dizer que ‘tudo é absurdo’ ou dizer que ‘tudo é graça’ é igualmente mentir ou trapacear… Como morrer e resuscitar, o absurdo e a graça são só dois lados de uma mesma moeda.”
Jean-Yves Leloup
A pouco terminei de ler um livro sobre Coaching. Dentre os diversos temas presentes, um, em especial, me chamou a atenção: A premissa de que o cliente sempre sabe a resposta para as suas questões. Claro que não vejo o coach ou terapeuta como “senhores do conhecimento”, detentores do saber do cliente. Pelo contrário, o caminhar, dentro de uma sessão, depende exclusivamente dos anseios, desejos e conhecimentos do cliente. Mas, o por quê desse incômodo?
Em diversas sessões já presenciei o desejo ansioso dos clientes por respostas, principalmente quando utilizo algum oráculo, como tarot ou i-ching, sendo necessário explicar que utilizo esses instrumentos não como um oráculo divinatório, mas como  instrumentos para atingir o inconsciente, uma forma de trazer a tona temas que estão obscuros na terapia. Mesmo assim o desejo por uma solução rápida paira no ar.
O mesmo posso dizer sobre o coach ou terapeuta. Quantas expectativas colocamos em nossos clientes, desde o momento que entram no consultório, se partimos da premissa que eles possuem todas as respostas para as suas questões? Me faço entender. Da mesma forma que um cliente expõe suas expectativas diante da leitura do tarot, muitas das vezes, nós terapeutas e coaches, expomos, de forma consciente ou não, nosso desejo de que o cliente encontre a solução para o seu tema e possa sair contente com as sessões.
Aqui surge meu temor. Acredito que cada cliente possui seu tempo, cronológico ou não, para absorver os pontos que trouxe para a terapia e, só assim, começar a elaborar respostas saudáveis para seus questionamentos. De nada adianta definirmos prazos, propormos “perguntas poderosas”, utilizarmos de técnicas famosas, na confiança de que o cliente sairá satisfeito,  se o seu momento ainda não chegou.
Mas como lidar com isso? Com essa necessidade de respeitar o tempo de cada um. Ao pensar sobre este tema, me lembrei de um livro famoso na sociologia “As Regras do Método Sociológico”, de Émile Durkheim. Considero mágico esses momentos em que uma ciência é capaz de dialogar com outras. Retornando ao livro, segundo Durkheim, uma regra fundamental das ciências sociais é “tratar os fatos sociais como coisas”. Ou seja, tratar os fatos sociais para além do simples processo de análise mental buscando compreendê-los por meio da observação e da experimentação técnica, passando de forma progressiva das características exteriores para as menos visíveis, mais profundas.
Trazendo essa visão para o contexto terapêutico, reconhecendo suas diferenças, cabe ver o cliente não com idéias pré-concebidas, seja a favor ou contra o mesmo, mas reconhecê-lo como Sujeito, composto por dons e fraquezas, dádivas e sofrimentos, que estão além de uma imagem inicial.
Não se faz terapia sem aprender a observar. Se não fazemos isso e, já no primeiro momento, rotulamos o cliente como detentor total de suas respostas, o reduzimos a um rótulo, deixando de reconhecer a sua dádiva de acertar e de errar. Rotular o cliente, permite que, a cada passo em falso, também o rotulemos por seus sintomas, por seus fracassos.
Assim, retorno a frase inicial, de Jean-Yves Leloup, que nos chama para o fato de que graça e absurdo andam lado a lado, de mãos dadas, um não convivendo sem o outro. Da mesma forma que o terapeuta falha, se assusta, chora com as dores do cliente, este também erra, teme ou não sabe responder questionamentos de sua vida.
Como já foi dito diversas vezes, cliente e terapeuta, coach e coachee, andam lado a lado, aprendendo juntos e também errando juntos, caindo e levantando, reconhecendo que graça e absurdo fazem parte da vida.

Dez Orientações Maiores

Baseado no Colégio Internacional dos Terapeutas, que tem como mentor Jean-Yves Leloup, segue abaixo as Dez Orientações Maiores, como citado no artigo “o colégio internacional dos terapeutas” de Roberto Crema, e que serve de orientação para o cuidar terapêutico defendido aqui, neste blog.

1- Postulado Antropológico

Esclareça sua imagem acerca do ser humano, para escapar da dinâmica cega do inconsciente; assuma a responsabilidade por sua visão, atualizada e plena do humano, pois é ela que determinará a sua atitude frente a você mesmo, ao outro, à humanidade, ao Universo e ao Mistério!

2- Ética da Benção

Abra-se para a Luz que existe subjacente a tudo e a todos; o olhar e a fala são estruturantes: tornamo-nos aquilo que dizemos e para qual olhamos!

3- Silêncio

Habite o deserto fértil da Pausa, transcendendo os diálogos internos, a ilusão do passado e a ficção do futuro, que nos exilam do Instante que é o Real, pátria do Encontro, oásis do Ser!

