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Uma boa noite
de sono começa no intestino (e não é só com o que você comeu no jantar)
Os micróbios intestinais produzem
neurotransmissores que influenciam os hormônios relacionados ao sono
Por
Manal Mohammed
, Em The
Conversation*
06/12/2025 04h30 Atualizado há 2 dias
Você pode pensar que uma boa noite de sono começa no cérebro, mas o sono reparador, na verdade, começa muito mais abaixo no corpo: no intestino.
A comunidade de trilhões de micróbios que vivem no seu trato digestivo, conhecida como microbiota intestinal, desempenha um papel fundamental na regulação da qualidade do sono, do humor e do bem-estar geral. Quando a microbiota intestinal está equilibrada e saudável, o sono tende a fluir naturalmente. Quando ela está desequilibrada, insônia, noites inquietas e ciclos de sono irregulares costumam aparecer. O intestino e o cérebro comunicam-se constantemente através do eixo intestino-cérebro, uma rede de comunicação que envolve nervos, hormônios e sinais imunológicos.
A parte mais conhecida desse sistema é o nervo vago, que atua como uma linha de comunicação bidirecional, transportando informações entre o intestino e o cérebro. Os pesquisadores ainda estão estudando a importância desse nervo para o sono, mas as evidências sugerem que sua atividade mais intensa contribui para estados nervosos mais calmos, ritmos cardíacos mais estáveis e transições mais suaves para o repouso.
Devido a essa íntima conexão, as alterações no intestino influenciam a forma como o cérebro regula o estresse, o humor e o sono.
Então, como o intestino realmente comunica esses sinais ao cérebro?
Os micróbios intestinais fazem mais do que digerir alimentos. Eles produzem neurotransmissores e metabólitos que influenciam os hormônios relacionados ao sono. Metabólitos são pequenos subprodutos químicos criados quando os micróbios decompõem os alimentos ou interagem entre si. Muitos desses compostos podem influenciar a inflamação, a produção hormonal e o relógio biológico do corpo. Quando o intestino está em equilíbrio, essas substâncias enviam sinais constantes e calmantes que favorecem um sono regular. Quando o microbioma se desequilibra, uma condição conhecida como disbiose, esse sistema de comunicação torna-se instável.
O intestino também produz diversas substâncias químicas essenciais para o sono. A serotonina, por exemplo, regula o humor e ajuda a definir o ciclo sono-vigília. A maior parte da serotonina do corpo é produzida no intestino, e bactérias saudáveis ajudam a manter sua produção estável. A melatonina, que induz o sono noturno, é produzida não apenas na glândula pineal, mas também em todo o trato digestivo. O intestino ajuda a converter a serotonina em melatonina, portanto, sua condição influencia diretamente a eficiência desse processo.
O intestino também contribui para a produção de GABA (ácido gama-aminobutírico), um neurotransmissor calmante produzido por certos microrganismos benéficos. O GABA acalma o sistema nervoso e sinaliza que o corpo está seguro o suficiente para relaxar. Juntos, esses compostos químicos fazem parte do ritmo circadiano do corpo, o ciclo interno de 24 horas que regula o sono, o apetite, os hormônios e a temperatura. Quando bactérias nocivas predominam, esse ritmo se torna menos estável, o que pode contribuir para insônia, ansiedade na hora de dormir e sono fragmentado.
Outra via importante que liga o intestino ao sono é a inflamação. Um intestino saudável mantém uma resposta imunológica equilibrada. Ele faz isso protegendo a mucosa intestinal, abrigando microrganismos que regulam a atividade imunológica e produzindo compostos que acalmam as reações inflamatórias. Se houver disbiose ou se uma dieta inadequada irritar a mucosa intestinal, podem se formar lacunas entre as células da parede intestinal. Isso permite que moléculas inflamatórias escapem para a corrente sanguínea, criando uma inflamação crônica de baixo grau.
Sabe-se que a inflamação interfere na regulação do sono. Ela prejudica a capacidade do cérebro de coordenar transições suaves entre os estágios do sono, porque substâncias químicas inflamatórias influenciam as mesmas regiões cerebrais que controlam o estado de alerta e o repouso. Pessoas com doenças inflamatórias intestinais frequentemente vivenciam isso de forma muito prática.
A síndrome do intestino irritável, sensibilidades alimentares ou aumento da permeabilidade intestinal, muitas vezes chamada de intestino permeável, envolvem irritação ou afrouxamento da mucosa intestinal. Isso permite que substâncias que desencadeiam a resposta imunológica entrem na corrente sanguínea com mais facilidade, o que aumenta a inflamação e interfere no sono. A inflamação também eleva os níveis do hormônio do estresse, o cortisol, o que faz com que o corpo se sinta preparado para a ação em vez do repouso.
Estresse, sono e saúde intestinal se reforçam mutuamente. O estresse altera o microbioma intestinal, reduzindo os micróbios benéficos e aumentando os compostos inflamatórios. Um intestino desequilibrado envia sinais de alerta ao cérebro, o que aumenta a ansiedade e perturba o sono. A má qualidade do sono eleva ainda mais o cortisol, o que agrava o desequilíbrio intestinal. Isso cria um ciclo difícil de quebrar, a menos que o intestino receba o suporte necessário.
Fortalecer o intestino pode melhorar significativamente o sono, e as mudanças não precisam ser complicadas. Consumir alimentos prebióticos e probióticos, principalmente fermentados, favorece os micróbios benéficos, pois a fermentação cria culturas vivas que ajudam a repovoar o intestino. Reduzir o consumo de açúcar e alimentos ultraprocessados diminui a inflamação e previne a disbiose, pois esses alimentos tendem a alimentar bactérias que promovem irritação ou produzem subprodutos inflamatórios.
Manter horários regulares para as refeições ajuda o intestino a manter um ritmo diário constante, pois o sistema digestivo possui seu próprio relógio interno. Controlar o estresse faz diferença. Manter-se bem hidratado beneficia a microbiota intestinal, pois os líquidos auxiliam na digestão, no transporte de nutrientes e na camada de muco que protege o revestimento intestinal. Juntas, essas mudanças criam um ambiente intestinal mais estável, que favorece um sono mais profundo e reparador.
Um sono de qualidade não começa no momento em que você se deita. Ele começa muito antes disso, sendo moldado pela saúde do intestino e pelas mensagens que ele envia ao cérebro ao longo do dia. Quando o intestino está saudável e equilibrado, o corpo consegue se acalmar, se recuperar e entrar nos ritmos que permitem que o sono melhore naturalmente.
* Manal Mohammed é Professora Sênior de Microbiologia Médica na Universidade de Westminster, localizada em Londres.
* Este artigo foi republicado de The Conversation sob licença Creative Commons. Leia o original.
Fonte:https://oglobo.globo.com/saude/noticia/2025/12/06/uma-boa-noite-de-sono-comeca-no-intestino-e-nao-e-so-com-o-que-voce-comeu-no-jantar.ghtml
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