4- Estudo

Exercite, no cotidiano, a arte de nutrir nossas duas inteligências, a diabólica – que divide – e a simbólica – que religa -, o princípio masculino e o feminino, para ser capaz do Tao da compreensão!

5- Gratuidade

Pratique a bênção da doação, do semear incondicional que não visa à colheita, da gratuidade que nos eleva à pátria da Fonte e da Abundância, pois apenas o que ofertamos constitui células de nosso corpo de leveza e de eternidade!

6- Reciclagem

Ouse investir no potencial inusitado, dando férias ao cotidiano, para reencontrar-se no desconhecido, o que favorecerá uma clareza de olhar e uma qualidade de escuta, para deixar morrer o obsoleto e florescer no agora!

7- Reconhecimento da Incompletude

Exercite a disciplina do discípulo, o perene aprendiz da Vida, buscando alimentar-se no Maná do Ouro, no passo nosso de cada dia, cuidar-se para cuidar!

8- Anamnese Essencial

Assuma a autoria do Livro do Deslumbramento, anotando os momentos culminantes e estrelados, qndo a taça da existência transborda com o néctar do Numinoso, encanto e espato do Ser que nos convoca a Ser!

9- Despertar da Presença

Ancore-se na Plena Atenção, respirando e se deixando respirar pelo Grande Sopro, para que haja Vida no seu existir!

10- Fraternidade

Convoque-se à alquimia da sinergia, para a conexão com os reinos da parte e do Todo, já que ninguém ensina ninguém a cuidar e ninguém aprende sozinho; aprendemos a Arte de Cuidar no Encontro!

Sobre a Terapia

A cada hora que passamos diante de outra pessoa, sentada na poltrona a nossa frente, aprendemos não só o oficio da terapia, mas também o ofício de cuidar de si como única forma de cuidar do outro. O encontro entre duas pessoas, em uma sala ou em qualquer local que permita uma privacidade, permite que ambos passem por um processo interior de cuidado, atenção. Uma mudança alquímica capaz de atingir variados estados de ser, possibilitando a compreensão de si mesmo, do outro e do Ser maior, que nos cerca.
Isso significa que, a cada hora terapêutica, em sessões, o terapeuta se depara com os mais variados indivíduos, com suas crenças, fé, paixões, alegrias e tristezas, uma infinidade de emoções e energias que, ao se apresentarem  permitem a ambos, cliente e terapeuta, modificarem a si mesmos e ao mundo que os cerca. Por mais que alguns não concordem, também o terapeuta é sujeito participante no processo, influenciando e sendo influenciado a cada sessão.
Cada cliente que adentra no espaço terapêutico, composto por uma pequena área, onde se situam duas poltronas, alguns livros sobre uma estante, alguns quadros, trás consigo uma intensidade que lhe é próprio. Um riqueza de temas que permite alimentar, como a uma lareira, uma reflexão constante sobre a vida, sobre o amor, sobre a existência.
A cada encontro o ato de refletir sobre os temas da Vida permite que o calor se espalhe por toda a sala e, novamente tocando na metáfora da lareira, permite que ambos, cliente e terapeuta, se aqueçam e se permitam saborear dessa fonte inesgotável de energia. Inesgotável pois, diferentemente da lareira que um dia se apaga por falta de lenha, o calor da reflexão pode ser alimentado constantemente, a cada novo fato, a cada fato antigo que gerou e ainda gera entendimento.
Certamente, a cada cliente que adentrou a minha sala e trouxe consigo o seu tema, permitindo a sua reflexão, me presenteou com a possibilidade de também refletir. Não unicamente a reflexão sobre aquele momento, mas uma reflexão que permite buscar a compreensão de temas próprios, pertencentes apenas a mim.
O que compõe a terapia é o cuidado. A função do terapeuta é ser um cuidador. E esse cuidado nasce da escuta e do olhar. O aprender a escutar o outro e a si mesmo para além das palavras ditas. Escutar o não-dito. O aprender a ouvir o outro e a si mesmo para além dos gestos usuais. Observar os sentimentos, as alegrias e tristezas.
A reflexão permite esse cuidar, pois é nela que compreendemos a nossa liberdade de interpretação. Nossa liberdade em interpretar a aventura de se viver e de se morrer, dando um sentido novo ao que se passa conosco e com nossos clientes. Nos é permitido, através da reflexão, dar um sentido ao que acontece ao nosso redor e em nosso interior.
Uma vida sem reflexão é uma vida sem sentido. Uma vida sem sentido é uma vida sem centro. Cabe ao terapeuta auxiliar ao cliente, da mesma forma que o cliente auxilia o terapeuta, na busca desse centro. Dessa centralidade que é própria a cada um e que não surge do copiar, mas do compreender.

André Luiz Marchiori – coach interior e terapeuta holístico.
Fonte: http://coachinginterior.wordpress.com/